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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574

Cad. Pesqui. vol.44 no.153 São Paulo jul./set. 2014

https://doi.org/10.1590/198053142954 

Tema Em Destaque

Atores, cenários e planos: o planejamento estratégico situacional e a educação

Actors, scenarios and plans: situational strategic planning and education

Actores, escenarios y planos: la planificación estratégica situacional y la educación

João Augusto Gentilini1 

1Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Unesp/Araraquara


RESUMO

Este texto aborda o modelo de planejamento vigente na América Latina, inspirado no pensamento nacional-desenvolvimentista, tendo o Estado como ator principal do desenvolvimento econômico. Examina a influência desse modelo sobre o planejamento das áreas sociais, inclusive da área educacional e os fatores que levaram ao seu esgotamento. As críticas surgidas aos postulados fundamentais do planejamento tradicional de natureza econômica no final da década de 1970 e pós-crise dos anos de 1980 e a busca de propostas alternativas de planejamento também são explicitadas, assim como a proposição do Planejamento Estratégico Situacional (Método PES), do intelectual e economista Carlos Matus, abrangendo seus principais conceitos operacionais e sua adequabilidade ao programa da área social e educacional.

Palavras-Chave: Planejamento Estratégico Situacional; Governabilidade; Planejamento da Educação

ABSTRACT

This study addresses the current planning model in Latin America, which was inspired by the thought of national development granting the State the role of the leading actor of economic development. It examines the infl uence of this model on the planning of social arenas, including the educational one and inquires the factors that led to its breakdown. The criticisms of the fundamental postulates of traditional economic planning in the late 1970s and the post-80s crisis, and the search for alternative proposals of planning are also adressed. Finally, the study deals with Carlos Matus´s Situational Strategic Planning (PES method), covering the main operational concepts of the method of this intellectual and economist altogether its suitability for the program of the social and educational areas.

Key words: Situational Strategic Planning; Governance; Educational Planning

Década de 1980 foi considerada pela maioria dos economistas como a "década perdida" para os países latino-americanos. Após um crescimento econômico impulsionado principalmente pela maciça entrada de capital estrangeiro, inicia-se um processo de esgotamento do modelo econômico, agravado por dois choques do petróleo nos anos 1970 e pela necessidade de se pagarem as dívidas contraídas nas duas décadas anteriores.

O planejamento econômico conduzido pelo Estado fora, até então, o principal meio de se promover a modernização econômica da América Latina. Inspirado na ideologia do nacional-desenvolvimentismo surgido no pós-guerra, o planejamento estatal inseria-se na perspectiva de que era possível superar o subdesenvolvimento através de uma via alternativa, situada entre o Primeiro Mundo constituído pelas potências capitalistas industrializadas e o Segundo Mundo, constituído pelos países socialistas. O Estado, utilizando os recursos do planejamento, seria o principal indutor do crescimento econômico.

O modelo de planejamento utilizado pela maioria dos países latino-americanos fora construído tendo como base o planejamento dos países integrantes da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico - OCDE - e o modelo de planejamento dos países socialistas. Esses modelos foram debatidos e aperfeiçoados na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que se tornou uma importante "escola de planejadores", de onde surgiram muitos dos especialistas que integraram as equipes de planejamento econômico dos governos latino-americanos nas décadas de 1950 e 1960.

Apesar dos regimes militares que se instalaram a partir dessa década - e mesmo com a mudança da perspectiva nacional-desenvolvimentista para uma de capitalismo associado-dependente -, o modelo de planejamento permaneceu mais ou menos como fora concebido na Cepal, ou seja, centralizado, tendo o Estado como ator protagônico, os planejadores como técnicos trabalhando em órgãos ou agências governamentais, onde eram elaborados os planos, projetos e programas a se-rem implementados, tendo a economia como foco principal e à qual se submetiam os demais setores da sociedade.

O término do modelo nacional-desenvolvimentista, a instabilidade econômica instalada no final dos anos 1970 - crise do petróleo e da dívida externa - e as transformações econômicas externas (globalização), juntamente com a incapacidade de o Estado continuar tutelando o crescimento econômico, colocou em xeque o modelo de planejamento econômico vigente.

A metodologia de planejamento que vigorou até a década de 1980 também enfrentou uma crise de eficácia, abrindo-se uma lacuna no planejamento latino-americano ante a frustração causada pelos sucessivos planos concebidos para se retomar o desenvolvimento econômico, diante da crise econômica e política. Esse modelo de planejamento, inspirado na teoria macroeconômica e inicialmente aplicado com sucesso, logo demonstrou sua incapacidade de lidar com problemas complexos surgidos no contexto político de crise e foi abandonado, levando os planejadores a certo descrédito perante a sociedade e a um isolamento em gabinetes ou escritórios de trabalho, distanciados da realidade social e política.

Em meio a esse contexto, em que os modelos tradicionais de planejamento são criticados e se buscam alternativas para a recuperação da credibilidade do planejamento e dos planejadores, é que surge o Planejamento Estratégico Situacional - PES -, que passou a ser visto como uma alternativa viável e eficaz em contextos de crise e de necessidade de se garantir a governabilidade sem que os objetivos de mudança política e social fossem abandonados e os países se rendessem à onda neoliberal, a qual cresceu com a globalização econômica e o enfraquecimento da capacidade de intervenção do Estado.

Este texto apresenta, pois, os principais aspectos do que se convencionou chamar de "Método PES" e suas possibilidades de aplicação no campo educacional, considerado de forte densidade política e social. Os limites editoriais aqui definidos impedem um detalhamento do referido Método, ou mesmo uma reflexão mais aprofundada de sua aplicação na esfera educacional, onde as experiências no Brasil ainda são poucas e relativamente recentes. Tem, contudo, o objetivo maior de levantar problemas e provocar a discussão, na expectativa de que o Método PES não seja relegado à condição de "mais uma proposta" dentre muitas no campo do planejamento e venha a ser considerado pelos planejadores educacionais que, não raro, são criticados por não considerarem a especificidade do campo educacional e importarem, de forma unilateral, modelos de planejamento próprios da área econômica.

Para sua elaboração, utilizaram-se as principais obras divulgadas no Brasil sobre o Método PES, através da Cepal, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea - e da Escola de Governo da Fundação para o Desenvolvimento Administrativo - Fundap -, do governo de São Paulo, que, na década de 1990, promoveu vários cursos de Planejamento Estratégico Situacional para estudiosos do planejamento e para agentes, técnicos e atores públicos. O texto é enriquecido com as anotações e reflexões do autor quando ministrou disciplinas sobre gestão e planejamento educacional em vários cursos de Pós-Graduação de universidades públicas e privadas.

O texto defende, ao final, que o processo de descentralização educacional ocorrido no Brasil a partir da Constituição de 1988 e a institucionalização dos sistemas educacionais nas três instâncias federativas abriram uma oportunidade para que os dirigentes e gestores públicos nos municípios possam utilizar o Método PES no processo de planejamento da educação municipal.

Texto na íntegra em PDF

REFERÊNCIAS

MATUS, Carlos. O líder sem estado maior. São Paulo: Fundap, 2000. [ Links ]

MATUS, Carlos. Adeus, senhor presidente: governantes e governados., São Paulo: Fundap 1996a. [ Links ]

MATUS, Carlos. Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi: estratégias políticas., São Paulo: Fundap 1996b. [ Links ]

MATUS, Carlos. Política, planejamento & governo. v. 1. Brasília, DF: Ipea, 1993. [ Links ]

MATUS, Carlos. Planificacion y gobierno. Revista de la Cepal, Santiago, Chile, n. 31, 1987. [ Links ]

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