SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44 número153Os PCN e a elaboração de propostas curriculares no BrasilNarrativas da origem histórica dos direitos humanos nos manuais de direito índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574

Cad. Pesqui. vol.44 no.153 São Paulo jul./set. 2014

https://doi.org/10.1590/198053142771 

Outros Temas

Turnos e segregação escolar: discutindo as desigualdades intraescolares.

Turnos y segregación escolar: las desigualdades intraescolares en discussio

Tiago Lisboa Bartholo I  

Marcio da Costa II  

1Professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

2Professor associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - e coordenador do Observatório Educação e Cidade


RESUMO

O artigo analisa padrões de segregação entre e intraescolas, trazendo dados para toda a rede municipal de educação do Rio de Janeiro, de 2004 a 2010. O desenho do estudo possibilita medir o efeito líquido produzido pela distribuição dos alunos entre os turnos da manhã e da tarde na segregação escolar. Para isso foi utilizado um indicador denominado Índice de Segregação, que considera quatro características dos estudantes: condição de pobreza, cor/raça, educação parental e distorção idade-série. Os resultados indicam que os turnos escolares produzem efeito de incremento no nível geral de segregação escolar e que os estudantes são selecionados para diferentes turnos, principalmente em função de seu percurso escolar pregresso, o que reforça a impressão da existência de uma espécie de tracking informal, na rede escolar estudada.

Palavras-Chave: Segregação Escolar; Turnos Escolares; Política Educacional

RESUMEN

El artículo analiza estándares de segregación entre e intra escuelas y aporta datos para toda la red municipal de educación de Rio de Janeiro, desde 2004 hasta 2010. El diseño del estudio posibilita medir el efecto neto producido por la distribución de los alumnos entre los turnos de la mañana y de la tarde en la segregación escolar. Para ello se utilizó un indicador denominado Índice de Segregación, que considera cuatro características de los estudiantes: condición de pobreza, color/ raza, educación parental y distorsión edad-año escolar. Los resultados indican que los turnos escolares producen un efecto de incremento en el nivel general de segregación escolar y que los estudiantes son seleccionados para distintos turnos principalmente en función de su recorrido escolar anterior, lo que refuerza la impresión de que hay una suerte detrackinginformal en la red escolar estudiada.

Palabras-clave: Segregación Escolar; Turnos Escolares; Política Educativa

ABSTRACT

The paper analyzes patterns of intra- and interschool segregation for the entire Rio de Janeiro, municipal school system from 2004 to 2010. The research design captures the "net effect" of "schooling in shifts/sessions, a mandatory distribution of pupils across morning and afternoon "shifts" or "sessions". Segregation was assessed utilizing the Segregation Index considering four different pupil characteristics: poverty, color/race, parents' education and age/grade distortion. The results indicate that "school shifts" increase the overall level of segregation and that the pupils are being consistently selected based on prior educational attainment, reinforcing the existence of "informal tracking" in Rio de Janeiro public schools.

Key words: School Segregation; School Shifts; Educational Policy

Este artigo analisa o impacto da alocação de alunos nos diferentes turnos escolares sobre os níveis de segregação na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. A política em questão ocorre na maioria das cidades brasileiras e em outros países em desenvolvimento. O desenho do estudo possibilita medir o efeito líquido dessa política e estabelecer uma comparação entre os níveis de segregação existentes e um cenário hipotético onde tais políticas estivessem ausentes. Os testes podem conduzir a dois resultados: 1) ausência de impacto e; 2) aumento no nível de segregação. Dada a inexistência de uma legislação específica que regule a alocação de estudantes entre os turnos, o modelo hipotético supõe alocação aleatória. É isso o que ocorre?

O conceito de segregação aqui adotado refere-se à distribuição desigual de estudantes que compartilham uma característica específica em um conjunto de escolas. A mensuração foi feita com base no Índice de Segregação (Segregation Index) - GS. Foram adotados quatro diferentes indicadores de desvantagem potencial de estudantes e, a partir deles, calculados seus respectivos índices de segregação: pobreza, educação dos pais, cor1 e distorção idade/série (atraso escolar). O conceito de segregação não deve ser tomado como sinônimo de discriminação ou injustiça. Pode-se afirmar, com base nesse cálculo, que a segregação é quase inevitável. Entretanto, deve-se destacar também a importância de reconhecer a ocorrência do fenômeno, a fim de distinguir entre o que seria uma segregação "razoável" ou esperada e o que pode ser caracterizado como desigualdade e políticas e práticas que a favorecem.

Evidências de diferentes países sugerem que a segregação escolar é um fenômeno universal, decorrente de fatores como segregação residencial, políticas educacionais e escolha parental. Esses fatores, por sua vez, estão reconhecidamente relacionados ao isolamento social, econômico e cultural (HARRIS, 2011). Este artigo focaliza apenas um fator de segregação, uma prática ou política educacional específica. Assim, boa parte da variação nos níveis de segregação não será explicada nos nossos modelos. Questões como o impacto da segregação residencial, da escolha parental e de outros elementos da política educacional devem ser consideradas em trabalhos futuros para que se possa conhecer melhor as causas da segregação em redes escolares públicas no Brasil.

No debate internacional sobre segregação escolar duas questões cruciais se destacam. A primeira se refere ao impacto do agrupamento de estudantes com características semelhantes. Haveria potencialmente mais benefícios ou efeitos nocivos no ato intencional de agrupar estudantes que compartilham determinadas características? As evidências coletadas em diferentes sistemas educacionais indicam efeitos distintos para a segregação. De um lado, é razoável supor que agrupar estudantes com características/necessidades específicas pode ser eficaz quando se pretende aplicar políticas direcionadas a ajudar tais grupos. De outro lado, há fortes indícios de que agrupar alunos com características específicas pode impactar a forma como eles são tratados nas escolas, assim como a qualidade do ensino, os níveis gerais de desempenho e as probabilidades de acesso ao ensino superior; observa-se ainda uma associação cada vez mais direta entre desempenho acadêmico e nível socioeconômico (HAAHR et al., 2005; EGGRES, 2005; BRITO; COSTA, 2010; ROSENTHAL; JACOBSON, 1968).

A segunda questão diz respeito ao papel das políticas educacionais nos níveis de segregação. Será que as políticas educacionais têm impacto no nível geral de segregação? É razoável presumir que políticas que deliberadamente separam estudantes baseadas, na cor, por exemplo, perderam legitimidade ao longo do tempo, como o sistema do apartheid na África do Sul, que tende a ser considerado injusto e ilegal nos países democráticos.

Todavia, a decisão de agrupar intencionalmente estudantes com características similares também pode ser vista como justa e desejável, quando dirigida a tornar sistemas educacionais menos estratificados, ao menos em termos de desempenho dos estudantes.

Procedimentos diferenciadores podem ser aplicados com a intenção de reduzir desigualdades sociais. A nova compreensão do que seria justo em termos de oportunidades educacionais cria também uma nova oposição entre sistemas educacionais mais unitários ou mais segmentados, com diferentes tipos de escolas, currículos e incentivos. De qualquer forma, novas políticas que objetivam enfrentar desigualdades sociais pré-existentes podem inadvertidamente ampliar a segregação. Esse efeito adverso deveria ser considerado seriamente por pesquisadores e gestores, dado que pode interferir nos potenciais benefícios da política.

Há muitos exemplos de políticas que podem, de forma não intencional, impactar os níveis de segregação. As escolas charter, nos Estados Unidos, são exemplo de uma tentativa de tornar o sistema educacional mais diverso e atraente. Outro exemplo é o sistema de tracking na Alemanha ou Hungria. Há fortes evidências de que a seleção de estudantes em sistemas formais de tracking está altamente correlacionada com seu nível socioeconômico. A iniciativa de direcionar estudantes a um caminho pode, ao menos em alguns casos, resultar não muito diferente de selecioná-los por nível socioeconômico. Um terceiro e derradeiro exemplo é a política de escolha escolar que, dentre outros objetivos, busca incrementar a escolha parental. Não há consenso entre pesquisadores sobre os impactos das políticas de incentivo à escolha escolar na segregação escolar (GORARD; TAYLOR; FITZ, 2003).

Essas políticas se propõem a assegurar a qualidade e a equidade dos sistemas educacionais, apesar de haver evidências de que tais objetivos são difíceis de conciliar. Para resolver essa equação, há projetos de pesquisa desenhados de modo a permitir estimar não somente os efeitos intencionais, mas também os não intencionais de tais políticas, e que podem ser de grande utilidade para os gestores.

Este artigo se divide em seis seções, incluída esta introdução. A próxima seção contextualiza o sistema educacional municipal do Rio de Janeiro, trazendo dados sobre a política de alocação de alunos nos turnos escolares. Na sequência, descreve-se o desenho do estudo, apresenta-se o Índice de Segregação e as principais variáveis utilizadas para descrever os alunos em desvantagem potencial. A quarta seção descreve os padrões de segregação escolar na rede municipal. A quinta traz os resultados do impacto da alocação de alunos nos turnos escolares sobre a segregação. A sexta e última parte retoma e discute os resultados, tratando de seus possíveis usos futuros para políticas educacionais.

Texto na íntegra em PDF

REFERÊNCIAS

BARTHOLO, Tiago Lisboa. Measuring between-school segregation in an open enrolment system: the case of Rio de Janeiro. Journal of School Choice, n. 7, p. 353-371, 2013. [ Links ]

BRITO, Márcia; COSTA, Marcio. Práticas e percepções docentes e suas relações com o prestígio e clima escolar das escolas públicas do Município do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Educação, Campinas, v. 15, n. 45, p. 500-510, set./dez. 2010 [ Links ]

BRUEL, Ana Lorena;. BARTHOLO, Tiago Lisboa Desigualdade de oportunidades educacionais na rede pública do Rio de Janeir o: transição entre segmentos do ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação, Campinas, v. 17, n. 50, p. 303, maio/ago. 2012. [ Links ]

COSTA, MarcioPrestígio e hierarquia escolar: estudo de caso sobre diferenças entre escolas em uma rede municipal. Revista Brasileira de Educação, Campinas, v. 13, n. 39, p. 455-469, nov./dez. 2008 [ Links ]

COSTA, Marcio; KOSLINSKI, Mariane. Quase-mercado oculto: a disputa por escolas comuns no Rio de Janeiro. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 141, p. 246-266, jan./abr. 2011 [ Links ]

______. Public schools: choice, strategy and competition. Pró-Posições, Campinas, v. 23, n. 2, p. 1-19, maio/ago. 2012. [ Links ]

EUROPEAN GROUP FOR RESEARCH ON EQUITY IN EDUCATIONAL SYSTEMS. Equity in European educational systems: a set of indicators. European Educational Research Journal, v. 4, n. 2, p. 1-151, 2005 [ Links ]

GORARD, Stephen. Who is eligible for free school meals? Characterising FSM as a measure of disadvantage in England. British Educational Research Journal, v. 38, n. 6, p. 1003-1017, Dec. 2012 [ Links ]

HARKER, Richard; TYMMS, Peter. The effects of student composition on school segregation. School Effectiveness and School Improvement: An International Journal of Research, Policy and Practice, v. 15, n. 2, p. 177-199, June 2004 [ Links ]

HARRIS, Richard. Local indices of segregation with application to social segregation between London's secondary schools. Environment and Planning, v. 44, p. 669-687, Aug. 2011 [ Links ]

RIBEIRO, Luis Cesar;. KOSLINSKI, Mariane A cidade contra a escolar? O caso do Município do RJ. Revista Contemporânea de Educação, Rio de Janeiro, v. 4, p. 351-378, 2009 [ Links ]

SAPORITO, Salvatore. Private choices, public consequences: magnet school choice and segregation by race and poverty. Social Problems, v. 50, n. 2, p. 181-203, 2003 [ Links ]

YORKE, Mantz. Analysing existing datasets: some considerations arising from practical experience. International Journal of Research & Method in Education, v. 34, n. 3, p. 255-267, 2011 [ Links ]

Recebido: Agosto de 2014; Aceito: Setembro de 2014

Creative Commons License This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution Non-Commercial License, which permits unrestricted non-commercial use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.