Em 2014, ocorreu a primeira aplicação do Indicador de Letramento Científico - ILC -, iniciativa criada pelo Instituto Paulo Montenegro, pela Ação Educativa e pelo Instituto Abramundo. Seu principal objetivo é avaliar em que medida a população jovem e adulta brasileira revela domínio de habilidades, saberes e conhecimentos de usos das ciências para - por meio da leitura, da escrita e do raciocínio matemático - compreender e resolver problemas inspirados em situações cotidianas relacionadas em maior ou menor grau ao mundo das ciências.
A metodologia baseou-se na aplicação de questionários e testes cognitivos a 2002 entrevistados(as), escolhidos(as) de modo amostral, em diferentes regiões metropolitanas do país segundo critérios de idade, de sexo, de escolaridade e de condição de trabalho. Por meio de entrevista domiciliar, a pessoa entrevistada forneceu informações socioeconômicas, demográficas, educacionais, de contexto e de práticas de uso de letras e números, além de responder perguntas sobre sua visão de ciência. A cada participante foi também solicitada a resolução de 36 itens que envolviam problemas relacionados a situações do cotidiano e cuja solução exigia desde noções gerais até conhecimentos estruturados e conceituais sobre diversos campos das ciências.
Vale ressaltar que a pesquisa não teve como referência a medição de aprendizagens escolares, embora reconheça que a instituição escolar é (ou deveria ser) aquela que mais contribui para a disseminação das bases da cultura científica. Desse modo, não está no escopo da proposta do ILC avaliar se a escola ensina adequadamente ou não conteúdos e habilidades relacionados às ciências, mas sim analisar, de um lado, em que medida os conhecimentos científicos estão presentes em diferentes dimensões da vida e, de outro, o quanto o público jovem e o adulto demonstram autonomia para desenvolver práticas de letramentos científicos que envolvem a cultura escrita.
A seguir, apresentam-se a metodologia utilizada e os resultados obtidos na primeira edição da pesquisa, procurando situá-la no contexto de outros estudos já realizados tanto sobre percepção pública sobre ciência e tecnologia, habilidades de letramento e numeramento de adultos como sobre experiências de avaliação educacional no campo das ciências.
Antecedentes e inspirações
Desde 1987, o Brasil foi palco de diferentes ondas de aferição da percepção pública sobre ciências e tecnologias, sem uma periodicidade claramente definida ou mesmo perspectivas teórico-metodológicas comuns, à exceção dos estudos realizados nos últimos dez anos pelo atual Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. Internacionalmente, a opinião pública sobre cultura científica também foi alvo de pesquisas em diversos países, com propostas teórico-metodológicas particulares e nem sempre alinhadas entre si, possibilitando reduzidas comparações de dados. Essa parece ser uma característica tanto nacional quanto internacional, assim como aponta a pesquisa Fapesp (SÃO PAULO, 2010), cujo relatório final revelou que o processo de revisão das metodologias até então existentes apresentava essas descontinuidades, na medida em que:
Em geral, a análise comparativa do panorama regional e mundial de estudos sobre percepção e participação social em C&T mostrou uma heterogeneidade teórico-metodológica significativa e uma descontinuidade temporal nos surveys: mesmo países que costumavam efetuar investigações periódicas sobre o tema fizeram várias mudanças de metodologia, de perguntas, de escalas e de construção de seus indicadores ao longo do tempo. (SÃO PAULO, 2010, p. 10)
Embora com recortes teórico-metodológicos diferentes, o acúmulo de experiências de pesquisas possibilitou um significativo campo de crítica e de reflexão sobre o tema da produção, divulgação e alfabetização científica. As críticas às experiências europeias e norte-americanas, por exemplo, indicaram caminhos para novas pesquisas, como a realizada pela Fapesp (SÃO PAULO, 2010), cujo objetivo era criar um indicador de exposição a debates sociais de cada época, e não necessariamente constituir um indicador de alfabetismo científico, seguindo assim as iniciativas europeias e norte-americanas. Ainda de acordo com o documento da Fapesp:
Em algumas perguntas, a quantidade de respostas consideradas "corretas" aumentava de acordo com o nível de instrução do entrevistado (o que era esperado). Em outras, no entanto, a distribuição de respostas "erradas" e "corretas" não sofria alterações conforme o nível de instrução e de acesso à informação das pessoas. Além disso, algumas perguntas causavam um nível tão elevado de respostas "não sei" ou "não responde" que a interpretação se tornava muito complexa. Outras, ainda, pareciam trazer respostas mais fortemente relacionadas com os valores políticos ou o pertencimento religioso das pessoas do que com seu "conhecimento científico". (SÃO PAULO, 2010, p. 10)
No Brasil, pesquisas realizadas em 1987, 1992, 2007, 2010 e 2015 pelo governo federal tiveram abrangência nacional e utilizaram metodologias e recortes específicos em cada uma delas, muitas vezes comprometendo a comparabilidade de resultados. Em 1987, o objetivo do estudo "O que pensa o brasileiro sobre ciência e tecnologia?" (BRASIL, 1987) residiu na sondagem da opinião pública da população adulta (18 anos ou mais) residente em áreas urbanas do Brasil acerca de temas científico-tecnológicos. A pesquisa foi amostral e o método utilizado se baseou na estratificação de todas as áreas urbanas brasileiras pelo número de habitantes, dentro de cada estado ou região; nas cidades, procedeu-se ao sorteio de grandes áreas, pequenas áreas, domicílios e residentes. Seus resultados versam sobre níveis de informação, imagem e interesse sobre ciências e tecnologias e suas profissões, assim como sobre a percepção de seu papel social e sobre a atuação governamental nesse campo.
Em grande parte motivada pela participação ativa do Brasil na Conferência Internacional ECO-92, o estudo desse mesmo ano, intitulado "O que o brasileiro pensa da ecologia?" (BRASIL, 1992), tratou de buscar elementos para entender quais eram as percepções e os valores da opinião pública em relação especificamente a temáticas ambientais, além de explorar questões ligadas à conscientização e à preservação.
Mais recentemente, em 2006 e em 2010, o então Ministério de Ciência e Tecnologia - MCT -, juntamente com a Academia Brasileira de Ciências e o Museu da Vida (Fiocruz), retomaram os estudos sobre percepção pública sobre ciência e tecnologia (BRASIL, 2007, 2010). Foram realizadas nesses anos enquetes nacionais pautadas por entrevistas domiciliares e pessoais, com questionário estruturado, junto a pouco mais de 2.000 pessoas em cada ano. As amostragens nesses anos seguiram a metodologia Probabilidade Proporcional ao Tamanho - PPT - na seleção de municípios e setores censitários e optaram pela seleção de entrevistados(as) segundo cotas de sexo, idade, escolaridade, renda e região de moradia. Com algumas mudanças nos questionários entre os anos, os resultados desses estudos apontaram questões relacionadas a interesse, grau de informação, atitudes, visões e conhecimento que os brasileiros têm das ciências e tecnologias. Além dos já mencionados, um estudo realizado especificamente em São Paulo, mas como parte de uma pesquisa comparativa que envolveu outros países, foi conduzido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2010).
Em 2015, outra pesquisa nacional foi a campo, também encomendada pelo MCTI. Foram realizadas 1.692 entrevistas por telefone, aplicadas por meio de um questionário composto por 105 perguntas (fechadas e abertas), com amostra probabilística representativa de toda a população brasileira com 16 anos de idade ou mais, estratificada por gênero, faixa etária, escolaridade, renda declarada, com cotas proporcionais ao tamanho da população, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Aponta-se que a metodologia foi aperfeiçoada de modo a preservar a comparabilidade com anos anteriores e, sobretudo, colocar seus resultados em diálogo com experiências de outros países, abordando, assim, além de temas tradicionais de percepção pública das ciências (interesse, grau de acesso à informação, avaliação da cobertura da mídia, opinião sobre cientistas, papel social das ciências e tecnologias, percepção sobre os riscos e benefícios da ciência e atitudes diante de aspectos éticos e políticos da Ciência e Tecnologia - C&T), a enquete avançou na abordagem do contexto de vida e de moradia do público-alvo (BRASIL, 2015).
Esse breve panorama demonstra que importantes pesquisas recentes focaram seus esforços na análise do acesso e da disseminação da cultura científica junto à população brasileira. Esses estudos avançaram no entendimento sobre a opinião pública em relação ao mundo das ciências, no entanto, dada a complexidade dessa relação e dos objetivos das pesquisas, não resultaram na criação de indicadores mais complexos sobre o tema e nem mesmo avançaram na utilização de métodos de pesquisa como, por exemplo, aplicação de testes cognitivos para compreender de modo mais aprofundado o domínio de saberes, conhecimentos e habilidades junto a essa população. É nessa lacuna que a experiência do ILC se encaixa ao valer-se da recente tendência de pesquisas, sobretudo no campo da educação, em cotejar as relações entre dados de cunho sociológico com informações psicométricas.
Paralelamente, nas duas últimas décadas, avançou-se em pesquisas sobre o domínio de práticas sociais de uso da linguagem escrita por parte de pessoas jovens, adultas e idosas no Brasil, como é o caso do Indicador de Alfabetismo Funcional - Inaf -, do qual o ILC é um dos frutos mais recentes. O Inaf avalia habilidades de leitura, escrita e de resolução de problemas matemáticos, classificando os respondentes em quatro níveis de alfabetismo: analfabetos, nível rudimentar, nível básico e nível pleno, sendo os dois primeiros níveis considerados na condição de analfabetismo funcional. Criado em 2001, o Inaf Brasil é realizado por meio de entrevista e teste cognitivo aplicado a partir de amostra nacional de 2.000 pessoas, representativa de brasileiros e brasileiras entre 15 e 64 anos de idade, residentes em zonas urbanas e rurais de todas as regiões do país.
Tendo em vista a progressiva exigência de uso e interpretação de conhecimentos e informações técnico-científicas nas diferentes dimensões da vida social contemporânea, o ILC foi criado com a expectativa de se tornar um indicador que possa monitorar as práticas sociais de uso da linguagem científica da população jovem e adulta brasileira. Nesse contexto, um indicador dessa natureza possibilita captar aspectos importantes da cidadania e da vida em sociedade atual, a qual tem diversas dimensões marcadas pela presença de uso de conhecimentos científico-tecnológicos, assim como afirma Wildson Santos (2007, p. 485):
Um cidadão, para fazer uso social da ciência, precisa saber ler e interpretar as informações científicas difundidas na mídia escrita. Aprender a ler os escritos científicos significa saber usar estratégias para extrair suas informações; saber fazer inferências, compreendendo que um texto científico pode expressar diferentes ideias; compreender o papel do argumento científico na construção das teorias; reconhecer as possibilidades daquele texto, se interpretado e reinterpretado; e compreender as limitações teóricas impostas, entendendo que sua interpretação implica a não-aceitação de determinados argumentos.
Produzir evidências sobre os usos sociais das ciências é um dos caminhos possíveis para subsidiar e qualificar o debate público sobre políticas de educação, cultura, ciência, tecnologia e inovação, uma vez que a disseminação e a promoção da cultura científica perpassam diversas iniciativas, públicas e privadas.
Metodologia: aproximações e distanciamentos
Além das experiências anteriormente detalhadas sobre percepção pública sobre as ciências, o ILC toma como inspiração duas importantes e já consolidadas pesquisas, o Inaf, desenvolvido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa, e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - Pisa -, promovido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Se, em relação à primeira iniciativa, há maiores afinidades e interlocuções entre as metodologias adotadas, em relação ao Pisa o ILC inspira-se ao diferir em pontos centrais de algumas escolhas metodológicas.
Por ora, é importante destacar que as primeiras pesquisas com base no conceito de alfabetismo ocorreram já nos anos 1980 nos Estados Unidos. Em 1995, a OCDE divulgou seu primeiro relatório contendo os resultados do International Adult Literacy Survey - IALS -, que realizou entrevistas com pessoas entre 16 e 65 anos em nove países. Foi a primeira vez que se constituiu um perfil de alfabetismo da população jovem e adulta com uma perspectiva comparativa, incluindo trabalhadores(as) de diferentes setores da economia. As justificativas para desenvolver tal modelo de pesquisa foram as mudanças ocorridas nos mercados de trabalho e na estrutura produtiva da sociedade capitalista, que passou a exigir um novo perfil de trabalhador, capaz de se adaptar às constantes mudanças tecnológicas. Nesse sentido, uma pesquisa sobre alfabetismo, nos moldes de uma avaliação de desempenho em teste cognitivo, poderia contribuir para identificar possíveis necessidades de criação de novas políticas educacionais, de formação profissional e de ciência, tecnologia e inovação, por exemplo. Os resultados dessa primeira experiência da OCDE indicaram baixo nível de alfabetismo na maioria dos países participantes, e as análises apontaram a necessidade de criar políticas e programas, sobretudo educacionais, condizentes com um novo paradigma de desenvolvimento econômico.
Mais recentemente, um novo ciclo de estudos comparativos foi estabelecido pela OCDE entre 1999 e 2007, tendo como pressuposto avaliar o que se denominou como três grandes domínios: letramento, numeramento e resolução de problemas. O foco passou a ser direcionado para a avaliação de dimensões cognitivas relacionadas a situações práticas mais ligadas ao mundo do trabalho. Entretanto, houve também esforços de formular uma metodologia que tivesse como foco as novas tecnologias de informação e de comunicação e do trabalho em equipe. Como ocorre com a metodologia do Inaf e do ILC, as pesquisas da OCDE citadas apresentam itens (questões) a serem resolvidos e baterias de perguntas sobre a história e a situação de vida do(a) entrevistado(a) que contribuem para construir explicações sobre os resultados dos testes cognitivos.
Em relação ao Pisa, vale ressaltar um ponto de distanciamento em relação à metodologia do ILC. Embora ambas partam de perspectivas conceituais similares, os estudos sobre alfabetismo e letramentos (OECD, 2013), os instrumentos utilizados pelo Pisa, ainda que explorem situações em diferentes contextos, exigem do respondente conhecimentos próprios de uma cultura ou contexto escolar para solucioná-los. No caso do ILC, o item procura privilegiar situações da vida cotidiana, cujas respostas podem ser formuladas a partir de experiências próprias e descritas por meio de linguagens adquiridas fora do contexto escolar, como quando convidado a explicar as razões para o fato de um pneu com estrias aumentar a segurança em pistas molhadas.7 De modo a tornar mais clara essa abordagem, é possível visualizar um exemplo de item disponibilizado para consulta pública pela OCDE.
O exemplo apresentado faz uso de uma linguagem científica mais comum ao contexto escolar, com a apresentação de esquemas e nomenclaturas próprios de uma situação hipotética e abstrata muito presente nas escolas. Desse modo, embora seja considerado adequado para aferir conceitos e temas do ensino de ciências, esse tipo de instrumento pouco dialoga com necessidades práticas do cotidiano adulto e não garante por meio de sua linguagem a compreensão do problema proposto por sujeitos que não vivenciaram essa escolarização. Vale ressaltar que no ILC nem mesmo a capacidade de leitura escrita é pré-requisito para a realização do teste, cujos itens podem ser lidos pelo mediador da aplicação e respondidos de forma oral.
Em relação ao Inaf, o ILC adota a perspectiva de alfabetismo, que, segundo Vera Ribeiro e Maria da Conceição Fonseca (2010), é entendida como a capacidade de compreender, utilizar e refletir sobre informações contidas em materiais escritos de uso corrente para alcançar objetivos, ampliar conhecimentos e participar da sociedade. No caso do ILC, a capacidade medida foi a de uso e compreensão da linguagem técnico-científica, inclusive mediante a utilização de conhecimentos específicos previamente adquiridos para lidar com situações cotidianas. O ILC também adotou o conceito de letramento utilizado pelo Inaf, compreendido como um contínuo que abrange desde habilidades e conhecimentos elementares até processos cognitivos mais complexos relativos à linguagem escrita.
O ILC também se caracterizou intencionalmente como uma pesquisa de caráter não escolar. Buscou-se criar itens inspirados em textos e situações cotidianos de modo a explorar de maneira significativa processos, fenômenos e evidências das ciências e de pesquisas e dados científicos para a construção de argumentos e, no limite, para a tomada de decisões.
As situações para a construção do ILC: instrumentos de pesquisa e amostragem
domínio da linguagem científica - conhecimento sobre as nomeações relativas ao campo das ciências;
saberes práticos - como são colocados em prática os conhecimentos científicos e quais os valores atribuídos a essas práticas;
visões de mundo - como os conhecimentos científicos contribuem para a percepção de mundo dos entrevistados.
Para a montagem do teste cognitivo, foram utilizados 36 itens (questões), todos de resposta construída, distribuídos em dois cadernos de teste com 26 itens cada. Dos 36, 16 tiveram mediação do aplicador na leitura de enunciados e das perguntas para que o respondente os resolvesse; os demais foram realizados sem qualquer auxílio. Em nenhuma hipótese, foi possibilitada a utilização de materiais ou equipamentos de apoio na resolução dos itens.
As respostas dadas pelos participantes foram submetidas a análises estatísticas com base na Teoria da Resposta ao Item - TRI -, cuja opção deveu-se pela construção de uma escala métrica que possibilitasse a comparabilidade entre resultados das diversas edições do ILC, assim como ocorre no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem -, no Sistema de Avaliação da Educação Básica - Saeb -, no Pisa e no próprio Inaf. Em linhas gerais, esse modelo de cálculo de proficiência dos participantes evidencia, conforme nota técnica do Inep sobre o Enem, que
[...] a medida de proficiência de um aluno [participante do Enem] não depende dos itens apresentados a ele e os parâmetros de discriminação e de dificuldade do item não dependem do grupo de respondentes. Em outras palavras, um item mede determinado conhecimento, independentemente de quem o está respondendo, e a proficiência de um aluno não depende dos itens que estão sendo apresentados a ele. (BRASIL, 2011, p. 2)
Para a aplicação da metodologia TRI, o modelo geral proposto para ser usado nos dados do Inaf é o denominado logístico de três parâmetros - ML3 (ANDRADE; TAVARES; VALLE, 2000). Os itens foram construídos como questões abertas, de modo que nenhum item possa ser acertado de forma casual. Os valores das proficiências apresentados encontram-se no intervalo entre 0 e 200 e assume-se que a distribuição das proficiências (habilidades) é normal com valor médio 100 e desvio padrão 33,3. Foi realizada uma análise da consistência interna dos itens por meio de métodos tradicionais; os resultados mostraram que todos os itens, exceto um (LC56),9 possuem bom grau de discriminação e de fidedignidade (estatística alfa de Cronbach foi de 0,78).
Paralelamente à coleta de dados para aferir o desempenho dos respondentes por meio de testes cognitivos, foi utilizado um questionário de contexto para qualificar esses primeiros dados, possibilitando traçar correlações entre possíveis variáveis explicativas e os níveis de desempenho no teste cognitivo, favorecendo a criação de evidências para o desenvolvimento de orientações para as políticas educacionais, de desenvolvimento científico, culturais e econômicas.
A aplicação dos instrumentos de pesquisa (testes cognitivos e questionários de contexto) foi realizada pelo Ibope Inteligência, por meio de entrevistas individuais em domicílio em uma amostra de 2002 casos, representativa da população de 15 a 40 anos com, no mínimo, quatro anos de estudos (antigo primário completo) e que fosse residente em um dos 92 municípios das nove regiões metropolitanas - RM - brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Salvador, Curitiba e Belém) ou do Distrito Federal.10
Em termos operacionais, uma diferença significativa em relação ao Inaf foi a adoção de um perfil populacional mais restrito em termos etários e geográficos. O Inaf busca atingir uma amostra da população de 15 a 64 anos tanto de zonas rurais quanto urbanas, além de não restringir o perfil de escolaridade específico, assim como faz o ILC (Tabela 1). Os recortes do ILC também são diferentes das delimitações utilizadas pelo Pisa em termos etários (Tabela 2), que avalia exclusivamente estudantes de 15 anos de idade. Dado o recorte geográfico e populacional da amostra, é possível afirmar que os resultados do ILC são representativos de cerca de 23 milhões de pessoas com as características descritas.
Os recortes adotados na amostragem do ILC refletem a preocupação em buscar um público residente em zonas urbanas de grande adensamento, ou seja, em contextos em que o mundo das ciências e o contato com tecnologias de ponta supostamente estão mais frequentemente presentes e com maiores possibilidades de acesso. Além disso, um público com trajetórias educacionais formais já iniciadas privilegia aquele conjunto de pessoas que passaram, no mínimo, pelos anos iniciais de escolarização (Tabela 2). As escolhas feitas buscam minimizar - e não ignorar - o fato de que diferentes grupos sociais têm acesso diferenciado aos conhecimentos (inclusive científicos), variando de acordo com sua posição social e capital cultural.
Escala de proficiência e interpretação dos níveis
Nível 1 - Letramento não científico: os indivíduos classificados nesse nível localizam, em contextos cotidianos, informações explícitas em textos simples (tabelas ou gráficos, textos curtos), sem a exigência de domínio de conhecimentos científicos. Revelam também ter domínio das habilidades de reconhecimento e localização de informações técnicas e/ou científicas apresentadas em suportes textuais simples (gráficos e tabelas simples, textos narrativos curtos) envolvendo temáticas frequentemente presentes em situações cotidianas. O domínio do vocabulário científico básico evidenciado está associado à familiaridade do sujeito com as temáticas apresentadas, tais como: o consumo de energia mensal de uma residência em uma conta de luz, a dosagem máxima de medicamento na bula de um remédio, os riscos de doenças pulmonares causados pelo tabagismo.
Nível 2 - Letramento científico rudimentar: os indivíduos resolvem problemas que envolvam a interpretação e a comparação de informações e conhecimentos científicos básicos, apresentados em textos diversos (tabelas e gráficos com mais de duas variáveis, imagens, rótulos), sobre temáticas presentes no cotidiano (benefícios ou riscos à saúde, adequações de soluções ambientais). Nesse nível, os indivíduos revelam a capacidade de resolver problemas cotidianos que exigem o domínio de linguagem científica básica, por meio da interpretação e da comparação de informações apresentadas em diferentes suportes textuais (gráficos com maior número de variáveis, rótulos, textos jornalísticos, textos científicos, legislação), com diversas finalidades. Dentre os conhecimentos científicos básicos exigidos podem ser citados o uso e a interpretação de medidas de tendência, a compreensão de fenômenos naturais e impactos ambientais. As situações propostas se relacionam à indicação de solução ambiental mais adequada a um contexto, à identificação de benefícios ou riscos à saúde e à análise de políticas.
Nível 3 - Letramento científico básico: os indivíduos elaboram propostas de resolução de problemas de maior complexidade a partir de evidências científicas apresentadas em textos técnicos e/ou científicos (manuais, esquemas, infográficos, conjunto de tabelas), estabelecendo relações intertextuais em diferentes contextos. Nesse nível, os indivíduos apresentam a capacidade de elaborar propostas para resolver problemas em diferentes contextos (doméstico ou científico), a partir de evidências técnicas e/ou científicas apresentadas em diferentes suportes textuais (infográficos, conjunto de tabelas e gráficos com maior número de variáveis, manuais, esquemas), com finalidades diversas. A construção de argumentos para justificar a proposta apresentada exige nesse nível o estabelecimento de relações intertextuais e entre variáveis. Os temas abordados incluem a leitura de nutrientes em rótulos de produtos, especificações técnicas de produtos eletroeletrônicos, efeitos e riscos de fenômenos atmosféricos e climáticos e a evolução de população de bactérias.
Nível 4 - Letramento científico proficiente: os indivíduos avaliam propostas e afirmações que exigem o domínio de conceitos e termos científicos em situações envolvendo contextos diversos (cotidianos ou científicos). Elaboram argumentos sobre a confiabilidade ou veracidade de hipóteses formuladas e demonstram domínio do uso de unidades de medida e conhecem questões relacionadas ao meio ambiente, à saúde, à astronomia ou à genética. Nesse nível, os indivíduos são convidados a avaliar e confrontar propostas e afirmações apresentadas em linguagem científica de maior complexidade, envolvendo diferentes contextos (cotidianos e científicos). Para justificar as decisões apresentadas, os indivíduos aportam informações extratextuais para formular argumentos capazes de confrontar posicionamentos diversos (científicos, tecnológicos, do senso comum, éticos), por meio de linguagem relacionada a uma visão científica de mundo. Dentre os temas propostos, podem ser citados os seguintes: potência do chuveiro, temperatura global, biodiversidade, astronomia e genética.
Vale destacar que o questionário de contexto e de caracterização do(a) entrevistado(a) do ILC foi construído a partir dos instrumentos empregados pelo Pisa e pelo Inaf. De maneira geral, foram utilizadas perguntas de contexto demográfico, nível socioeconômico, trajetória educacional, mundo do trabalho, hábitos e práticas de leitura e de lazer, entre outras áreas.
Principais resultados de desempenho
De acordo com a interpretação pedagógica dos níveis da escala de proficiência anteriormente apresentados, a grande maioria (79%) das pessoas entre 15 e 40 anos, com mais de 4 anos de estudo e residentes nas 9 regiões metropolitanas do país, pode ser classificada nos níveis intermediários da escala. Quase a metade (48%) dessa população foi qualificada no nível 2 (letramento científico rudimentar), no qual o indivíduo revela ter domínio da habilidade de localizar informações em diversos formatos de texto, sendo capaz de reconhecer termos científicos simples, mas não demonstra dominar conhecimentos e habilidades necessários para resolver problemas ou interpretar informações de natureza científica. No nível 3 (letramento científico básico), correspondente a 31% da população de referência do ILC, encontram-se os indivíduos que, embora utilizem informações científicas presentes em gráficos, tabelas, esquemas e textos de maior complexidade para resolver problemas relacionados à vida cotidiana, interpretem fenômenos naturais ou resolvam problemas por meio do uso de conhecimentos científicos básicos, não demonstram suficiente domínio de conceitos científicos necessários para solucionar problemas ou interpretar fenômenos mais complexos.
Destaca-se que apenas 5 em cada 100 pessoas, classificadas no nível 4 (letramento científico proficiente), efetivamente compreendem a terminologia científica e aplicam conceitos da ciência para interpretar a realidade que as cerca, para além de aplicações restritas ao cotidiano. No menor nível da escala, o nível 1 (letramento não científico), encontram-se 16% da população entre 15 e 40 anos, residentes nas regiões metropolitanas e com pelo menos 4 anos de escolaridade. Nesse grupo, as habilidades se limitam à leitura de informações apresentadas de forma explícita e em contextos previamente conhecidos, sem contribuição de noções científicas para apoiar sua compreensão da realidade.
Pelos recortes amostrais feitos, a população avaliada tem um perfil educacional relativamente mais avançado que a média brasileira: no caso do ILC, 24% haviam concluído o ensino superior; 53%, o ensino médio e 23%, o ensino fundamental. Dentre os indivíduos com ensino superior, 48% atingiram o nível de letramento científico básico (nível 3) e 11% podem ser considerados no nível de letramento científico proficiente (nível 4). Vale notar que, mesmo nesse grupo de mais alta escolaridade, houve uma parcela significativa (37%) com letramento científico rudimentar e 4% que podem ser considerados iletrados do ponto de vista científico.
Dentre os que cursaram ou estão cursando o ensino médio, mais da metade (52%) encontra-se no nível 2, ao passo que a proporção de pessoas no nível 3 é de 29% e apenas 4% atingem o nível 4 nesse grupo. Quase 1 em cada 7 pessoas desse grupo (14%) permanece no nível 1, mesmo após pelo menos 9 anos de estudo.
Para os que completaram no máximo o ensino fundamental prevalece o nível 2 (50%) e a proporção de pessoas no nível 1 chega a 29%. A proporção de pessoas no nível básico e proficiente nesse grupo é de 20% e 1%, respectivamente.
De acordo com a Tabela 4, é possível perceber um significativo efeito da escola: quanto maior a escolaridade completa, maior a proporção de pessoas nos níveis 3 e 4. Contudo, é interessante notar que houve concentração de mais de 50% das pessoas nos níveis 3 ou 4 somente a partir do grupo de pessoas com, no mínimo, ensino superior completo. De modo similar aos resultados apresentados pelo Inaf, os dados do ILC demonstraram que a educação escolar está positivamente relacionada com o letramento científico: quanto maior a escolaridade, maior a proporção nos níveis básico e proficiente. Entretanto, os dados também revelam que somente entre aquelas pessoas que, no mínimo, ingressaram no ensino superior houve mais da metade das pessoas nesses dois níveis, sendo que apenas 18% chegaram ao nível 4.
Os dados apresentados na Tabela 5 revelam que há uma possível correlação entre o background educacional da família, analisado pela escolaridade da mãe (ou responsável do sexo feminino), e o desempenho no ILC, reforçando a importância da variável escolaridade no estudo realizado. Em síntese, os dados apontaram que, no grupo de pessoas caracterizadas como de nível 1, houve maior concentração de mães (ou responsáveis do sexo feminino) com até a 4ª série do ensino fundamental. Já dentre aquelas pessoas de nível 4, houve maior proporção de mães (ou responsáveis do sexo feminino) que chegaram ao ensino médio ou ao ensino superior.
As diferenças de desempenho entre homens e mulheres nas áreas científicas têm sido objeto de investigação em muitos exames e avaliações, além de estudos acadêmicos sobre desigualdades de gênero. Resultados mais recentes do Pisa indicam desempenhos similares entre meninos e meninas em ciências e desigualdades no campo da leitura e da matemática (PISA, 2012). Por outro lado, inúmeros estudos têm aprofundado o debate sobre as desigualdades de gênero no acesso às carreiras científicas, indicando menor presença de mulheres em áreas como ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Estudo da Fapesp (SÃO PAULO, 2010) sobre a percepção pública da ciência e tecnologia no estado de São Paulo afirma que os homens parecem ser ligeiramente mais interessados quando se pergunta sobre ciência e tecnologia. Entretanto, quando a pergunta é voltada para áreas como medicina e saúde ou alimentação e consumo, as mulheres declaram ter mais interesse que os homens nesses assuntos (SÃO PAULO, 2010).11
No caso do ILC, verifica-se significativa variação em relação à distribuição dos participantes nos diferentes níveis no tratamento da variável sexo. As mulheres predominaram entre aquelas pessoas de níveis 1 e 2, ao passo que os homens predominaram nos níveis 3 e, principalmente, no 4, conforme se pode observar no Gráfico 1. Tais dados demonstram um quadro desfavorável às mulheres, cenário contrastante com os dez anos de pesquisa do Inaf. Em estudo recente, Ribeiro et al. (2015) mostraram que as proporções de homens e mulheres nos diferentes níveis da escala de proficiência se mantiveram praticamente as mesmas, com sensível aumento da proporção das pessoas de nível básico para ambos os sexos.
Além disso, é importante destacar que, de acordo com o perfil educacional da população brasileira, as mulheres possuem níveis de escolaridade maiores do que os homens: havia menor proporção de pessoas com ensino fundamental incompleto, maior número de pessoas com o ensino fundamental completo e, logo, maior proporção de pessoas que chegam ao ensino médio.
Em relação à idade, mais de 60% das pessoas nas faixas destacadas estão localizadas nos níveis 1 e, sobretudo, 2. Nenhuma faixa de idade teve um número expressivo de pessoas no nível 4. De um lado, destaca-se que a faixa de idade entre 15 e 19 anos foi a que mais concentrou pessoas nos níveis 1 e 2, 68%. Esse é um dado relativamente coerente com os resultados gerais deste estudo, já que, nessa faixa de idade, somente 20% dos jovens haviam terminado o ensino médio ou mesmo iniciado o ensino superior, e 70% ainda estavam estudando. De outro lado, destaca-se também que as faixas de 25 a 29 anos e 35 a 40 anos foram aquelas com maior proporção de pessoas nos níveis 3 e 4, justamente as faixas que possuem maior proporção de pessoas que ingressaram e concluíram a educação superior, 27% e 26% respectivamente.
Soma-se a isso a hipótese de que, com os recortes usados pela metodologia do ILC, adolescentes e jovens podem ter menor contato e familiaridade com alguns dos gêneros e tipos textuais utilizados e, por isso, podem apresentar maiores dificuldades para lidar com as situações propostas do que pessoas adultas. Nesse sentido, pessoas adultas costumam ter maior contato com, por exemplo, contas de luz e bulas de remédio, gêneros talvez não tão comuns aos mais jovens.
Em relação à condição de atividade profissional, mais da metade das pessoas de cada nível estava trabalhando; essa proporção foi maior entre as pessoas de nível 4 quando comparadas com as dos demais níveis. Como esperado, a proporção dos que estão trabalhando é mais alta junto aos indivíduos com ILC mais alto. Nessa dimensão, o ILC confirma dados recorrentes em vários estudos que associam a condição de atividade à escolaridade: por um lado, o mercado de trabalho tende a ser mais favorável para os indivíduos mais qualificados e, por outro, a própria atuação no mundo do trabalho contribui para o desenvolvimento de competências.
Ao direcionar o olhar para a situação de trabalho como variável independente, foi possível verificar que, embora a proporção de pessoas com menor letramento científico seja mais alta entre donas de casa e entre as pessoas que indicaram estar desempregadas (respectivamente 75% e 70% desses dois grupos são classificados nos níveis 1 e 2 do ILC), esse número permanece alto também para os que estão trabalhando: com efeito, 61% dos trabalhadores brasileiros entre 15 e 40 anos, com pelo menos primário completo e residentes nas regiões metropolitanas do país, não atingem o nível básico de letramento científico.
A Tabela 9 mostra a distribuição dos 1.775 entrevistados para o ILC que estavam trabalhando ou que já haviam trabalhado (mesmo que agora estejam desempregados ou aposentados), categorizando-as por ramo de atividade e por níveis de letramento científico. Refletindo a distribuição no universo estudado, mais da metade se concentrava em dois principais ramos de atividade: comércio e prestação de serviços. Em ambos os ramos, praticamente dois terços das pessoas estavam nos níveis 1 e 2.
A partir dessas informações, é possível verificar que os setores com maior proporção de trabalhadores situados nos níveis 3 e 4 foram administração pública (56,4%) e educação (51,7%). Em seguida, aparecem o setor de transporte/comunicação (45,8%) e a saúde (45,2%). Já na indústria de transformação, essa proporção fica em 43,2%.
No caso da administração pública, educação e saúde, houve um progressivo aumento das credenciais educacionais exigidas para desempenhar suas diferentes carreiras. Já em outros ramos de atividade, tais como a construção civil, ainda não foram incorporados processos e práticas que requeiram uma maior elevação das competências de seus trabalhadores.
Os dados da Tabela 10 demonstram que somente 15% dos empreendedores e profissionais liberais e 12% dos que ocupam cargos de gestão tanto no setor público quanto no setor privado, ou seja, os dois grupos de profissionais comumente responsáveis pela tomada de decisões, estavam situados no nível considerado proficiente.
Em relação à renda familiar, ao passo que 87% dos respondentes com renda familiar de até um salário mínimo estavam entre os níveis 1 e 2, 57% das pessoas com renda familiar de mais de cinco salários mínimos estavam nos níveis 3 e 4. Quanto maior a renda, maior a proporção de pessoas nos níveis mais altos do ILC, confirmando a estreita correlação entre renda e escolaridade.
Principais resultados de percepção pública sobre a ciênciaTabela 11
Os maiores níveis de concordância se dão no reconhecimento da importância da ciência como fator que tanto auxilia na compreensão de mundo (42% concordam plenamente e 30% concordam em parte) quanto na garantia de boas oportunidades de trabalho (41% concordam plenamente e 27% concordam em parte).
Em um segundo patamar, aparece o interesse por estar sempre informado sobre temas do campo da ciência (62% dos entrevistados concordam, sendo 34% plenamente e 28% em parte).
Contudo, os dados indicam também que menos da metade dos brasileiros entre 15 e 40 anos residentes nas regiões metropolitanas do país e que tenham pelo menos completado o 4º ano do ensino fundamental declaram ter gosto pela leitura de textos científicos (45%, sendo que 24% concordam plenamente e 21%, apenas em parte) e pelo estudo de ciências (44% concordam, 21% deles plenamente e 23% em parte). Chama a atenção também o índice elevado de 30% de pessoas que negam totalmente o desejo por uma carreira científica e 16% que negam em parte, alcançando 46% de respostas negativas entre os entrevistados.
Destaca-se ainda que, embora uma alta parcela (62%) reconheça que a formação científica permitiria melhores oportunidades no mercado de trabalho, uma proporção bastante expressiva (46%) não manifesta interesse por uma profissão na área de ciências. Em síntese, apesar da alta favorabilidade, as ciências são vistas por uma parcela significativa de pessoas entre 15 e 40 anos, com pelo menos 4 anos de estudos e que vivem nas principais capitais brasileiras e nos municípios de seu entorno, como algo para o qual não se sentem atraídas ou qualificadas.
Quando consultados sobre o grau de informação que detêm sobre diversos assuntos científicos abordados pelos meios de comunicação, a maioria dos entrevistados nessa primeira edição do ILC declarou ter apenas informações genéricas sobre os vários assuntos avaliados. Pode-se constatar que, em nenhum dos temas citados, a proporção de pessoas entre 15 e 40 anos residente nas 9 regiões metropolitanas brasileiras que diz conhecer o assunto para além de noções gerais chega aos 30%. Com efeito, mesmo considerando o assunto citado mais frequentemente conhecido - informática e tecnologia -, a proporção dos que afirmam conhecê-lo "bastante" ou "bem" é, respectivamente, de 21% e 6% (27% no total), como indicado na Tabela 12. Por outro lado, observa-se que a maioria dos assuntos tratados conta com algum nível de interesse por parte da maioria das pessoas.
Quanto às fontes utilizadas para informar-se sobre assuntos do campo científico, fica evidente a importância do papel dos meios de comunicação e, em particular, dos jornais e das revistas, citados respectivamente por 50% e 40% dos entrevistados.
Os dados da Tabela 14 mostram que parte significativa dos entrevistados concordou com potenciais riscos advindos das descobertas científicas, se mal utilizadas, e com a necessidade de discussões éticas no campo científico. Parte significativa dos entrevistados também demonstrou certa desconfiança em relação ao poder explicativo da ciência e em relação ao impacto negativo da valorização da ciência na espiritualidade.
Considerações finais
Em linhas gerais, é possível afirmar que tais estudos realizados no âmbito da percepção pública sobre ciência e tecnologia evidenciaram esforços dedicados a entender aspectos da cultura científica da sociedade brasileira. Nesse sentido, estiveram focados em análises contextuais e atitudinais de brasileiros jovens, adultos e idosos (dimensão sociológica) e pouco se dedicaram a entender aspectos relacionados ao domínio de fatos e processos científicos (dimensão cognitiva), recorte mais comum a iniciativas de avaliações de aprendizagens próprias do mundo escolar como o Pisa, realizado pela OCDE e que contém uma dimensão dedicada às ciências.
Os resultados da primeira edição do ILC mostraram indícios de uma positiva percepção da população estudada em relação às ciências, revelada pelos índices de importância conferida a elas no cotidiano. Entretanto, ressalta-se o fato de que apenas uma parcela desse público afirma se interessar por profissões relacionadas às ciências. Em termos de acompanhamento de fatos e processos científicos, os dados do ILC expuseram uma população com pouco domínio sobre determinados temas recorrentes nos meios de comunicação de massa, que tiveram nas revistas e jornais os meios mais frequentemente indicados como a principal forma de acesso a esse tipo de informação.
Parte considerável do público pesquisado informou ter uma visão positiva em relação a progressos e avanços que as ciências podem proporcionar à sociedade e, por isso, reafirmam que mais investimentos são necessários. Ao mesmo tempo, quase a mesma proporção indicou que os investimentos nas áreas de ciência, tecnologia e inovação também poderiam ser revertidos para políticas sociais. De forma aparentemente contraditória, os dados evidenciaram uma baixa predileção por profissões ou mesmo por hábitos de leitura e de interesse em ciências e seus diferentes temas.
Como afirmado anteriormente, parte significativa do público consultado concordou com potenciais riscos advindos das descobertas científicas, caso sejam mal utilizadas, e indicaram a necessidade de discussões éticas no campo científico.
Em termos de desempenho no teste proposto, a grande maioria das pessoas entre 15 e 40 anos, com mais de 4 anos de estudo e residentes nas nove regiões metropolitanas do país, pode ser classificada nos graus intermediários da escala de proficiência, ocupando os níveis 2 e 3. Fato que revela a capacidade da população analisada em utilizar habilidades de leitura, de escrita e de resolução de problemas para resolver situações relacionadas a aspectos técnico-científicos presentes na vida cotidiana. Entretanto, menos de um décimo dessa população demonstrou ter domínio pleno de fatos, linguagens e processos científicos para explicar questões relacionadas à vida cotidiana.
Um dos principais fatores explicativos para o desempenho no ILC demonstrou ser a escolaridade: as pessoas com ensino superior revelaram maior domínio, localizando-se majoritariamente nos níveis 3 e 4 da escala de proficiência, ao passo que as pessoas com ensino fundamental se localizaram substancialmente nos dois primeiros níveis. No que se refere ao ensino médio, chama a atenção o fato de que os 52% dos entrevistados que estavam cursando ou concluíram o ensino médio se localizaram no nível 2, enquanto 50% dos entrevistados que tinham o ensino fundamental completo estavam nesse mesmo nível. Assim, reforça-se a hipótese de que o ensino médio, mesmo sendo a etapa na qual mais se dá espaço para o ensino de ciência, parece agregar pouco à proficiência dos indivíduos.
Chama a atenção também o melhor desempenho de alguns grupos de trabalhadores em detrimento de outros, como é o caso dos funcionários da administração pública e da área de educação. Em oposição, registra-se o menor nível de letramento científico de trabalhadores da agricultura e de atividades domésticas. Cabe aprofundar ainda, em outros estudos, em que medida as atividades desenvolvidas no ambiente profissional favorecem a ampliação do nível de letramento. Mais do que saber se o trabalhador exerce essa ou aquela profissão, é preciso conhecer as tarefas que executa para poder avaliar com mais efetividade seu desempenho e crescimento em termos do nível de letramento.
Coloca-se também como desafio compreender os motivos que levam as mulheres a aparecerem com desempenho inferior ao dos homens nos níveis mais altos de proficiência. A explicação para tais diferenças precisa levar em conta outros aspectos que não se limitem à educação formal, mas também abranjam os papéis e lugares sociais forjados para homens e mulheres em diferentes tempos e sociedades.