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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.46 no.162 São Paulo oct./dic. 2016  Epub 01-Oct-2016

https://doi.org/10.1590/198053143700 

ARTIGOS

Educação estética, cinema e alteridade

Aesthetic Education, cinema and otherness

Éducation esthétique, cinéma et altérité

Educación estética, cine y alteridad

Ananda Vargas HilgertI 

Rosa Maria Bueno FischerII 

IMestre em Educação e doutoranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS -, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. anandavh@gmail.com

IIProfessora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS -, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil; pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq -, Brasília, Distrito Federal, Brasil rosabfischer@terra.com.br


Resumo

Neste artigo discutimos as relações entre educação e alteridade, a partir de uma pesquisa com universitários estrangeiros, convidados a debater filmes brasileiros em situação de sala de aula. Com base em pensadores como Alain Badiou, Carlos Skliar e Julia Kristeva, descrevemos os modos pelos quais as narrativas mobilizaram os jovens, em torno da complexa questão do "olhar do estrangeiro" e da relevância desse tema para a educação. Tratamos das expectativas do aluno estrangeiro, diante de uma cultura distinta da sua, quando em contato com narrativas audiovisuais produzidas no Brasil. Nas conclusões, trazemos novas questões suscitadas pelo trabalho com os alunos, as quais focam o tema da formação ético- -estética, implicada na experiência com o cinema e com a alteridade.

Palavras-chave: Cinema; Cultura; Ética; Educação Estética

Abstract

In this paper we discuss the relationships between education and otherness based on a survey carried out with foreign students invited to discuss Brazilian films in a classroom situation. Based on thinkers such as Alain Badiou, Carlos Skliar and Julia Kristeva, we describe the ways in which narratives mobilized young people around the complex issue of the "vision of the foreigner" and its relevance for education. We discuss the expectations of the foreign student regarding a culture different from theirs, when in contact with audiovisual narratives produced in Brazil. The conclusions bring new issues based on the work with the students, which focus on the theme of ethical and aesthetic education, raised by the experience with the film and with otherness.

Keywords: Cinema; Culture; Ethics; Aesthetic Education

Résumé:

Cet article aborde les rapports entre éducation et alterité à partir d´une recherche menée auprès d´étudiants étrangers invités à discuter des films brésiliens en salle de classe. Ayant recours à la pensée d Alain Badiou, Carlos Skliar et Julia Kristeva sont décrites les modalités selon lesquelles ces narratives mobilisent les jeunes sur la question complexe du "regard étranger" et la pertinence de ce sujet pour l´éducation. Sont examinées les attentes des étudiants étrangers, aux prises avec une culture qui n´est pas la leur, lorqu´íls sont confrontés à des narratives audiovisuelles produites au Brésil. Em conclusion le travail avec les étudiants permet d´avancer des nouvelles questions concernant la formation éthique et esthétique qu´apporte une expérience avec le cinema et l´alterité.

Mots Clés: Cinéma; Culture; Ethique; Éducation Esthétique

Resumen

En este artículo se analiza la relación entre la educación y la alteridad, a partir de una investigación realizada con estudiantes extranjeros, invitados a debatir películas brasileñas dentro de las clases. Sobre la base de pensadores como Alain Badiou, Carlos Skliar y Julia Kristeva, se describen las formas en que las narrativas movilizaron a los jóvenes alrededor del complejo tema de "la mirada del extranjero" y la importancia de este tema para la educación. Nos ocupamos de las expectativas de los alumnos extranjeros frente a una cultura distinta de la propia, al entrar en contacto con las narrativas audiovisuales producidas en Brasil. En las conclusiones se ofrecen nuevas cuestiones planteadas por el trabajo con los alumnos, que se centran en el tema de la formación ético-estética, implicada en la experiencia con el cine y con la alteridad.

Palabras clave: Cine; Cultura; Etica; Educación Estética

No presente artigo, estabelecemos relações entre educação e alteridade, a partir de situações de sala de aula, em que jovens estrangeiros viveram uma experiência muito particular com narrativas do cinema brasileiro. Apresentamos, inicialmente, o contexto da situação pedagógica em jogo, bem como tópicos do referencial teórico com o qual discutimos os dados do estudo. A seguir, selecionamos um dos filmes vistos pelos alunos e procuramos expor em que medida aquela narrativa mobilizava os jovens em torno da complexa questão do "olhar do estrangeiro" e da relevância desse tema para a educação. Depois, abordamos um dos dados básicos da pesquisa, relativo à expectativa do aluno estrangeiro, diante de uma cultura distinta da sua, particularmente quando em contato com narrativas audiovisuais produzidas no Brasil. No tópico seguinte, trazemos para o debate mais um filme e o modo como a maioria dos estudantes mostrou o desejo de que a narrativa cinematográfica funcionasse como "moralizadora". Por fim, novas perguntas são postas, movidas pelo tema da formação ético-estética, implicada na experiência com o cinema e com a alteridade.

Educação e alteridade: o estrangeiro e a experiência estética com o cinema

Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil.

Minha experiência maior seria ser o outro dos outros: e os outros dos outros era eu. (LISPECTOR, 1999, p. 23)

Clarice Lispector nos convida a pensar sobre o "eu" e o "outro", numa radical relação de alteridade. Ela nos convida a pensar em caminhos de não fixidez de posições, de modo a nos concentrarmos nas singularidades dos encontros, na complexa imprevisibilidade do outro. Perguntas relevantes emergem daí: o que acontece quando entramos em contato com aquele que, a priori, seria totalmente diferente de nós? O que nos sucede quando diante do estrangeiro? Que possibilidades de pensar a experiência com a alteridade, num encontro como esse?

O contexto particular aqui discutido diz respeito a uma disciplina sobre cinema brasileiro, do Programa de Português para Estrangeiro - PPE - da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.1 Os dados utilizados derivam da experiência de uma sala de aula cujos alunos, em sua totalidade, eram estrangeiros (de diversos países, como China, Coreia, Itália, Venezuela, França, etc.) morando no Brasil; no caso, tratava- se de um grupo dedicado a estudar aspectos da Língua Portuguesa, a partir de narrativas cinematográficas.

Exatamente por se tratar de uma "aula de cinema", a pesquisa ocupou-se, de modo particular, em promover uma espécie de deslocamento quanto ao conceito de alteridade e à nossa relação com o "o outro", associado a uma experiência estética. A análise da relação brasileiros-estrangeiros é pensada a partir da visão do cinema como uma peculiar situação filosófica, como diz Alain Badiou (2004); ou seja, tratamos o cinema como algo que, de alguma forma, propõe certas rupturas, valoriza o acontecimento e, em suma, nos coloca em contato com "o outro". Traçamos, também, relações entre os estudos sobre imagem, de Didi-Huberman (2010), e as ideias sobre estrangeiro, expostas por Julia Kristeva (1994) no livro Estrangeiros para nós mesmos.

O material empírico, a partir do qual foram feitas as discussões aqui apresentadas, consiste basicamente em notas de campo e textos escritos pelos alunos, ao longo de quatro semestres de curso, além das respostas a um questionário (em 2012 e 2013). Uma pergunta principal conduziu nosso estudo: afinal, o que acontece com nossas expectativas sobre o outro, quando temos com ele alguns meses de convivência? E, além disso, em que medida tais "pré-visões" sobre o estrangeiro sofrem alguma mutação, se nossa relação com esse outro envolve a mediação do cinema? Podemos adiantar, desde agora, que a análise desse corpus permitiu perceber a complexidade das ações relacionadas a "conhecer o outro" e que isso não se dá de forma tão simples, clara e pacífica, como talvez poderíamos esperar. As perguntas se multiplicam: será possível nos relacionarmos com o outro, desprendendo-nos de nós mesmos? O que acontece quando esse outro é colocado em questão pelo cinema e pelo colega estrangeiro, na situação de sala de aula?

Para Alain Badiou (2004, p. 56, tradução nossa), o cinema é "uma nova maneira de fazer existir o outro";2 e é a partir dessa afirmação que desenvolvemos nosso estudo sobre o tema da alteridade no cinema - particularmente sobre o cinema brasileiro, visto pelo olhar do estrangeiro. "O cinema exige o outro"; a experiência com o cinema nos coloca necessariamente diante do outro (BADIOU, 2004). A partir dessa sugestiva e rica elaboração do filósofo francês, encadeia-se uma série de perguntas: Como se dá a relação com o outro no cinema? Como tal relação acontece dentro de uma sala de aula de cinema brasileiro, para um grupo de estrangeiros que fazem intercâmbio no Brasil? Qual a experiência desses alunos diante do cinema brasileiro? O que eles buscam naquelas narrativas e como direcionam seu olhar? Enfim, como a mistura de culturas, olhares, opiniões, sentimentos, linguagens e línguas coloca em funcionamento a alteridade na experiência com o cinema?

No intuito de problematizar tais questões, analisaremos, especificamente, as respostas ao questionário aplicado aos alunos estrangeiros (sobre suas ideias e expectativas em relação ao cinema brasileiro) e, ainda, observações nascidas de dois debates de sala de aula, provocados pelos filmes Durval Discos (2002) e O homem que copiava (2003).

Segundo Badiou (2004), o cinema seria uma arte de massa, o que, para ele, constitui-se de imediato como um paradoxo. O autor chega a essa conclusão em função de outra ideia maior: a de que o cinema interessa à filosofia, constituindo-se, de fato, como uma experiência filosófica. Para ele, cinema e filosofia estão intimamente relacionados: "o cinema transforma a filosofia"3 (BADIOU, 2004, p. 23, tradução nossa). Para desenvolver essa ideia, o autor elabora três argumentos principais. O primeiro aponta que a filosofia diz respeito à produção de um pensamento sobre tomar decisões, escolher um lado diante do paradoxo e defendê- lo: "uma situação filosófica é o momento em que deixamos clara nossa escolha, uma escolha de existência ou de pensamento"4 (BADIOU, 2004, p. 24, tradução nossa). Quanto ao segundo argumento (sobre a distância entre poder e verdade, poder e pensamento), Badiou (2004, p. 25) cita o episódio da morte do matemático Arquimedes, mencionando que poder do Estado e criação existem como instâncias opostas e, portanto, para ambas não poderá haver uma mesma medida, uma "medida comum"; cabe à filosofia esclarecer o que se passa quando estão simultaneamente em jogo essas instâncias. Já uma terceira dimensão da filosofia seria a de pensar o acontecimento, as mudanças, aquilo que foge da ordem do comum, do ordinário; nas palavras de Badiou (2004, p. 27, tradução nossa), trata-se de "esclarecer o valor da exceção, o valor do acontecimento, o valor da ruptura".5 Na esteira dessa argumentação, Badiou (2004) afirma que um filme poderá operar também na condição de uma situação filosófica, proporcionando a produção do pensamento.

Na medida em que vemos o cinema como provocador de uma situação filosófica, estamos afirmando, com Badiou, que se trata, numa boa narrativa fílmica, de operar com escolhas, escolhas existenciais; há que se enfrentar a distância entre espaços de poder e espaços de criação; há que se viver e experimentar a vida como acontecimento (BADIOU, 2004, p. 30). Portanto, com base ainda no autor, pensamos aqui o cinema diante de um juízo axiomático, "que pergunta sobre quais são os efeitos deste ou daquele filme para o pensamento" (BADIOU, 2002, p. 111). Mas, sobretudo, pensamos o cinema como uma radical experiência de alteridade:

O cinema nos apresenta o outro no mundo, em sua vida íntima, em sua relação com o espaço, em sua relação com o mundo. O cinema amplifica enormemente a possibilidade de pensar o outro, de tal maneira que, se a filosofia é o pensamento do outro, como diz Platão, então [pode-se dizer que] há uma relação entre a filosofia e o cinema.6 (BADIOU, 2004, p. 56, tradução nossa)

Colocar-se radicalmente em (e por dentro) uma experiência de alteridade exige necessariamente um deslocamento do eu para o outro, um novo pensamento sobre si mesmo e sobre o "estrangeiro". Importante sublinhar que esse outro só existe porque está, ao mesmo tempo, dentro e fora do "eu"; vive em permanente contraste com o nosso "eu"; é constantemente ressignificado e inscrito no "eu".

Discutimos aqui o problema da alteridade como algo inerente à relação com o cinema, uma vez que, nesse tipo de narrativa e de criação, estará sempre em jogo uma forma de experiência ética e estética de olhar o outro, de olhar com o outro. Nesse sentido, a presença do outro não se daria apenas em termos de exclusão ou inclusão, como as duas únicas possibilidades de relação de alteridade. Tratamos de um outro que está no olhar, que integra intimamente a experiência de sair de si e de trazer o mundo (ou trazer o outro) novamente para dentro de si. Falamos, assim, da atitude de se deixar levar pelo outro, pela assustadora experiência de caminhar pelo desconhecido. Esse outro pode ser entendido como o estrangeiro, aquele que "habita em nós: ele é a face oculta da nossa identidade" (KRISTEVA, 1994, p. 9):

Viver com o outro, com o estrangeiro, confronta-nos com a possibilidade ou não de ser um outro. Não se trata simplesmente, no sentido humanista, de nossa aptidão em aceitar o outro, mas de estar em seu lugar - o que equivale a pensar sobre si e a se fazer outro para si mesmo. (KRISTEVA, 1994, p. 21)

Quem é o "eu" e quem é o "outro", o estrangeiro, depende do olhar, depende de quem vê, de quem é visto. Nesse sentido, podemos dizer que tal relação de alteridade com o cinema se dá duplamente: não só vemos o filme, mas ele também nos olha. Isso acaba por complexificar fortemente o papel do "eu" e do "outro": "quando vemos o que está diante de nós, por que uma outra coisa sempre nos olha, impondo um em, um dentro?" (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 30).

O cinema e o confronto com o outro se dá na experiência, no acontecimento. O contato inevitável com o estrangeiro no cinema tem o caráter filosófico do qual fala Badiou (2004), de acontecimento e de encontro entre distâncias. Há, nesse acontecimento filosófico, uma desconstrução do "eu" a partir do "outro", que impõe um jogo de proximidade e distanciamento. Essa rica experiência faz com que eu me reconheça no outro e, ao mesmo tempo, que eu reconheça o outro em mim. Supomos, no interior dessa discussão, que a experiência da (e com a) alteridade no cinema pode ocorrer de forma muito intensa: ver um filme e ser olhado de volta por aquelas mesmas imagens é o que caracteriza a potência de tal acontecimento.

Cabe, no entanto, "complicar" nossas próprias afirmações, como o faz Fabiana Marcello (2008, p. 17):

Tudo que vemos, ou melhor, qualquer coisa que vemos, efetivamente, nos olha? Creio que aquilo que efetivamente nos olha - ou melhor, aquilo que tem a potência de nos olhar com mais intensidade, portanto, de nos mobilizar mais violentamente - talvez seja aquilo que menos "volume" detenha, e consequentemente, para nosso desespero ou satisfação, mais "vazios" possua.

Os "vazios" de um filme: convite ao pensamento

Nem todos os filmes são iguais, nem todas as narrativas atingem da mesma forma as pessoas, nem todas provocam-lhes as mesmas sensações e pensamentos. Em poucas palavras: nem todos os filmes nos olham. Nesse sentido, pensando em volume e vazios, os filmes com mais espaços "em branco", com mais lacunas, são exatamente aqueles que mais nos convocam, que mais nos colocam dentro daquelas imagens e cenas, que nos tiram de nossa posição estável, para ocupar o lugar incerto e desconhecido do outro. Em suma, são esses vazios que nos olham.

Na busca por um cinema que possa provocar uma experiência filosófica tal como expomos até aqui, um dos filmes trabalhados nas aulas de cinema com os estrangeiros foi Durval Discos, da diretora Anna Muylaert, de 2002. Esse filme provocou todos os tipos de reações nos alunos, tanto de total satisfação quanto de grande indignação com a narrativa. O personagem Durval é dono de uma loja que vende apenas LPs, apesar da onipresença dos CDs e do anúncio de que a produção de LPs iria acabar. Durval e sua mãe, Carmita, moram juntos, e parecem viver num mundo à parte, que se estende no máximo até a confeitaria localizada ao lado do lugar onde moram. O filme é praticamente todo rodado dentro da casa dos dois, com câmera parada, poucos cortes de cena, ângulos mais baixos e intimistas. O começo do filme nos apresenta um pouco da personalidade dos dois protagonistas: Durval e seu amor pelos discos de vinil, sua infantilidade e dependência da mãe, apesar da idade; esta, por sua vez, já idosa, mostra sinais de perda de memória e um pouco de dificuldade de entender o mundo ao seu redor. Até esse momento, o filme apresenta uma situação um tanto cômica, estabelecendo um gênero para o espectador ansioso.

A rotina dos dois personagens é quebrada quando eles contratam uma empregada, Célia. Ela trabalha apenas um dia na casa, depois sai dizendo que tinha um compromisso e não volta mais. Célia deixa na casa uma menina que se chama Kiki, que Durval e Carmita pensam ser filha de Célia. Os dois não sabem o que fazer, procuram alguma pista nas malas da empregada e acabam encontrando uma arma. À noite, veem uma notícia na televisão: Kiki seria vítima de um sequestro, e Célia seria a babá que havia levado a menina de casa. Nesse momento, Carmita tem a primeira reação, que começa a direcionar o filme para uma espécie de surrealismo: desliga a TV, dizendo que "essa porcaria só traz desgraça". Carmita continua agindo de forma que parece deixar o espectador sempre na dúvida: será que ela entende de fato o que está acontecendo? Estaria a personagem agindo assim de propósito? A partir daí, Durval faz algumas tentativas de levar Kiki para a delegacia, mas a mãe sempre consegue impedi-lo desse gesto; dependente da mãe, ele não sabe agir sozinho.

Carmita compra presentes para Kiki e assume de imediato um papel materno. Kiki morava em uma fazenda e pede a todo o momento para ver cavalos. É nesse ponto que o comportamento estranho de Carmita toma grandes proporções: ela compra um cavalo e o leva para dentro de casa, veste Kiki como bailarina e coloca a menina em cima do cavalo. A essa altura, a funcionária da confeitaria ao lado começa a desconfiar do comportamento, mais recluso do que o normal, de Durval e Carmita; por isso, ela acaba conseguindo entrar na casa e, então, descobre a menina. Aqui, a diretora parece pregar uma peça no espectador, que até esse momento estava apenas rindo das loucuras de uma senhora: Carmita mata a funcionária da confeitaria com a arma que havia encontrado nas malas de Célia. Segue-se então uma cena digna de filmes surrealistas, como os de Buñuel: a menina vestida de bailarina, em cima de um cavalo, pintando a parede com o sangue de uma mulher morta, deitada na cama. Durval está em desespero, e sua mãe o acalma, dizendo que agora é só esperar o corpo virar pó e "ficar tudo bem". Enquanto Durval finalmente resolve tomar uma decisão, encontra o fio do telefone cortado e as chaves de casa, que haviam desaparecido. Carmita acha que esse é um bom momento para arrumar o roupeiro e segue com a tarefa, muito tranquila.

A evolução da loucura dos personagens, em especial de Carmita, é bastante rápida e construída num clima cômico, deixando o espectador "sem chão", já que a história acaba por envolver também assassinato e momentos de total surrealismo. Para deixar mais espaços vazios ainda, o filme termina com a polícia entrando na casa, e Durval saindo para rua, com certa expressão de alívio. Não sabemos o que aconteceu com Carmita, Kiki ou Durval. O filme parece brincar com nossas ansiedades e expectativas, como espectadores, na medida em que joga com gêneros cinematográficos diferentes e com estereótipos bastante conhecidos, que vão se desconstruindo e reconfigurando ao longo da narrativa. Carmita e Durval são plenamente "estrangeiros" diante de nós. A situação em que eles se encontram causa angústia e é construída de tal forma que aprendemos, como espectadores, a esperar qualquer atitude dos personagens, a "largar de mão" a nossa possível vontade controladora. A relação com Durval Discos é de rupturas, arrebatamentos, surpresas.

Com o turbilhão de pequenos acontecimentos que nos apresenta, Durval Discos é um exemplo claro de filme que nos olha, pois não cessa de espalhar vazios, perturbando-nos constantemente e, sobretudo, nos colocando diante do outro, do louco, do estranho, do surreal. Um filme como esse provoca o espectador, que poderá entrar no jogo ou se fechar para as oportunidades do olhar; que poderá fazer várias tentativas de buscar uma lógica, uma verdade, sem nunca conseguir encontrá-las. Trabalhar com um filme como esse em sala de aula permite viver uma diferenciada experiência diante desses outros que são nossos alunos; e de ver como aqueles espaços vazios e aqueles olhares múltiplos são recebidos pelos estudantes.

Vejamos como alguns de nossos alunos receberam Durval Discos. Gi,7 por exemplo, "amou o filme" e disse ser o melhor filme brasileiro já visto por ele; gostou da progressão na construção dos personagens e narrou os sentimentos vividos em cada cena. Já a aluna Ye manifestou sua insatisfação, dizendo que o filme "foi incompleto", não mostrou o que aconteceu com os personagens no final. O aluno Ti não gostou das cenas iniciais, mas disse ter achado intrigante a personagem Carmita; e a aluna Fe considerou que as atuações foram muito exageradas, afirmando também que Carmita não deveria ser "tão louca".

Na análise dos dados de nossa pesquisa - é preciso sublinhar aqui -, não buscamos a interpretação correta nem o bom espectador; operamos com os dados com o intuito de pensar o quanto um filme como Durval Discos pode provocar nos alunos (e nos públicos mais diversos) reações tão contrárias e tão díspares. Entendemos que os depoimentos e toda a experiência vivida pelos alunos, diante de uma narrativa como essa, mais do que oferecerem elementos de compreensão de uma criação audiovisual, nos interessaram pelo que nos falam das invisibilidades de uma certa construção, como a de um filme. Caminhamos na contramão das análises, em sala de aula, que procurariam definir e fechar interpretações de supostas intencionalidades de um diretor, de utilização de metáforas com uma finalidade muito específica, e assim por diante. Não negamos essa possibilidade de uso do cinema, como "indevida" ou "indesejável"; apenas sublinhamos uma outra forma de "enfrentar" as imagens, como nos sugere Didi-Huberman (2010). Operamos com elas (as imagens) e com os espectadores (no caso, nós e nossos alunos) mais no intuito de nos abrirmos ao que ocorre nos lugares "entre", nos espaços vazios - que estão tanto na construção de linguagem do filme escolhido como na peculiar experimentação feita por aquele que vê e se deixa ver pelo cinema.

Essa diversidade de modos de olhar o cinema, provocada em sala de aula pelo filme Durval Discos, coloca em jogo a relação com o cinema e a relação com aquilo que é literalmente estrangeiro - no caso, o aluno que é de outro país, que fala outra língua, que "tem" outra cultura e que poderá não aceitar, pelo menos de imediato, o mesmo tipo de narrativa ou expressão artística que nós, professores, esperamos. No debate sobre esse filme, por exemplo, os alunos tiveram tantas opiniões diferentes que se tornou extremamente difícil cada um se colocar no lugar do outro, procurar entender o que pensava e dizia a pessoa ao lado. O outro estava marcadamente distante ali, e consideramos que esse acontecimento foi provocado pelo cinema, não só pelas nacionalidades diferentes dos alunos. Em meio a tantas diferenças na sala de aula aqui analisada, nos vimos diante de uma multiplicidade evidente - e é isso o que produz pensamento, que faz com que nos questionemos o tempo todo, que nos choca, que traz o imprevisto, o inesperado. É com isso que um educador precisa lidar, é isso que nos convoca, a todos nós, no sentido de lidar com o outro, viver com o outro, confrontar-se "com a possibilidade ou não de ser um outro" (KRISTEVA, 1994, p. 21).

A pesquisa e toda a prática didático-pedagógica aqui discutida mostraram o quanto uma simples aula de cinema brasileiro para estrangeiros se configura, em toda a sua potência, como uma forma intensa de "sair de si". Trata-se de uma constante tentativa - mesmo que frustrada - de se despir de todos os nossos estereótipos, preconceitos, expectativas, para abrir-nos às múltiplas situações que podem vir a acontecer. O simples ato de assistir a um filme na presença de outros já é em si bastante significativa. Não há como ignorar a presença do outro, do diferente, daquele que provoca nosso olhar. "Primeiramente, a sua singularidade impressiona: esses olhos, esses lábios, essas faces, essa pele diferente das outras o destacam e lembram que ali existe alguém" (KRISTEVA, 1994, p. 11).

O contexto de sala de aula, analisado aqui, parece apontar para uma inevitável tentativa de procurar pontos em comum, de aproximação, diante de alguém "estrangeiro". Um dos assuntos mais comuns em uma sala de aula como essa são as inevitáveis comparações entre os países e culturas, sempre com apontamentos sobre possíveis diferenças e semelhanças. Para falar sobre um filme, abordamos muitos outros mundos e assuntos, não só sobre cinema. Um filme toca não apenas aquilo que lhe concerne quanto à linguagem cinematográfica e às técnicas específicas desse tipo de produção; o fato é que cada narrativa apresenta temáticas que dizem respeito a nós, que nos movem, de diversas maneiras. A distância entre o que um aluno chinês pode pensar sobre um filme como Cidade de Deus (2002), por exemplo, e o que um aluno inglês diz ou o que a professora brasileira pensa carrega consigo uma grande complexidade de incompreensões e até constrangimentos, geradora, por vezes, de uma quase impossibilidade de troca, de diálogo.

Se não houvesse ninguém mais ali na sala de aula, ainda assim o contato com o cinema seria já uma forma de "estar com o outro" - essa é uma forte característica do cinema, como já mencionado no início deste texto. No caso da sala de aula de que falamos aqui, não se trata de qualquer cinema: a experiência se dá com o cinema brasileiro para alunos estrangeiros. O tema da alteridade, aqui, é multiplicado: para aqueles alunos, tudo respirava "estrangeiridade" - cinema estrangeiro, colegas estrangeiros, país estrangeiro, professora estrangeira. Com Julia Kristeva (1994), multiplicamos ainda mais essa questão: afinal, todos nós somos estrangeiros em algum momento e diante de algum olhar.

Imaginamos que todos esses fatores, aqui apresentados, fazem dessas relações uma experiência única com o cinema, uma forma totalmente diferente de assistir a um filme. Apostamos na ideia de que esses tantos estrangeiros (os outros e eu-outra, você-outro e nós-outros) necessariamente mudam nossa relação com o cinema. Tal situação de sala de aula possibilita a convergência entre os conceitos de alteridade, linguagem cinematográfica, olhar e experiência ético-estética.

O paradoxo do olhar estr angeiro: o que significaria, afinal, "conhecer a cultur a" do outr o"?

Falar com desconhecidos significa não saber o mundo de antemão,

não conhecê-lo jamais.8 (SKLIAR, 2014, p. 10, tradução nossa)

Nesta seção (operando na contramão de uma ordem cronológica dos fatos), gostaríamos de remontar a situações vividas no momento inicial do nosso contato com os alunos estrangeiros, em 2012 e 2013. Em que medida estiveram presentes, nos debates sobre filmes como Durval Discos, questões expostas já no primeiro dia de aula? E em que medida essas mesmas questões permaneceram ou se movimentaram, de alguma forma, ao longo do semestre de aulas?

Primeiro dia de aula de cinema brasileiro. Os alunos se apresentam, a professora se apresenta. Uma pergunta é, de imediato, direcionada à turma: "por que vocês escolheram cursar a disciplina de cinema brasileiro?". A resposta, quase unânime, é: "para conhecer melhor a cultura brasileira". Vale lembrar aqui que a estrutura do PPE traz uma grande variedade de cursos para escolher; portanto, os alunos não são obrigados a realizar a matrícula em Cinema Brasileiro. Por isso a pergunta; por isso a constante curiosidade quanto ao interesse deles, principalmente quando percebíamos que, a cada semestre, as turmas ficavam maiores. Além do questionamento feito "ao vivo", no último dia de aula as turmas eram convidadas a responder a um pequeno questionário:

1. Há quanto tempo você está no Brasil?

2. Você gosta de cinema? Por quê?

3. Diga qual o filme de que você mais gostou da disciplina de cinema e indique o motivo:

4. Qual o filme de que você menos gostou da disciplina de cinema? Por quê?

5. O que você tem a dizer sobre o cinema brasileiro?

6. Por que você escolheu fazer o curso de Cinema Brasileiro?

Curiosamente, as respostas registradas no primeiro dia seguiram as mesmas no final do semestre; mais de 90% dos questionários apresentaram justificativas como as seguintes:9

Ca - "Porque realmente me interesso muito por arte de cinema e acho que isso é uma boa forma de conhecer a cultura do país".

Da - "Cinema é uma vitrine importante de cada cultura. Quero conhecer mais sobre a cultura brasileira através de cinema".

Ri - "Através dos filmes, posso conhecer outras cidades e culturas diferentes brasileiras".

Mô - "O curso de cinema me oferece uma boa janela de conhecer a cultura brasileira".

Ma - "Queria olhar filmes brasileiros e eu acreditei que isso podia ajudar a mim a aprender a cultura brasileira".

O cinema, certamente, faz parte das manifestações culturais de um país, assim como outras formas de expressão artística; portanto, assistir a um filme pode ser pensado como o ato de entrar em contato com outra cultura, conhecer aspectos antes desconhecidos por um espectador estrangeiro. Foi por essa razão que, na organização do cronograma das aulas, buscamos atender às expectativas iniciais dos alunos, propondo uma variedade grande de filmes, com temas diversos, épocas de produção diferentes, estilos variados.

A temática do futebol, por exemplo, esteve presente nos filmes Heleno (2012) e O casamento de Romeu e Julieta (2005). Não se trata de escolhas aleatórias: tínhamos uma opção teórica, política até (no sentido mais amplo dessa palavra). Assim, o filme Heleno poderia ser pensado como uma experiência provocadora do espectador, na condição de um filme com vazios, feito de imagens que nos olham, tal como diz Didi-Huberman (2010). Já O casamento de Romeu e Julieta consistiria, a nosso ver, em uma narrativa mais fechada, no sentido de não oferecer significativas aberturas ao espectador; a história é totalmente guiada pela ação dos personagens, cuja caracterização se aproxima muito de uma novela de televisão. Pois bem: exatamente por unir dois filmes tão diferentes em uma mesma temática é que foi possível problematizar o próprio cinema brasileiro com a turma, explorando diferentes tipos de produção.

Outro exemplo de cronograma elaborado, pensando na diversidade e na oportunidade de contato com diferentes estéticas, histórias, personagens e culturas, foi a distribuição de filmes cujas histórias se passavam no meio urbano ou em ambientes rurais. Um dos semestres teve a primeira parte concentrada no Brasil urbano, e a segunda no Brasil rural. Necessariamente, o fato de se tratar de uma ambientação rural ou urbana não definia a temática em si dos filmes, mas uma espécie de "pano de fundo", imaginando que esse "fundo" seria tão significativo e guiador da história, ao ponto de fazer parte propriamente da "superfície". Portanto, os alunos viram filmes sobre diferentes locais do país, diversos temas, vários tipos de produção e de direção cinematográfica. Pode-se dizer que o contato com uma multiplicidade de "eus" e de "outros" foi um princípio de organização do próprio curso de Cinema Brasileiro.

Importa-nos aqui o relato sobre o que aconteceu ao longo dos quatro semestres analisados, na experiência das quatro turmas, convidadas a um tipo particular de contato com a cultura brasileira. O que trazemos, portanto, é um pouco da "vida" daquelas cenas escolares nas quais estivemos envolvidos, professora e alunos, os modos tão diversos pelos quais eles viveram e expressaram suas experiências. Partimos de um desejo inicial, manifestado pelos estudantes (de "conhecer" a cultura brasileira), para examinar na pesquisa como o processo de conhecimento do outro acontecia durante as aulas, tentando não criar categorias preestabelecidas, mas deixando o material empírico "falar", mostrar-nos caminhos.

Como já dito, o contexto analisado e a forma pela qual operamos com o conceito de alteridade nos fazem desviar de palavras como "exclusão" e "inclusão". Não pretendemos com isso dizer que sempre houve entre os alunos uma total aceitação do outro, ou que entre eles tivesse havido uma ausência completa de preconceitos e estereótipos em relação às diferentes nacionalidades. Acreditamos que, em qualquer estudo sobre alteridade, seria ingênuo ignorar tais processos, mas aqui procuramos chamá-los de outra forma, olhando-os como afastamentos, distanciamentos, lacunas entre o eu e o outro. Entendemos que talvez não seja razoável falar (considerando-se a experiência dessas aulas) em processos radicais de exclusão e inibição da cultura do outro; o que vimos, a todo o momento, foi uma exposição (e uma explosão) das diferenças, o que se mostrou suficiente para que se vivesse ali a manifestação de estranhamentos, visíveis em atos de categorização, afastamento ou aproximação - em relação ao "outro".

Como nos alerta Carlos Skliar (2003), aquilo que vemos no outro parte de algo já preestabelecido em nós, guia-se por estereótipos previamente construídos. Por isso, a experiência de contato com o outro necessariamente implica o eu, a importância que o eu, de qualquer forma, terá naquele contato. "O outro só é outro se puder ser capaz de mostrar-me, claro que sempre a uma distância prudente, quem somos nós e quais ajustes devemos fazer para parecermos, cada vez mais, nós mesmos" (SKLIAR, 2003, p. 121).

Ouçamos a voz de alguns dos alunos estrangeiros. Ve, ao responder à pergunta "O que você tem a dizer sobre o cinema brasileiro?", escreve: "Em geral, não gosto muito por causa da cultura diferente, alguns filmes não são bonitos, é difícil entender". Ve foi extremamente direta ao dizer que não gosta do cinema brasileiro por estar em causa uma "cultura diferente", o que faz com que, para ela, os filmes sejam difíceis de serem compreendidos. Em apenas uma frase está descrita a dificuldade do contato com a alteridade: o outro é diferente de mim; e é por isso que não o entendo. A aluna Is respondeu à mesma pergunta, da seguinte forma: "O cinema brasileiro sempre tem acesso com relação de poder e política. Isso é um pouco difícil para nós estrangeiros. Mas é um desafio". De fato, conhecer o outro é um desafio. Si: "Eu acho que a maioria do filme brasileiro é um pouco estranho, sempre tem violência e falecimento". Sa: "Despois de assistir muitos filmes brasileiros, achei que além dos assuntos mais populares da sociedade brasileira, alguns filmes tratam de assuntos muito estranhos". Em todas as manifestações, a força do enunciado que diz: o outro é estranho.

A vontade de conhecer a cultura do outro é muitas vezes barrada pela dificuldade de compreender aquilo que é tão diferente de nós. O desejo de se abrir às diferenças e se aproximar do estrangeiro dá lugar a um processo de "mitologizar o outro. Fixá-lo em um ponto estático de um espaço preestabelecido. Localizá-lo sempre no espaço outro de nós mesmos. Traduzi-lo para nossa língua, para nossa gramática" (SLKIAR, 2003, p. 116).

Os mesmos alunos que falam do desejo de conhecer a cultura brasileira expressam a dificuldade de realizar tal intento. Percebe-se, nesse gesto vivido em contexto de sala de aula, a crucial barreira entre o eu e o outro - tema de vários estudos sobre alteridade. A vontade de conhecer outra cultura não é o suficiente para vencer a dificuldade de compreensão daquilo que se apresenta, para nós, de forma tão diferente. Como lidar com o inesperado do outro, o que foge de categorias preexistentes, o que me arrebata e me impõe deixar de lado ideias preconcebidas e tentar criar novas formulações sobre mim mesmo e sobre o mundo?

Além dos dados lidos nos textos dos alunos, sobre as dificuldades de compreender o cinema e a cultura brasileira, mostraram-se importantes outras considerações feitas por eles. Em um dos semestres, pedimos que escrevessem um texto livre sobre suas conclusões a respeito do cinema brasileiro. Eles podiam analisar filmes, falar daquilo de que gostaram e do que não gostaram, referir características narrativas que mais lhes chamaram a atenção. O aluno Gu, por exemplo, escreveu o seguinte:

Em conclusão, o cinema é uma grande mostra da riqueza cultural e artística que há no Brasil, uma riqueza representada pelas belas cidades nas quais cada canto conta uma história diferente, pela beleza de suas mulheres e a exuberância das paisagens, pela qualidade de seus futebolistas e seus já tão famosos times, seus deliciosos pratos que podem se degustam do norte ao sul, suas maravilhosas praias que ano trás ano recebem centos de turistas. Brasil em poucas palavras, mais que um país, como disse um das personagens do filme "Cinema Aspirinas e Urubus", é um continente, e como um continente uma grão variedade em diferentes aspetos, entre eles o cinema.

Depois de assistir a pelo menos 15 filmes brasileiros (e discuti-los no grande grupo), o aluno acabou por enumerar uma série de clichês sobre o Brasil e a arte cinematográfica produzida aqui. Tal conclusão, como se lê, apresenta-se de forma superficial e povoada de estereótipos, o que, a rigor, não exigiria a participação em uma disciplina, para ser escrita. De forma semelhante, a aluna Ga escreve:

Achei que o cinema brasileiro é muito ligado à cultura brasileira e que muitas coisas da cultura do país podem ser adivinhadas ao assistir os filmes. Por exemplo, mesmo que não sendo o assunto principal num filme, a religião (e crenças supersticiosas às vezes) quase sempre aparecem. O futebol também tem um lugar em muitos filmes.

Mesmo considerando que a turma assistiu a poucos filmes sobre futebol ou religião, a aluna chegou à conclusão de que esses dois temas são muito representativos da cultura e da produção cinematográfica brasileiras. Novamente, os clichês sobre o Brasil aparecem na conclusão final do semestre, no texto dessa aluna. Tanto ao tratar das barreiras para compreender o cinema brasileiro, quanto ao elaborar conclusões tecidas de estereótipos, os alunos parecem demonstrar o quanto é desafiador (e talvez uma tarefa quase intransponível) o gesto de tentar "conhecer o outro". As duas situações se associam e apareceram como recorrências de extrema importância no material empírico, mostrando a força das ideias hegemônicas e pré-concebidas, na formação não só do estrangeiro que chega ao nosso país, mas de todos nós, diante daquilo que simplesmente "difere".

Quando o aluno estrangeiro afirma que não gosta do cinema brasileiro por se tratar de uma cultura diferente, ou que não consegue entender certos filmes ou temas e os caracteriza como sendo "estranhos", parece estar em jogo aqui a vontade de que a sua própria cultura prevaleça, e de que esta, de certa forma, seja representada no "espaço estrangeiro". Estamos falando aqui do desejo de ver o eu no outro; de destruir a alteridade e reduzi-la à nossa - supostamente homogênea - identidade. O outro só pode ser outro, segundo essa perspectiva, à medida que eu assim o permita. Da mesma forma, assistir a diversos filmes de outra nacionalidade (no caso, brasileiros) e, na condição de estrangeiros que desejavam conhecer outra cultura, chegar a conclusões transbordadas de estereótipos nos leva a pensar o quanto criamos e buscamos manter barreiras que nos "defendem" da alteridade. Ou seja, mesmo com uma aparente abertura, com uma dedicação e uma disposição dos alunos de assistir a filmes diferentes, debatendo-os com colegas de diversas nacionalidades, ainda assim - conforme vimos na pesquisa aqui discutida -, a abertura em direção ao outro vai até onde o eu previamente definiu.

A partir dessas observações e análises do material escrito pelos alunos e das notas de campo sobre as aulas, acreditamos ser possível chegar a um paradoxo do olhar estrangeiro: a vontade de conhecer a cultura estrangeira versus a vontade de se ver representado no estrangeiro. O ato de "se ver" diz respeito ao desejo tanto de encontrar no outro uma espécie de reflexo da própria cultura como de que o outro obedeça às categorias que previamente criamos para ele e sobre ele.

Relembramos aqui o que Badiou (2004) diz sobre paradoxo do acontecimento filosófico e a relação disso com o tema da alteridade: falar de uma experiência com o cinema, repetimos, é falar de uma situação filosófica; o mesmo sucede quando se trata da experiência com o outro. Os jogos de olhares, de representação, de significação, acontecem quando vemos um filme, e acontecem quando experienciamos a alteridade. A aula de Cinema Brasileiro mostrou-se, nesse sentido, um contato radical com o outro, com o estrangeiro, com situações de completa desestabilização do "si mesmo". Entendemos, assim, que a constatação desse paradoxo complexificou a cada encontro as relações entre os estrangeiros nas aulas de cinema; e significou para nós que se tratava, ali também, de uma vivência de caráter filosófico.

Cinema como via de ensinamento moral

Um dos primeiros filmes mostrados em aula, nas quatro turmas, foi O homem que copiava (2003), de Jorge Furtado. Desde a primeira turma que assistiu ao filme, os alunos demonstraram forte insatisfação com o final da narrativa, pelo fato de os personagens não terem sido punidos pelo que fizeram de "errado". Em todos os semestres, exatamente o mesmo comentário surgiu, de vários alunos diferentes: não gostei do final porque os personagens não foram punidos pelos seus crimes. Em seguida, foi dirigida aos alunos a seguinte pergunta: "por que o fato de os personagens não serem punidos te desagrada?". Normalmente a seguinte resposta era dada: porque dessa forma o filme ensina uma conduta errada para o espectador.

Tais afirmações dos alunos aparecem tanto nos debates, registrados em notas de campo, quanto nas produções textuais e nos questionários aplicados no último dia de aula de cada semestre. A exigência de que a narrativa de um filme deva seguir leis e regras corretas de conduta na sociedade é significativa para a maioria dos alunos (com algumas exceções em cada turma); o incômodo com as opões do diretor, pela não punição, gerou intensos debates, semelhante ao que ocorreu nas aulas sobre o filme Durval Discos. Afinal, perguntam os alunos (e nós também), o cinema tem a função de ensinar uma moral? Não punir personagens que cometem crimes ensinaria algo "errado" para o espectador? Filmes como O homem que copiava são alvos de críticas exatamente por criarem um "final feliz" para os "bandidos", por não mostrarem "a lei sendo cumprida".

Além dessa exigência em relação ao modo de construir a narrativa dos filmes, muitos alunos acabaram por elaborar uma conclusão genérica e taxativa: no cinema brasileiro os criminosos nunca são punidos. Ou seja, da análise de um filme específico, os alunos passaram a uma constatação geral sobre o cinema brasileiro.

Es: Cinema brasileiro, comparando com cinema chinesa, reflete mais a realidade da sociedade. No cinema brasileiro os personagens maus não necessariamente têm fins tristes.

Gu: [sobre O homem que copiava] Não respeita certos códigos de equidade onde toda ação ilegal tem consequências e quem comete erros na vida deve pagar por eles.

Outro aspecto relevante a sublinhar nesta análise é o modo como, nos comentários, os alunos estabelecem uma relação particular entre cinema e realidade. A busca pela "realidade" (que talvez poderíamos chamar de uma vontade de verdade nietzschiana) parece não se separar da exigência de moralidade e de ensinamento nos filmes. Em outras palavras, se há uma preocupação em relação ao que o filme mostra ao espectador sobre conduta, regras e leis, é porque o filme estaria sendo visto como um "reflexo" da sociedade. Nas análises dos alunos, é possível ver claramente o movimento de escrita sobre o filme transformar- se em um comentário sobre a sociedade e as leis brasileiras. A aluna Ye, por exemplo, incomodou-se bastante com o filme Carandiru (2003) e analisou-o como um reflexo da justiça do Brasil:

Na minha opinião, a justiça do Brasil é muito branda ao respeito das leis, ela não é igual para todos, certos tipos de crimes no Brasil, tem que ser punidos com a cadeia perpétua ou pena de morte desde que não haja dúvida nenhuma do autor do crime. Mas também tem que fazer uma reforma dos direitos humanos aqui no país.

Nesses casos, a análise fílmica passa a constituir-se como um julgamento sobre a justiça do Brasil, como se aquele único filme visto em aula representasse diretamente uma única realidade existente no país. Seguindo a mesma linha de argumentos, o aluno Ri analisa o filme O invasor (2002):

Eu avalio que esse filme é o espelho da sociedade atual, esse filme revela e demonstra o aspecto ruim que fingindo pelo sorriso e a ambição enorme leva para seu túmulo condenável. Acho que pelo menos o filme quer educar os espectadores impedirem a ambição no fundo da alma. Infelizmente, o fim do filme é muito inesperado.

Os infratores não foram presos e condenados, até os policiais aderiram aquela quadrilha. Isso satiriza a incapacidade do governo e que o dono da sociedade não é o povo, é as pessoas poderosas e ricas.

No trecho acima, além de relacionar fortemente o filme com uma possível realidade do país, o aluno também inclui um comentário que acreditamos ser importante, sobre a própria linguagem cinematográfica, especificamente sobre o final da história, inesperado. O aluno afirma que, no começo, estava entendendo que o filme iria ensinar ao espectador uma lição de moral sobre os excessos de ambição e sobre como isso seria "prejudicial". No entanto, diz ele, o filme não segue essa linha de ensinamento, não pune os criminosos, e isso é totalmente inesperado no cinema.

É necessário ressaltar que qualquer filme com crimes e violências, para a maioria dos alunos, nos quatro semestres, causava incômodo - e isso já seria um aspecto relevante, merecedor de análise. Mas observamos que esse incômodo estava ligado a um conjunto maior: por exemplo, ver o cinema como um "reflexo da realidade", exigir a punição de criminosos e elaborar ideias sobre a justiça brasileira. Todos esses elementos abrem espaço para discutir a criação e a reiteração de estereótipos, nas relações culturais. Afinal, que outro é esse diante de mim? De que forma eu chego ao outro e falo dele - se estou tão pleno de pré- -conceitos e de juízos tão fechados sobre o que difere de mim?

O homem que copiava é um filme bastante característico do diretor Jorge Furtado, que costuma escrever roteiros inusitados e divertidos. A história, que gira em torno do dinheiro, tem como personagem principal um jovem chamado André, que trabalha em uma papelaria, como operador de uma máquina de fotocópias. Ele mora com a mãe, e seus assuntos principais são a falta de dinheiro e o desejo pela vizinha, Sílvia, que ele espiona com um binóculo. André quer dinheiro para comprar uma roupa na loja em que Sílvia trabalha, para poder falar com ela e impressioná-la. Ele acaba descobrindo que poderia copiar notas na máquina de fotocópias, e assim obter o dinheiro de que precisava.

Suas ambições sobre dinheiro crescem quando ele conhece Cardoso, personagem imediatamente interessado na possibilidade de copiar as notas. Os dois acabam arquitetando (e realizando) outro plano - assaltar um banco. Mas o inesperado acontece: André e Cardoso ganham o prêmio da loteria. Importante registrar que essas situações são narradas com fina ironia e em ritmo e tom de comédia. As cenas do assalto, por exemplo, acontecem ao som de Travelin' Band, de Creedence, num clima totalmente descontraído. Além disso, quando André e Cardoso descobrem que ganharam na loteria, o filme mostra uma sucessão de cenas de câmera parada, com reações cômicas dos personagens: gritando, chorando, quase perdendo o bilhete premiado, correndo e pulando. Ambos inclusive pensam em devolver o dinheiro do assalto, mas não sabem como fazê-lo.

Ao longo da história, outros crimes são cometidos pelo grupo (agora composto por Sílvia e Marinês, além de André e Cardoso): o assassinato de um homem que havia vendido a arma utilizada por André no assalto e que agora o estava chantageando; e o assassinato do pai de Sílvia. Os dois personagens são mortos por estarem atrapalhando os planos de fuga e riqueza do grupo. Depois do assalto e de dois assassinatos, todos acabam fugindo para o Rio de Janeiro, o que poderia ser entendido como mais uma ironia de Jorge Furtado - a referência a clássicos filmes americanos, em que o local de fuga dos criminosos é frequentemente o Rio.

Em todas as aulas sobre O homem que copiava, os alunos afirmaram gostar do filme, mas não concordavam com o final. Todos se divertiram, riram do personagem André e de seus desenhos, mas não aceitaram que os criminosos tivessem um final feliz, justamente no topo do Cristo Redentor - ícone turístico, reconhecido mundialmente. No último semestre de coleta de dados (2013/02), Ad foi a aluna que discordou de quase toda a turma (sobre a necessidade de punição e sobre o final da história), argumentando em aula que se tratava de uma comédia e que a narrativa toda foi construída a favor dos personagens; em sua opinião, punir os jovens no final não estaria de acordo com o estilo do filme.

Nos seus argumentos, Ad não citou em nenhum momento a relação do filme com a realidade, pois para ela pareceu importar mais a verossimilhança interna de O homem que copiava. Isso se diferencia muito dos comentários dos outros alunos, como da aluna As, que insistiu: "o filme ensina para as pessoas que quem comete crimes não é punido". Talvez esse seja um dos diferenciais entre as opiniões: analisar o filme dentro dele mesmo e como uma produção artística, ou relacioná-lo com a realidade da sociedade. Certamente, a discussão sobre essas duas formas de tratar um filme assume outras proporções, tornando-se um pouco mais complexa, quando se trata da opinião de estrangeiros sobre o cinema brasileiro.

Alguns alunos assistiram a dois ou três filmes com o tema da impunidade, outros apenas um. No entanto, a conclusão foi sempre a mesma: no cinema brasileiro não se punem os criminosos. Quando um estrangeiro chega tão facilmente a uma conclusão como essa parece entrar em questão um importante fator cultural e de tratamento da alteridade: a distinção entre o eu e o outro, o eu correto e o outro corrupto. Parece que aqui podemos ver fortemente o paradoxo do olhar estrangeiro - o que acaba por sugerir uma análise do outro a partir de estereótipos previamente criados. A maioria dos alunos chega ao Brasil tendo assistido pelo menos a dois filmes nossos: Tropa de elite (2007) e Cidade de Deus (2002). Uma série de frases prontas normalmente acompanha a experiência de um estrangeiro, ao assistir a tais narrativas: o cinema brasileiro é violento, no Brasil os policiais são corruptos, o Brasil tem muitas favelas, as favelas são perigosas, o Brasil é perigoso. Talvez Tropa de elite seja um filme que justifique essas conclusões, principalmente quando ele é um exemplo típico de "cinema brasileiro para estrangeiros". No entanto, esses conhecimentos prévios sobre o Brasil parecem bastante fixos e difíceis de serem ultrapassados, mesmo quando o repertório de cinematografia brasileira aumenta. Conhecer o outro é um desafio - como lemos inclusive no texto de uma aluna. Será que o outro só vai até onde o eu já o definiu, por antecipação? É isso que parece acontecer muitas vezes nas análises dos alunos, quando o assunto é o crime. Mesmo um filme de comédia, como O homem que copiava, mostra- -se como exemplo suficiente para sustentar categorizações plenamente estereotipadas.

As ideias contrárias - surgidas pela proposta do debate - foram extremamente relevantes, apesar de muitas vezes incentivarem a reafirmação entusiasmada dos preconceitos. Como citado aqui, a aluna Ad analisou o filme de Jorge Furtado de forma muito peculiar e diferenciada, o que provocou o surgimento de outros argumentos por parte dos outros alunos, como na fala de Sa: "Todas as recorrências são povoadas de rupturas e são exatamente elas que fazem com que uma repetição de ideias seja significativa e produtiva, especialmente no espaço de uma sala de aula". No último encontro, ao final, quando os alunos conversavam de maneira bastante informal, cada um expressando livremente sua experiência naquela disciplina, especialmente com o cinema brasileiro, a aluna Ev acabou por descrever o que se pode chamar de processo de transformação. Ela afirmou sempre ter pensado que o cinema deveria servir para ensinar as pessoas como agir em sociedade, e que se perturbou muito quando assistiu a filmes brasileiros e percebeu que isso não era seguido; no entanto, afirmou que, depois de assistir a tantos filmes diferentes, sua opinião sobre cinema mudou. Literalmente, seu depoimento falava de "produção de pensamento"; em vez de reafirmar as próprias ideias, abriu-se ao diferente e aceitou "estar um pouco confusa", "não saber qual seria a função do cinema", já que o que pensava lhe parecia agora "errado".

A aluna Ev passou pelo processo de estereotipar o outro, de analisar o cinema brasileiro a partir do que previamente considerava correto, até chegar a viver outra relação com a alteridade, que parece ter ultrapassado o paradoxo aqui exposto. A aluna questionou o próprio pensamento, deixou-se tocar pelo outro, saiu de si e permitiu-se ficar em um estado de confusão entre o que já sabia e o que agora parece estar percebendo. Além disso, a própria aluna escolheu contar isso em aula, sem ser interpelada por nenhuma pergunta. Ela percebeu a importância do processo pelo qual passou e, mesmo não conseguindo chegar a uma conclusão ("agora estou confusa"), Ev optou por narrar a experiência vivida.

Conclusão: o cinema e a alteridade como desafio

O processo de aproximação em direção ao outro não ocorre da mesma forma para todos os grupos e pessoas; são as rupturas em meio às recorrências que parecem construir, efetivamente, as relações de alteridade. Para pensar nas manifestações dos alunos em relação ao cinema como via de ensinamento moral, nem repertório cinematográfico nem nacionalidade se mostraram importantes, mas sim a alteridade como provocação, o ato de conhecer o outro como um processo. Estamos falando de um eu na tentativa de ser o outro, de ver o outro, e de um outro devolvendo o olhar - que pode ou não ser bloqueado pelos estereótipos.

Novamente, ressaltamos que não há uma forma correta de se relacionar com o outro, o estrangeiro, mas há a possibilidade da existência ou não de aberturas, de rompimento com códigos e conhecimentos preestabelecidos. Estamos falando de um olhar mais demorado, questionador, que não se dá por satisfeito com aquilo já antes existente, que não impõe barreiras diante do diferente. Experiências assim foram relatadas pelos alunos, e acreditamos que o contato do aluno estrangeiro com o cinema é que parece ter provocado tais arrebatamentos. Os textos dos alunos e as situações em sala de aula reforçam as possíveis mitologizações do outro, como fala Skliar (2003), os desafios do outro, o quanto estamos permeados de eus e outros que se confundem, que se categorizam, da mesma forma que se perdem. Na relação com o cinema e com a alteridade, algo sempre irá escapar.

Pelas discussões aqui feitas e as situações de sala de aula trazidas, podemos pensar que - seja nos depoimentos sobre exigência de moral e ensinamento no cinema, seja no enfrentamento das dificuldades em lidar com lacunas e certos tipos de narrativas -, os alunos demonstraram sempre viver um paradoxo, uma luta, o desafio do outro, a perturbação com os espinhos, com o dentro que aquilo que nos olha impõe. Como professoras e pesquisadoras, "sofremos" esses olhares também, consideramos aquilo que para nós eram espinhos e surpresas que a alteridade nos impunha.

Apresentamos neste texto algumas discussões acerca do tema da alteridade e de um pensamento filosófico sobre cinema, no intuito de trazer novas possibilidades de pensar o outro, especialmente no campo da educação. Essa temática pode nos trazer mais questionamentos do que conclusões, o que, talvez, tenha muita relação justamente com os desafios que a alteridade nos impõe. Não procuramos, neste trabalho, definir o estrangeiro, dar respostas às tantas perguntas feitas na introdução, com o uso dos resultados da pesquisa. Não é possível tratar de experiências tão sensíveis e singulares e fechá-las. "Não procurar fixar, coisificar a estranheza do estrangeiro. Apenas tocá-la, roçá-la, sem lhe dar estrutura definitiva" (KRISTEVA, 1994, p. 10). A relação com estrangeiros é um problema de nosso tempo. O cinema e a profusão de imagens no nosso cotidiano são temáticas emergentes de pesquisa, que seguem nos instigando a abrir os olhos para experimentar o que não vemos.

Referências

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CIDADE de Deus. Direção: Fernando Meirelles. Produção: Andrea Barata Ribeiro e Maurício Andrade Ramos. Rio de Janeiro: O2 Filmes e Globo Filmes, 2002. [ Links ]

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TROPA de elite. Direção: José Padilha. Produção: José Padilha e Marcos Prado. Rio de Janeiro: Zazen Produções, 2007. [ Links ]

1O PPE é vinculado, como projeto de extensão, ao Curso de Letras da UFRGS . Propõe-se a atender a alunos estrangeiros, que vêm ao Brasil para estudar em diversos cursos, numa ação de intercâmbio; esses estudantes, em geral, precisam de apoio na aprendizagem do Português. Assim, o PPE se organiza em vários níveis, do Básico I ao Avançado, com disciplinas de literatura brasileira, produção textual, canção brasileira, cinema brasileiro, entre outras.

2No original: "una nueva manera de hacer existir lo otro".

3No original: "el cine transforma la filosofía".

4No original: "una situación filosófica es el momento en que esclarecemos una elección, una elección de existencia o de pensamiento".

5No original: "esclarecer el valor de la excepción, el valor del acontecimiento, el valor de la ruptura".

6No original: "El cine nos presenta lo outro en el mundo, nos lo presenta en su vida ultima, en su relación com el espacio, en su relación con el mundo. El cine amplifica enormemente la posibilidad de pensar lo outro, de tal manera que si la filosofia es el pensamiento de lo outro, como dice Platon, entonces hay una relacion entre la filosofia y el cine".

7Utilizaremos apenas uma sílaba com duas letras, inicial maiúscula, para designar os alunos, preservando assim suas identidades (Ca, Da, Es, Ev, Fe, Ga, Gi, Gu, Ma, Mô, Ri, Ti, Ye).

8No original: "Hablar con desconocidos significa no saber el mundo de antemano, no conocerlo jamás".

9Todos os fragmentos a seguir foram transcritos diretamente dos trabalhos dos alunos, incluindo qualquer tipo de erro de português que eles possam ter cometido. Não foi feita nenhuma correção ou modificação a partir da própria escrita deles.

Recebido: Dezembro de 2015; Aceito: Agosto de 2016

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