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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.49 no.171 São Paulo jan./mar 2019  Epub 13-Maio-2019

https://doi.org/10.1590/198053145447 

Artigos

O PLÁGIO NOS LIVROS DIDÁTICOS E NA VISÃO DE AUTORES

PLAGIARISM IN TEXTBOOKS AND IN THE AUTHORS’ VISION

LE PLAGIAT DANS LES MANUELS SCOLAIRES ET LES POSITION DES AUTEURS

EL PLAGIO EN LOS LIBROS DIDÁCTICOS Y EN LA VISIÓN DE AUTORES

Sirlene Rodrigues Ferreira CastroI 
http://orcid.org/0000-0001-9556-1107

Carlos LopesII 
http://orcid.org/0000-0003-2745-3942

IUniversidade de Brasília (UnB), Brasília (DF), Brasil; sirlenerodrigues2010@gmail.com

IIUniversidade de Brasília (UnB), Brasília (DF), Brasil; carloslopes@unb.br


Resumo

O artigo aborda o tema do plágio em livros didáticos, quando referido às pesquisas na internet e ao posicionamento dos autores. Por meio da análise de conteúdo, segundo as diretrizes de Bardin (2011), em 16 livros das coleções de Português, Ciências, Geografia e Matemática do ensino fundamental, e em entrevistas semiestruturadas com cinco autores brasileiros, concluiu-se: a inexistência de orientações sobre o plágio nesses livros analisados; a não integração da temática plágio nas diretrizes do Programa Nacional do Livro Didático; e a responsabilização da mediação dessas orientações exclusivamente a cargo dos professores.

Palavras-Chave: LIVRO DIDÁTICO; AUTORES; PLÁGIO; PROFESSORES

Abstract

This article deals with the topic of plagiarism in textbooks when referred to internet searches and the opinions of the authors. By analyzing the content of 16 Portuguese, Science, Geography and Mathematics books, according to the guidelines of Bardin (2011) and semi-structured interviews with five Brazilian authors, it was concluded: the lack of guidelines on plagiarism in the elementary school textbooks analyzed; the subject of plagiarism is not integrated with the guidelines of the National Textbook Program; and there is a displacement of responsibility for the mediation of these teachers’ guidelines.

Key words: TEXTBOOK; AUTHORS; PLAGIARISM; TEACHERS

Résumé

L’article aborde le sujet du plagiat dans les manuels scolaires concernant les recherches sur internet et les positions de leurs auteurs. Ce travail a analysé le contenu, selon les directives de Bardin (2011) de 16 manuels scolaires de Portugais, Sciences Géographie et Mathématiques utilisés à l enseignement obligatoire, ainsi que des entrevues semi-structurées avec cinq auteurs brésiliens. Les conclusions relèvent: une absence de recommandations concernant le plagiat dans les livres analysés; aussi bien que la non intégration du sujet dans les directives du Programa Nacional do Livro Didático [Programme National du Manuel Scolaire] (PNLD); entrainant un transfer de la responsabilité des avertissements sur le plagiat aux enseignants.

Key words: MANUEL D’ENSEIGNEMENT; AUTEURS; PLAGIAT; ENSEIGNANTS

Resumen

El artículo aborda el tema del plagio en libros didácticos, cuando se refiere a las investigaciones en internet y al posicionamiento de los autores. A través de análisis de contenido, de acuerdo con las directrices de Bardin (2011), en 16 libros de colecciones de Portugués, Ciencia, Geografía y Matemáticas de la enseñanza primaria, y entrevistas semiestructuradas con cinco autores brasileños se concluyó: la falta de orientaciones sobre el plagio en esos libros analizados; la no integración de la temática ‘plagio’ en las directrices del Programa Nacional del Libro Didáctico; y el desplazamiento de responsabilización por la mediación de esas orientaciones a los profesores.

Palabras-clave: LIBRO DE TEXTO; AUTORES; PLAGIO; PROFESORES

Com o crescimento do uso das tecnologias informacionais e comunicacionais em todos os contextos da vida humana, incluindo o educacional, verifica-se também o crescimento do número de problemas relacionados a cópias indevidas de conteúdos, caracterizando, assim, desde a mais tenra idade, o plágio e a cópia de trabalhos intelectuais. Quer sejam ou não intencionais, e sejam lá quais forem os motivos da cópia e do plágio, Teixeira, Cicogna e Morais (2011) e Castro Junior (2011) abordam: a insuficiente capacidade autoral, o desconhecimento dos procedimentos adequados, a má-fé, a falta de planejamento do tempo para se produzir a tarefa, a preguiça, o desleixo, a ausência de articulação textual, entre outras razões. O fato é que esses problemas atingiram dimensões que precisam ser enfrentadas na educação, antes que o processo alcance proporções ainda maiores.

Pesquisas internacionais sobre o tema - Ukpebor e Ogbebor (2013), Callender et al. (2010), Yang et al. (2014), Eismann (2015), Olson e Shaw (2011), Chang et al. (2015), Tyler (2015), Ma et al. (2007) - e nacionais - Bonette e Vosgerau (2010), Bernardes e Fernandes (2002), Sauthier et al. (2011) e Rocha (2013)1 - apontam o crescente problema do plágio e da cópia, vinculados diretamente aos avanços tecnológicos oriundos da sociedade em rede, os quais os comunicólogos e os tecnólogos chamam de ciberplagiarismo.

Fonte: Canal do Educador (BARROS, 2017).

FIGURA 1 TIRINHA DE RAVICK, BLOG “OS AMORAIS” 

Moran (1997) já chamava a atenção para as significativas mudanças e para as diversificadas aplicações educacionais, nos meios de ensinar e aprender, proporcionadas pela rede mundial de computadores. O autor também analisa a paixão dos estudantes pela navegação, pela descoberta, mas alerta que, entre tantas conexões possíveis, os estudantes podem se perder e ter dificuldades em escolher o que é significativo e seguro, em questionar afirmações problemáticas, e acrescentamos aqui - para não incorrerem no risco de cópia e plágio -, a dificuldade de fazerem apropriações dignas das informações contidas na rede. Vivemos em um mundo sem fronteiras e temos o dom da ubiquidade por meio da alteridade (PENA, 2010), mas alteridade requer respeito pela qualidade que é do outro, algo que se perde diante do plágio e da cópia.

As pesquisas realizadas nos dias atuais têm a rede mundial de computadores como grande aliada, quer para a leitura de livros, quer para a visualização de vídeos e a escuta de áudios, ou para a consulta de portais eletrônicos de informação, funcionalidades que os comunicólogos e tecnólogos indicam derivar da convergência midiática, conceito desenvolvido por Jenkins (2015) para se referir à tendência que os meios de comunicação possuem de se adaptarem à internet, com a migração e a distribuição do seu conteúdo para a rede mundial. Ou seja, todas as formas de mediação do conhecimento disponibilizadas em plataforma única e acessíveis em um único aparelho. Concomitante a essa convergência de canais digitais, os dispositivos móveis estão com os preços cada vez mais acessíveis, o que possibilita ao estudante contemporâneo tornar-se um pesquisador no ciberespaço. De acordo com os dados divulgados pelo Cetic (2016), órgão que atua sob os auspícios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 52% dos estudantes de 5º a 9º ano utilizam dispositivos móveis para a pesquisa escolar. Esse percentual atingiu 74% entre os estudantes do ensino médio. Essas estatísticas reforçam o dever que educadores, pesquisadores, professores, gestores e tutores têm de orientar corretamente os estudantes quanto às pesquisas realizadas na rede mundial de computadores.

A cópia e o plágio constituem um dos mais graves problemas educacionais da atualidade. Pesquisas internacionais alertam que os alunos estão se especializando na técnica do “copiar e colar” cada vez mais cedo. Esse alerta traz para nós, pesquisadores, a responsabilidade de buscar alternativas, na tentativa de ajudar estudantes e professores na apropriação adequada do conhecimento disponível na rede mundial de computadores, para, entre outros objetivos, minimizar os efeitos da cópia sem compreensão e consequente plágio em estágios mais avançados do conhecimento.

PESQUISA E MÉTODO

A pesquisa da qual deriva este artigo adotou por procedimento metodológico a análise de conteúdo temático-categorial, segundo as diretrizes de Bardin (2011), e a realização de entrevista semiestruturada (TRIVINOS, 1987). Nesta pesquisa, analisamos 16 livros didáticos que contemplam quatro áreas do conhecimento (Língua Portuguesa, Geografia, Ciências e Matemática), distribuídos em quatro coleções da segunda fase do ensino fundamental (6º ao 9º ano), adotados e distribuídos pelas escolas públicas do Distrito Federal.

A questão que norteou a investigação analisa a abordagem que esses livros fazem sobre o plágio e a cópia, no que se refere à orientação da produção textual dos estudantes, mais precisamente, quando essa produção estudantil está relacionada diretamente aos conteúdos e às atividades didáticas que fazem referência às pesquisas na internet. Nesta pesquisa, também foi investigado o posicionamento de autores de livros didáticos no Brasil, não necessariamente os mesmos autores dos livros analisados, de maneira a preservar o anonimato dos autores entrevistados.

LIVRO DIDÁTICO

O livro didático goza de supremacia nas salas de aula do Brasil, na avaliação de Cavalcante, Gomes e Tavares (2014). Por causa disso, precisamos refletir sobre a presença ou ausência da orientação quanto ao plágio nos primeiros passos dos estudantes em suas pesquisas, ainda no ensino fundamental. O segmento de livros didáticos é o mais relevante do mercado editorial brasileiro. Segundo Ortellado (2009), os livros didáticos respondem por 37% dos títulos, 61% dos exemplares e 42% do faturamento de todo o mercado. Metade desse setor destina-se a compras governamentais por meio de diversos programas, mas, sobretudo, do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) (BRASIL, 2016b). O Brasil é o maior comprador de livros didáticos do mundo, de acordo com Zambon e Terrazzan (2013), pois a aquisição é realizada de forma centralizada para sustentar as escolas públicas de todo o país por um período de três anos. A média anual de investimento é de 1,3% do orçamento total do Ministério da Educação, segundo dados do FNDE (BRASIL, 2016a), o que corresponde a R$ 63,7 bilhões anuais.

SOBRE O PLÁGIO

O plágio abarca a produção de softwares, jogos, textos, livros, músicas, filmes, teses, dissertações, monografias, projetos de conclusão de curso, trabalhos escolares, e ainda caberia aqui uma lista de difícil finitude. Até a conclusão do ensino médio, pouco é dito ao estudante ou este é orientado sobre o plágio em atividades de pesquisas na internet. Nos primeiros passos na academia é que as regras começam a ser estabelecidas.

O plágio, apropriação de produção intelectual alheia, é regido pela Lei n. 9.610 (BRASIL, 1998), que trata dos direitos autorais. Preocupadas com o desempenho acadêmico sobre o assunto, as autoras Diniz e Terra (2014) fizeram profunda análise do plágio, abordando os aspectos históricos recorrentes nas áreas de literatura, ciência e arte, em universidades brasileiras. A exigência de aspas e a honestidade na paráfrase são algumas das regras trabalhadas pelas autoras. Mas, dentre os vários assuntos abordados, destacamos o questionamento das autoras sobre os motivos para o silêncio em torno do plágio, ao que elas respondem: “Falsamente se supõe que jovens pesquisadores conheçam as regras e os interditos da escritura” (DINIZ; TERRA, 2014, p. 131). Esse esclarecimento em torno das regras para a pesquisa, em especial para aquelas oriundas da internet, é peça-chave desta pesquisa e encontramos nos livros didáticos analisados esse silêncio, essa lacuna.

A precursora do plágio tem nome: seu nome é cópia! Aquela cópia que desmerece o autor original. O “ctrl + c e ctrl + v”, o irrefletido recortar e colar. Aquela cópia que desmerece a reflexão e que, por isso, beira a incapacidade da reescrita, da paráfrase e principalmente da autoria. Aquela cópia que nessa era open decade (década do código aberto), termo cunhado por Peters e Britez (2008), ficou bem mais fácil de se fazer. Somado à nossa reflexão sobre essa precursora tenebrosa, Krokoscz (2012) faz uma reflexão em torno da cultura brasileira do “jeitinho”, potencializada pela insuficiente orientação às normatizações de informações, o que, na avaliação dele, desencadeia e potencializa os problemas relativos ao plágio e à cópia. Se o “jeitinho brasileiro” admite a cultura de burla a algumas regras estabelecidas e conhecidas em detrimento do cumprimento de tarefas, podemos afirmar que a insuficiente reflexão sobre a cópia e o plágio nos ensinos fundamental e médio pode fomentar a cultura da cópia e, consequentemente, do plágio.

O processo de pesquisa é dinâmico e acompanha os avanços tecnológicos. Demo (1996) aborda a importância de fazer da pesquisa uma atitude cotidiana e, nesse sentido, precisamos pensar como o estudante contemporâneo utiliza vastamente as ferramentas tecnológicas em tempo real para realizar suas pesquisas. O questionamento reconstrutivo do qual fala o autor não pode prescindir de orientações seguras quanto às pesquisas realizadas na rede mundial de computadores. Outro importante aspecto abordado pelo autor e que coaduna com os apontamentos desta pesquisa é a necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana de professores e alunos, o que também não pode ser um processo desidratado de responsabilidade autoral nesse estudante que vive em rede.

Se a pesquisa deve permear a educação emancipatória e o processo formativo estudantil, o processo instrutivo dos procedimentos para a realização dela também deve permear esse processo formativo, observando os procedimentos essenciais de indicação de fonte pesquisada que caracteriza os primeiros passos básicos de qualquer pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O levantamento empírico composto pela análise de conteúdo temático-categorial, segundo as diretrizes de Bardin (2011), feita nos 16 livros das quatro coleções dos livros didáticos de Português, Geografia, Ciências e Matemática, utilizados no triênio 2014/2016 pelos estudantes em escolas públicas do Distrito Federal, e pelas entrevistas com cinco autores de livros didáticos no Brasil comprova que a temática do plágio não faz parte das diretrizes que orientam os estudantes.

Quando os autores indicaram a realização dessas pesquisas, em nenhum dos livros analisados localizamos quaisquer menções aos cuidados que devem ser tomados pelos estudantes em pesquisas realizadas na rede mundial de computadores. Nesses casos, a recomendação de cuidados é restrita ao zelo com o livro - por ser reaproveitável -, e a consultas aos portais seguros, que são criteriosamente indicados em todas as coleções de livros analisados. No volume destinado ao 7º ano do livro de Língua Portuguesa, por exemplo, as autoras abordam o tema pirataria: “O ato de copiar um produto (programa de computador, DVD, CD, etc.), sem autorização do autor ou detentor dos direitos autorais, para comercialização ilegal ou uso da pessoa, tem sido chamado de pirataria [...]” (DELMANTO; CARVALHO, 2012b, p. 187). Essa seria uma boa oportunidade para tratar do plágio e da cópia em pesquisas realizadas na internet, mas nada foi dito sobre a cópia de conteúdos intelectuais oriundos de pesquisas mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC).

Outra oportunidade perdida de abordar o cuidado com as práticas de cópia e plágio está em Sampaio (2012), na qual o autor sugere que os estudantes realizem uma exposição de recursos naturais ou de objetos extraídos da natureza, tais como: móveis, roupas de algodão, peças de metal, tijolos e plásticos. Nessa unidade, o autor sugere a pesquisa na internet para adquirir imagens para a exposição, mas não aborda o cuidado com o plágio e a citação das fontes das imagens adquiridas por meio das pesquisas na internet:

Pesquisa: é sempre importante pesquisar em fontes variadas sobre o tema, como livros, enciclopédias, revistas especializadas, jornais e internet. Quanto à internet, peça ajuda a seu professor para ter acesso a sites confiáveis. Dê preferência a sites governamentais de organismos nacionais e internacionais e a sites de organizações não governamentais. As imagens podem ser obtidas de diversas maneiras: pela internet, em revistas e jornais. O grupo também pode confeccioná-las fotografando ou desenhando. (SAMPAIO, 2012, p. 218)

No quadro a seguir apresentamos a síntese desses resultados.

QUADRO 1 SOMATÓRIO DA FREQUÊNCIA DE INDICAÇÕES DE PESQUISAS EM 16 LIVROS DIDÁTICOS DO 6º AO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL 

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS UNIDADES DE CONTEXTO FREQUÊNCIA EM 4 LIVROS*
PORTUGUÊS GEOGRAFIA CIÊNCIAS MATEMÁTICA
Pesquisa Internet Acessar; Saber mais; Fique por dentro; Endereços da internet; Complementar estudos; Acessando 31 42 39 45
Livros, jornais e revistas Ler; Fique por dentro: livros; Indicamos leituras complementares 92 84 75 92
Áudios Ouvir (e derivações verbais) 5 ------ ------ ------
Filmes Assistir (e derivações verbais) 26 ------ 25 ------
Museus e centros de pesquisa Fique por dentro: museus, centros de pesquisa ------ ------ 49 ------
Livre** Pesquise ------ 5 12 ------
Plágio Cuidado --------- ------- ------ ------ ------

* Extraído dos seguintes livros e autores: Jornadas.port. (DELMANTO; CARVALHO, 2012a; 2012b; 2012c; 2012d); Para viver juntos - Geografia (SAMPAIO, 2012); Para viver juntos - Geografia (SAMPAIO; MEDEIROS, 2012a; 2012b); Para viver juntos - Geografia (SAMPAIO; MEDEIROS; SILVA, 2012); Projeto Araribá Ciências (SHIMABUKURO, 2010a; 2010b; 2010c; 2010d); Projeto Teláris de Matemática (DANTE, 2012a; 2012b, 2012c; 2012d).

** Os autores não fazem referência a nenhuma plataforma de pesquisa específica, o que indica liberdade de escolha da fonte de consulta.

Legenda: --- Ausência de dados.

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados fornecidos pelos livros e autores.

COMO PENSAM OS AUTORES

Trataremos agora das entrevistas com cinco autores de livros didáticos do Brasil, não necessariamente os mesmos autores das coleções analisadas. Partimos do pressuposto que toda chegada ou acesso aos entrevistados desta pesquisa deveria ser considerado como elemento a ser conhecido, pois a produção e a ampliação do conhecimento não podem prescindir desses elementos antecessores que por vezes determinam os resultados. Nesse sentido, enfrentamos grandes desafios e decepções. Este trabalho exigiu acrobacias metodológicas para a localização dos autores, pois os livros analisados não publicam o contato dos autores. Algumas editoras parecem fantasmas. Jamais atendem ao telefone ou respondem aos e-mails. Além de não constarem os contatos dos autores nos livros didáticos, nos currículos lattes desses autores também não constam os endereços para correspondência. Então tivemos de ligar em emissoras de televisão e rádio procurando autores; enviamos pedidos de amizade no Facebook para todos os nomes que poderiam ser ou não dos autores e enviamos mensagem via in box pedindo entrevista. Essas acrobacias provam que inexiste interatividade entre autores, editoras e usuários do livro didático por meio do próprio livro, pois se não existe um canal eficiente de comunicação, não existe interatividade. Depois de localizados, outro obstáculo foi conseguir agendar com os autores as entrevistas, porque eles estavam em campanha para venda dos livros didáticos. Muito semelhante às campanhas eleitorais, os autores saem Brasil afora fazendo palestras de apresentação e avaliação do livro didático.

Superados os obstáculos e preservado o anonimato dos entrevistados, decidimos, em função da imensa dificuldade de localizar, agendar e entrevistar esses profissionais, identificá-los com nomes dos planetas do sistema solar: distantes, difíceis de acessar e especialmente porque tais quais os planetas, esses autores gravitam em torno de um astro rei, que neste caso é a editora, dona dos direitos autorais dos livros e que submete à sua órbita gravitacional os corpos celestes menores, como os planetas. Então, começando pelo primeiro planeta do sistema solar depois da Terra em ordem crescente de afastamento do sol, temos: Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.

Todos os autores entrevistados são ou foram professores nas séries para as quais escrevem livros didáticos, e todos eles, em produção autoral, escrevem livros didáticos há mais de 20 anos. Consideramos ambos aspectos positivos, tanto o tempo de autoria quanto lecionar para as séries para as quais escrevem.

Questionados sobre a precisão das orientações em relação aos cuidados com o plágio e a cópia do livro didático, três autores reconheceram que os livros não orientam quanto à cópia e ao plágio e que ainda não haviam refletido sobre a temática do plágio e da cópia oriunda da pesquisa na internet na produção dos seus livros didáticos, mas afirmaram que o assunto será tratado nas próximas edições do livro didático. Júpiter, por exemplo, afirmou que refletiu sobre o tema apenas depois que solicitamos a entrevista e disse que acredita que essas orientações são dadas pelos professores em sala de aula, mas que é necessário ser enfático quanto a essas orientações no próprio livro, que funciona como um manual para os alunos e professores. O entrevistado reconhece a gravidade da cópia e do plágio no ensino básico, no ensino acadêmico e nos cursos de pós-graduação.

Eu nunca tive uma preocupação específica com esse ponto levantado por sua pesquisa, passamos orientações gerais. Vamos passar a avaliar diferente, pois é importante dar essa orientação. A princípio, o que a gente imagina é que o professor em sala de aula passa essas orientações, então acabamos não abordando a temática no livro didático, mas indicamos apenas portais seguros para pesquisa na internet. (JÚPITER, 2017)

Netuno também afirma que não há indicação de cuidados com cópia e plágio e que há poucos anos os livros começaram a indicar portais seguros de navegação para os estudantes. Os autores Saturno e Urano também reconhecem que não há orientação precisa quanto aos riscos de plágio e cópia nos seus livros didáticos, todavia afirmaram que as atividades do livro didático são procedimentais e atitudinais, o que por si só inibiria a cópia. Esses dois autores disseram que passam orientações de produção de trabalhos autorais para os professores no manual do professor e que o desenvolvimento do conteúdo aplicado ao livro didático dos alunos estimula a autoria, independente de conter claramente orientações quanto ao perigo do plágio e da cópia. Saturno afirma:

Procuramos propor questões investigativas, o que impede o recorte e cole de uma pergunta e de uma resposta. O aluno pode fazer paráfrase, o que exige capacidade de compreensão, de expressão e de demonstração do que aprendeu. Partimos do princípio que se o aluno corta e cola, ele tem preguiça de escrever, ou é folgado, ou não sabe escrever. Por isso orientamos em diversos passos. Primeiro, para evitar o plágio, a gente propôs atividade criativa por meio da qual o aluno tem que mostrar seu lado bem pessoal. Se a resposta é criativa, ela não é copiada, partiu de uma reflexão. (SATURNO, 2017)

Mesmo avaliando como preguiçosos ou folgados ou incapazes de escrever os estudantes que copiam da internet, dois dos autores entrevistados disseram ser suficiente a orientação sobre plágio e cópia apenas no livro destinado aos professores.

Todos os autores entrevistados reconhecem que o estudante contemporâneo é um ciberpesquisador e também reconhecem que não fornecem aos estudantes orientações precisas sobre plágio e cópia nos livros didáticos, mesmo reconhecendo essa postura de ciberpesquisador. Marte, por exemplo, quando interrogado sobre a ausência de orientações sobre plágio e cópia relacionados às pesquisas na internet, afirma que os livros da sua coleção indicam apenas portais seguros e que seguem as diretrizes do PNLD, mas reiterou que se o resultado da análise proposta nesta pesquisa não é o satisfatório, irá corrigir as falhas nas próximas edições.

Se o resultado desta análise não é satisfatório, iremos analisar as críticas e corrigir as possíveis falhas. O estudante contemporâneo tem várias tecnologias à sua disposição e necessita de orientação para que consiga organizar/interligar as informações. Apesar de indicarmos sempre sites seguros e confiáveis, mesmo porque este é um dos critérios da avaliação do PNLD, vamos corrigir estas falhas. (MARTE, 2017)

As TIC são reconhecidas por todos os autores como ferramentas importantes e necessárias ao processo ensino-aprendizagem, apesar disso, elas não são precisas quanto aos riscos integrados a esse processo. Constatamos pelas entrevistas a supremacia do PNLD na indicação da direção de elaboração dos livros, tanto para o próprio Programa quanto para o mercado editorial privado.

Urano acredita que essa tendência à cópia e ao plágio é desprovida de maldade, mas que falta orientação quanto a isso nos livros didáticos no Brasil, e que a forma encontrada para evitar tal conduta é a elaboração de atividades procedimentais e atitudinais, que estimulam a autoria, evitando assim o plágio e a cópia.

Marte, Saturno e Urano delegam aos professores em sala de aula a tarefa de orientar quanto aos riscos de cópia e de plágio, sendo que Saturno e Urano afirmaram abordar o assunto no manual do professor, o que nos parece insuficiente, já que os alunos não têm acesso a esses manuais. “A gente chama a atenção neste assunto no manual do professor, pois quando o professor vai corrigir os trabalhos ele percebe se é “crlt c e crtl v”, mas no livro dos alunos não há essa orientação” (URANO, 2017).

Saturno e Urano destacam que o estudante contemporâneo navega horas na rede mundial de computadores, mas não apenas motivados por atividades escolares, e que é fácil o estudante se perder, no que ambos chamaram de mar ou universo de informação que existe na internet, e acreditam que a tarefa de orientar os alunos quanto à confiabilidade das informações cabe também ao professor em sala de aula.

Netuno observa que nenhuma área do conhecimento está imune à cópia e ao plágio, reconhecendo nessa era de convergência midiática um solo fértil para fraudar, e que a internet é a plataforma predileta de pesquisa dos estudantes contemporâneos:

Sabemos que tudo que os estudantes contemporâneos querem saber hoje em dia eles vão buscar na internet, não só textos, mas até equações matemáticas. Mas quando os professores vão corrigir o trabalho, eles percebem que foi copiado. Eles, os professores, sabem quando é “ctrl c e ctrl v”. (NETUNO, 2017)

Apesar de os autores entrevistados reconhecerem as TIC como ferramentas importantes e necessárias aos estudantes no processo ensino-aprendizagem, esses mesmos autores também admitem que objetos digitais (OD) e objetos digitais educacionais (ODE), recursos utilizados pelos livros na tentativa de acompanhar os avanços das TIC, são insuficientes e pouco acessados por alunos e professores em comparação com a pesquisa na internet. Todos esses autores afirmaram que estudam a implementação de novas tecnologias a serem incorporadas ao livro didático nas próximas edições. Para Saturno e Netuno, acompanhar a evolução tecnológica excede à necessidade, é um imperativo. E para Netuno:

A escola tem que acompanhar a sociedade, e hoje nós sabemos que as tecnologias estão presentes na vida cotidiana de uma forma que não tem retorno, obviamente, mas o grande problema que eu vejo é a implantação destas tecnologias na escola. Nós sabemos hoje que o aluno é um ser tecnológico, vive com o celular na mão, sabemos que grande parte da população brasileira, incluindo os jovens nessa faixa etária de 12 a 18 anos, tem o celular quase como o complemento do corpo, então a escola e o livro didático devem estar atentos a isso, mas há limites porque trabalhamos ainda com o livro impresso, então estas são dificuldades que serão resolvidas, mas talvez somente a médio prazo. (NETUNO, 2017)

Em relação aos elementos que os autores mais valorizam na organização do livro didático, todos os entrevistados primam pela confiabilidade do conteúdo, pela riqueza e coerência conceitual e pela proposta pedagógica coerente com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), recentemente denominados de Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Também destacaram o projeto gráfico atraente, a funcionalidade e a atratividade para alunos e professores. Questionados se esses elementos que os próprios autores valorizam são também valorizados pelo mercado editorial, todos os entrevistados disseram que sim, porque são elementos constantes nos editais do PNLD. As editoras influenciam a elaboração dos livros, mas os autores consideram essa influência benéfica, pois se alinham às exigências do PNLD para o setor público e para a iniciativa privada.

Todos os autores entrevistados trabalham em equipe e têm entre três e cinco leitores críticos de conteúdo, e mesmo com esse volume de profissionais avaliando o material não há essa precaução no cuidado com a cópia e o plágio de conteúdos oriundos da internet. No caso de obras coletivas, as editoras contratam especialistas nas diversas áreas do conhecimento para elaborar os capítulos específicos. O departamento editorial cuida da edição. Outro editor, denominado pelas editoras especialista em leitura crítica, faz uma leitura técnica/crítica para dar mais exatidão ao conteúdo. Há outros livros em que os autores trabalham sozinhos na elaboração do conteúdo. O trabalho em equipe começa com a leitura crítica e tem sequência com a elaboração gráfica, a impressão e a distribuição. Mesmo diante de reconhecerem que o estudante contemporâneo é um pesquisador no ciberespaço e da supremacia dos livros didáticos no ensino público no Brasil, os autores entrevistados demonstraram insuficiente preocupação com a questão do plágio e da cópia na organicidade dos livros e justificam também o distanciamento em relação ao tratamento da temática em função das regras estabelecidas pelo Ministério da Educação, gestor do PNLD. Júpiter explica que o mercado editorial hoje é voltado para a produção de livros para o PNLD, nas seguintes palavras: “As normas dadas para o Programa Nacional do Livro Didático se tornam as normas do mercado editorial. O mercado privado também é importante, mas não é o principal para as editoras” (JÚPITER, 2017). Os autores também argumentam que os livros produzidos para a iniciativa privada só são aceitos caso passem pelo crivo do Ministério da Educação, dentro do PNLD.

Questionados sobre os maiores desafios na elaboração dos livros, os autores apontaram a atualização do conteúdo como uma das maiores pelejas, especialmente em função do período de elaboração do livro até a impressão e distribuição do material para os alunos. Esse reconhecimento de defasagem de conteúdo do livro didático que ocorre da elaboração até a distribuição nos parece também um termômetro do fenômeno da pesquisa realizada prioritariamente no ciberespaço pelo estudante contemporâneo, o que endossa a necessidade de abordar os cuidados que os estudantes devem ter ao copiar conteúdos da internet em função do plágio em estágios mais avançados do conhecimento.

Enfrentamos a desatualização do conteúdo informacional datado, mesmo nos objetos digitais, se compararmos o livro impresso com os conteúdos disponibilizados pela rede mundial de computadores, que atualizam seus conteúdos várias vezes ao dia. (JUPITER, 2017)

CONCLUSÃO

Pela análise de conteúdo temático-categorial e pelas entrevistas, constatamos que a temática plágio não está integrada às diretrizes de livros e de autores que trabalham segundo as orientações do PNLD. Depreendemos também que há um deslocamento de responsabilização pela mediação das orientações, sobre os riscos de copiar e colar da internet e de plagiar conteúdos, para os professores em sala de aula, conforme verificamos em trechos das entrevistas. A nós parece fraqueza lógico-argumentativa dizer que bastam comandos procedimentais para resolver o problema da cópia e do plágio.

Fonte: Direitos do autor na internet (MARTINS, 2010).

FIGURA 2 TIRINHA DE NELSON MARTINS 

No mundo moderno todos os canais digitais convergem em dispositivos móveis como smartphones ou tablets que, por sua vez, estão com preços cada vez mais acessíveis, o que torna o estudante contemporâneo um pesquisador no ciberespaço. Sabemos que o ato de pesquisar é contínuo para os estudantes e isso independe da fase escolar em que se encontram. Demo (1996) aborda a importância de fazer da pesquisa uma atitude cotidiana e destaca que a característica emancipatória da educação exige a pesquisa como método formativo em um processo permanente. Se a pesquisa deve permear a educação emancipatória e o processo formativo estudantil, o processo instrutivo dos procedimentos para a realização das pesquisas também deve permear esse processo formativo, não com o rigor das normas de metodologia de pesquisa científica, mas com os procedimentos essenciais de indicação de fonte de pesquisa científica, que caracteriza os primeiros passos básicos de qualquer pesquisa.

Mesmo que as crianças e adolescentes pesquisadores estejam em estágio evolutivo diferenciado dos pesquisadores da academia, deve-se esperar que essas crianças e adolescentes também obedeçam às regras para a realização de suas pesquisas e, certamente, essas regras são estabelecidas em sala de aula, pelos professores. Todavia, a inexistência de orientação quanto ao plágio e à cópia nos livros didáticos, conforme abordaram Cavalcante, Gomes e Tavares (2014), tem supremacia em sala de aula, deixa um hiato na mente desses pesquisadores incipientes nos seus primeiros passos da pesquisa.

Nossa hipótese é que diante da inexistência de orientações sobre o plágio e a cópia no livro didático em comandos de pesquisas na internet, cria-se uma lacuna, cuja consequência pode ser, entre outras, a apropriação indevida dos conteúdos disponibilizados na rede mundial de computadores. A inexistência de incentivos a uma cultura de formação ética de valorização da honestidade intelectual nas pesquisas realizadas pelos estudantes na internet, por meio de orientações quanto aos riscos de plágio, desde o ensino fundamental, poderá ter reflexo na cultura do plágio em estágios mais avançados do conhecimento.

A comprovação de algumas das hipóteses que levantamos demandam pesquisas posteriores com estudantes e professores. Por ora, sugerimos, diante da imperiosidade do livro didático para os estudantes, a inserção nos livros didáticos dos alunos, de orientações quanto aos riscos de copiar e plagiar conteúdos da internet durante as pesquisas. A elaboração de uma cartilha de boas práticas em pesquisas realizadas na rede mundial de computadores, uma cartilha instrutiva, ilustrada e reflexiva do ponto de vista da eticidade, destinada às crianças e adolescentes, a ser distribuída com o livro didático, por meio do PNLD, representa mais uma alternativa em relação ao tratamento do tema do plágio nas escolas.

Além de não identificarmos nos livros didáticos de Português, Geografia, Ciências e Matemática conteúdos que tratam de plágio no que se refere às atividades desenvolvidas pelos estudantes em pesquisas na internet, os autores entrevistados deixaram claro que essa temática não os preocupava até abordarmos o assunto e também que essa temática não figura entre as diretrizes dos editais do PNLD. Diante dessa inexistência, constatamos que a temática plágio não está integrada às diretrizes de livros e autores, que trabalham segundo as orientações do programa. Depreendemos também que há um deslocamento de responsabilização pela mediação das orientações sobre os riscos de copiar e colar da internet e de plagiar conteúdos

Trabalhar as dimensões ético-pedagógicas que antecedem a punição, e que podem potencialmente evitá-la, é sem dúvida um dos apontamentos deste artigo. Para muito além dos sistemas de controle mais presentes no ensino superior e nos cursos de pós-graduação, precisamos incentivar a adoção de uma cultura de formação ética, que abranja estratégias pedagógicas que valorizem a honestidade intelectual desde a mais tenra idade e em todos os campos do conhecimento, além do incentivo à autoria adotado pelos autores de livros didáticos.

A relevância do assunto aqui tratado se revela não somente aos estudantes, professores e autores de livros didáticos, mas afeta também o cotidiano de todos nós, na medida em que acessamos, pesquisamos e compartilhamos informações que chegam concomitantemente aos nossos smartphones e a todos os aplicativos e formas de interação social. Muitas vezes os compartilhamentos são produtos de farsas, repassados por adultos que não checam a veracidade da informação e que também não indicam a fonte de pesquisa. O caráter dinâmico das transformações sociais na modernidade, em especial dos avanços tecnológicos, traz desafios que exigem de todos nós novas posturas, e uma delas é sem dúvida a indicação de propriedade intelectual nas pesquisas realizadas, postura de respeito a quem pesquisou ou no mínimo divulgou uma informação. Família, escola e mídia (aqui nos referimos mais especificamente ao livro, que é uma mídia) marcam preponderantemente os estudantes, no que se refere à transmissão de valores e à formação do caráter.

Destacamos o aspecto que o tema do plágio suscita para outra perspectiva de investigação e lembramo-nos da perspectiva piagetiana2 do desenvolvimento moral. Piaget (1977) consagrou o desenvolvimento moral da criança organizado em três momentos: o primeiro (até cinco anos), a anomia, período em que a criança ainda se mostra incapaz de reconhecer a existência de ordenamento em suas ações, agindo coletivamente, sem reconhecer a existência de objetivos e regras comuns a todos. No segundo estágio (de 6 a 10 anos), a heteronomia, as regras de conduta vêm de fora, são impostas pelos pais, pelas instituições. O que mais nos interessa nesta análise é o terceiro estágio, a autonomia (a partir dos 10 anos), quando as crianças têm a capacidade de se autogovernarem, de se considerarem legisladoras, respeitando as regras e podendo prescindir de autoridade impondo leis.

Estudantes entre 11 e 14 anos se enquadram na fase da autonomia, justamente na fase de legislação e estabelecimento de regras, por isso enfatizamos mais uma vez a necessidade de apontamentos do dever fazer, da questão ética em relação às pesquisas na internet. Os valores éticos são essenciais nessa fase, pois é justamente quando os adolescentes ampliam seus laços afetivos para além da família e dos colegas da escola. À medida que essa permeabilidade da redoma familiar se amplia, amplia-se também o livre arbítrio do jovem, tanto em função das interações sociais presenciais quanto virtuais, aliás, estas últimas muito maiores que as presenciais nos dias de hoje.

Pensar na pesquisa estudantil, atualmente realizada basicamente na rede mundial de computadores, destituída de regras bem estabelecidas e claras quanto à apropriação do conhecimento disponível na rede, deixa uma lacuna difícil de ser preenchida, ainda mais quando essa lacuna está dissociada da questão ética, já que os envolvidos são ainda incapazes do ponto de vista jurídico. As regras não podem ser apenas subjetivas, implícitas e tão pouco distantes da aplicabilidade no cotidiano dos estudantes. Elas precisam estar claras, bem definidas e explícitas.

Partindo da inexistência de orientação sobre os cuidados com o plágio e a cópia nos 16 livros didáticos analisados nesta pesquisa, e após a análise das entrevistas com os autores que reconhecem a inexistência dessas orientações, defendemos a ideia de que os elementos comunicativos e metacomunicativos presentes nas interações - entre estudantes, livro didático e pesquisa na internet - são capazes de intervenções no processo de realização da pesquisa por parte dos estudantes. A metacomunicação é aqui entendida como “transcendência” em relação aos elementos comunicacionais presentes nos textos. Na reelaboração e na apropriação adequada do conhecimento, o sujeito pesquisador precisa saber de forma clara as regras, que seriam mais um dos mecanismos de convalidação das prescrições aplicadas às ações concretas praticadas pelos estudantes no dia a dia.

Precisamos nos perguntar que princípios educacionais estamos estabelecendo para os nossos educandos, quais aspectos são fundamentais e se esses aspectos fundamentais estão ficando claros nas mentes deles. Não orientar ou admitir qualquer resultado em um trabalho do ensino fundamental, sem esclarecimento das regras como o respeito à propriedade intelectual é também estimular a opacidade ética. Se aproveitar e levar para casa um produto da prateleira do supermercado é tão incorreto quanto se apropriar de uma ideia, de uma produção intelectual do outro e que está disponível na internet, nas infovias (as vias da informação) que guardam profunda similitude com as prateleiras dos supermercados, as intangibilidades das apropriações não são atenuantes de conduta inadequada. Percebemos que parte do conhecimento aqui gerado se refletirá também como mudança de conduta por parte de alguns dos autores, aqui entrevistados, que prometeram nas próximas edições dos livros didáticos abordarem o assunto, o que acreditamos gerar bons resultados na práxis educativa.

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1O conteúdo dessa parte do texto é uma versão reduzida do artigo que está no prelo, de autoria de Rodrigues e Lopes (2019), que trata da revisão da literatura nacional e internacional sobre o tema do plágio, e do trabalho de Castro (2017).

2Ressaltamos que essa é outra dimensão de pesquisa diferente da exposta no presente artigo, já que incorpora outra possibilidade de desenho metodológico e sujeitos (por exemplo: crianças). Portanto, destacamos a ideia em termos prospectivos de investigação.

Recebido: 12 de Abril de 2018; Aceito: 11 de Setembro de 2018

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