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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.49 no.172 São Paulo abr./jun 2019  Epub 26-Jun-2019

https://doi.org/10.1590/198053145414 

ARTIGOS

NARRATIVAS NACIONAIS DE ESTUDANTES ESPANHÓIS E PORTUGUESES1

IDepartament de Didàctica de les Ciències Experimentals i Socials, Universitat de València, Espanha; jorge.saiz@uv.es

IICITCEM, Universidade do Porto, Portugal; isabarca@clix.pt


Resumo

Este estudo tem por objetivo compreender como as narrativas mestras veiculadas pelas narrativas sobre a História nacional de estudantes espanhóis e portugueses de 14 a 18 anos convergem ou diferem entre si e como se relacionam com a identidade nacional e a orientação temporal. A análise dos dados foi realizada em uma abordagem qualitativa inspirada na Teoria Fundamentada (Grounded Theory). Os resultados sugerem um modelo esquemático paralelo, mas conceitualmente convergente, focado em conquistas iniciais, um período áureo de descobertas marítimas e uma recente ditadura superada pela restauração da democracia. Algumas particularidades nas narrativas dos alunos ligadas a situações históricas específicas em cada país, bem como posturas diversificadas dos jovens em relação a “seus” estados-nação, são também discutidas neste artigo.

Palavras-Chave: HISTÓRIA; ESTUDANTES; PORTUGAL; ESPANHA

Abstract

This study aims at understanding how the master narratives conveyed by the national accounts given by 14 to 18-year-old Spanish and Portuguese students converge or differ from one another and how they relate to national identity and temporal orientation. Data analysis was carried out in a qualitative approach inspired by Grounded Theory. The results suggest a parallel but conceptually convergent schematic template focused on initial conquests, a golden period of maritime discoveries, and a recent dictatorship overcome by the restoration of democracy. Some particularities of students’ accounts linked to specific historical situations in each country, as well as diversified attitudes of the young people toward “their” nation-states are also discussed.

Key words: HISTORY; STUDENTS; PORTUGAL; SPAIN

Résumé

L’objectif de cette étude est de comprendre comment les récits officiels de l’histoire nationale convergent ou diffèrent des récits produits par des élèves espagnols et portugais de 14 à 18 ans et quel rapport ils entretiennent avec l’identité nationale et l’orientation temporelle. Les données ont été analysées selon une approche qualitative s’inspirant de la Théorie a base empirique (Grounded Theory). Les résultats suggèrent un modèle schématique parallèle, bien que conceptuellement convergent, axé sur les conquêtes historiques, l’âge d’or des découvertes maritimes, et la superation de la dictature récente par la restauration de la démocratie. L’article discute aussi certaines particularités des récits nationaux des élèves, liées à des situations historiques spécifiques à chaque pays, ainsi que les différentes positions des jeunes à l’égard de “leurs” états-nations.

Key words: HISTOIRE; ÉTUDIANTS; PORTUGAL; ESPAGNE

Resumen

Este estudio tiene como objetivo comprender cómo los grandes relatos transmitidos por las narrativas de la historia nacional de los estudiantes españoles y portugueses de 14 a 18 convergen o difieren entre sí y cómo se relacionan con la identidad nacional y la orientación temporal. El análisis de los datos se realizó con un enfoque cualitativo inspirado en la Teoría Fundamentada (Grounded Theory). Los resultados sugieren un modelo esquemático paralelo, pero conceptualmente convergente, enfocado en conquistas iniciales, un período áureo de descubrimientos marítimos y una reciente dictadura superada por la restauración de la democracia. Algunas particularidades en las narrativas de los alumnos vinculadas a situaciones históricas específicas en cada país, así como posturas diversificadas de los jóvenes en relación con “sus” estados-nación, son también discutidas en este artículo.

Palabras-clave: HISTORIA; ESTUDIANTES; PORTUGAL; ESPAÑA

O QUADRO INVESTIGATIVO

A aprendizagem da História nacional pelos jovens parece ser uma preocupação das sociedades ocidentalizadas, onde as narrativas mestras da nação disseminadas em contextos escolares e extraescolares podem desempenhar um papel significativo na formação de identidades coletivas. Por uma narrativa mestra de um determinado passado - também designada narrativa nuclear −,2 queremos dizer aqui o que Wertsch (2002, p. 62) chamou de “modelo narrativo esquemático”, no sentido de que ele transmite um significado e uma função gerais que “podem estar subjacentes a várias narrativas específicas, cada uma delas portadora de uma configuração específica, um elenco de personagens, datas e assim por diante”. A matriz de Rüsen (2004), ao destacar as relações dinâmicas entre as necessidades práticas do sujeito e o conhecimento histórico, oferece uma pista relevante para a compreensão das conexões entre as memórias coletivas e a História nacional.

Em contextos políticos onde os relatos dos estudantes manifestam uma identificação com seu estado-nação, a narrativa principal − se existir − destaca eventos e situações bem-sucedidas que implicam uma ideia central de “triunfo sobre forças externas” (WERTSCH, 2002) ou de liberdade e progresso (BARTON; LEVSTIK, 2004). De acordo com esses estudos, as narrativas mestras aparecem baseadas em marcadores que apontam principalmente para origens positivas, desenvolvimentos desafiadores ou problemáticos, e um “final feliz” político. Nessa trama, atribuições de realizações excepcionais a agentes individuais ou de grupo aparecem implícita ou explicitamente. Na mesma linha de pensamento, vários outros estudos sugeriram um modelo convergente nas narrativas mestras dos estudantes sobre a história de seus países independentes, onde a mensagem de “triunfo sobre as forças externas” pode ganhar vários contornos e pode ser combinada com “progresso rumo à liberdade” (BARCA; SCHMIDT, 2013; CARRETERO et al., 2012; KROPMAN; VAN BOXTEL; VAN DRIE, 2015). Além disso, como Barton (2001) observou nos EUA, o uso frequente do “nós” pelos estudantes em seus relatos nacionais sugere uma identificação clara com o seu país. Apesar dessa grande tendência de uma narrativa mestra otimista subjacente aos relatos dos alunos, há casos em que os textos dos jovens: a) podem sugerir a existência de narrativas mestras concorrentes (BARCA, 2015); ou b) não permitem concluir se existe ou não uma narrativa mestra para a nação (LEE, 2004).

Até agora, apesar dessas observações acima, os estudos apontam para uma grande tendência de narrativas mestras com um sentido relativamente convergente em vários países, quando os alunos relatam a história de estados nacionais consolidados. Em outros casos, em que os alunos se identificam com uma nação não independente, a narrativa principal também mostra contornos essencialistas focalizando origens, desenvolvimentos e um “fim”, mas transmite uma visão menos otimista, já que eles tendem a enfatizar “eventos traumáticos”, como em Catalunha (SANT et al., 2015), ou uma ideia de vitimização, como no Quebec (LÉVESQUE; LÉTOURNEAU; GRANI, 2013). Na Irlanda do Norte, a principal questão narrativa dos alunos surge mais complexa. Parece que os estudantes relataram uma história conturbada em um passado relativamente recente, no tempo em que ocorreram conflitos abertos em uma sociedade dividida e se debatia fortemente qual História deveria ser aprendida na escola (McCULLY; WALDRON, 2013). No entanto, uma abordagem centrada na investigação histórica, incluindo a exploração de conceitos como empatia, evidência e múltiplas perspectivas pode ter contribuído para uma visão mais racional dos jovens sobre como lidar com seus vizinhos “outros” (McCULLY, 2008).

Há talvez um reconhecimento consensual de que as crianças e os jovens obtêm uma identificação nacional no contexto social antes e paralelamente às experiências escolares. A escola é o lugar onde crianças e jovens podem enfrentar seu passado nacional de uma forma mais histórica. Mas a História provavelmente é ensinada principalmente em uma forma narrativa demasiado convencional (por oposição à aprendizagem assente na investigação histórica), dando espaço a fortes debates sobre que lugar e visibilidade devem ser dados à História nacional no currículo. Por outro lado, a abordagem da aprendizagem pela investigação histórica parece desvalorizar determinado conteúdo que permite reforçar a identidade coletiva, deixando, assim, apenas para os contextos informais essa função de identificação. De fato, como alcançar um equilíbrio entre a primeira e a segunda abordagem da História na escola ainda permanece uma questão em discussão (GUYVER, 2013).

Na Espanha, alguns estudos qualitativos sobre os relatos dos alunos sugeriram a existência de uma narrativa mestra que mostra uma identificação coletiva com seu estado-nação. Essa narrativa mestra aponta para um esquema essencialista baseado em situações significativas do passado nacional desde suas origens (principalmente a unificação com os Reis Católicos) até a recente ditadura e a transição para a democracia em 1975 (SÁIZ SERRANO, 2015, 2017, 2019; SÁIZ SERRANO; COLOMER, 2016; SÁIZ SERRANO; LÓPEZ FACAL, 2015, 2016; COLOMER, 2016). Estudantes de 16 a 18 anos e professores estagiários de escolas públicas de Valência participaram desses estudos.

Em Portugal, vários estudos sobre os relatos dos alunos sobre a História contemporânea (nacional e mundial) revelaram também uma narrativa mestra nacional ancorada em duas situações principais: ditadura e revolução democrática (BARCA; MAGALHÃES, 2005; BARCA, 2015). Os dados foram coletados de alunos do 9º e 10 º anos escolares (14 a 18 anos de idade) em escolas públicas com contextos geográficos diversificados.

Uma narrativa mestra nacional pode ser considerada uma manifestação genuína da identidade coletiva, desde que seja modelada de forma a “valorizar a complexidade, a diversidade e a inclusividade” (McCULLY; WALDRON, 2013, p. 154). Mas uma narrativa mestra não indica muito como e por que as complexas relações humanas ao longo do tempo e lugares são compreendidas. É crucial olhar para as narrativas específicas que os jovens constroem e analisar, por exemplo, até que ponto elas tentam explicar uma dada situação através de uma ponderação relativa de múltiplos fatores (CHAPMAN; FACEY, 2009), ou se elas implicam alguma forma de empatia histórica (ASHBY; LEE, 1987) através de um esforço racional de compreender o mundo humano em contextos situados.

Na linha desses estudos empíricos anteriores, particularmente aqueles realizados na Espanha e em Portugal, este texto tem como objetivo compreender de que maneira as narrativas mestras nacionais dos alunos nos dois países convergem e diferem entre si.

CONTEXTOS NACIONAIS DAS NARRATIVAS DOS ALUNOS

As narrativas da História nacional reproduzindo estereótipos essencialistas foram massivamente disseminadas em Espanha e Portugal durante as ditaduras de Franco e Salazar. Pode-se dizer que, em cada país, uma ideia homogênea de “triunfo sobre as forças externas” foi reproduzida nas várias instâncias cuidadosamente controladas pela censura. Essa narrativa mestra baseou-se (do ponto de vista ditatorial) em uma linha narrativa que realçava as corajosas eras das origens, épocas esplendorosas de descobertas e colonização, seguidas de épocas de decadência devido a ataques de inimigos externos e antipatriotas, e finalmente uma “recuperação” da desordem para manter uma “grande nação unificada”. Sendo a escola um poderoso veículo de doutrinação, essa mensagem foi incutida nos livros didáticos (LÓPEZ FACAL, 2008; LÓPEZ FACAL; SÁIZ SERRANO, 2016; TORGAL, 1989). As particularidades nas versões históricas cultivadas em cada país estavam naturalmente ligadas à relevância atribuída a heróis e inimigos específicos e às situações com eles relacionadas: unificação na Espanha, independência em Portugal; luta contra a invasão francesa e perda de colônias na Espanha, luta pela manutenção de “um país que não é pequeno, estende-se do Minho até Timor” em Portugal.

Após a queda da ditadura nos dois países, o forte essencialismo dessas narrativas mestras foi imediatamente rejeitado pela sociedade civil, incluindo as escolas. Os historiadores que antes eram censurados e até exilados podiam finalmente publicar seus trabalhos na Espanha e em Portugal. Discursos críticos contra o “passado glorioso” vieram à luz, dando visibilidade a ideias opostas às anteriores, como o direito de ser livre ou mesmo o direito de construir modelos alternativos de sociedade. Assim, na Espanha e em Portugal, o essencialismo da narrativa nacional ficou escondido (LÓPEZ FACAL, 2000). Ideias de modernidade e humanismo legitimaram o surgimento de nacionalismos concorrentes, como os catalães e os bascos, bem como a independência das antigas colônias portuguesas na África e na Ásia. A prática da historiografia fundamentada em evidências objetivas reapareceu nos dois países. É possível observar essa nova tendência historiográfica desde meados da década de 1970 ou 1980, proporcionando análises mais equilibradas e críticas da construção nacional, abrindo espaço para o tratamento de diversos pontos de vista sobre questões nacionais e internacionais. Não obstante, nos anos 1990, parece ter aparecido um neonacionalismo através de um discurso público transmitindo uma ideia exemplar de progresso. Um conjunto de atributos essencialistas e antigos da nação voltaram com algumas características novas, especialmente relacionadas à democracia parlamentar e ao desenvolvimento socioeconômico (sendo este último questionado atualmente devido a uma crise econômica). Na Espanha, a história escolar parece refletir recentemente um enfoque substantivo tradicional veiculado pelo programa curricular e pelos livros didáticos (VALLS, 2007; LÓPEZ FACAL, 2008; SÁIZ SERRANO, 2017). Em Portugal, a disciplina de história talvez tenha a tendência de transmitir tacitamente a narrativa mestra de uma antiga nação sobrevivente com alguns períodos de um passado glorioso, mas também tenta oferecer uma postura historiográfica (VERÍSSIMO, 2013; LAGARTO, 2017).

Portanto, um “nacionalismo banal” como o discutido por Billig (1995) poderá estar a ser cultivado na Espanha como em Portugal, embora em competição ou em combinação com abordagens historiográficas mais complexas.

MÉTODO

O presente estudo pretende lançar alguma luz sobre como as narrativas dos alunos sobre a História nacional na Espanha e em Portugal e narrativas mestras com elas relacionadas parecem convergir ou diferir umas das outras, e de que maneira isso pode estar relacionado a questões de identidade nacional. O nosso objetivo mais amplo é contribuir para debates sobre a aprendizagem da História nacional, particularmente em contextos ibéricos, e sobre como se pode capacitar os jovens com competências históricas para melhor lidar com as suas necessidades atuais de orientação temporal. Trata-se de um estudo exploratório, com uma abordagem qualitativa predominante para comparar tentativamente algumas ideias-chave transmitidas pelas narrativas dos alunos. A análise qualitativa dos dados é inspirada na Teoria Fundamentada (Grounded Theory), particularmente quando se utiliza um processo aberto, axial e seletivo de codificação de dados (CORBIN; STRAUSS, 2008). Uma análise quantitativa adicional envolvendo uma estatística descritiva foi também realizada, mas não utilizada de forma sistemática (RIAZI; CANDLIN, 2014, p. 5).

Amostras deliberadas e estratificadas de alunos de 14 a 18 anos foram selecionadas em várias escolas públicas com uma população heterogênea, na Espanha e em Portugal. As coletas de dados foram independentes em cada país, mas convergem no objetivo inicial, que consistia em buscar uma eventual narrativa mestra nacional a ser inferida das narrativas específicas dos alunos. Deve-se ressaltar que os resultados não são considerados representativos da população estudantil, mas podem ser vistos como sinais de ideias sobre identidade nacional nas amostras investigadas.

Em Espanha, foram recolhidas 212 narrativas de alunos de sete escolas em Valência; 127 relatos foram de estudantes do primeiro curso pós-obrigatório, com idades entre 16 e 17 anos, e 85 de estudantes do segundo curso pós-obrigatório, com idades entre 17 e 18 anos. Os dados coletados em 2013 e 2015 foram reexaminados a uma nova luz para este estudo específico. Nesse país, os alunos têm uma abordagem principal à História nacional e mundial entre os 12 e os 16 anos. Na educação pós-obrigatória, os jovens de 16 a 17 anos que cursam Humanidades e Ciências Sociais estudam a História contemporânea do mundo, e todos os alunos de 17 a 18 anos estudam a História da Espanha.

Em Portugal, foram recolhidas, em 2016, 111 narrativas de alunos dos 14 aos 17 anos que frequentavam o último ano (9º ano) em que a disciplina de História é para todos, em quatro escolas (duas em Lisboa e duas no Porto). A retenção ainda considerável dos alunos explica a faixa etária no 9º ano de escolaridade. Nesse país, todos os alunos estudam História nacional nos anos 5 e 6, e a História mundial e nacional nos anos 7 a 9 (12 a 17 anos). Nos 10º a 12º anos, apenas os alunos matriculados em Ciências Humanas ou Ciências Sociais estudam uma História mundial semelhante, mas mais “aprofundada”, com alguns tópicos da História nacional nela integrados.

Por conseguinte, o lugar da História nacional no currículo diverge entre esses dois países: todos os alunos com idades compreendidas entre os 15 e os 16 anos em Portugal têm experiência de uma abordagem diacrónica da História nacional de uma forma mais sistemática do que os alunos da mesma idade em Espanha. Como tal distinção pode refletir-se no conhecimento substantivo inerente aos relatos de estudantes na mesma idade - tal como foi observado no primeiro momento da codificação aberta realizada neste estudo -, optamos por incluir alunos de 17 a 18 anos no grupo de participantes espanhóis. A essa altura, eles aprendem a História da Espanha de uma forma sistemática.

Cada conjunto de participantes recebeu uma folha de papel A4 encabeçada pela proposta de tarefa escrita. Na Espanha, perguntou-se aos alunos mais jovens “o que você lembra da História da Espanha? Escreva uma síntese dela, por favor”, enquanto os mais velhos (de 17 a 18 anos) se concentraram na História contemporânea da Espanha. Em Portugal, todos os participantes foram convidados a narrar a História nacional como se cada um estivesse em férias internacionais e em conjunto tivessem decidido “contar a História do seu próprio país”. Os professores de História que se voluntariaram para aplicar a tarefa de pesquisa em uma de suas aulas de História receberam um conjunto de diretrizes referentes à coleta de dados: a) informações para os alunos sobre os objetivos do projeto − investigar as ideias dos alunos sobre a sua História nacional, sem propósitos de avaliação final; b) informações sobre confidencialidade na identidade dos alunos; e c) informações sobre o requisito de não intervenção na tarefa escrita dos alunos. A tarefa foi aplicada em uma aula de 45 minutos. Após uma breve introdução, os alunos escreveram suas narrativas no tempo determinado (e em uma página, em média).

A análise dos dados foi realizada em uma abordagem essencialmente qualitativa inspirada na Teoria Fundamentada, e tendo em mente o referencial teórico já discutido. Primeiramente, em uma fase de codificação aberta, procuramos expressões nas narrativas específicas indicando eventos passados, situações, caracteres individuais ou de grupo, vínculos causais. Numa segunda fase (de codificação axial e seletiva), inter-relacionamos vários elementos para criar categorias mais amplas: períodos históricos (como a Idade das Descobertas), dimensões históricas (por exemplo, políticas), formas “narrativas” (de linhas de tempo a textos descritivos/explicativos). Também começamos a examinar e relacionar as expressões subjetivas que contêm uma adesão positiva, negativa ou neutra a conjuntos substantivos de grupos e de indivíduos, assim como o significado contextualizado do uso do “nós” relacionado à nação. Em uma terceira fase, e especialmente com base em indicadores substantivos e subjetivos, tentamos indutivamente traçar a narrativa mestra principal para cada país. Uma análise quantitativa por percentual de ocorrências relevantes contribuiu para melhor fundamentar as principais inferências. Em uma fase seletiva, examinamos algumas convergências e distinções entre os dois conjuntos de narrativas nacionais, bem como alguma variação entre as posturas dos estudantes em relação à nação em cada país.

CONTEÚDO SUBSTANTIVO E PODER EXPLICATIVO NAS NARRATIVAS ESPECÍFICAS

O escrutínio dos relatos dos estudantes concentrou-se em: a) conteúdo substantivo, tais como situações históricas, acontecimentos particulares, agência, dimensões históricas inerentes − políticas e assim por diante; e b) pensamento causal.

CONTEÚDO SUBSTANTIVO

O quadro mais popular do passado entre os estudantes de ambos os países pode ser traçado em torno de dois ou três núcleos temporais: origens; descobertas; ditadura e democracia atual.

As visões dos estudantes sobre as raízes da nação podem ter alguma variação quer entre os dois países quer dento de cada um deles. Na Espanha, cerca de metade dos alunos participantes (43%) situam o início da Espanha como um estado unificado no reinado dos Reis Católicos, tal como afirma um jovem de 18 anos: “primeiro aconteceu a unificação feita pelos monarcas católicos”. Mais da metade dos estudantes (65%) também mencionam povos antigos − ibéricos, romanos, visigodos, muçulmanos/árabes e cristãos - ligados à “reconquista”:

A Espanha foi conquistada pelo Império Romano que nos deu o legado do latim […]. A Espanha foi conquistada pelos árabes […] e agora temos técnicas avançadas de irrigação, medicina e números arábicos. Contudo, a Espanha foi gradualmente conquistada por um grupo de cristãos [...]. Esse processo originou um conjunto de diferentes reinos espanhóis […]. (uma jovem de 18 anos)

Em Portugal, os jovens tendem a escolher a conquista da independência como o único marcador fundacional (52%), como afirmam estes dois estudantes: “Portugal nasceu em 1143 com o rei Afonso Henriques que lutou intensamente pela nação” (uma jovem de 14 anos), ou “a História de Portugal como uma nação europeia começa nas eras medievais, quando o condado de Portugal se tornou autônomo do reino de Leão” (um jovem de 14 anos). Alguns alunos portugueses (11%) pensam em raízes anteriores ao período convencional de independência. Parte destes inicia os seus relatos com alusão a antigos povos na Península Ibérica e aponta as suas influências culturais e econômicas, tal como muitos estudantes espanhóis fazem:

Eu começaria com a época do domínio do Império Romano porque influenciou o “país” de várias maneiras [...]. Portugal viveu um período dominado pelos Bárbaros […], uma ponte para o país nascente. Os mouros também influenciaram o “país” […]. Acho muito interessante essa fase quando Portugal ainda não estava formado. (um jovem de 17 anos)

Assim, quanto às origens de cada país, se a ideia de ação político-militar é comum a ambos os conjuntos narrativos, estes diferem noutro sentido: os relatos espanhóis apontam para o processo de unificação (o referente Espanha pode ser igual ao de Península Ibérica). Os relatos portugueses enfatizam o ponto de virada separatista da independência.

A relevância de dois outros períodos históricos − descobertas e império, ditadura e democracia − converge nos dois países. O primeiro destes períodos está presente em 62% dos relatos de cada país (na Espanha, a descoberta da América tem mais realce do que o Império Espanhol); o último período está presente em 67% dos relatos em Portugal, e em Espanha 77% dos relatos focam a ditadura e 23% referem explicitamente a democracia.

Com relação à idade das descobertas, os estudantes de cada país dão versões concorrentes entre os dois países quando avaliam − e valorizam − a relevância internacional e o poder da sua nação durante esse período:

Em 1492, a Espanha descobriu as Américas devido à expedição de Colombo. Ao conquistar esse território, por exemplo, com Pizarro, a Espanha passou a ser o maior império do mundo. (um jovem de 17 anos)

Fomos os pioneiros em conceber a caravela e as maiores descobertas da época. Dividimos o mundo com os Espanhóis e tivemos metade do planeta. (um jovem de 14 anos)

Assim, ao contabilizar a idade das descobertas, os estudantes espanhóis tendem a destacar o grande poder de seu país. No entanto, na Espanha, eles mencionam também o processo de conquista após as descobertas, enquanto em Portugal eles omitem esse processo de dominação; na Espanha, eles enfatizam o poder de seu país em todo o mundo, como acontece em Portugal, mas em alguns casos os estudantes portugueses tendem a reconhecer que o “mundo” foi dividido entre os dois países.

Em relatos mais substanciados, outros eventos e situações entre a “idade de ouro” das descobertas e o surgimento da ditadura são ocasionalmente mencionados ou discutidos. Em ambos os países, eles podem se concentrar em consequências culturais, econômicas e sociais do período do “império” e/ou em atos específicos de dinastias reais, invasões napoleônicas, fundações dos regimes republicanos. A guerra civil em Espanha (1936-1939) ou a dominação “espanhola” em Portugal (1580-1640) são ocasionalmente mencionadas e discutidas como causas relevantes e/ou como consequências de outras situações históricas.

Os relatos sobre os anos concomitantes da ditadura, seguidos pelo ponto de virada democrático, evocam aquelas situações semelhantes na Espanha e em Portugal. No entanto, os alunos nunca mencionam tal similaridade:

As pessoas não viveram grandes momentos com a ditadura de Franco; eles viviam na incerteza, medo e fome depois da guerra civil […]. Chegamos à democracia pouco a pouco com altos e baixos. (jovem espanhol de 18 anos)

Em Portugal havia pessoas como Salazar, que assumiu o poder, estabeleceu o Estado Novo e tirou a alegria de viver […] proibindo uma série de atividades. Os portugueses […] lutaram pela liberdade e conseguiram em 25 de abril de 1974, uma data importante para o povo. (jovem portuguesa de 15 anos)

Cada conjunto de relatos pode apontar para vários aspectos dos tempos contemporâneos. Na Espanha, a ditadura de Franco pode estar relacionada ao fechamento econômico e ao subdesenvolvimento tecnológico do país, enquanto a “transição para a democracia” é vista como levando a uma rápida reconstrução democrática do país; os alunos tendem a reconhecer o atual regime (definido como uma “monarquia parlamentar”) como firma este estudante: “A Espanha viveu um período próspero, sendo classificada como a 9ª potência mundial”. No entanto, este estudante também afirma, como alguns outros fazem, que “agora sofremos uma crise econômica”.

Em Portugal, a ditadura de Salazar tende a ser caracterizada pela censura e pobreza, mas ocasionalmente a saúde financeira ou a guerra colonial também são mencionadas. A Revolução Democrática de 1974 é por vezes descrita com algum detalhe e os tempos atuais são retratados quer por referências a momentos de descontração (“temos a canção do fado, temos jogadores de futebol famosos…), ou ligadas a problemas económicos (“agora vivemos uma crise económica”).

Até o momento, no que respeita a dimensões temporais, as questões de ordem política parecem ser o principal eixo que guia a narrativa da História nacional. Dimensões econômicas e sociais são por vezes também mencionadas ou mesmo discutidas, assim como realizações culturais e tecnológicas relacionadas principalmente às influências antigas e à era das descobertas.

A agência histórica em todos os tempos aparece orientada principalmente para a nação no conjunto (“povo”, “Espanha”/“Portugal”) ou para os seus líderes individuais. Paralelamente ao uso de um “nós” homogêneo (“ficamos isolados da Europa por 40 anos”), os estudantes espanhóis mencionam a Espanha ou os espanhóis como entidade política, geográfica e social (“a Espanha descobriu as Américas”, “os espanhóis lutaram por seus direitos e houve uma Segunda República”), e o mesmo ocorre em Portugal com referências a Portugal, aos portugueses e a “nós” (“os portugueses encontraram a Índia”, “apesar de ter recuperado a liberdade em 1974, entramos numa crise econômica”). Na Espanha, o uso de “o espanhol” é pouco freqüente e ocorre especialmente entre os estudantes mais jovens. Mas, em ambos os países, outros povos ou países podem ser mencionados ao se considerarem situações quer de conflito quer de cooperação internacional. Deve-se notar que, com relação às questões de colonização, são mencionadas as regiões do mundo (África, América, Brasil, Índia) e não os povos dominados. Já em relação à agência atribuída a indivíduos em destaque, parece haver uma ênfase (moderada) em reis, outros líderes e exploradores marítimos.

PENSAMENTO CAUSAL

Se considerarmos o que conta como uma boa narrativa histórica, nos textos dos alunos, podem distinguir-se padrões descritivos ou mais explicativos (estes talvez mais frutuosos). Consideramos esse enfoque também relevante para pensar a utilidade do levantamento de narrativas mestras nacionais no sentido de promover uma orientação temporal consistente.

Dentro de um padrão descritivo, alguns relatos exibem uma sequência coerente de fatos e situações passadas, embora implicando apenas alguns elos causais. Dois exemplos seguem:

A história da Espanha que estudei começa no Antigo Regime. Eu me lembro dos monarcas católicos e do Colombo. Ele queria chegar à Índia através do oceano e, em 1492, descobriu a América, que se tornou uma grande fonte de mercadorias para a Espanha. De 1936 a 1939 ocorreu uma guerra civil. O gangue de Franco venceu. Franco conduziu o golpe a partir das colônias africanas. (uma jovem de 16 anos)

Portugal tem uma longa história de desenvolvimento, como os outros povos, o primeiro rei […], e quando descobriram o caminho marítimo para a Índia, que facilitou a abertura de novas rotas e trocas comerciais. Portugal estabeleceu várias relações […]. Também tivemos um período de ditadura e não participamos da Segunda Guerra Mundial por acaso. Atualmente Portugal faz parte da União Européia. (um jovem de 14 anos)

As narrativas explicativas retratam um dado passado como situações consistentes e inter-relacionadas, transmitindo explicitamente relações causais mais ou menos poderosas. Por exemplo, os problemas contemporâneos podem ser explicados por uma situação passada multifacetada que funciona como um conjunto de fatores que contribuem em convergência:

Apenas para concluir, podemos nos referir a um conjunto de questões problemáticas que afetaram a Espanha no século XX. A questão militar devido a uma ampla atitude intervencionista do exército; a questão social que levou à formação de sindicatos; a questão religiosa entre a Igreja Católica e o Estado; e, finalmente, a questão regional, principalmente relacionada com as intenções da Catalunha e do País Basco para obter mais autonomia, pressionando assim permanentemente os governos espanhóis. (uma jovem de 17 anos)

Neste último trecho, a aluna espanhola considera pontos de vista diversos e parcialmente em conflito, todos eles envolvendo problemas nacionais no século XX. Os textos portugueses não apresentam explicações tão multifacetadas, mostram um padrão multifatorial, mas apontam para fatores cumulativos sem tensão interna. Mas, em geral, nos dois países, os alunos tendem a mencionar ou discutir um único ou dois fatores. Por exemplo, em Portugal, eles podem tentar explicar a atual crise econômica por uma má administração a longo prazo, pela política da ditadura ou pelas políticas democráticas. Em alguns casos, essas narrativas podem levantar fatores menos convencionais: “Eu enfatizaria as invasões napoleônicas e a Revolução Francesa por ter impulsionado as monarquias liberais e mais tarde a república”, como afirma um jovem de 17 anos. Ou mesmo, numa perspectiva menos usual, como outro jovem (de 15 anos) que observa: “é muito estranho como um país tão pequeno fez algo tão grande e lutou por manter uma grande parte do mundo”. Este comentário lembra um modelo historiográfico de uma questão explicativa do tipo “como possível” discutida por Dray (1964), mas deve-se notar que o problema apresentado por esse aluno funcionou como um elemento emocional para enfatizar a sua conclusão sobre “a grandeza portuguesa”. Em suma, os alunos podem empregar elos causais em suas narrativas, mas geralmente constituem-se como explicações pouco avançadas, se levarmos em conta que uma explicação histórica poderosa deve tentar avaliar os fatores mais decisivos entre os vários que contribuem para uma dada situação.

NARRATIVAS MESTRAS E IDENTIDADE NACIONAL

Como já enfatizado, independentemente das particularidades substantivas e do poder explicativo, os relatos dos estudantes em ambos os países tendem a sinalizar principalmente um conjunto de situações relacionado a três grupos temporais.

Os estudantes tendem a traçar as origens da nação até tempos antigos de conquistas que trouxeram vantagens no futuro, mas, acima de tudo, tendem a apreciar a idade do passado imperial e a democracia atual. No entanto, esta imagem otimista é tingida por alguma nostalgia das glórias do passado, talvez mais profunda entre os estudantes portugueses, que frequentemente notam que “Portugal é um país pequeno mas com uma grande história”.

O fato de esses três grupos de situações passadas representarem os períodos históricos mais mencionados pelos jovens não implica que cada pessoa tenha relatado todos eles. Na Espanha, 26% dos estudantes escreveram sobre os três grupos; 38%, sobre a descoberta e a conquista da América, e a mesma percentagem, sobre a ditadura de Franco. Em Portugal, 36% dos estudantes escreveram sobre os três grupos e 27% sobre dois deles (origens e descobertas ou ditadura/democracia, descobertas e ditadura/democracia).

Examinando mais especificamente a mensagem esquemática em cada país, é possível dizer que: a) na Espanha, a formação do país aparece ligada a um processo de unificação conquistado sob os Reis Católicos, enquanto em Portugal a fundação está associada à independência conquistada pelo rei Afonso (apesar de reconhecer os legados culturais de outros povos que ocuparam os territórios dos dois países em tempos anteriores); b) a era das descobertas assume traços semelhantes de grandeza nostálgica na Espanha e em Portugal (embora, no segundo, alguns estudantes reconheçam a Espanha como um império paralelo); c) os tempos recentes de ditadura e de democracia são descritos em posturas semelhantes, muitas vezes enfatizando ou evocando características opostas (por exemplo, medo/alegria, censura/liberdade, pobreza/bem-estar) em ambos os países. Para os tempos atuais, a recente crise econômica parece provocar nos estudantes alguns sentimentos contraditórios sobre o atual regime democrático.

Portanto, os estudantes espanhóis e portugueses dão uma imagem histórica relativamente convergente sobre a Espanha ou sobre Portugal respetivamente, sendo o passado que narraram tratado como a “sua” história. O sentido de pertencer a uma nação indicado pelo uso de “nós” (BARTON; LEVSTIK, 2004; CARRETERO et al., 2012) é aqui também observado. No entanto, os alunos podem usar não só o “nós” ou Espanha/Portugal; e, nas narrativas dos estudantes em Portugal, o termo português também é empregado quando se trata de relatar com orgulho ou com crítica certos acontecimentos nacionais, corroborando estudos anteriores (GAGO, 2008). Talvez esse seja um legado tácito (apenas semântico?) da doutrinação nacionalista durante as recentes ditaduras. E também é de notar que, talvez devido a esse legado nacionalista, os alunos dificilmente mostram consciência das semelhanças existentes com a história dos seus vizinhos. Na mesma linha de pensamento, o “triunfo sobre as forças externas”, bem como as mensagens de poder e glória cultivadas durante as duas ditaduras ibéricas, parecem ainda ecoar nos sentidos atribuídos às fundações nacionais e às descobertas e expansões marítimas. Não obstante, no geral, as narrativas mestras sugerem também contornos mais atualizados, pois, nos últimos tempos, a mensagem principal parece ser a de triunfo sobre as forças internas para o povo alcançar liberdade, paz e modernidade. Na mesma linha, os líderes nacionais mais antigos tendem a ser vistos como heróis, mas Franco e Salazar aparecem abertamente como ditadores odiados. Uma visão teleológica de um século 20 em direção à democracia parece mais visível na Espanha, onde a transição democrática (1975-1978) aparece como um processo idílico, ou como um movimento mecanicista em alguns casos (“Franco morre e a democracia volta”). Em Portugal, o 25 de Abril é visto como um marco simbólico de uma revolução sociopolítica (pacífica) em direção à democracia, na qual os portugueses como povo assumiram a agência. Como já foi dito aqui, a recente crise econômica em ambos os países faz com que os estudantes olhem para o passado em uma tentativa de busca do porquê isso está acontecendo agora.

SINAIS DE ORIENTAÇÃO TEMPORAL: COMENTÁRIOS FINAIS

Argumentamos que este estudo exploratório sobre as narrativas nacionais de estudantes espanhóis e portugueses nos permite destacar alguns elementos convergentes e específicos quer no plano da narrativa mestra quer ao nível das narrativas particulares. Uma narrativa mestra essencialista parece combinar ideias encontradas noutros contextos nacionais (o triunfo sobre forças externas e/ou uma rota para a liberdade) com outras duas ideias centrais (“poder e glória” na idade de ouro, “triunfo sobre inimigos internos” nos tempos contemporâneos). A primeira dessas duas mensagens pode parecer mais explícita nestes contextos do que noutros países com uma experiência mais longa de democracia.

Assim, os jovens neste estudo − da região de Valência na Espanha, e das áreas de Lisboa e Porto, em Portugal − tendem a mostrar uma identificação aberta com o estado-nação correspondente. Devemos ressaltar que o desenho do estudo não permite uma generalização desses resultados. E, de certa forma, esses resultados podem ser vistos como uma descoberta trivial, uma vez que alinham com vários estudos relacionados noutros países (mencionados na primeira seção). No entanto, considerando outros estudos, nomeadamente na Catalunha, onde os estudantes revelam nacionalismos concorrentes, seria de esperar (pelo menos do ponto de vista externo) que a identificação dos estudantes com o estado-nação seria mais visível em Portugal do que em várias regiões de Espanha. Essa “hipótese” não foi confirmada neste caso; outros estudos a serem realizados noutras regiões da Espanha poderão lançar mais luz sobre ela. De qualquer forma, Espanha e Portugal são dois estados vizinhos com histórias paralelas e relativamente semelhantes, e isso pode contribuir para tornar possível a existência de um modelo esquemático convergente, pelo menos entre os estudantes de algumas áreas geográficas como as aqui estudadas. Mesmo com pessoas com conhecimento escasso da História de seu estado vizinho, ideologias compartilhadas espalharam uma narrativa nacional bastante similar em ambos os países. Quando a mensagem do “triunfo sobre as forças externas” foi difundida durante o período de forte nacionalismo, essa ideia central em Portugal foi especialmente dirigida contra a Espanha (atualmente a Espanha não é mais vista como inimiga), e na Espanha levou a preocupações com outros vizinhos mais poderosos, quase ignorando-se Portugal.

As atuais narrativas mestras subjacentes aos relatos dos estudantes espanhóis e portugueses neste estudo podem se encaixar amplamente em modos tradicionais de orientação temporal, mas apenas parcialmente coincidentes com compromissos com um passado glorioso. Nelas, é possível encontrar agora uma nova orientação também: para os tempos pós-ditatoriais, a ideia nuclear ganhou contornos de “triunfo sobre os inimigos internos” como um caminho para a liberdade e a cooperação pacífica.

A observação de perspectivas compartilhadas não invalida a listagem de algumas particularidades significativas encontradas nas ideias dos alunos de cada país. Por exemplo, os estudantes espanhóis focam a unificação como um marco fundamental, enquanto, em Portugal, os estudantes focam maciçamente o movimento de independência como o marco fundacional; em Espanha, tendem a conceber o país como uma das grandes e antigas nações-estados da Europa, ao passo que, em Portugal, destacam a ideia de um “pequeno país, mas com uma grande história”. Além disso, ambos os grupos dos alunos expressam uma variedade de posturas em sua identificação com a nação. Os estudantes podem julgar determinadas situações e desenvolvimentos mostrando apenas o seu lado positivo ou, numa visão mais equilibrada, discutir aspectos positivos e negativos; em visões radicais, embora residuais, elas podem sugerir uma postura nacionalista ou uma (leve) desconstrução irônica (por exemplo, “sempre estragamos tudo”), como disse um jovem em relação ao seu país.

Causas e consequências tendem a reproduzir simplesmente explicações convencionais, e isso não contribui para fomentar relações conceituais dinâmicas passadas e presentes (WERTSCH, 2002). O facto de os dois conjuntos de dados não serem equivalentes em relação à experiência dos sujeitos da aprendizagem histórica por idade (estudantes em Portugal têm uma abordagem sistemática da História nacional em idades mais jovens do que em Espanha) permitiu observar que alguns dos alunos mais velhos que frequentam cursos de História nacional foram os únicos a dar explicações multifacetadas e inter-relacionadas; por outro lado, alguns alunos mais jovens com uma abordagem sistemática da História apresentaram narrativas históricas tão coerentes quanto alguns dos mais velhos que iniciaram mais tarde uma aprendizagem sistemática da História. Dado que este estudo não pretendeu explorar variações no pensamento causal dos estudantes, pensamos que essa questão merece ser mais investigada no campo da educação histórica como uma pista para a relevância da aprendizagem sistemática da História como disciplina. Apesar disso, a não equivalência dos dois conjuntos de dados parece não ter afetado as narrativas mestras nacionais, uma vez que sugerem convergências relativas. A escola e outras instâncias de socialização poderão influenciar essa tendência principal. Os livros didáticos e as abordagens de ensino recentes mudaram (parcialmente) e isso é de alguma forma refletido nas narrativas mestras. Mas deve-se notar que as narrativas dos alunos ainda parecem sugerir uma concepção banal de sua nação, onde há pouco espaço para entender o passado nacional de maneira fundamentada e multifacetada. A era das descobertas parece inquestionável, enquanto as perspectivas de “outros” (por exemplo, questões de escravidão) ou mesmo daqueles em sua própria nação que sofreram com momentos épicos são quase esquecidas. De fato, a mídia, os esportes e os contextos locais podem desempenhar um papel relevante na formação de uma narrativa mestra que evoque um nacionalismo banal. Deve-se levar em conta que os sentimentos de pertencer a um determinado grupo são inevitáveis, pois fazem parte da construção da identidade, mas isso também deve ser nutrido pela razão e por evidência multifacetada. Embora, em ambos os países, o aprendizado da História não seja direcionado para recordar fatos ou personagens, ela tende a permanecer orientada para a compreensão de uma única versão explicativa. Os modelos de narrativas apresentados sugerem que os estudantes geralmente não estão comprometidos em desenvolver um pensamento analítico histórico, uma competência crucial para escapar de visões superficiais sobre interrelações temporais.

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1O estudo em Espanha faz parte do projeto de pesquisa PGC2018-09441-B-C32 (“Las representaciones sociales de los contenidos escolares en el desarrollo de las competencias docentes”) financiado pelo Ministério da Ciência, Inovação e Universidade. O estudo em Portugal faz parte da pesquisa realizada pelo segundo autor, no âmbito do Centro de Investigação Transdisciplinar sobre “Cultura, Espaço e Memória” (CITCEM) financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) de Portugal.

2Os estudos em Portugal tendem a usar a designação “narrativa nuclear”, como é o caso de Barca (2007).

Recebido: 30 de Março de 2018; Aceito: 10 de Dezembro de 2018

NOTA

O conteúdo, estrutura, análise e conclusões foram elaborados e acordados por ambos os autores, colocando em comum suas respectivas investigações sobre narrativas históricas. A redação final do artigo em inglês e em português corresponde ao segundo autor.

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