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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.49 no.174 São Paulo out./dez 2019  Epub 20-Nov-2019

https://doi.org/10.1590/198053146131 

ARTIGOS

ANÁLISE DA RETENÇÃO ESCOLAR ATRAVÉS DE MODELOS MULTINÍVEL: UM ESTUDO EM PORTUGAL1

I Universidade de Lisboa (ULisboa); Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG); Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Económica (CEMAPRE), Portugal; abastos@iseg.ulisboa.pt

II Universidade da Beira Interior, Covilhã; Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Económica (CEMAPRE), Portugal; meferrao@ubi.pt


Resumo

Este artigo investiga a retenção escolar em Portugal usando microdados. Com a aplicação de modelos multinível, analisa-se o número de retenções no ensino obrigatório - variável explicada -, considerando como potenciais variáveis explicativas - características individuais do aluno, seu contexto familiar em termos sociodemográficos e económicos e suas condições de vida. Também se investiga o impacto da escola de per si na variável endógena. Os resultados obtidos confirmam a importância das características individuais e familiares e das condições de vida na retenção escolar. A análise empírica mostra que a probabilidade de reprovação de um aluno varia de escola para escola, demonstrando a importância do impacto da escola de per si na retenção escolar.

Palavras-Chave: RETENÇÃO ESCOLAR; PARTICIPAÇÃO SOCIAL; MODELO MULTINÍVEL

Abstract

This paper investigates grade repetition in Portugal using microdata. Drawing on multilevel models, we analyse the number of times the student repeated a grade in compulsory education - our dependent variable - in association with children’s individual characteristics, household sociodemographic and economic background, and children’s living conditions - our covariates. Furthermore, we also attempt to shed light on the impact of schools on the endogenous variable. Our results confirm the importance of individual, family, and neighbourhood characteristics on the rate of grade repetition. In terms of schools, the results obtained show that the student’s probability of failure vary across schools, demonstrating the importance of the impact of the school itself on grade repetition.

Key words: GRADE REPETITION; SOCIAL PARTICIPATION; MULTILEVEL MODEL

Résumé

Cet article traite du redoublement scolaire au Portugal à partir de microdonnées. Par le biais de modèles multi-niveaux, il analyse le nombre de redoublements dans l’enseignement obligatoire - variable dépendante selon - les variables explicatives potentielles suivantes - les caractéristiques individuelles des élèves, leur contexte familial en termes socio-démographiques et économiques et leurs conditions de vie. Le travail s’intéresse également à l’impact particulier de l’école sur la variable endogène. Les résultats obtenus confirment le rôle important que jouent les caractéristiques individuelles et familiales et les conditions de vie dans le redoublement scolaire. L’analyse empirique montre que la probabilité qu’un élève redouble varie d’une école à l’autre, ce qui démontre l’importance de l’impact particulier de l’école sur le redoublement.

Key words: RETENTION SCOLAIRE; PARTICIPATION SOCIALE; MODÈLE MULTI-NIVEAU

Resumen

Este artículo investiga la retención escolar en Portugal utilizando microdatos. Con la aplicación de modelos multinivel, se analiza el número de retenciones en la educación obligatoria -variable explicada-, considerando como posibles variables explicativas las características individuales del estudiante, su contexto familiar en términos sociodemográficos y económicos y sus condiciones de vida. También se investiga el impacto de la propia escuela por sí misma en la variable endógena. Los resultados obtenidos confirman la importancia de las características individuales y familiares y de las condiciones de vida en la retención escolar. El análisis empírico muestra que la probabilidad de fracaso de un estudiante varía de una escuela a otra, lo que demuestra la importancia del impacto de la escuela en la retención escolar.

Palabras-clave: REPETICIÓN ESCOLAR; PARTICIPACIÓN SOCIAL; MODELO MULTINIVEL

Este artigo investiga a retenção escolar em Portugal a partir da análise de microdados de uma amostra representativa. Com base na aplicação de modelos multinível, analisa-se o número de retenções dos alunos no ensino obrigatório - variável endógena -, considerando como potenciais variáveis exógenas - as características individuais da criança, o seu contexto familiar em termos sociodemográfico e económico e as suas condições de vida. Além disso, também se analisa o impacto da escola de per si na variável endógena. De fato, estudos empíricos têm demonstrado que crianças com níveis de inteligência semelhantes às de seus pares com maiores rendimentos têm percursos escolares diferenciados em termos da retenção escolar (BURGESS; BRIGGS, 2010; SMYTH; WRIGLEY, 2013). Por isso, para além da influência dos fatores acima mencionados, examinamos também se e como a escola de per si pode estar associada à retenção dos alunos.

A análise da retenção escolar é uma questão importante em termos de significado - insucesso escolar -, mas também porque traduz investimento improdutivo. Para o indivíduo, tem consequências negativas na sua autoestima, inserção no mercado de trabalho e participação social (BOYDEN; JAMES, 2014; BUDRIA; MORO-EGIDO, 2008; FERGUSON; MICHAELSEN, 2015). Para a sociedade como um todo, representa um investimento improdutivo (BASTOS; FERNANDES; PASSOS, 2009) e uma ameaça à reserva de capital humano, fator importante de desenvolvimento para a economia. Além disso, a evidência empírica demonstra que os alunos retidos são menos motivados e têm maior probabilidade de ter problemas de comportamento e de abandono escolar (ROBISON et al., 2017). Portanto, criar condições que promovam a não retenção dos alunos é uma medida de política educativa importante.

A associação de fatores como idade, sexo, condições de vida das crianças e contexto sociodemográfico e económico do agregado familiar com a retenção escolar, está amplamente documentada na literatura. Ferguson e Michaelsen (2015) também registram uma relação negativa entre resultados escolares e privação. De fato, estudos empíricos provaram a associação da retenção escolar com a pobreza. Corman (2003) sublinha a importância das características individuais, familiares e do local de habitação na retenção escolar nos Estados Unidos. De acordo com vários estudos, ser homem, viver em situação de pobreza, viver numa família monoparental, ser africano, ter pais com baixa escolaridade (principalmente a mãe) e ter problemas de saúde são fatores que aumentam a probabilidade de retenção escolar (BASTOS; FERNANDES; PASSOS, 2009; CORMAN, 2003; EAMON, 2005; FERGUSON; MICHAELSEN, 2015). No entanto, pouco se sabe sobre a importância da escola de per si no desempenho dos alunos.

Este artigo examina os determinantes da retenção escolar. Os objetivos desta pesquisa são: i) investigar a associação da retenção escolar às características individuais das crianças, aos atributos sociodemográficos e económicos que caracterizam o seu contexto familiar e às suas condições de vida; e ii) analisar se e como a própria escola afeta a retenção escolar. A principal contribuição desta pesquisa para a literatura sobre a retenção escolar resulta de seu foco: as crianças - a unidade estatística de observação e mensuração -, bem como a escola de per si, através da estimação de um modelo multinível. De facto,

[…] o desenvolvimento da modelação multinível (MLM) foi essencial para representar fielmente a realidade dos sistemas educacionais nos quais os alunos aprenderam ou não, de acordo com as suas características de base e também em função; das a aulas que assistiram nas escolas a que frequentaram, que por sua vez estavam incluídas em Distritos/Autoridades Locais, e que por sua vez pertenciam a regiões e nações. […] Possibilitou o manuseio de múltiplas variações, efeitos diferenciais e interações entre estes vários níveis.2 (REYNOLDS et al., 2014, p. 202, tradução nossa)

Para esse efeito, analisamos um conjunto de dados primários recolhidos a partir de um inquérito por amostragem aplicado a alunos de todos os níveis de escolaridade obrigatória, no distrito de Mafra, Portugal, em 2014, compreendendo 784 observações. É estimado um modelo multinível que leva em consideração a influência de três ordens de determinantes na retenção escolar - condições individuais da criança e do seu contexto familiar, turma e escola.

Além da análise da associação entre os fatores individuais, sociodemográficos e económicos mencionados, o uso de modelos multinível também possibilita a pesquisa do impacto da escola de per si na retenção escolar, fornecendo importantes informações para enformar políticas destinadas a colmatar as desvantagens das crianças carenciadas (MORTIMORE; WHITTY, 1997).

Após esta introdução, o restante do artigo está organizado da seguinte forma: a seção dois faz uma breve revisão da literatura sobre os preditores da retenção escolar, e a seção três apresenta a metodologia usada na análise empírica, cujos resultados são apresentados na seção quatro. As principais conclusões e as limitações do estudo encontram-se na quinta seção.

REVISÃO DE LITERATURA

Estudos anteriores sobre a relação entre retenção escolar e os atributos do aluno (EAMON, 2005; FERGUSON; MICHAELSEN, 2015; FERRÃO, 2015) comprovaram a importância de dois tipos de variáveis: (i) características económicas e sociodemográficas da família; (ii) condições de vida da criança. Além dessas variáveis, a própria escola também desempenha um papel importante na retenção escolar, tópico desenvolvido no item (iii).

CARACTERÍSTICAS ECONÓMICAS E SOCIODEMOGRÁFICAS DA FAMÍLIA

A família tem um impacto importante no desempenho cognitivo e no sucesso académico; logo, na trajetória escolar da criança (ALVES et al., 2017). Elementos tais como recursos económicos, composição familiar e nível de escolaridade dos pais foram considerados importantes determinantes na literatura sobre a retenção escolar (BROPHY, 2006; MATOS; FERRÃO, 2016). Em relação aos recursos económicos da família, a pobreza foi identificada como uma restrição importante da educação das crianças (YANG et al., 2018), devido à disponibilidade de recursos bem como pelo stress da vida quotidiana familiar que condiciona o envolvimento quer da família, quer da criança com a escola (ANDRESEN; MEILAND, 2019). As crianças pobres têm acesso mais dificultado a materiais lúdicos e educacionais, o que limita seu desenvolvimento cognitivo (BRADLEY; CROWYN, 2002; BURGER, 2010). Esses recursos são particularmente importantes na infância, e a sua falta tem um impacto negativo no seu desempenho escolar posterior (RINDERMANN; FLORES-MENDOZA; MANSUR-ALVES, 2010), facto que sublinha a importância do investimento na primeira infância como uma possível forma de quebrar o ciclo intergeracional da pobreza (ALMOND; CURRIE, 2011).

No que concerne à composição familiar, estudos empíricos como os de Kaczala (1991), Corman (2003) e, mais recentemente, Robison et al. (2017) mostram que viver numa família monoparental, nascer de uma mãe adolescente e ter pelo menos dois irmãos está associado ao insucesso escolar. Contudo, essa relação não é linear, pois pode ser altamente condicionada pelas condições de vida específicas de cada família, condições essas que podem aliviar ou agravar o envolvimento da criança e da sua família com a escola. De facto, de acordo com as estatísticas do EUROSTAT produzidas na área da pobreza e exclusão social, essas famílias têm um risco acrescido de pobreza ou exclusão social.

Em relação ao nível de educação dos pais, a literatura frequentemente refere a sua associação com o sucesso escolar das crianças (ALVES et al., 2017; FERGUSON; MICHAELSEN, 2015; ROBISON et al., 2017). Os pais com baixos níveis de educação podem valorizar menos a educação dos seus filhos, sendo também menos capazes de os acompanhar e auxiliar nos trabalhos escolares. Além disso, o envolvimento da família tem um impacto significativo no desenvolvimento cognitivo das crianças e, portanto, no sucesso escolar (ALVES et al., 2017). O papel do nível de educação da mãe parece ser particularmente importante como preditor do desempenho cognitivo das crianças (GUTMAN; SAMEROFF; COLE, 2003), bem como do seu sucesso escolar (BROWN; PARK, 2002; CORMAN, 2003).

CONDIÇÕES DE VIDA DA CRIANÇA

Os estudos sobre retenção escolar sugerem que as características sociodemográficas, o local de habitação, a saúde e a participação social são determinantes importantes do insucesso escolar. Em relação às características sociodemográficas individuais das crianças, atributos como idade, sexo, raça e etnia foram associados à retenção escolar.

Estudos empíricos mostraram que, à medida que as crianças crescem, aumenta a probabilidade de retenção escolar (CORMAN, 2003). A análise longitudinal das trajetórias escolares das crianças também constatou que as crianças que tiveram retenções escolares nos estágios iniciais de escolaridade são menos prejudicadas do que aquelas que são retidas nos estágios mais avançados do percurso escolar (ALEXANDER; ENTWISLE; DAUBE, 1994; BOYDEN; JAMES, 2014). Com base nos dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), outros autores mostram que, no Brasil e em Portugal, a repetição precoce de ano parece ser um forte preditor de retenção em anos posteriores (FERRÃO, 2015; FERRÃO; COSTA; MATOS, 2017).

Em termos de género, as raparigas costumam ter um envolvimento maior com a escola, e a sua probabilidade de reprovação é menor do que a dos rapazes (CORMAN, 2003; CORREA; BONAMINO; SOARES, 2015; FERNANDEZ-ZABAL et al., 2016; FERRÃO, 2015; MATOS; FERRÃO, 2016). Além disso, outros autores apontam também diferenças de género no impacto da retenção escolar, sugerindo que nas raparigas esse impacto é maior do que nos rapazes (GHAZVINI; KHAJEHPOUR, 2011). No que concerne às condições de habitação e da sua envolvente, estas estão necessariamente interligadas com o status económico da família - as famílias pobres geralmente vivem em bairros mais desfavorecidos e em casas superlotadas. No entanto, além disso, as teorias sobre os potenciais efeitos da envolvente habitacional e de vizinhança nas crianças referem que tanto a atitude dos seus pares como dos adultos desempenham um papel importante no comportamento e na forma como as crianças se posicionam relativamente à escola. Teorias epidémicas ou de contágio apontam os potenciais efeitos negativos da socialização coletiva sobre as crianças nessas áreas (AUGHINBAUGH; ROTHSTEIN, 2014). Tais teorias referem também a importância dos serviços sociais e comunitários nesses bairros como forma de aliviar as suas deficientes condições de vida e colmatar as suas carências. Esses serviços podem ter impactos bastantes heterogéneos, sugerindo por isso cautela na análise do efeito dessa variável.

A saúde das crianças é um determinante importante do seu desenvolvimento físico e cognitivo. Nesse contexto, a alimentação e os cuidados médicos adequados desempenham um papel importante. Ter problemas de saúde ou comportamentais aumenta a probabilidade de retenção escolar (CORMAN, 2003). Não ter alimentação suficiente é uma privação absoluta no espaço de capacidades, no sentido de Sen (1999), com efeitos negativos no desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. É também uma restrição à sua participação no processo educacional (REDMOND; SKATTEBOL, 2017).

Essa restrição também se aplica a roupas adequadas, por tratar-se de uma questão importante por si só (necessidade física) e também um determinante da participação social e do envolvimento com a escola (REDMOND; SKATTEBOL, 2017). Em termos de participação social, as restrições económicas das famílias pobres determinam fortemente o leque de atividades sociais e culturais de seus filhos. Nesses contextos, a escola e os serviços públicos são fundamentais para atenuar essas carências e moldar as experiências das crianças (BESSELL, 2019).

ESCOLA

O desempenho escolar é um determinante importante do sucesso na idade adulta. No entanto, o bom desempenho escolar é condicionado pela qualidade da escola (BARBOSA; FERNANDES, 2001; MORTIMORE et al., 1988). Como argumentam Burgess e Briggs, “as escolas diferem e a escola em si é importante” [schools differ and schools matter] (2010, p. 639). Nesse contexto, a escola desempenha um papel importante em termos de mobilidade social.

Em Portugal, como em outros países, a distância entre casa e escola é um dos critérios de admissão na escola. Existe uma relação entre pobreza e atribuição da escola (BURGESS; BRIGGS, 2010), pois a procura espacialmente concentrada de habitação aumenta o seu preço. Ora, os agregados familiares pobres geralmente vivem em bairros desfavorecidos, e, por isso, com menor procura, onde as escolas costumam ter recursos deteriorados e um corpo docente pouco estável, comprometendo a qualidade da escola (PEREIRA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2013; ROBISON et al., 2017). Burgess e Briggs (2010, p. 647) argumentam que “existe uma clara ligação entre a localização da pobreza e a qualidade das escolas”.3 Além dos efeitos negativos resultantes da vivência em bairros desfavorecidos, o desempenho académico das crianças nessas áreas também depende fortemente de seus professores e da qualidade da escola (MORTIMORE; WHITTY, 1997). Finalmente, refira-se que muitas vezes existe uma suposição de que crianças de bairros desfavorecidos têm sérios déficits de capacidades educacionais. Portanto, muitos professores consideram que tais crianças apenas conseguem atingir requisitos e objetivos básicos, promovendo uma “dieta educacional de carácter mais básico” [emaciated and dumbed down educational diet] (ZYNGIER, 2015, p. 82).

Os processos de atribuição da escola perpetuam desvantagens que podem potencialmente afetar o sucesso do aluno (GOLDSTEIN; NODEN, 2003). Nesse sentido, as desigualdades sociais transformam-se em desigualdades escolares e as aumentam, configurando um ciclo vicioso de reprodução da classe social e de estagnação de mobilidade social (ALVES et al., 2017). Schmidt et al. afirmam que

Oportunidades de aprendizagem desiguais são frequentemente reconhecidas como ocorrendo entre escolas. Nos Estados Unidos, há uma considerável atenção sobre o problema de escolas com elevados níveis de insucesso - escolas que geralmente apresentam muita pobreza, têm uma grande proporção de estudantes pertencentes a minorias e com menor desempenho.4 (2015, p. 374, tradução nossa)

Embora vários estudos reconheçam a importância da própria escola como um importante determinante do sucesso escolar, em Portugal há poucos estudos sobre retenção escolar considerando esse fator. O nosso objetivo é avaliar os fatores de retenção escolar, considerando a escola de per si, para além das características individuais e familiares já referidas.

DADOS E MODELO

Os dados usados nesta investigação foram recolhidos através de um questionário construído especificamente para os objetivos deste estudo, aplicado a uma amostra aleatória de 923 estudantes (cerca de 15% da população), com idades entre 6 e 18 anos, residentes no município de Mafra, distrito de Lisboa, frequentando escolas públicas e privadas, durante o ano letivo de 2014 a 2015. Foi utilizado um procedimento de amostragem estratificada, proporcional à dimensão da escola e da turma para garantir a representatividade da população. Escolas com menos de cinco alunos na amostra foram excluídas para a estimação do modelo. A dimensão da amostra foi reduzida em 28 alunos por exclusão de escolas e em 111 alunos por não resposta. Assim, o tamanho da amostra de trabalho é 784 alunos. Assumimos que as não respostas ocorreram de forma completamente aleatória (LITTLE; RUBIN, 2002).

Dando sequência à pesquisa realizada por Bastos, Fernandes e Passos (2009), utilizamos um modelo de contagem de dados para analisar a relação entre o número de retenções dos alunos e um conjunto de potenciais variáveis explicativas. Mais especificamente, estamos interessados ​​em perceber a relação entre o número de retenções para cada aluno e suas características individuais, como pobreza5, género, características sociodemográficas e económicas da sua família e condições de vida do aluno, em termos de saúde, habitação e participação social. O preditor linear também inclui o ano de escolaridade como variável de controle, variando de dois a doze (correspondendo aos anos de escolaridade obrigatória). Na prática, quanto maior a idade do aluno, maior a probabilidade de ter sido sujeito a retenção.

Nesta investigação, assumimos que Y segue uma distribuição de Poisson com parâmetro λ, e que o modelo linear generalizado com efeitos aleatórios leva em consideração a heterocedasticidade de Y, devido à estrutura hierárquica da população educacional. Foi aplicado um modelo de três níveis com a função de ligação canônica, considerando o aluno no nível 1, a turma / classe no nível 2 e a escola no nível 3. Assim, para cada aluno i da turma j e da escola k, Y representa o número de reprovações ou o número de retenções escolares e as correspondentes variáveis são y ijk , com i=1,...,n jk , j=1,...,J k e k = 1,..., K, com n jk representando o número de alunos na classe j e escola k, J k número de turmas na escola k, e K número total de escolas. O número de retenções Y pode ser 0, 1, 2, ou 3 por aluno, e a sua média é λ, ou Y~Poisson ijk ) com:

log(λijk)=β0jk+β1maleijk+β2mothereducationijk+β3fathereducationijk+β4povertyijk+β5housingijk+β6socialparticipationijk+β7healthijk+β8schoolyearjk (1.1)

β0jk=β0+u0jk+v0k (1.2)

A equação 1.1 define o preditor linear do modelo, e a equação 1.2 define as componentes aleatórias do nível 2 (u0 jk ) e do nível 3 (v0 k ). Considera-se que as distribuições de probabilidade das componentes aleatórias seguem uma distribuição normal - u0 jk ~N(0, σu02 ) e v0 k ~N(0, σv02 ); ou seja, σu02 é o parâmetro aleatório relativo ao nível 2 (variância do nível 2), σv02 é o parâmetro aleatório do nível 3 (variância do nível 3). De acordo com o modelo definido através das equações 1.1 e 1.2 e pelas hipóteses assumidas, a ordenada na origem varia aleatoriamente de acordo com a turma (unidades de nível 2) e escolas (unidades de nível 3). A regressão de Poisson assume que a variável resposta Y segue uma distribuição de Poisson. No nível 1, o valor esperado e a variância da distribuição de Poisson é idêntica e dada por λ, parâmetro dessa distribuição. Isso significa que, no nível 1, a variância é igual ao parâmetro estimado, por definição. Por isso, a especificação do modelo apenas inclui duas componentes aleatórias ( σu02 + σv02 ) na equação 1.2.

Adicionalmente foi definido um segundo conjunto de equações para averiguar se o parâmetro β6 também varia aleatoriamente. Tais equações são dadas por:

log(λijk)=β0jk+β1maleijk+β2mothereducationijk+β3fathereducationijk+β4povertyijk+β5housingijk+β6ksocialparticipationijk+β7healthijk+β8schoolyearjk (2.1)

β0jk=β0+u0jk+v0kβ6k=β6+v6k (2.2)

As distribuições de probabilidade das componentes aleatórias são dadas por:

u0jk~N(0,σu02),

[v0kv6k]~N([00],[σv02σv06σv06σv62]).

Esse modelo inclui dois parâmetros adicionais no nível 3. A variância σv62 quantifica a variabilidade de β6 relativa às várias escolas, e σv062 quantifica a covariância entre a ordenada na origem e β6.

Os índices de habitação, saúde e participação social foram obtidos pelo método clássico de análise fatorial (BROWNE; SHAPIRO, 1980; MOOIJAART; BENTLER, 1991) aplicado aos dados da amostra recolhida. A análise fatorial é uma técnica multivariada que visa a aproximar as variáveis originais de um conjunto de dados por combinações lineares de um número menor de fatores. Foram realizadas três análises fatoriais, para cada um dos índices. O principal fator de cada análise foi selecionado como o índice de habitação, saúde ou participação social. O índice de habitação inclui informações sobre a dimensão e o contexto exterior da habitação, bem como as condições de vida com impacto direto nas crianças, como a existência de uma cama individual para a criança dormir e um local para estudo. O índice de saúde inclui informações sobre assistência médica, nutrição e desenvolvimento. Por fim, o índice de participação social refere-se a questões relacionadas a frequência de atividades extracurriculares, brincadeiras, hábitos de lazer e avaliação subjetiva do bem-estar por parte da criança.

RESULTADOS

As estatísticas descritivas das variáveis utilizadas nos modelos estão resumidas no Quadro 1. As variáveis relacionadas à educação do pai e da mãe consideram três categorias ou níveis de educação, de acordo com a classificação International Standard Classification of Education (ISCED), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco): até segundo ciclo do ensino básico (ISCED 0, 1 e 2), terceiro ciclo do ensino secundário (ISCED 3), ensino pós-secundário ou superior (ISCED 4 a 8). A amostra é composta por 46% de rapazes e 54% de raparigas. A distribuição empírica da variável educação da mãe inclui: 7,6% não têm mais do que o nível ISCED 2, 62,3% têm mais do que o nível ISCED 2, e 30,1% têm nível de ensino superior. A distribuição empírica relativa à educação do pai é, respetivamente, 8,9%, 72,2% e 18,9%. A proporção de alunos classificados como “pobres” é de 28,6%.

QUADRO 1 DEFINIÇÃO E ESTATÍSTICAS SUMÁRIAS DAS VARIÁVEIS  

VARIÁVEL MIN MAX MÉDIA DP PROPORÇÃO N OMISSOS
Masculino --- --- --- --- 0,46 7
Nível de educação da mãe ≤ ISCED 2 --- --- --- --- 0,076 11
ISCED 2 < Nível de educação da mãe ≤ ISCED 3 --- --- --- --- 0,623 11
ISCED 3 < Nível de educação da mãe ≤ ISCED 8 --- --- --- --- 0,301 11
Nível de educação do pai ≤ ISCED 2 --- --- --- --- 0,089 56
ISCED 2 < Nível de educação do pai ≤ ISCED 3 --- --- --- --- 0,722 56
ISCED 3 < Nível de educação do pai ≤ ISCED 8 --- --- --- --- 0,189 56
Situação de pobreza --- --- --- --- 0,286 6
Índice de habitação -12,502 1,511 0,012 0,937 --- 13
Índice de saúde -5,941 1,016 0,000 1,000 --- 27
Índice de participação social -2,649 1,940 -0,013 1,000 --- 7

Fonte: Elaboração das autoras.

Os índices relativos à habitação, saúde e participação social seguem uma distribuição normal padronizada.

A variável dependente - número de retenções do aluno até o ano de realização do inquérito - é censurada em 3 ou mais, e compreende 82,9% de alunos com zero retenções, 11,9% com uma retenção, 3,9% com duas retenções, e 1,3% com três ou mais retenções. O modelo multinível sem variáveis explicativas (modelo nulo), sugere que o log do número esperado de retenções varie entre turmas (28%) e entre escolas (72%), de acordo com as hipóteses do modelo descritas na secção anterior. Esse resultado sublinha a importância do impacto da escola de per si na variável dependente.

Os resultados apresentados nos quadros 2 e 3 referem-se à estimação dos modelos definidos pelas equações 1.1 e 1.2 e pelas equações 2.1 e 2.2; com e sem a variável “nível de educação do pai” e “Índice de habitação”, respetivamente. Os resultados de estimação mostram que os coeficientes relativos às variáveis “género”, “nível de educação da mãe”, “situação de pobreza”, “índice de saúde”, “índice de participação social” e “ano de escolaridade” são estatisticamente significativas, com um nível de significância de 5%. Os fatores nível baixo de educação da mãe, ser pobre, ser rapaz, ter déficits em termos de saúde e de participação social e frequentar anos relativamente adiantados da escolaridade obrigatória, são determinantes significativos da probabilidade de retenção de um aluno. Esse resultado é particularmente importante para as três primeiras variáveis referidas, indo ao encontro dos resultados de outros estudos empíricos referidos anteriormente (ANDRESEN; MEILAND, 2019; CORMAN, 2003; FERNANDEZ-ZABAL et al., 2016). Os resultados de estimação também sugerem que o número de retenções de um aluno não está estatisticamente associado ao índice de habitação e nível de educação do pai, com um nível de significância de 5%. Essas variáveis ​​foram por isso removidas do preditor linear, e os resultados de estimação do novo modelo são apresentados nas terceira e quarta colunas dos quadros 2 e 3. O aumento da estimativa do coeficiente relativo ao nível de escolaridade da mãe demonstra a sua importância na variável dependente, mas também parece captar a relação omitida com o nível de educação do pai. O número de observações também aumenta, uma vez que aproximadamente 6% dos estudantes não responderam à questão relativa ao nível de educação do pai. Além disso, alguns pares de variáveis ​​estão moderadamente correlacionados entre si. Assim, existe uma preocupação hipotética de que a multicolinearidade possa mascarar a associação entre algumas dessas variáveis e a variável resposta. Por exemplo, a correlação entre o nível de educação da mãe e do pai é de fraca a moderada (o coeficiente de Spearman varia entre 0,3 e 0,5). No entanto, a estabilidade nas análises de regressão sugere a inexistência desse tipo de problema de multicolinearidade. Portanto, consideramos o segundo conjunto de estimativas no Quadro 3 como o modelo final.

De acordo com o modelo de regressão de Poisson, o número esperado de retenções para um estudante do sexo masculino é dado pela função exponencial do correspondente coeficiente estimado do modelo. Portanto, a diferença no número esperado de retenções é 1,351 unidades maior para os rapazes do que para as raparigas, ceteris paribus. Esse resultado mostra que os rapazes têm maior probabilidade de retenção do que as raparigas, em consonância com os resultados de estudos empíricos anteriores mencionados.

No sentido de detalhar os resultados de estimação, apresentamos alguns exemplos para ilustrar a interpretação das estimativas incluídas no modelo final (Quadro 3). Por exemplo, para estudantes do sexo masculino, o log do número esperado de retenções é de 0,301 unidades, e o número esperado de retenções é dado por exp(-3.162 + 0.301)= 0.057. Outro exemplo: os alunos em maior situação de desvantagem são caracterizados por nível de educação da mãe ISCED 2, indivíduo do sexo masculino, ser pobre, ter um valor do índice relativo à saúde ou à participação social no intervalo 3 desvios padrão +/- média e frequentar o 9º ano de escolaridade. Para esses alunos o log do número esperado de retenções é 0,717, correspondendo a um número esperado de retenções de aproximadamente 2 (2,048). O número esperado de retenções dos alunos cujo nível de educação da mãe é baixo (ISCED ≤ 2) é 2,573 superior ao dos seus pares cuja mãe tem um nível de educação acima deste (ISCED > 2), ceteris paribus. Da mesma forma e no que concerne à situação de pobreza, o número esperado de retenções dos alunos pobres é 1,498 maior do que dos seus pares não pobres, ceteris paribus. Adicionalmente, se um aluno aumentasse unitariamente o seu índice de saúde, a diferença no valor esperado do número de retenções diminuiria em 0,34, ceteris paribus. De acordo com o mesmo raciocínio, se um aluno aumentasse unitariamente o seu índice de participação social, a diferença no valor esperado do número de retenções diminuiria em 0,193 unidades, ceteris paribus.

Considere-se agora o exemplo do aluno extremamente desfavorecido apresentado acima e assuma-se que é possível variar a sua pontuação no índice de participação social de +/- 3 desvios-padrão, controlando todas as outras variáveis. Nessas condições, o acréscimo unitário do índice de participação social tem um impacto diferente no número esperado de retenções. Esse impacto é designado por efeito marginal da variável índice de participação social. Esse efeito foi computado para o 9º ano de escolaridade e é representado graficamente na Figura 1. De facto, o efeito marginal quantifica a variação na probabilidade de repetir mais um ano quando o valor do índice de participação social do aluno varia unitariamente, considerando que as restantes variáveis se mantêm inalteradas. Observa-se que o número esperado de retenções varia de duas retenções a menos de uma retenção, pois o índice de participação social varia de acordo com a sua escala.

Em relação aos parâmetros aleatórios, a componente de variância do modelo sugere que a ordenada na origem varia entre as turmas e entre as escolas, o que significa que, após controlar pela variável sexo, o status de pobreza, o nível de educação dos pais, os valores dos índices de saúde e de participação social do aluno e o ano frequentado, a variação residual de log do número de retenções pode ser atribuída a diferenças de turma e de escola. Assim, a variância residual do modelo final (0,448) mostra que 58% da variância inicial foi explicada pelo modelo. A decomposição dessa variância explicada por níveis hierárquicos (2 e 3) sugere que a variância explicada nas escolas (65% da variância inicial do nível 3) foi maior que a variância explicada nas turmas (39% da variância inicial do nível 2). Embora as variáveis ​​incluídas no modelo representem características individuais e familiares dos alunos, os resultados empíricos obtidos sugerem que a sua capacidade explicativa reduz mais a variabilidade entre escolas do que dentro da escola. No entanto, a variância residual ainda é mais forte ao nível da escola (59%) do que da sala de aula ou turma (41%), sublinhando mais uma vez a importância do efeito da escola de per si na retenção escolar.

Além disso, as estimativas dos parâmetros aleatórios apresentados no Quadro 3 sugerem que o coeficiente relacionado ao índice de participação social também varia aleatoriamente entre as escolas, o que significa que o efeito desse atributo pode ou não influenciar o número de retenções do aluno, dependendo da escola que frequenta.

Em resumo, as estimativas obtidas pelo modelo de coeficientes aleatórios confirmam a importância das características individuais e familiares das crianças, das condições de vida e da própria escola como preditores da retenção escolar - as questões de pesquisa que suscitaram esta investigação.

QUADRO 2 RESULTADOS DA ESTIMAÇÃO DO MODELO MULTINÍVEL DE POISSON PARA O NÚMERO DE RETENÇÕES. EFEITO FIXO PARA ÍNDICE DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL 

ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS VALOR ESPERADO DESVIO PADRÃO ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS VALOR ESPERADO DESVIO PADRÃO
TODOS OS PARÂMETROS FIXOS PARÂMETROS FIXOS COM α=5%
Constante -3,604 0,027 0,405 -3,076 0,046 0,353
Rapaz (1) vs. Rapariga (0) 0,364 1,439 0,174 0,299 1,349 0,149
Nível de educação da mãe ≤ ISCED 2 (1) vs. Nível de educação da mãe > ISCED 2 (0) 0,662 1,939 0,214 0,942 2,565 0,175
Nível de educação do pai ≤ ISCED 2 (1) vs. Nível de educação do pai > ISCED 2 (0) 0,447 1,564 0,230 --- --- ---
Situação de pobreza (pobre=1) 0,415 1,514 0,183 0,404 1,498 0,166
Índice de habitação -0,084 0,919 0,052 --- --- ---
Índice de saúde -0,240 0,787 0,077 -0,261 0,77 0,081
Índice de participação social -0,278 0,757 0,088 -0,192 0,825 0,068
Ano de escolaridade 0,088 1,092 0,041 0,065 1,067 0,030
Efeito aleatório, nível 2 (turma) 0,228 0,139 0,194 0,117
Efeito aleatório, nível 3 (escola) 0,234 0,164 0,199 0,138
Número de observações 784 838

Fonte: Elaboração das autoras.

Fonte: Elaboração das autoras.

FIGURA 1 EFEITO MARGINAL DO ÍNDICE DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL PARA ALUNOS DO 9º ANO DE ESCOLARIDADE 

As estimativas de coeficientes fixos no Quadro 3 permanecem estáveis ​​em comparação com as do Quadro 2. No entanto, a significância estatística da matriz de variâncias-covariâncias de nível 3 sugere que a relação entre a variável dependente e o índice de participação social varia entre as escolas, e que, quanto maior o valor médio desse índice, menor a estimativa do coeficiente que quantifica a relação entre o índice de participação social dos alunos e a probabilidade de retenção, conforme ilustrado pela Figura 2.

As curvas apresentadas na Figura 2 são ajustadas separadamente para cada escola. Tais curvas mostram que a relação entre a probabilidade de retenção e o índice de participação social depende da escola que o aluno frequenta. Por exemplo, um aluno com um valor do índice de participação social em torno de -2 tem uma probabilidade de reprovação de 0,08, 0,10 ou 0,15, dependendo da escola que frequenta, assumindo que todas as outras variáveis ​​explicativas sejam controladas. Esse resultado aponta a importância da própria escola de per si na retenção escolar, com implicações políticas significativas que serão discutidas na próxima secção. Essas curvas mostram muito pouca variabilidade na probabilidade de retenção para valores do índice de participação social positivos. Além disso, observamos que há uma curva que parece ser uma exceção. Incluímos um efeito fixo para essa escola e a respectiva interação com a participação social no preditor linear do modelo. Verificámos que os respectivos parâmetros fixos não são estatisticamente significativos, e que a estimativa aleatória dos parâmetros diminuiu de 0,046 para 0,039, permanecendo estatisticamente significativos ao nível de 5%. Esses resultados sugerem que as estimativas no modelo 3 não são significativamente afetadas pela eventual exclusão dessa escola para efeitos de estimação do modelo final.

QUADRO 3 RESULTADOS DE ESTIMAÇÃO DO MODELO MULTINÍVEL DE POISSON PARA O NÚMERO DE RETENÇÕES. EFEITO ALEATÓRIO DO ÍNDICE DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL 

ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS VALOR ESPERADO DESVIO PADRÃO ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS VALOR ESPERADO DESVIO PADRÃO
TODOS OS PARÂMETROS FIXOS PARÂMETROS FIXOS COM α=5%
Constante -3,652 0,026 0,410 -3,162 0,042 0,357
Rapaz vs. Rapariga 0,362 1,436 0,174 0,301 1,351 0,149
Nível de educação da mãe ≤ ISCED 2 (1) vs. Nível de educação da mãe > ISCED 2 (0) 0,686 1,986 0,214 0,945 2,573 0,176
Nível de educação do pai ≤ ISCED 2 (1) vs. Nível de educação do pai > ISCED 2 (0) 0,445 1,576 0,230 --- --- ---
ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS VALOR ESPERADO DESVIO PADRÃO ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS VALOR ESPERADO DESVIO PADRÃO
TODOS OS PARÂMETROS FIXOS PARÂMETROS FIXOS COM α=5%
Situação de pobreza (pobre=1) 0,409 1,505 0,183 0,404 1,498 0,166
Índice de habitação -0,084 0,919 0,052 --- --- ---
Índice de saúde -0,242 0,785 0,077 -0,340 0,712 0,104
Ìndice de participação social -0,313 0,731 0,107 -0,193 0,824 0,069
Ano de escolaridade 0,091 1,095 0,041 0,070 1,073 0,030
Efeito aleatório, nível 2 (turma) 0,208 0,135 0,182 0,115
Efeito aleatório, nível 3 (escola) [0,2560,0170,0170,036] [0,1690,0050,0050,006] [0,2660,0780,0780,046] [0,1710,0760,0760,006]
Número de observações 784 838

Fonte: Elaboração das autoras.

Fonte: Elaboração das autoras.

FIGURA 2 EFEITO MARGINAL DO ÍNDICE DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL, POR ESCOLA 

CONCLUSÃO

Nesta investigação procuramos analisar os determinantes da retenção escolar. Consideramos três níveis de variáveis na nossa análise: características individuais ao nível do aluno, turma e escola. A principal contribuição deste estudo está no reconhecimento da importância da estrutura hierárquica, demonstrando a importância da própria escola, independentemente dos determinantes individuais na retenção escolar. A metodologia usada pode ser facilmente estendida a outros conjuntos de dados.

Do ponto de vista político, os resultados obtidos sugerem que os programas de planejamento educacional e de retenção escolar devem levar em consideração não apenas o contexto socioeconómico familiar da criança e as suas características individuais, mas também as especificidades da escola, a fim de evitar diferenças na qualidade da escola.

Em termos de implicações em políticas sociais, os estudos empíricos mostram que aumentar os recursos económicos das famílias mais carentes e melhorar as condições de vida em bairros desfavorecidos (infraestruturas e serviços) podem ter efeitos positivos no desenvolvimento cognitivo e não cognitivo das crianças. Esses efeitos podem ter um impacto positivo determinante no sucesso escolar, bem como trajetórias na idade adulta.

Além dessas intervenções, os resultados dos estudos empíricos também comprovam que o desenvolvimento de políticas que estimulem o envolvimento dos pais com a escola tem um efeito positivo no desempenho escolar das crianças. A intervenção nos níveis iniciais escolares também foi mencionada como uma importante contribuição para o sucesso escolar. De fato, evidências empíricas indicam que o investimento precoce em crianças pode diminuir a associação negativa entre viver num ambiente social e económico desfavorecido e o desempenho escolar.

Tendo demonstrado a importância das políticas sociais no contexto do sucesso escolar, importa desenvolver programas que possam melhorar a qualidade da educação provida à população discente em ambientes desfavorecidos, o que também se torna a via para romper o ciclo intergeracional da pobreza. Ou seja, os nossos achados sugerem a oportunidade potencial de intervenção em políticas sociais, visando à redução das disparidades no acesso à educação de qualidade. Dito de outro modo, a escola desempenha um papel importante nos planos de acção contra a pobreza pela sua função educacional, mas também pelos seus potenciais efeitos de empoderamento, constituindo um meio de combate à pobreza.

O conjunto de dados utilizado nesta pesquisa considera a criança como a unidade de observação e a unidade de medida, perspectiva que exigia a aplicação de um inquérito construído especificamente para este estudo. De facto, existe uma escassez de microdados centrados na criança no contexto da análise da retenção escolar em Portugal. As observações utilizadas referem-se a um momento específico no tempo. O uso de dados em painel, ou longitudinais, certamente melhoraria as informações recolhidas quer sobre as crianças, quer sobre as escolas.

Na pesquisa educacional e social, o benefício dos estudos longitudinais tem sido reconhecido (BOYDEN; JAMES, 2014). No que diz respeito à educação, a análise das trajetórias educacionais fornece insights importantes sobre os determinantes da retenção escolar, pois permite conhecer o processo que culmina nessa retenção. Além disso, o uso de dados qualitativos também seria importante, especialmente no que diz respeito à perspectiva das crianças sobre sua experiência educacional ou, ao nível da escola, sobre o conhecimento dos problemas que condicionam o seu bom funcionamento.

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Este trabalho foi parcialmente financiado pelo projeto Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Económica (CEMAPRE) - UID/MULTI/00491/2013, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (FCT/MCTES) por fundos nacionais.

2No original: “the rise of multilevel modelling (MLM) was clearly essential to faithfully represent the reality of educational systems in which students learned or not in accordance with variation in their background characteristics, and in which they attended classes nested in schools, which in turn were nested in Districts/Local Authorities, and which in turn were nested in regions and nations. […] it made possible the handling of multiple variations, differential effects, and cross-level interactions.”

3No original: “there is a clear link between poverty location and school quality”.

4No original: "Unequal learning opportunities are often treated as occurring between schools. In the United States, there is considerable public attention on the problem of failing schools - schools that are often high poverty, have a large proportion of minority students, and are lower achieving."

5O conceito de pobreza utilizado segue a abordagem monetária. Por isso, parte da análise do rendimento do agregado familiar.

Recebido: 26 de Outubro de 2018; Aceito: 07 de Outubro de 2019

NOTA:

Amélia Bastos contribuiu para as versões revistas do manuscrito e aprovou a versão final. Esta autora contribuiu substancialmente para a concepção e design do manuscrito, redigiu a primeira versão da revisão de literatura e fez a revisão da seção de metodologia. Além disso, a autora contribuiu para a conclusão.Maria Eugénia Ferrão contribuiu para as versões revistas do manuscrito e aprovou a versão final. Esta autora contribuiu substancialmente para a concepção e design do manuscrito, redigiu a primeira versão das seções de métodos e resultados empíricos e fez a revisão da seção de revisão de literatura. Além disso, a autora contribuiu para a conclusão.

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