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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.49 no.174 São Paulo out./dez 2019  Epub 20-Nov-2019

https://doi.org/10.1590/198053146106 

RESENHAS

AVALIAÇÃO DE CONTEXTO E QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM PROCESSO COMPARTILHADO

Natália Francine Costa CançadoI 
http://orcid.org/0000-0003-2272-9575

I Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa de Políticas Educacionais para a Infância (Geppei), da Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto (SP), Brasil; professora da rede municipal de ensino, Bebedouro (SP), Brasil; nati.fran@hotmail.com

SOUZA, Gizele de; MORO, Catarina; COUTINHO, Angela Scalabrin. Formação da rede em educação infantil: avaliação de contexto. Curitiba: Appris, 2015.


Tendo em vista a qualidade do contexto educativo das instituições de educação infantil que atendem crianças de até cinco anos de idade, a obra apresenta parte do projeto denominado “Formação da rede em educação infantil: avaliação de contexto”, cujo objetivo é contribuir com a pesquisa e a política nacional de avaliação de educação infantil brasileira. Para tanto, o projeto contou com a ação conjunta entre o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil (Nepie) da Universidade Federal do Paraná e outras três universidades brasileiras (Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Estado de Santa Catarina), tendo ainda a participação de pesquisadoras de uma universidade italiana - Università degli Studi di Pavia (UNIPV) - e a parceria técnica e financeira da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação.

O livro segue estruturado em oito capítulos: no primeiro é apresentada a constituição da pesquisa tendo em vista o projeto de avaliação de contexto em educação infantil; no segundo, as pesquisadoras e consultoras italianas Anna Bondioli e Donatella Savio abordam a perspectiva de avaliação a partir da elaboração de indicadores de qualidade das instituições de educação infantil, além de discorrerem sobre a experiência de colaboração com as pesquisadoras brasileiras; no terceiro, é mostrado o percurso de formação da rede de pesquisa, explorando os princípios basilares da pesquisa, suas etapas, participantes e métodos; já no quarto, quinto, sexto e sétimo capítulos são descritas as pesquisas de campo realizadas em instituições situadas em quatro cidades brasileiras; e, por fim, concluindo a obra, o oitavo capítulo traz as considerações acerca da trajetória metodológica do estudo, assim como a experiência das assistentes de pesquisa.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa multicampos, cujo percurso metodológico e as experiências locais são apresentados no livro por meio de textos produzidos pelos pesquisadores que a desenvolveram em instituições públicas de educação infantil situadas nas cidades de Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Florianópolis. A pesquisa contou ainda com a participação de uma equipe de assistentes constituída por alunas de graduação e pós-graduação, assim como com os gestores e professores das instituições pesquisadas. Além disso, houve a colaboração e troca de experiências com as pesquisadoras italianas, pertencentes ao grupo de pesquisa ligado a matérias pedagógicas da Universidade de Pavia, que há anos tem elaborado instrumentos de evaluation, buscando refletir acerca das bases metodológicas de uma avaliação voltada para os contextos educativos.

Assim, as autoras destacam que esse percurso coletivo de estudo se desenvolveu ancorado no princípio democrático, no qual o confronto de pontos de vista contribui para a definição de caminhos necessários à qualidade. Elas explicam que o intuito era garantir uma dinâmica rica em possibilidades, cuja própria organização permite a compreensão do que constitui a avaliação de contexto, isto é: suas concepções e princípios basilares; suas etapas; os papéis desempenhados pelos diferentes sujeitos; e as consequências do seu desenvolvimento. Desse modo, tanto a avaliação quanto o processo de pesquisa se desdobram no sentido de que “não se trata de uma proposta a ser estudada para que um outro a desenvolva, mas sim um percurso que envolve a todos de modo compartilhado” (COUTINHO; MORO; SOUZA, 2015, p. 51).

A rede de pesquisa sobre a avaliação na educação infantil, constituída pelas equipes de pesquisa das quatro capitais, seguiu ancorada nestas características que consideram o princípio da participação fundante de um processo dialógico constante. Dessa forma, sendo a pesquisa voltada para identificação e elaboração de indicadores de qualidade para as instituições de educação infantil, nesse percurso de avaliação de contexto realizado nas instituições das quatro capitais, foram utilizados instrumentos italianos direcionados à coleta sistemática de informações sobre uma dada realidade educativa a ser avaliada, os quais são: ISQUEN (Indicatori e Scala della Qualità Educativa del Nido - Indicadores e Escala da Qualidade Educativa da Creche), que objetiva avaliar instituições educativas para infância até três anos (creche); e AVSI (Autovalutazione della Scuola dell’Infanzia - Autoavaliação da Pré-escola), voltado para avaliação das instituições educativas para a infância dos 3 aos 6 anos (pré-escola). Ambos instrumentos são compostos por áreas a serem observadas e pontuadas por todos os sujeitos envolvidos com o trabalho educativo, para posterior diálogo dos pontos de vista, compreendendo o contexto como o objeto de avaliação, isto é, todo o recurso material, humano e simbólico que a instituição educativa desenvolve com vistas à formação das crianças.

Nessa perspectiva, o livro aborda a qualidade educativa enquanto uma definição local, contextual e que coincida com a identidade da instituição. Por essa razão, entende-se que a qualidade deve ser determinada intersubjetivamente, definida por meio de processos democráticos de diálogo e negociação, assim como a avaliação deve estar a serviço destes processos, prestando-se à reflexão sobre a realidade, sobre as práticas educativas (contextos, hábitos, usos, tradições de uma dada realidade educativa).

Tendo em vista estes pressupostos, a pesquisa de campo foi desenvolvida contando com a participação dos pesquisadores externos (membros das equipes vinculadas às universidades) e pesquisadores internos (profissionais docentes que atuam diretamente no processo pedagógico junto às crianças). Tal processo de pesquisa ocorreu nas quatro cidades (Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Florianópolis) concomitantemente por meio de seis etapas: fase I - plenária para apresentação dos instrumentos e entrega de questionários de meta-avaliação relativa a cada instrumento; fase II - recolha dos questionários de meta-avaliação; fase III - realização de dois ou três encontros para discussão acerca de cada instrumento, tendo em vista o questionário de meta-avaliação para seu estudo, o detalhamento do uso do instrumento na instituição e a definição da área a ser observada; fase IV - período em que os profissionais de cada instituição fizeram a observação e pontuação da área selecionada do instrumento correspondente à turma do ISQUEN ou AVSI. Nesse mesmo período, os pesquisadores externos acompanharam um dia da rotina nas instituições para então pontuarem a mesma área; fase V - encontros de restituição acerca da observação e pontuação da área escolhida, nos quais eram estimuladas reflexões acerca dos resultados do processo avaliativo, buscando compreender os pontos fortes e fracos do contexto em relação à área avaliada; e fase VI - plenária para balanço geral, com a participação de todo o coletivo da instituição e devolução do “Questionário de Avaliação Final do Processo”, por parte dos professores.

Nos capítulos 4, 5, 6 e 7 seguem descritos os processos de pesquisa de campo desenvolvidos nas instituições de educação infantil de cada cidade. No capítulo 4, Catarina Moro e Angela Scalabrin Coutinho argumentam sobre o processo realizado em Curitiba, no qual a primeira leitura das docentes, tanto do GT (Grupo de Trabalho) do ISQUEN quanto do GT do AVSI, acerca dos respectivos instrumentos, teve como foco estabelecer uma comparação entre as realidades dos contextos italiano e brasileiro. Isso levou a discussões sobre os aspectos a serem alterados, incluídos ou excluídos do instrumento, assim como contribuiu para que fossem ampliadas as possibilidades de relativização e reflexão sobre a qualidade do contexto avaliado, à medida que, ao longo do estudo do instrumento, emergiam questões positivas e negativas desta realidade. Em síntese, se, por um lado, levantou-se a questão de que o instrumento necessitava de adequações tendo em vista o contexto brasileiro e orientações curriculares mais contextualizadas, por outro, a discussão dos itens permitiu o movimento de distanciamento da realidade e o confronto de pontos de vista, garantindo avanços na definição do que constitui uma educação de qualidade. As autoras comentam que o compartilhamento de concepções individuais acerca do fazer educativo, das concepções sobre criança, da qualidade educativa, dentre outras questões, emerge como um movimento de reflexão tanto sobre aspectos a serem considerados no instrumento quanto a respeito da prática cotidiana.

Nessa mesma perspectiva, no capítulo 5, Vanessa Ferraz Almeida Neves, Maria Inês Mafra Goulart e Sandro Vinicius Sales dos Santos apresentam a pesquisa de campo realizada na instituição educativa de Belo Horizonte, reconhecendo o exercício da análise do instrumento como um processo formativo, uma vez que o próprio instrumento faz a mediação entre a análise do que se efetiva na realidade da instituição e a possibilidade de avanços em relação à qualidade destas ações. Ou seja, segundo os autores, a reflexão sobre os limites e possibilidades de concretização dos itens na prática educativa permite caminhar no sentido de definir a qualidade do contexto educativo. Assim, argumentam que, ao longo do percurso avaliativo, os instrumentos de avaliação assumem um papel essencial, na medida em que são discutidos e validados por toda a comunidade escolar, possibilitando a tomada de consciência e um autocontrole sobre as próprias ações educativas, tendo em vista um pacto de qualidade assumido nesse processo.

No capítulo 6, Daniela de Oliveira Guimarães e Patrícia Corsino, discorrendo acerca da pesquisa de campo realizada na instituição educativa do Rio de Janeiro, também destacam esse potencial dos instrumentos para que as professoras pudessem refletir sobre suas concepções de escola e aquela proposta no instrumento, assim como sobre seus critérios de qualidade e aqueles expressos pelo documento. As autoras explicam, ainda, que esse percurso garante um deslocamento de posição para poder olhar o trabalho desenvolvido junto às crianças a partir de outra perspectiva. Concluindo, elas destacam que o estudo dos instrumentos de avaliação italianos em relação ao contexto brasileiro suscitou algumas questões, tais como: qual a valorização do coletivo no trabalho pedagógico em nosso contexto? Quais os tempos e espaços para a discussão institucional do trabalho pedagógico? Qual o lugar da infância e da educação infantil nas políticas públicas educacionais do município? Tais questões são compreendidas pelas autoras como aspectos a serem enfrentados no sentido de refletir sobre as conquistas e tensões no trabalho do professor, tendo em vista as crianças, o contexto institucional e também o municipal.

Geysa Spitz Alcoforado de Abreu e Julice Dias apresentam, no capítulo 7, a pesquisa de campo desenvolvida em Florianópolis e ressaltam que, em ambos GTs (ISQUEN e AVSI), o potencial formativo do instrumento foi destacado no sentido de reconhecer a autoanálise como meio para o replanejamento. Ao longo da análise dos itens do instrumento, o confronto de pontos de vista e o compartilhamento de ideias e concepções remetiam à discussão sobre uma qualidade não abstrata, mas fundamentada nos itens e critérios trazidos pelo instrumento, resultando em trocas de pontos de vista e reflexões contextualizadas.

No último capítulo é descrita a experiência das assistentes de pesquisa ao longo do estudo desenvolvido, que ressaltam a importância do processo dialógico da pesquisa enquanto um processo formativo. Isto é, são destacados os aspectos do caminho metodológico, cuja participação negociada remete a uma perspectiva profundamente humana, na qual as histórias dos sujeitos, das instituições e das propostas são legitimadas e valorizadas na construção de uma qualidade compartilhada e contextual. A participação em diversas etapas da pesquisa - reuniões da coordenação geral do projeto com as equipes das universidades, reuniões individuais de cada equipe, seminários de discussão do tema e interlocuções com outros pesquisadores, registro dos encontros de avaliação do instrumento por parte das professoras - garantiu um processo de formação consistente de novos pesquisadores, superando o percurso metodológico enquanto um manual.

Em suma, ao longo da obra, é explicitada a trajetória de pesquisa, demonstrando o caráter formativo dos instrumentos de avaliação italianos no que tange ao encaminhamento de discussões acerca da definição de indicadores de qualidade para a avaliação de contexto da educação infantil. A qualidade segue, portanto, compreendida como participação negociada, garantindo a discussão e construção coletiva da fisionomia e identidade institucional.

REFERÊNCIAS

SOUZA, Gizele de; MORO, Catarina; COUTINHO, Angela Scalabrin (org.). Formação da rede em educação infantil: avaliação de contexto. Curitiba: Appris, 2015. [ Links ]

Recebido: 17 de Outubro de 2018; Aceito: 22 de Março de 2019

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