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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.50 no.175 São Paulo ene./marzo 2020  Epub 29-Abr-2020

https://doi.org/10.1590/198053146921 

Resenhas

A impertinente persistência do “racismo à brasileira” na educação

Giovani José da SilvaI 
http://orcid.org/0000-0003-4906-9300

IUniversidade Federal do Amapá (Unifap), Macapá (AP), Brasil; giovanijsilva@hotmail.com

BESERRA, Bernadete de L. R.; LAVERGNE, Rémi Fernand. Racismo e educação no Brasil. Recife: UFPE, 2018. 161p.


Escrita a quatro mãos, por dois pesquisadores ligados à Universidade Federal do Ceará, a obra Racismo e educação no Brasil foi lançada em 2018 pela Editora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em pouco mais de 150 páginas, Bernadete Beserra e Rémi Lavergne enfrentam a complexidade de uma conjuntura político-social que se pretende “inclusiva” de todas as “diferenças”. Segundo os próprios autores, a ideia é explorar os sentidos e expressões do racismo e suas nefastas consequências no Brasil contemporâneo, particularmente nas políticas educacionais e na escola.

O livro traz dois prefácios: o primeiro escrito por Yvonne Maggie, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o segundo elaborado por Flávio Brayner, atualmente professor titular da UFPE. Maggie aponta que os autores enfrentaram com tenacidade e rigor a questão central que impulsionou a formulação de políticas contra o racismo nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) - gestões Lula e Dilma -, enquanto Brayner ressalta a coragem de se denunciar o Estado brasileiro como racista, fugindo a explicações simplistas sobre nosso mal-estar étnico. Ambos os prefaciadores tecem elogiosas considerações à obra e ressaltam sua necessidade e importância.

Racismo e educação no Brasil é dividido em: Introdução, Capítulo 1 (As sociedades nacionais, o Brasil e o preço da ideia de Nação), Capítulo 2 (O racismo e o “racismo à brasileira”), Capítulo 3 (Estado e educação no Brasil: construção do cidadão ou racialização da pobreza?) e Capítulo 4 (Racismo na escola pública: efeitos e estratégias de combate), além de Conclusões, Fontes multimídia e Referências. Em linguagem acessível e contundente, os autores chamam a atenção para a violência simbólica presente no projeto do Estado brasileiro de gerir a “diferença”. Mostram, também, particularmente no caso da escola, como as políticas de combate ao preconceito racial não produzem o efeito de destruí-lo.

A introdução, intitulada “Que racismo?”, apresenta as ideias centrais exploradas na obra, a partir de formulações de Michael Banton, Robert Park e Pierre Bourdieu, dentre outros teóricos. No primeiro capítulo é apresentada uma breve história da constituição do racismo nas sociedades nacionais, enfatizando o caso brasileiro, em que tal processo se deu como resultado de imposições colonialistas externas. Em “O racismo e o ‘racismo à brasileira’” (segundo capítulo), Beserra e Lavergne constroem um conceito de racismo em que é possível percebê-lo tanto como recurso ideológico quanto constitutivo das práticas cotidianas, sobretudo no que é denominado “racismo à brasileira”.

Já no terceiro capítulo, busca-se a compreensão de como o Estado se utiliza do racismo como estratégia de governo, alimentando racismos sutis em relação aos segmentos mais pobres ou desprovidos de capital sociocultural da população escolar brasileira. Os autores afirmam que a inclusão sistematizada (realizada por meio de ações afirmativas, dentre outras) mascararia, em realidade, práticas de exclusão. Finalmente, no quarto e último capítulo, são apresentadas situações em que se manifesta o racismo, entranhado em práticas pedagógicas no cotidiano escolar.

Nas Conclusões é realizada uma síntese dos principais pontos abordados na obra, e o interessante item Fontes multimídia indica outras fontes de conhecimento sobre o racismo e a educação, particularmente filmes e websites. Apoiados por vasta bibliografia ancorada sobretudo na História, na Antropologia e na Sociologia, os autores enfrentam o complexo tema do racismo recorrendo a autores brasileiros como Darcy Ribeiro e Jessé Souza, dentre outros. Procurando desvendar o racismo inscrito na política do Estado brasileiro, são apresentados os mecanismos próprios do racismo brasileiro.

A certa altura, no Capítulo 2 (p. 61), apresenta-se a tese defendida por Bernadete Beserra e Rémi Lavergne: o racismo que justifica a enorme desigualdade social verificada no Brasil não é o mesmo que vem mobilizando setores da sociedade brasileira em torno de cotas raciais e de outros direitos específicos para as populações pretas e pardas. Com ousadia, os pesquisadores afirmam que a cultura na qual o combate ao preconceito racial no Brasil se realiza não é capaz de destruí-lo, pois se alimenta tanto dos preconceitos abertamente reconhecidos como de vários outros, capilares e, portanto, menos visíveis. Assim, o racismo configura-se em um conjunto de procedimentos que fazem funcionar um tipo de racionalidade governamental.

Tal racionalidade, de acordo com os autores, está em consonância com as flutuações do mercado. Dessa forma, afirma-se que o Estado brasileiro é racista por valorizar os símbolos da civilidade, mas não os distribuir igualmente a todos. Despolitizando as relações de classes e de dominação, a politização da “raça” e da diferença adiaria uma profunda reforma educacional e o acesso do maior número possível de brasileiros a uma sólida cidadania. Afinal, como afirmam os autores, não basta uma “Constituição Cidadã” (como também é chamada a Constituição Federal de 1988) para instituir o cidadão. É preciso mais que textos oficiais!

Recomendado a todos aqueles que se interessam pelo tema do racismo, especialmente em suas relações com a educação, o livro Racismo e educação no Brasil tem potencial para dividir opiniões, pois toca em “feridas” abertas na história de um país que há pouco mais de 130 anos ainda era escravocrata. Bernadete Beserra e Rémi Lavergne cumprem o papel de incomodar o leitor com reflexões e afirmações que fogem ao lugar-comum das explicações sobre o racismo. Mais que necessária, a obra questiona radicalmente se é possível combater o racismo justamente entronizando a questão da “raça” em políticas públicas.

REFERÊNCIAS

BESERRA, Bernadete de L. R.; LAVERGNE, Rémi Fernand. Racismo e educação no Brasil. Recife: UFPE, 2018. 161 p. [ Links ]

Recebido: 21 de Outubro de 2019; Aceito: 27 de Novembro de 2019

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