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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.50 no.176 São Paulo abr./jun 2020  Epub 18-Ago-2020

https://doi.org/10.1590/198053146782 

ARTIGOS

DESENVOLVIMENTO DE SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DE MÚSICA NOS ANOS INICIAIS

IUniversidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Joaçaba (SC), Brasil; adilsonsb@hotmail.com

IIUniversidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Chapecó (SC), Brasil; adrianarichit@gmail.com


Resumo

Guiados pela questão “Quais são os saberes docentes desenvolvidos por professores de Artes e pedagogos a partir de uma atividade formativa centrada no uso das tecnologias digitais?”, realizamos uma investigação no contexto de uma atividade formativa permeada pelas tecnologias com foco no desenvolvimento de saberes necessários ao ensino de música, que envolveu oito professoras dos anos iniciais. Os resultados apontam para o desenvolvimento de saberes da formação profissional, relativos às estratégias e recursos para ensinar música; saberes curriculares, relacionados à escrita musical, à escala musical, ao ritmo, à melodia e à harmonia, à música folclórica e ao conteúdo do ensino musical; saberes experienciais, sobre as dificuldades de aprendizagem dos alunos; e saberes disciplinares, relativos à História da Música e da Arte, à teoria musical, à prática musical e ao ensino de música mediado pelas tecnologias.

Palavras-Chave: PROFESSOR; EDUCAÇÃO MUSICAL; ENSINO FUNDAMENTAL; TECNOLOGIAS DIGITAIS

Abstract

Guided by the question “What is the teaching knowledge developed by Art teachers and educators from a formative activity centered on the use of digital technologies?” we conducted an investigation in the context of a formative activity permeated by digital technologies. The activity involved eight teachers from the early years, focusing on the development of necessary knowledge for teaching music at school. The results point to the development of disciplinary knowledge related to the History of Music and Art, musical theory, musical practice and music teaching mediated by technologies; curricular knowledge related to musical writing (score), musical scale, rhythm, melody and harmony, folk music and the content of musical teaching; teacher education knowledge, particularly aspects related to didactic, that is, strategies and resources to develop music teaching; and experiential knowledge on students’ learning challenges.

Key words: TEACHER; MUSICAL EDUCATION; PRIMARY EDUCATION; DIGITAL TECHNOLOGIES

Résumé

Guidés par la question “Quels savoirs pédagogiques ont déployé des professeurs d’éducation artistique et des pédagogues, à partir d’une activité de formation visant l’utilisation des technologies numériques ?”, nous avons mené une enquête auprès de huit professeures de la petite enfance engagées dans une activité de formation impliquant la technologie dont le but était de développer les connaissances nécessaires à l’enseignement de la musique. Les résultats ont montré une acquisition de savoirs de formation professionnelle, liés aux stratégies et aux ressources de l’enseignement de la musique; de savoirs curriculaires, liés à l’écriture et à l’échelle musicales, au rythme, à la mélodie et à l’harmonie, à la musique folklorique et au contenu du programme d’enseignement musical; de savoirs expérientiels concernant les difficultés d’apprentissage des élèves; et de savoirs disciplinaires, relatifs à l’histoire de la Musique et de l’art, la théorie et la pratique musicales, ainsi qu’à l’enseignement de la musique par moyen des technologies.

Key words: ENSEIGNANT; ÉDUCATION MUSICALE; ENSEIGNEMENT PRIMAIRE; TECHNOLOGIE NUMÉRIQUE

Resumen

Guiados por la cuestión “¿Cuáles son los conocimientos docentes desarrollados por profesores de Artes y pedagogos a partir de una actividad formativa centrada en el uso de las tecnologías digitales?”, realizamos una investigación en el contexto de una actividad formativa permeada por las tecnologías, con foco en el desarrollo de conocimientos necesarios para la enseñanza de música, que involucró a ocho profesores de los años iniciales. Los resultados apuntan para el desarrollo de conocimientos de la formación profesional relativos a las estrategias y recursos para enseñar música; conocimientos cuanto al plan de estudios relacionados a la escritura musical, a la escala musical, al ritmo, a la melodía y a la armonía, a la música folclórica y al contenido de la enseñanza musical; conocimientos de experiencias sobre las dificultades de aprendizaje de los alumnos; y conocimientos de la materia relativos a la Historia de la Música y del Arte, a la teoría musical, a la práctica musical y a la enseñanza de la música por medio de las tecnologías.

Palabras-clave: PROFESOR; EDUCACIÓN MUSICAL; ENSEÑANZA PRIMARIA; TECNOLOGÍA DIGITAL

Os saberes docentes, entendidos como elementos de base à docência, são construídos a partir de processos e vivências de formação e prática profissional, abarcando experiências prévias à formação em nível de licenciatura, perpassando a formação inicial e estendendo-se ao longo da trajetória profissional. Para Tardif (2002, p. 103), os saberes docentes fundamentam a prática de sala de aula, isto é, “servem de base para o ensino” escolar e, a priori, proveem de diferentes fontes sociais, tais como a família, a escola e a universidade. São também temporais, porque são adquiridos em tempos sociais distintos (TARDIF, 2002).

Os saberes necessários à docência, segundo Tardif (2002), podem ser classificados em quatro categorias: os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica); os saberes curriculares; os saberes experienciais; e os saberes disciplinares. Por serem basilares à prática profissional do professor, os saberes docentes têm interessado pesquisadores de diferentes áreas de investigação, especialmente da área de educação, os quais buscam identificar aspectos distintos desses saberes que são desenvolvidos por professores, assim como examinar modos de desenvolvê-los.

Por outro lado, mudanças educacionais, sobretudo em relação aos currículos escolares, têm introduzido novos temas e conteúdos em seus programas, a exemplo do ensino de música introduzido no contexto da disciplina de Artes. Essas mudanças têm trazido novos desafios aos professores, especialmente dos anos iniciais, que se deparam com a tarefa de ensinar algo para o qual não dispõem de saberes necessários e suficientes. E é nesse sentido que muitos professores de Artes e pedagogos têm enfrentado desafios para ensinar música na escola, sobretudo no desenvolvimento de atividades de prática musical.

Essa problemática tem como agravante, ainda, a falta de oportunidades na formação inicial e continuada, uma vez que o ensino de música não faz parte da formação do professor dos anos iniciais e também não é privilegiado no percurso profissional. Assim, embora o ensino de música seja um componente curricular da disciplina de Artes e, do mesmo modo, ensinado pelos professores pedagogos dos anos iniciais, a formação inicial e continuada de professores tem falhado em não oportunizar momentos para a construção de saberes basilares ao ensino musical escolar (LOBATO, 2007; SALLES, 2014; OLIVEIRA, 2016). Essa realidade, por sua vez, atribui aos processos de formação continuada importante papel no desenvolvimento de saberes docentes como forma de suprir parte das necessidades dos professores no enfrentamento desse desafio.

Motivados por essas questões, realizamos uma pesquisa que visa a evidenciar e discutir os saberes docentes desenvolvidos a partir de uma atividade formativa com professores de Artes e pedagogos, atuantes nos anos iniciais de escolaridade na rede pública municipal de Faxinal dos Guedes, município da região Oeste de Santa Catarina. Partimos do entendimento de que, para desenvolver o ensino de música na escola, o professor precisa mobilizar diferentes saberes, pois trata-se de uma componente curricular recentemente inserida nos programas escolares e, em geral, os professores que assumem essa tarefa não dispõem de formação ou saberes suficientes para tal. Essa análise é relevante por oportunizar discussões sobre os saberes dos professores que ensinam música (de Artes e pedagogos), desenvolvidos a partir de uma ação formativa, e por contribuir para o desenvolvimento de novas compreensões sobre essa temática.

SABERES DOCENTES E O ENSINO DE MÚSICA NA ESCOLA

O desenvolvimento da docência pressupõe um repertório de saberes profissionais que sustentam e orientam o trabalho cotidiano do professor. Assim, para desenvolver a prática docente, o professor precisa conhecer o conteúdo a ser ensinado, estar familiarizado com o programa escolar, com o projeto político e pedagógico da escola, com as diretrizes legais da educação, com parâmetros e diretrizes que orientam o ensino e a aprendizagem de uma determinada disciplina escolar, saber como ensinar e quais recursos utilizar, como os alunos aprendem e, também, saber como promover a aprendizagem. É nessa perspectiva que o ensino de música na escola, sobretudo nos anos iniciais de escolaridade, tem-se constituído em um desafio, tanto para professores quanto para os gestores da educação, pois pressupõe saberes distintos dos profissionais que assumem essa tarefa.

Por outro lado, a importância da música para a formação das pessoas é reconhecida desde a Antiguidade (FONTERRADA, 2008) pela sua contribuição no desenvolvimento estético e histórico e na formação humana do indivíduo. Nesse sentido, o ensino de música na escola assume relevância por favorecer o desenvolvimento sensorial, físico, espiritual e sentimental (FONTERRADA, 2008).

No Brasil, a história da educação musical registrada inicia-se com a chegada dos jesuítas, por volta do século XVI (FONTERRADA, 2008), que a utilizavam com rigor metódico para cantar, dançar, representar e tocar instrumentos no processo de catequização dos índios e na imposição da cultura europeia (GALIZIA, 2011). Já na metade do século XIX, o ensino da música nas escolas públicas acontecia em todos os níveis por meio de exercícios de canto e noções teóricas (GALIZIA, 2011). Nas décadas de 1920 e 1930, a música fazia parte da grade curricular escolar pelo canto orfeônico, projeto elaborado e dirigido por Heitor Villa-Lobos, que valorizava a pátria, o folclore e a música popular (FONTERRADA, 2008).

Seguindo esse movimento, em 1971 a música passou a integrar a disciplina de Educação Artística (BRASIL, 1971), o que enfraqueceu o ensino musical, já que os professores que atuavam nessa disciplina recebiam uma formação artística mais generalista e precisavam dar conta de contemplar em suas aulas as diversas linguagens das artes (GALIZIA, 2011). E foi em 2008, a partir da Lei n. 11.769, que o ensino de música passou a ser considerado componente curricular obrigatório nas escolas (reforçado pela respectiva lei), que teriam até três anos para se adaptarem à nova norma, ou seja, até 2011 (BRASIL, 2008). Contudo, essa lei foi substituída em 2016 pela Lei n. 13.278, na qual a música permanecia presente na disciplina de Artes, todavia como uma das linguagens artísticas que compõem o seu currículo (BRASIL, 2016).

Entretanto, mesmo com a grande expectativa em torno da Lei n. 11.769/2008 entre os professores e apoiadores da educação musical na escola, o que se evidencia é que na maioria das escolas brasileiras os paradigmas do ensino musical permaneceram os mesmos. Em outras palavras, de modo geral, principalmente nas escolas públicas, o ensino de música continuou ausente dos currículos escolares ou sendo desenvolvido de forma minimizada. Uma das principais justificativas para essa tendência é a falta de profissionais habilitados ou qualificados para atuarem no ensino de música nas escolas (GUIMARÃES, 2017).

Além disso, o ensino de música na escola depara-se com outros desafios, entre eles a formação inadequada dos profissionais que assumem essa tarefa, que no caso dos anos iniciais de escolaridade é desenvolvida por professores de Artes e pedagogos. Portanto, na medida em que a Lei n. 13.278/2016 estabelece a obrigatoriedade do ensino de música nesse nível escolar e o coloca dentro da disciplina de Artes, o professor depara-se com muitos desafios, sendo o principal deles a carência de saberes para desenvolvê-lo. Torna-se necessário, portanto, oportunizar ao professor espaços e atividades para desenvolver tais saberes.

Nessa perspectiva, resultados de estudos apontam que as tecnologias digitais podem favorecer o desenvolvimento do professor ao longo do percurso profissional, mediante práticas formativas em que professores de Artes e pedagogos que ensinam música na escola possam preparar-se para essa tarefa (OLIVEIRA, 2016; SILVA, K., 2017), pois tais recursos favorecem produções musicais diversas, edição de áudios e captação e sintetização do som.

Além disso, as discussões sobre saberes docentes evidenciam a preocupação e o interesse em compreender as bases da docência. O trabalho de Tardif (2002), “Saberes docentes e formação profissional”, centrado nos saberes subjacentes à prática do professor, aponta nessa direção: “quais são os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza desses saberes?” (TARDIF, 2002, p. 9).

As problemáticas levantadas por Tardif (2002) focam na dimensão dos saberes profissionais inerentes à ação docente, isto é, tratam de saberes específicos, de saberes da ação, da experiência do professor, de conhecimentos científicos, saberes eruditos, de caráter cognitivo ou discursivo. Relativamente à diferenciação entre saberes e conhecimento, recorremos a Pimenta et al. (2005) para esclarecer a perspectiva subjacente ao nosso trabalho.

Ao usar a expressão “saber pedagógico” para designar o saber, construído pelo professor no cotidiano de seu trabalho, estamos diferenciando-o do conhecimento pedagógico, elaborado por pesquisadores e teóricos da educação. Não estamos, no entanto, reforçando ou mesmo estabelecendo a separação entre os que pensam e os que executam o ensino e/ou a educação. [...] Ao considerar o professor como alguém que pensa seu trabalho e sobre seu trabalho, como alguém que constrói um saber, colocamo-nos diante da diferença entre o saber e o conhecimento. (PIMENTA, 2005, p. 44)

De acordo com as autoras, o saber faz parte do processo de desenvolvimento do conhecimento, isto é, o saber é uma fase do desenvolvimento do conhecimento. Portanto os saberes docentes podem ser desenvolvidos em diferentes momentos na trajetória formativa e profissional do professor, de forma empírica, por vezes originados da prática de sala de aula, por vezes desprovidos e/ou descolados de investigação e sistematização. O conhecimento, por sua vez, é um processo mais profundo, de organização (sistêmica) de saberes, averiguação, fundamentação teórica, investigação e que possui uma organização sistemática de constituição, análise e interpretação de dados, que caracterizam diferentes saberes. Neste trabalho nos apoiamos em Tardif (2002), para quem o saber consiste em um discurso ou uma ação, que pode ser exposto por meio de argumentos, ideias, juízos ou pensamentos.

OS SABERES DOCENTES SEGUNDO MAURICE TARDIF

Maurice Tardif (2002) propõe uma categorização de saberes, organizados em função da sua origem e do modo como são integrados à prática profissional do professor, disposta em quatro eixos: saberes da formação profissional, disciplinares, curriculares e experienciais. Essa base de saberes serve de “armadura” ao professor diante dos desafios da profissão. Além disso, Tardif (2002) destaca que as fontes de aquisição desses saberes são fontes sociais, tais como a família, o contexto social, a educação, a escola, as especializações, cursos, formações, livros, programas, sala de aula, experiências, entre outros. Acrescenta que o saber docente é um saber social, resultante das partilhas entre os pares, das práticas sociais, dos objetos sociais, das mudanças sociais e da socialização profissional.

Os saberes da formação profissional se referem ao “conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores”, ou seja, as escolas, faculdades e universidades (TARDIF, 2002, p. 36). São os saberes das ciências da educação e da ideologia pedagógica, em outras palavras, provenientes da erudição. Também compõem esse conjunto, o saber-fazer e as abordagens de ensino (saberes pedagógicos). Ao enfatizar a relevância desses saberes, Tardif (2002) esclarece que, embora os professores, no decorrer da sua formação, entrem em contato com a diversidade de saberes que compõem as ciências da educação, que vão da História à Filosofia e Sociologia, em sua atuação profissional eles permanecem distanciados dos teóricos e pesquisadores dessas ciências, pois, de modo geral, a lógica do trabalho docente evidencia a execução do saber, enquanto a atuação dos teóricos evidencia a produção do saber.

Os saberes disciplinares caracterizam os saberes definidos e selecionados pelas instituições de formação docente. Esses também embasam a prática docente e são desenvolvidos desde a formação inicial e/ou ao longo da formação continuada do professor durante as “diversas disciplinas oferecidas pela universidade” (TARDIF, 2002, p. 38). Portanto, compõem as disciplinas dos cursos de formação e representam os campos do conhecimento basilares dessa formação, manifestados através da tradição cultural.

Os saberes curriculares constituem-se nos saberes correspondentes “aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita” (TARDIF, 2002, p. 38). No decorrer da trajetória profissional, o professor entra em contato com esses saberes e, a partir das suas vivências, tem a possibilidade de apropriar-se deles, incorporando-os, reproduzindo-os e ressignificando-os em sua prática. Dito de outro modo, analogamente aos saberes da formação profissional e aos saberes disciplinares, os saberes curriculares precisam ser apropriados pelo professor como forma de embasar, por exemplo, o planejamento e desenvolvimento das atividades de sala de aula.

Os saberes experienciais consistem nos saberes específicos dos professores que são desenvolvidos no exercício da profissão. Baseiam-se no “trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio, [...] brotam da experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se à experiência individual e coletiva sob forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser” (TARDIF, 2002, p. 39). Assim, também podem ser chamados de saberes práticos.

Tardif (2002, p. 39) ressalta que as “múltiplas articulações entre a prática docente e os saberes fazem dos professores um grupo social e profissional cuja existência depende, em grande parte, de sua capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto condições para a sua prática”. Ou seja, o professor, ao desenvolver a docência em sala de aula, ao ensinar os conteúdos de sua disciplina, ao desenvolver atividades teórico-práticas, objetivos curriculares, avaliação do ensino e aprendizagem, planejamento e estratégias de ensino, precisa a priori dispor de saberes relativos ao ensino da disciplina (TARDIF, 2002).

Tardif (2002, p. 40) aponta que os saberes da formação profissional, assim como os saberes disciplinares e curriculares dos professores, “parecem ser mais ou menos de segunda mão”, pois não são produzidos pelos professores, ainda que incorporados à prática docente. Ademais, afirma que os professores estabelecem uma relação de exterioridade com os saberes profissionais, pois não participam da “produção e legitimação dos saberes científicos e pedagógicos” (TARDIF, 2002, p. 41), embora sejam centrais no processo de formação.

OS SABERES DOCENTES ASSOCIADOS AO ENSINO DE MÚSICA DE ACORDO COM A LITERATURA DA ÁREA

A literatura relativa ao ensino de música na escola tem apontado diversos aspectos dos saberes docentes mobilizados por professores no contexto de distintos percursos formativos, alguns na formação inicial e outros na formação continuada. Em seu conjunto, esses trabalhos apontam para mudanças no ensino dessa componente curricular, mediante o uso de recursos diversificados. Sinalizam ainda que vivências formativas permeadas pelas tecnologias digitais e dinamizadas de outras formas podem oportunizar aos professores o desenvolvimento de saberes docentes, em sinergia com os desafios e possibilidades dos contextos em que atuam.

Ao investigar a aprendizagem musical colaborativa e a motivação dos alunos para aprender utilizando as tecnologias digitais no contexto da educação básica, Cernev (2015) apresenta uma proposta de ensino colaborativo mediado pelas tecnologias, buscando constituir uma rede de colaboração para o ensino musical. A partir de uma intervenção com professores e alunos de uma escola pública do Paraná, na perspectiva da pesquisa-ação, concluiu que o planejamento voltado à aprendizagem musical colaborativa com as tecnologias digitais favoreceu a integração entre professores e alunos. Os alunos se mostraram interessados nas atividades, consideraram uma prática inovadora e a maioria deles desenvolveu as atividades por motivação autônoma. Destaca que, para as professoras de Artes, a utilização das tecnologias propiciou uma aprendizagem musical significativa, demonstrando que esses recursos podem facilitar o ensino e a aprendizagem musical para o professor.

Na busca por compreender a percepção dos professores sobre a educação musical mediada pelas tecnologias e, igualmente, conscientizá-los sobre a importância desses recursos no ensino de música na educação infantil, Chamorro (2015) propôs uma oficina de formação continuada para cinco professores de uma escola pública paulista, com o objetivo de identificar as concepções iniciais e as possíveis mudanças de concepções sobre o ensino musical permeado pelas tecnologias. A partir do uso de três objetos de aprendizagem (o software “Zorelha”,1 o site “Práticas Criativas na web 2.0”2 e o “Gen Virtual”), concluiu que os professores participantes da pesquisa, por não possuírem formação para ensinar música, tiveram dificuldades para desenvolver os conteúdos curriculares do ensino musical. Além disso, concluiu que, embora as tecnologias possam contribuir na formação das crianças, os professores sentiram dificuldade em incorporá-las no contexto escolar e em trabalhar com os objetos de aprendizagem em sala de aula.

Gislene Silva (2017) desenvolveu um trabalho voltado à exploração de recursos audiovisuais disponíveis na internet para apoiar professores de Artes e alunos no ensino e aprendizagem de música na educação escolar. Em face de uma pesquisa qualitativa, buscou e examinou objetos para a aprendizagem musical no Portal do Ministério da Educação e na internet, em aplicativos digitais para smartphones e tablets. A partir dos jogos musicais, softwares e objetos digitais de aprendizagem, apresentou estratégias para a utilização das tecnologias no ensino de música. Contudo, sinaliza que, embora tenham potencial, as tecnologias não devem substituir a educação musical formal, mas proporcionar novos ambientes musicais e novas oportunidades de aprendizagem.

Salles (2014), valendo-se da rede social “#musicanaescola” para a utilização de recursos de vídeos na aprendizagem de instrumentos musicais e apoiando-se na teoria de ecossistemas digitais (ambiente colaborativo de aprendizagem), buscou evidenciar as possibilidades de promover a aprendizagem musical com crianças de 5 a 12 anos, empregando as tecnologias no ensino e aprendizagem de piano. Os resultados apontam que os processos de ensino e aprendizagem musical e o desenvolvimento da performance musical individual e em grupo, mediado pelas tecnologias, são eficazes. E que o uso de vídeos, a criação de um ecossistema digital e os jogos musicais potencializaram e viabilizaram a aprendizagem musical, já que os alunos tiveram a oportunidade de repetir os exercícios quantas vezes quisessem. Além disso, o desenvolvimento dos jogos musicais e o ecossistema digital proporcionaram a troca de conhecimentos e a interatividade entre pais, alunos e professores.

A partir de um estudo centrado no objetivo de refletir sobre as possibilidades e os limites da formação pedagógico-musical em um curso de Pedagogia e suas implicações para a prática pedagógica nas séries iniciais do ensino fundamental, Lobato (2007) realizou uma análise da percepção e da prática em sala de aula de professores pedagogos que atuam nessas séries. Concluiu que, a partir da disciplina de formação musical ofertada no curso de Pedagogia, as professoras demonstraram motivação e tentativas de inclusão do ensino de música na escola. Contudo, a autora ressalta que a disciplina de formação pedagógico-musical possui alguns limites, como a falta de formação musical pré-universitária dos alunos, a limitação da formação inicial em apenas uma disciplina ao longo da graduação, entre outros. Ainda, evidencia que as condições de formação do professor e a valorização da formação integral do aluno por parte da escola são imprescindíveis à inserção da música na escola.

Oliveira (2016) buscou refletir sobre as possibilidades e desafios relacionados à aprendizagem musical de professores, considerando a sua proposta pedagógico-musical, suas atividades e sua percepção sobre os saberes vivenciados em um curso denominado “Vivências com a Musicalização”. Concluiu que o estímulo da musicalidade contribui para a mobilização e apropriação de saberes necessários à prática pedagógico-musical e que, através das experiências vivenciadas e compartilhadas durante a formação, foram oportunizadas significativas possibilidades de promoção de autoestima, de apropriação de saberes docentes necessários ao ensino de música e de reconhecimento profissional. Por fim, aponta que a interação entre os professores foi relevante para a socialização de saberes e experiências e, concomitantemente, para o desenvolvimento do conhecimento musical, pedagógico-musical e profissional.

Visando a investigar como os estagiários de música desenvolvem sua ação pedagógica a partir dos saberes docentes mobilizados e socializados na atividade de estágio, Azevedo (2007), fundamentada em Maurice Tardif, buscou discutir o conceito de saberes docentes, a ação pedagógica e a natureza dos saberes docentes. Como resultados, destacou o contexto formativo e interativo da atividade de estágio e o desenvolvimento da ação pedagógica dos estagiários como pilares interdependentes, que se relacionam de forma dialética entre a mobilização e a socialização de saberes. Por fim, indicou que, durante a ação pedagógica dos estagiários em sala de aula, os saberes desenvolvidos refletem a gestão interativa, que esses saberes são de natureza experiencial e que, se validados na mobilização e socialização de saberes, podem ser identificados como saberes da ação pedagógico-musical.

Katia da Silva (2017) buscou formular ideias músico-pedagógicas na sala de aula de educação básica, com a intenção de ampliar um método compositivo de microcanções chamado “CDG (Cante e Dance com a Gente)”. Assim, formulou uma transposição da linguagem destinada aos adultos à infantil, extraindo da experiência do professor aspectos relacionados ao seu desempenho e aprimoramento na criação de microcanções CDG em sala de aula. Como resultados, evidenciou os saberes necessários ao professor de Música para o desenvolvimento dessa dinâmica, com base nos saberes docentes desenvolvidos no projeto CDG, e concluiu que os saberes mobilizados pertencem a três categorias: musical, tecnológica e pedagógica.

Cunha (2014) buscou responder a alguns questionamentos acerca dos saberes mobilizados por professoras da pequena infância (não especialistas) ao ensinar música, sobre como promover mudanças significativas que contribuam no desenvolvimento da prática musical e, também, sobre como desenvolver um trabalho em que a música seja pensada como área de conhecimento. A partir de um trabalho de formação, baseado no conhecimento musical, levou as professoras a refletir sobre suas práticas e incentivou-as a trabalhar em sintonia com o fazer musical infantil. Concluiu que seu trabalho contribuiu para o aperfeiçoamento profissional das professoras e tornou viável o desenvolvimento de um trabalho com a música.

Portanto, as pesquisas referenciadas apresentam aproximações, sobretudo em relação ao reconhecimento da necessidade de oportunizar aos professores diferentes saberes docentes e ao potencial das tecnologias digitais nesse processo.

METODOLOGIA

A pesquisa desenvolvida, de natureza qualitativa, buscou examinar os saberes docentes inerentes ao ensino de música na escola, mobilizados a partir de uma atividade formativa permeada pelas tecnologias digitais. Seguindo a perspectiva da pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011, p. 20), que caracteriza uma abordagem social de pesquisa, de base empírica, a qual é concebida e realizada “em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”, a investigação foi realizada no contexto de uma atividade formativa, na modalidade de curso de extensão, com duração de trinta horas distribuídas em cinco encontros de três horas cada. Participaram da atividade formativa oito professoras, nomeadamente Amanda, Betina, Camila, Débora, Estela, Fernanda, Gabriela e Helena (nomes fictícios). A faixa etária das professoras variava entre 29 e 46 anos. Elas atuam no ensino fundamental (anos iniciais e finais) em escolas públicas municipais de Faxinal dos Guedes, Santa Catarina. O tempo de atuação das professoras varia entre cinco e vinte anos, atuando desde a educação infantil até o ensino médio, especialmente as professoras de Artes.

Relativamente à área de formação das professoras, destacamos que cinco possuem formação inicial em Pedagogia, licenciatura, e três professoras possuem formação em Artes (sendo duas em Artes Visuais e uma em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas). Apenas duas professoras tiveram a oportunidade de participar de alguma atividade de formação continuada sobre o ensino de música na escola, embora considerassem que a formação recebida não foi suficiente para prepará-las para o desafio de ensinar música em sala de aula.

O material empírico do estudo foi constituído mediante a realização de entrevistas, aplicação de questionário (não identificado), notas de campo e gravações de áudio. Esse material foi analisado na perspectiva de Bogdan e Biklen (1994), seguindo as etapas de leitura dos dados, identificação de evidências relacionadas aos saberes docentes, agrupamento desses aspectos levando em conta a convergência entre eles e, por fim, categorização. A categorização, entretanto, foi estabelecida a priori, tomando por base as categorias apresentadas em Tardif (2002), por considerarmos que contemplam mais elementos relacionados aos saberes docentes para o ensino de música na escola, foco de nossa investigação. Assim, a partir do processo analítico, buscamos identificar diferentes aspectos dos saberes docentes que constituem as subcategorias associadas à categorização de Tardif, conforme o Quadro 1.

QUADRO 1 CATEGORIZAÇÃO E SUBCATEGORIZAÇÃO DOS SABERES DESENVOLVIDOS  

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
Saberes disciplinares História da Música e da Arte
Teoria e percepção musical
História da educação musical no Brasil
Prática instrumental
Música infantil
Música e tecnologias
Saberes curriculares Conteúdos
Orientações legais
Saberes experienciais Percepção dos desafios da aprendizagem
Saberes da formação profissional Didática

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos saberes desenvolvidos pelas professoras.

SABERES DOCENTES MOBILIZADOS PELAS PROFESSORAS A PARTIR DA AÇÃO FORMATIVA

Buscamos, no material empírico do estudo, aspectos relacionados aos saberes docentes desenvolvidos e/ou mobilizados pelas professoras no decorrer da atividade formativa, que se constituiu em contexto de nossa investigação. Nossa análise apontou diversos aspectos relacionados ao ensino de música, outros relacionados ao planejamento e ao conteúdo, às orientações e diretrizes e à percepção dos professores. Esses aspectos foram organizados em quatro grupos, que constituíram as categorias de análise, previamente definidas, a saber: saberes curriculares; saberes disciplinares; saberes da formação profissional; e saberes experienciais.

Para a categorização dos saberes disciplinares nos baseamos na grade curricular dos cursos de licenciatura em Música. Do mesmo modo, os saberes curriculares foram categorizados a partir das orientações do currículo escolar do ensino fundamental da disciplina de Artes, e os saberes didáticos, isto é, relacionados ao ensino de música em sala de aula, foram evidenciados a partir das diferentes estratégias, recursos e abordagens utilizados pelas professoras nas atividades da ação formativa e das práticas que desenvolveram em sala de aula.

SABERES DISCIPLINARES

O desenvolvimento das atividades da ação formativa oportunizou que as professoras mobilizassem e/ou desenvolvessem importantes aspectos dos saberes disciplinares, especialmente História da Música e da Arte, teoria e percepção musical, História da educação musical no Brasil, música e tecnologias, prática instrumental (teclado, piano, bateria) e música infantil.

Sobre a História da Música e da Arte, a análise evidenciou que as professoras tiveram a oportunidade de retomar e aprofundar alguns temas pontuais da História da Música Clássica, Barroca e MPB (Música Popular Brasileira). A partir de uma atividade que se baseava em pesquisa e apresentação de trabalho sobre estilos musicais dos diferentes momentos da História da Música, as professoras expuseram para o grupo trabalhos relacionados às principais características da música barroca, clássica e bossa nova, principais artistas representantes de cada movimento, entre eles Mozart, Beethoven, Tom Jobim, João Gilberto e Vinicius de Moraes. Essa atividade baseou-se, sobretudo, no uso de vídeos na plataforma YouTube.

Em uma atividade em que abordamos diferentes estilos musicais, realizamos uma explanação sobre o conceito de música clássica e erudita e, a partir dos questionamentos das professoras, aspectos particulares de cada estilo foram evidenciados. Essa dinâmica levou as professoras a compreenderem melhor esses conceitos. As professoras Estela e Betina tiveram a oportunidade de entender a definição dessas duas classes musicais e as diferentes características dos estilos a elas atrelados. Para elas, a música erudita tinha a ver com: “Uma música mais sofisticada” (Estela, Áudio encontro 4, nov. 2018) e “Erudito, para mim, soava como uma palavra mais feia. Era isso que eu identificava como erudito” (Betina, Áudio encontro 4, nov. 2018).

Na busca por uma melhor compreensão sobre a música erudita e popular, fizemos uma comparação com a dança, indagando sobre qual estilo de dança poderia ser considerado como erudito ou popular. Com isso observamos que as professoras conseguiram identificar essa diferenciação na medida em que identificaram o balé como uma dança que aparentava ser mais erudita e o hip-hop como uma dança popular: “O balé. Porque ele tem os passos mais bem construídos. Tem expressão corporal e facial [técnica mais elaborada]” (Estela, Áudio encontro 4, nov. 2018).

Enfim, as professoras conceberam a música erudita como sendo “uma composição bem elaborada. Que usa todos os elementos possíveis trabalhando-os cada um dentro do seu espaço de uma forma harmoniosa” (Amanda, Áudio encontro 4, nov. 2018).

A partir de uma pergunta da professora Estela - “Quais foram os outros períodos da música erudita?” (Estela, Áudio encontro 4, nov. 2018) - percebemos que as demais professoras também demonstraram estar um pouco confusas em relação aos estilos musicais eruditos. Dessa forma, a partir da dúvida de Estela, manifestada em grupo, sentimos a necessidade de aprofundar as definições e características relacionadas aos estilos musicais da música erudita.

Além disso, a partir do desenvolvimento da pesquisa sobre música popular e bossa nova realizada pela professora Betina, percebemos que, para ela, algumas dúvidas sobre esse gênero musical foram ultrapassadas:

Eu já tinha algum conhecimento [sobre o gênero musical bossa nova], já havia trabalhado em sala de aula sobre ele, mas a partir deste trabalho eu pude compreender um pouco mais sobre as características musicais desse movimento, as temáticas que os compositores abordavam ao compor as suas músicas e familiarizar-me com alguns cantores e nomes consagrados dentro deste gênero musical. (Betina, Áudio encontro 4, abr. 2019)

Nesse sentido, a atividade propiciou o aprofundamento do saber sobre o gênero musical bossa nova. Portanto, embora a professora destaque já conhecer o gênero musical e já tê-lo trabalhado em sala de aula, esse momento oportunizou uma melhor compreensão sobre alguns aspectos a ele relacionados, especificamente aos principais compositores, cantores, temática das composições e características desse movimento.

Relativamente à teoria e percepção musical, as professoras apontaram temas importantes, tais como o conceito de som, parâmetros sonoros, os elementos da música, entre outros. As professoras Amanda, Helena e Betina evidenciaram esses aspectos: “[Antes da formação] não tinha todo esse conhecimento dos parâmetros sonoros como agora tenho a partir do curso e, na próxima vez que essa experiência for realizada, poderei usufruir muito mais dos conceitos dos parâmetros sonoros” (Amanda, Áudio encontro 3, nov. 2018).

Amanda afirmou que a formação permitiu-lhe aprender sobre esse importante tópico da teoria musical, que compõe os programas curriculares dos cursos de licenciatura em Música e é igualmente imprescindível em sala de aula. Além disso, ao responder ao questionário do segundo encontro, destacou que aprendeu/aprofundou alguns aspectos relacionados às noções básicas de música, pois a formação propiciou a “clareza dos parâmetros musicais [sonoros]”. Salientou que os aplicativos digitais corroboraram para “identificar sons e seus elementos musicais”, assim como as aprendizagens desenvolvidas na formação possibilitaram o desenvolvimento de novas atividades em sala de aula, como atividades de “comparação de sons do nosso meio” e de “identificação dos sons” (Amanda, Questionário encontro 2, nov. 2018).

Betina destaca um importante dado relacionado às aprendizagens sobre a teoria e percepção musical e o ensino em sala de aula:

Eu tinha muita dificuldade no início, achava que jamais conseguiria trabalhar música com os meus alunos porque eu não tinha o básico. E depois que a gente fez essa formação eu consegui compreender o básico da música. [Hoje sinto-me] segura para trabalhar com eles. Enfim, a formação contribuiu muito para minimizar as dificuldades relacionadas ao ensino de música na escola e me sinto mais segura porque já compreendo mais. (Betina, Entrevista final, dez. 2018)

Acrescenta que conseguiu aprender e aprofundar sobre “os elementos que formam a música e o conceito de cada um” (Betina, Questionário encontro 3, nov. 2018). Portanto, a atividade de formação oportunizou a essas professoras não apenas aprofundar aspectos teóricos da música, mas também conceitos básicos de aprendizagem desenvolvidos na formação inicial do professor de Música.

Acerca da História da educação musical no Brasil, as professoras tiveram a oportunidade de conhecer como o ensino musical chegou ao Brasil, a sua introdução no currículo escolar como disciplina e, posteriormente, como componente da disciplina de Artes. No primeiro encontro, no qual discutimos a Lei n. 11.769/2008, promovemos uma atividade voltada ao compartilhamento de saberes e experiências. Nessa atividade, Amanda ressaltou que já atuava como professora na educação básica e, a partir das exigências impostas pela referida lei, passou a encontrar algumas dificuldades na sua prática de sala de aula, especificamente no que diz respeito à necessidade de ensinar música no âmbito da disciplina de Artes. Por fim, destacou que tinha muitas dúvidas em relação ao ensino de música na escola:

Não sabíamos como colocar no currículo. Pensávamos em disponibilizar uma aula de Artes Plásticas e outra de Música. Vivi essa época e na escola pública onde eu trabalhava isso foi bastante discutido. Todavia, devido alguns problemas operacionais essa discussão acabou desaparecendo e ninguém mais deu atenção. (Amanda, Áudio encontro 1, nov. 2018)

Estela contribuiu na discussão ao acrescentar que o “Governo estadual também não deu suporte para o ensino de música na escola” por ocasião da iniciativa da lei (Estela, Áudio encontro 1, nov. 2019). E, ao problematizarmos a Lei n. 13.278 (BRASIL, 2016), Estela ressaltou que no currículo escolar estadual de Santa Catarina os livros didáticos já estão contemplando o ensino de música, assim como as demais linguagens artísticas. Segundo ela, “já faz] três anos que trabalhamos nos dois primeiros bimestres as Artes Visuais, após as Artes Cênicas e, por fim, Música” (Estela, Áudio encontro 1, nov. 2018). Portanto, essa atividade propiciou o compartilhamento de vivências relacionadas à inserção do ensino musical nas escolas mediante a Lei n. 11.769 (BRASIL, 2008) e o aprofundamento de aspectos sobre a História da educação musical escolar.

A respeito da prática instrumental, foram desenvolvidas atividades de execução musical ao longo da formação com a utilização de diferentes aplicativos digitais. Essas práticas permitiram as professoras uma melhor compreensão de como a música é organizada e/ou estruturada, de como os elementos musicais a compõem e na identificação dos parâmetros sonoros e escrita musical. Sobre isso, a professora Betina evidenciou que:

Os aplicativos ajudaram bastante. Porque, por exemplo, tocar um instrumento musical, para mim, como professora que não tinha ideia nenhuma de como era, seria difícil, mas com a ajuda dos recursos dos aplicativos consegui tocar. E, a partir disso, consegui pegar, por exemplo, um teclado e também tocar algumas músicas. (Betina, Entrevista final, dez. 2018)

Para Betina, a prática musical foi facilitada pelo uso dos recursos dos aplicativos digitais. Helena, por sua vez, aponta que “[os aplicativos] contribuíram através da variedade e da facilidade de instrumentos musicais, é partir daí que nós conhecemos os diversos sons através dos aplicativos e desenvolvemos também através deles as atividades práticas musicais” (Helena, Entrevista final, dez. 2018).

Portanto o estudo mostrou que as professoras (Amanda, Helena, Betina, Camila e Estela) tiveram oportunidades de execução musical por meio dos aplicativos de instrumentos, de canto e de jogos musicais relacionados aos conteúdos musicais abordados na atividade formativa. Logo, a prática musical, que é uma atividade fundamental no desenvolvimento musical, foi realizada pelas professoras contribuindo na construção de saberes musicais.

Relativamente à música infantil, utilizamos durante as atividades de práticas musicais, de um modo geral, um repertório musical voltado para crianças, isto é, ao público do ensino fundamental dos anos iniciais. A professora Helena evidenciou que a partir da atividade formativa sentiu-se motivada a desenvolver atividades musicais com os alunos. Ela realizou uma atividade utilizando uma música infantil para explorar as notas musicais: “Hoje eu levei para a sala um teclado de verdade. Apresentei as sete notas musicais e trabalhei com eles o numeral sete. Também cantamos uma canção infantil chamada Eu tirei um Dó da minha viola” (Helena, Áudio encontro 3, dez. 2018).

A importância dessa atividade é evidenciada pelo papel da música infantil na formação da criança, na construção de valores, regras e aprendizagens nos anos iniciais. Além disso, trabalhar a música infantil oportuniza ao professor explorar outras formas de notação musical mediante atividade de criação de ritmos e sons, bem como formas de representar esses sons. Na mesma direção, a professora Fernanda também reconheceu a importância da utilização da música infantil em sala de aula (Notas de campo encontro 4, nov. 2018). Ela citou diversas atividades envolvendo a música infantil que passou a desenvolver em sala de aula: “Na sala de aula, formar uma roda com os alunos. Cantar músicas infantis com CD, fazendo gestos conforme o ritmo de cada música; música Palminhas, Música dos sentidos, música da Xuxa, Estátua” (Fernanda, Plano de aula, nov. 2018).

Ao desenvolver um plano de aula para trabalhar música com alunos do 3º ano do ensino fundamental, a professora utiliza a música infantil como estratégia/recurso de ensino e aprendizagem dos conteúdos musicais, mas demonstra o protagonismo da música infantil nesse processo.

Por fim, sobre música e tecnologias, nossa análise aponta que as professoras tiveram a oportunidade de vislumbrar a importância das tecnologias digitais na formação de professores e no ensino e aprendizagem escolar em música. A professora Débora sinaliza que:

Desta forma, concordo que, a partir do desenvolvimento de atividades práticas musicais utilizando os recursos dos aplicativos digitais, os conceitos musicais ficaram mais perceptíveis, facilitando a compreensão. Isso também irá ajudar muito lá na sala de aula depois, no processo de ensinar música. (Débora, Entrevista final, dez. 2018)

Débora aponta que o uso dos recursos tecnológicos a ajudou na compreensão dos conceitos musicais, especialmente por permitir o desenvolvimento de atividades de execução musical. Analogamente, a professora Gabriela ressaltou que:

Os aplicativos digitais poderão me auxiliar na prática docente em diferentes atividades envolvendo diretamente o ensino dos conceitos musicais, ou dialogando com um outro conteúdo disciplinar. É uma estratégia que colaborou para aprendizagem de música e que irá auxiliar na sala de aula. (Gabriela, Entrevista final, dez. 2018)

Embora o uso das tecnologias digitais tenha sido apontado pelas professoras como facilitador do processo de aprendizagem musical, evidenciamos que essa categoria foi desenvolvida apenas no contexto da prática formativa, pois as professoras não possuíam experiência previa sobre o ensino de música com esses recursos.

SABERES CURRICULARES

Mediante a participação na ação formativa, as professoras tiveram a oportunidade de desenvolver diferentes aspectos dos saberes curriculares, relacionados especialmente aos conteúdos e às orientações legais.

Em relação aos conteúdos, a análise evidenciou que a atividade formativa as oportunizou aprender/aprofundar questões fundamentais relacionadas ao currículo escolar da disciplina de Artes, como noções básicas de som e suas características, melodia, harmonia e ritmo musical, História da Música e escrita musical. As professoras Amanda, Betina e Estela explicitaram alguns aspectos relativos aos saberes desenvolvidos e/ou mobilizados a partir das atividades da ação formativa que foram incorporados em uma proposta de atividade de sala de aula promovida, na época, por elas.

No primeiro momento, rever a parte teórica dos elementos da música: ritmo, melodia e harmonia, usando cantos folclóricos como exemplos para poderem identificar os elementos da música. Escrever as notas Do, Re, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Do. Desenhar uma partitura e colocar as notas musicais nas linhas e intervalos adequados. (Amanda, Plano de aula de Artes, nov. 2018)

Por meio dessa atividade a professora propôs-se a trabalhar alguns conteúdos componentes da disciplina de Artes, isto é, a escala musical, os elementos da música, a música folclórica e a escrita musical. Estela, por sua vez, diz: “Desenvolvi uma atividade de percepção sonora com meus alunos, onde, a partir do som emitido por um aplicativo, eles precisavam identificar a origem do respectivo som” (Estela, Áudio encontro 2, nov. 2018).

Estela trabalhou, a partir dessa atividade, noções sobre os parâmetros sonoros, sobretudo o conceito de timbre de cada objeto executado. Nesse sentido, vale ressaltar que o som é a matéria-prima da música e conhecer as suas características é muito importante na educação musical. A professora Betina também desenvolveu uma atividade que teve como objetivo estimular a percepção sonora dos alunos e propiciar a compreensão dos parâmetros sonoros.

Ao iniciar, fui conversando a respeito da música e das notas musicais e, conforme a conversa fluía, ia mudando meu tom de voz, até chegarem à conclusão de que minha voz às vezes estava grossa e outras vezes mais fina. Aproveitei para explicar que acontece a mesma coisa com o som, como havia levado na sala um teclado, fui explicando que o som pode ser grosso (grave) e também mais fino (agudo). Após, cada aluno se aproximou do instrumento e ao comando dos colegas produzia o som grave ou agudo. (Betina, Planejamento escolar, nov. 2018)

Nessa atividade, Betina propiciou aos alunos a aprendizagem sobre as notas musicais, os parâmetros sonoros (especialmente a altura) e a percepção musical. Amanda abordou diferentes conteúdos do currículo escolar de Artes, e Estela enfatizou o desenvolvimento da percepção sonora dos diferentes sons. Portanto as professoras mobilizaram/aprofundaram diferentes aspectos dos saberes curriculares ao desenvolver o ensino de música na escola por meio das atividades por elas mencionadas.

Em relação às orientações legais, identificamos que a atividade formativa corroborou no aprofundamento de alguns pontos relativos às leis que regulamentam o ensino de música na escola, às orientações dos parâmetros curriculares e às diretrizes quanto aos objetivos, recursos didáticos, planejamento, conteúdos e o ensino/aprendizagem de música na disciplina de Artes. Nessa perspectiva, Helena comenta:

[...] eu não tinha a clareza a respeito disso, a respeito das diretrizes, dos conteúdos musicais. Não sabia que [os conteúdos musicais] eram tão importantes e que eles faziam tanto sentido, que estavam inseridos nas diretrizes e a sua validade. Então, a partir daí, também busquei orientação com a direção escolar, que me disponibilizou alguns livros para poder aprofundar/observar um pouco mais sobre esse assunto. Hoje, através dessa formação, eu consigo perceber o quão importante é o ensino de música no ambiente escolar. (Helena, Entrevista final, dez. 2018)

Helena evidenciou a falta de conhecimentos e clareza a respeito das orientações sobre o ensino musical escolar. Acrescentou que não tinha conhecimento sobre a relevância do ensino musical mediado pelos conteúdos musicais. Ou seja, ao sentir a necessidade de aprofundar mais esses saberes, a professora se propôs a buscar outras orientações por meio da literatura e da equipe pedagógica escolar. Na mesma direção, Débora acrescentou que:

Inicialmente, eu nem sabia que existiam diretrizes e bases que amparassem a música na escola. Então isso foi novidade, foi um grande aprendizado. Ficou claro também em relação ao amparo legal sobre o ensino de música na escola. Hoje eu percebo e gostaria que fossem desenvolvidos projetos de música nas escolas. (Débora, Entrevista final, dez. 2018)

A professora afirmou compreender melhor o amparo legal subjacente ao ensino de música na escola e a sua importância na formação do aluno, sobretudo ao manifestar que gostaria que fossem desenvolvidos mais projetos musicais nas escolas. Isso também se deve à oportunidade que tiveram de estudar alguns documentos que preconizam os conteúdos musicais como parte da disciplina de Artes.

Gabriela corroborou com as colegas e reconheceu não ter conhecimento prévio das orientações legais sobre o ensino de música, mas, a partir da atividade formativa, teve contato com essas orientações que podem servir de base no planejamento de aula de Música.

Enfim, as professoras, de modo geral, sinalizaram não ter clareza sobre as orientações legais do ensino de música, exceto Amanda: “já havia lido sobre as diretrizes, leis e parâmetros relacionados ao ensino de música na escola” (Amanda, Entrevista final, nov. 2018).

SABERES DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Em relação à didática, a formação propiciou às professoras auxílio no planejamento de aulas, o desenvolvimento de diferentes estratégias e recursos de ensino e aprendizagem musical e, ao mesmo tempo, de concretização de atividades interdisciplinares. Estela destacou o planejamento de uma aula para alunos do 3º ano em que abordou o conceito de som e a percepção sonora promovendo uma atividade interdisciplinar com a disciplina de Ciências.

Eu aproveitei, já que estava trabalhando com os alunos sobre o conteúdo animais da disciplina de Ciências, para desenvolver uma atividade de percepção sonora dos sons dos animais, onde, a partir disso, eles precisariam caracterizar os diferentes aspectos dos animais: se eram vertebrados, invertebrados ou se eram mamíferos. (Estela, Áudio encontro 2, nov. 2018)

A professora produziu um plano de aula utilizando a música como estratégia de ensino de outro conteúdo da disciplina de Ciências e, ao mesmo tempo, buscou desenvolver a percepção musical dos alunos utilizando o contexto de aprendizagem. Para além de uma atividade que evidenciaria a percepção sonora, seu planejamento teve por objetivo uma abordagem interdisciplinar. Sobre isso, Helena apontou:

Quanto ao planejamento de aula, a formação facilitou a compreensão e esclarecimento quanto aos objetivos relacionados aos conteúdos musicais que eu iria desenvolver em sala de aula, e que eu desejava alcançar desenvolvendo determinada atividade. Colaborou também em relação à escolha de recursos e estratégias que poderiam ser utilizados no processo de ensino e aprendizagem escolar e, principalmente, na compreensão da teoria musical, que é fundamental na hora de desenvolver um planejamento e ter condições para alcançar os objetivos propostos. (Helena, Entrevista final, dez. 2018)

Portanto a análise evidencia que a atividade formativa proporcionou à professora alguns recursos para a compreensão e o desenvolvimento de um planejamento de aula de Música. Helena também sinalizou que a aprendizagem da teoria musical foi um fator fundamental na preparação de aula de Música. A professora Amanda, de maneira similar, esclareceu: “Hoje eu consigo utilizar meios práticos para trabalhar música. Assim, nos meus planejamentos, eu posso estar utilizando as tecnologias que antes eu não utilizava, não conhecia” (Amanda, Entrevista final, dez. 2018).

Amanda apontou um aspecto importante referente ao desenvolvimento de atividades práticas musicais. Segundo ela, a atividade formativa lhe proporcionou condições para desenvolver um planejamento de aula que evidencie a teoria e a prática musical.

Por fim, o uso das tecnologias também foi apontado pelas professoras como recurso facilitador no processo de ensino e aprendizagem musical. Nesse sentido, Camila sinaliza que aprendeu/aprofundou diferentes aspectos relativos aos aplicativos digitais e que eles “complementam e estimulam os alunos. É possível utilizá-los em diferente dinâmicas e como base para o conteúdo ensinado em sala de aula” (Camila, Questionário encontro 2, nov. 2018). Portanto, os recursos tecnológicos assumem papel fundamental para as professoras no desenvolvimento da aula, em diferentes estratégias de ensino e em atividades interdisciplinares.

SABERES EXPERIENCIAIS

Consideramos os saberes experienciais a categoria mais complexa de investigar e analisar, especificamente por constituírem um saber próprio de cada professora e que necessitaria de um acompanhamento mais intenso na escola durante a atividade profissional docente.

Nessa perspectiva, identificamos, em especial, a percepção dos desafios da aprendizagem dos alunos. A professora Betina destacou esse aspecto em relação às dificuldades que os seus alunos tiveram em reconhecer os sons de alguns animais. Ela comentou:

Eu fiquei surpreendida. Pensei que seria mais fácil para os alunos. Eles não reconheceram o som da vaca, tiveram dificuldades em reconhecer os sons dos animais do campo e se confundiram bastante na identificação sonora dos diferentes timbres. (Betina, Áudio encontro 3, nov. 2018)

A professora percebeu a dificuldade dos alunos em identificar os sons dos animais do campo e, de acordo com ela, isso se justificou por viverem em ambiente urbano e, consequentemente, esses animais não fazerem parte do contexto em que os alunos estavam inseridos. Em face disso, ela utilizou um aplicativo em que os alunos tiveram a oportunidade de ver os animais que produziam os sons apresentados, podendo compreender melhor cada som. Esse aspecto favoreceu que a professora realizasse a exploração sonora dos sons produzidos por diferentes animais e propusesse, junto com as crianças, formas de reproduzir e representar esses sons.

Embora apenas esse aspecto tenha sido destacado, acreditamos que muitos saberes experienciais foram desenvolvidos ao longo da atuação de cada professora em sala de aula, especialmente saberes relacionados aos alunos e às suas necessidades, que solicitam cotidianamente das professoras ações pedagógicas.

DISCUSSÃO DAS CATEGORIAS DE SABERES EVIDENCIADOS

Os saberes disciplinares, basilares para a prática docente por serem desenvolvidos na formação inicial através das disciplinas cursadas nas faculdades e instituições de formação e também na formação continuada (TARDIF, 2002), revelaram-se essenciais ao professor que ensina música, porque fornecem os subsídios necessários para o desenvolvimento dos conteúdos escolares. Nesse sentido, o estudo mostra que as atividades formativas frequentadas pelos professores, ao longo da carreira, podem contribuir para o desenvolvimento de saberes disciplinares que não foram desenvolvidos/aprofundados na formação inicial. Ademais, podem favorecer o aprofundamento desses saberes em grupos de professores que têm formação específica na área (TARDIF, 2002).

Nosso estudo apontou que as professoras desenvolveram diferentes aspectos relacionados aos saberes disciplinares, como a História da Música e da Arte, a teoria e a percepção musical, a História da educação musical no Brasil, a prática instrumental, a música infantil e a música e tecnologias, assim como conhecimentos sobre MPB e bossa nova, música clássica e barroca, principais artistas, características de cada estilo musical e da música erudita e popular.

Quanto aos saberes relativos ao papel da música na formação do aluno e o contexto histórico da educação musical no Brasil, o estudo aponta para o compartilhamento de experiências e desafios relativos ao ensino de música na escola (OLIVEIRA, 2016), na medida em que as professoras tiveram a oportunidade de planejar e discutir atividades para a sala de aula e aprofundar aspectos desses saberes para embasar a ação pedagógica. Além disso, ao estudarem sobre a História da educação musical escolar e sobre a legislação referente ao ensino musical no Brasil (SALLES, 2014; OLIVEIRA, 2016; SILVA, G., 2017), as professoras articularam esses saberes e mobilizaram outros provenientes da reflexão (TARDIF, 2002), visando a reorganizar a prática relativa ao ensino de música face ao contexto.

No que diz respeito ao desenvolvimento de saberes sobre a música infantil, essenciais à formação do aluno, o estudo apontou que as professoras puderam compreender que o repertório infantil pode ser utilizado para o desenvolvimento de conteúdos e conceitos de música presentes no currículo escolar. A importância da música infantil como recurso de interação com o ensino de música (BRITO, 2003) foi destacada como recurso de aprendizagem de outras disciplinas, como via de desenvolvimento de aspectos relacionados a atitudes, hábitos, atividades comemorativas e de condicionamento de rotina (BRITO, 2003; CUNHA, 2014; CHAMORRO, 2015; SILVA, G., 2017), bem como ao desenvolvimento da educação musical. Além disso, o desenvolvimento de saberes relacionados às tecnologias digitais para o ensino de música na escola e na formação de professores (CERNEV, 2015; LOBATO, 2007; ESPERIDIÃO, 2011; SALLES, 2014) oportunizou às professoras a utilização de recursos tecnológicos que favoreceram a aprendizagem musical e o alcance de objetivos no ensino de música na escola.

Os saberes curriculares relacionados aos objetivos, conteúdos, métodos e discursos adotados por uma instituição e definidos como base na formação do aluno (TARDIF, 2002) mostraram-se fundamentais na composição dos saberes das professoras e, sobretudo, na concretização do ensino de música em sala de aula. A análise apontou que a constituição dos saberes curriculares pelas professoras, especialmente relativos ao conteúdo do ensino musical escolar e às orientações legais para o ensino de música na escola, levou-as a compreender os fundamentos do ensino desse tópico, assim como a compreender a necessidade de organizar o programa curricular da escola de forma a contemplar cada linguagem artística prevista e preparar-se para esse desafio. A partir das aprendizagens desenvolvidas, as professoras realizaram diferentes atividades em sala de aula evidenciando os conteúdos musicais do currículo escolar. Elas utilizaram, mobilizaram e produziram saberes (TARDIF, 2002) relativos à escrita musical (partitura), à escala musical, aos estilos de música, etc., o que evidencia alguns avanços em relação aos estudos de Chamorro (2015) e Lobato (2007), uma vez que as professoras participantes de nosso estudo tiveram pouca dificuldade em trabalhar os conteúdos musicais na ação formativa, ao mesmo tempo que se sentiram preparadas e motivadas a propor atividades diferenciadas para os alunos.

A análise mostrou, ainda, que as professoras desenvolveram saberes relacionados às orientações que norteiam o ensino de música (SALLES, 2014; OLIVEIRA, 2016; SILVA, G., 2017), tendo em vista os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) da disciplina de Artes e a Lei n. 13.278 (BRASIL, 2016), que versam sobre alguns elementos explicativos do ensino de música na escola e, igualmente, precedem a prática profissional docente (TARDIF, 2002). Ao compartilharem suas vivências em relação às orientações sobre o ensino de música na escola (OLIVEIRA, 2016) e aprofundarem aprendizagens relativas a essas orientações de obrigatoriedade e efetividade do ensino musical no currículo escolar, as professoras compreenderam o papel desse tópico curricular no desenvolvimento da criança. Além disso, o estudo sobre esses documentos possibilitou o desenvolvimento de uma postura crítica em relação às diretrizes do ensino de Artes diante das reais condições do sistema de ensino brasileiro, sobretudo em relação à necessidade de organizar o programa de ensino no sentido de dedicar dois meses letivos para trabalhar cada uma das linguagens artísticas, desconsiderando o fato de os professores não terem formação para tal. Em síntese, a análise mostra que esses documentos são relevantes, especialmente no desenvolvimento do planejamento de aula e no ensino de música.

Os saberes da formação profissional, transmitidos pelas universidades e faculdades de formação de professores relativos às ciências da educação e à ideologia pedagógica (TARDIF, 2002), especificamente no campo da didática, mostraram-se essenciais à prática do professor que ensina música. Nosso estudo ressalta a didática como dimensão essencial na formação docente e como definidora da ação pedagógica no ensino de música. Embora os saberes relativos à didática ocupem lugar de destaque nos processos formativos para a docência, no caso específico do nosso estudo, os aspectos mobilizados eram provenientes da didática geral, predominante nos cursos de Pedagogia ou dos cursos de Artes. Além de mobilizar esses saberes, as professoras puderam ressignificá-los ao discutir e planejar o ensino de música para a sala de aula e, ainda, reconhecer que os aspectos da didática se constituem em elementos fundamentais à ação docente (TARDIF, 2002; PIMENTA, 2005).

Portanto, os saberes didáticos da formação profissional são fundamentais em atividades formativas que atenuam o enfrentamento das dificuldades e desafios que o professor encontra ao ensinar música na escola. As professoras realizaram o planejamento de aula, utilizaram diferentes estratégias e recursos de ensino, especialmente os aplicativos digitais (CERNEV, 2015; SILVA, G., 2017; SALLES, 2014), realizaram avaliações com objetivos diversos e organizaram as atividades de acordo com o contexto de cada turma. Esses aspectos precisam ser considerados no desenvolvimento de ações formativas.

O saber experiencial, específico de cada professor, ligado à prática da docência, desenvolvido/mobilizado na sua rotina profissional e adequado segundo as demandas cotidianas do professor e dos alunos, constitui-se em um saber prático e interativo, sincrético e plural, heterogêneo e complexo (TARDIF, 2002). Nosso estudo evidenciou um importante aspecto dos saberes experienciais, que se refere à percepção das dificuldades e desafios de aprendizagem dos alunos. A partir desse saber, as professoras propuseram atividades para a sala de aula que propiciaram a elas a exploração de formas de notação musical não tradicionais a partir do reconhecimento de sons de animais. Portanto, esse aspecto favoreceu a exploração sonora, levando a criança a vivenciar os parâmetros dos sons, modos específicos de os reproduzir e de os representar. Esse saber, diferentemente dos demais, evidenciou-se um saber de primeira mão, ou seja, produzido pelo professor no contexto da sua prática, a partir da experiência formativa vivenciada.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise e a discussão realizadas evidenciaram o desenvolvimento de diferentes aspectos dos saberes disciplinares, curriculares, da formação profissional e experienciais das professoras participantes. Elas desenvolveram aprendizagens sobre a História da Música e da Arte, compreendendo os elementos e contextos de cada período musical, os conceitos básicos da teoria musical que regem toda a composição, expressão artística e interpretação musical, a História da educação musical no Brasil, a interpretação e execução musical e a música e as tecnologias. Esse aprendizado permitiu a compreensão da realidade do ensino de música na escola, pois propiciou um entendimento mais profundo em relação aos elementos que constituem o ensino de música e, ainda, forneceu condições para a superação dos desafios enfrentados em sala de aula. Além disso, puderam planejar atividades e ressignificar práticas profissionais desenvolvidas anteriormente, assim como identificar desafios da aprendizagem dos alunos e buscar estratégias para sanar essas dificuldades. Desenvolveram saberes didáticos a partir da elaboração de planos de aula, de atividades práticas, de atividades interdisciplinares, utilizando a música como recurso de aprendizagem em outra disciplina e, especialmente, utilizando tecnologias no ensino de música na escola, contribuindo sobretudo no desenvolvimento dos conteúdos musicais.

Nosso estudo aponta, ainda, que as professoras superaram as dificuldades e desafios relativos ao domínio dos conhecimentos musicais, ao uso de materiais disponíveis na escola, ao desenvolvimento do ensino musical, ao apoio dos pais na viabilização de recursos e ao apoio da equipe escolar para realizar atividades musicais em sala de aula. Ou seja, elas conseguiram realizar diferentes atividades em sala de aula com o objetivo de evidenciar os conteúdos musicais e/ou atividades musicais e utilizaram diferentes estratégias e recursos para a viabilização dessas atividades, utilizando especialmente as tecnologias digitais.

Finalmente, as tecnologias digitais permearam os diferentes saberes musicais constituídos e/ou mobilizados durante o desenvolvimento da atividade formativa e do ensino de música na escola pelas professoras. Nesse processo, diferentes aspectos do saber tecnológico foram desenvolvidos, pois as professoras realizaram atividades musicais distintas a partir dos aplicativos digitais apresentados. Portanto o estudo aponta que os saberes docentes, associados ao saber tecnológico, acabam sendo ressignificados, resultando em uma nova perspectiva de atividade docente no ensino de música por fomentarem novas práticas de sala de aula.

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1Disponível em: http://rived.mec.gov.br/atividades/concurso_2007/zorelha/index.html. Acesso em: 22 jun. 2019.

2Disponível em: http://www.nuted.ufrgs.br/oa/criativas/index.html. Acesso em: 22 jun. 2019.

Recebido: 29 de Agosto de 2019; Aceito: 14 de Fevereiro de 2020

NOTA SOBRE AUTORIA

Adilson Borges e Adriana Richit desenvolveram a investigação sobre os saberes docentes e o ensino de música na escola. Adriana Richit traduziu integralmente o artigo em sua versão em inglês.

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