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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.51  São Paulo  2021  Epub 27-Ago-2021

https://doi.org/10.1590/198053147218 

Educação Básica, Cultura, Currículo

AVALIAÇÃO DE UM PROGRAMA DE TUTORIA POR PARES NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

EVALUACIÓN DE UN PROGRAMA DE TUTORÍA ENTRE PARES DESDE LA PERSPECTIVA DE LA EDUCACIÓN INCLUSIVA

ÉVALUATION D’UN PROGRAMME DE TUTORAT ENTRE PAIRS EN ÉDUCATION INCLUSIVE

Kéren-Hapuque Cabral de MarinsI 
http://orcid.org/0000-0003-3771-4667

Gerusa Ferreira LourençoII 
http://orcid.org/0000-0002-7550-4858

IUniversidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos (SP), Brasil; kerenhcm@gmail.com

IIUniversidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos (SP), Brasil; gerusa@ufscar.br


Resumo

O objetivo do estudo foi propor um programa de Tutoria por Pares, no ensino fundamental - anos finais, e verificar sua influência na participação de um aluno público-alvo da educação especial (PAEE). Participaram um aluno PAEE, três alunos tutores, um professor de Língua Portuguesa e um de Matemática. A coleta de dados envolveu cinco sessões de observações iniciais, trinta contínuas, oito reuniões de tutoria e seis entrevistas iniciais e finais. Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo para o tratamento dos dados. Evidenciou-se que a Tutoria por Pares contribuiu para a inclusão do aluno com deficiência intelectual no âmbito das interações e na sua capacidade de resposta às atividades em sala, o que culminou no aumento da sua participação e melhoras acadêmicas e sociais.

Palavras-Chave: EDUCAÇÃO ESPECIAL; DEFICIÊNCIA INTELECTUAL; TUTORIA POR PARES; INCLUSÃO

Resumen

El objetivo del estudio era proponer un programa de Tutoría entre Pares, en la enseñanza primaria - años finales, y verificar su influencia en la participación de un estudiante público-objetivo de la educación especial (PAEE). Participaron un alumno PAEE, tres alumnos tutores, un profesor de Lengua Portuguesa y uno de Matemáticas. La recopilación de datos incluyó cinco sesiones de observaciones iniciales, treinta observaciones continuas, ocho reuniones de tutoría y seis entrevistas iniciales y finales. Se utilizó la técnica de análisis de contenidos para el tratamiento de datos. Se evidenció que la tutoría entre pares contribuyó a la inclusión de estudiantes con discapacidad intelectual en el contexto de las interacciones y en su capacidad de respuesta a las actividades en el aula, lo que culminó con una mayor participación y mejoras académicas y sociales.

Palabras-clave: EDUCACIÓN ESPECIAL; DISCAPACIDAD INTELECTUAL; TUTORIA EN PAREJA; INCLUSIÓN

Résumé

Cette étude vise à proposer un programme de tutorat par les pairs dans les dernières années d’école élémentaire et à vérifier son influence sur la participation d’un élève appartenant à son public cible, celui de l’éducation spéciale (público-alvo da educação especial - PAEE). Un élève de la PAEE, trois élèves tuteurs, ainsi qu’un professeur de langue portugaise et un professeur de mathématiques y ont participé. La récolte des données a comporté cinq séances initiales, trente séances d’observation en continu, huit réunions de tutorat et six entretiens réalisés au début et à la fin de l’étude. La technique d’analyse de contenu a été utilisée pour traiter les données. Il a été mis en évidence que le tutorat entre pairs favorise l’inclusion des élèves ayant une déficience intellectuelle dans les interactions de classe et augmente leur capacité à réagir aux activités qui y sont proposées, conduisant à une augmentation de leur participation et à des améliorations d’ordre scolaire et social.

Key words: ÉDUCATION SPÉCIALE; HANDICAP INTELLECTUEL; TUTORAT ENTRE PAIRS; INCLUSION

Abstract

The objective of this study was to propose a Peer Tutoring program, in an elementary school - final grades, and to verify its influence on the participation from the Target Audience of Special Education (TASE). A TASE student, three tutor students, a Portuguese Language teacher and a Math teacher were the participants. The data collection procedure involved five sessions of initial observation, thirty sessions of continuous observation, eight tutoring meetings and six initial and final interviews. The content analysis technique was used for data treatment. It was evident that the Peer Tutoring contributed to the inclusion of the student with intellectual disability, in terms of interactions and his ability to respond to the activities proposed in the classroom, which culminated in increasing his participation and academic and social improvements.

Key words: SPECIAL EDUCATION; INTELLECTUAL DISABILITY; PEER TUTORING; INCLUSION

O direito de os alunos público-alvo da educação especial (PAEE)1 receberem uma educação de qualidade tem sido regulado por um grande número de textos legislativos, encontros mundiais e documentos, garantindo a tais alunos a acessibilidade e a permanência na escola regular. Na Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Capítulo IV, Do Direito à Educação, Art. 28, três incisos ressaltam que deve haver aprimoramento dos sistemas educacionais para garantir o acesso, permanência, aprendizagem e participação, adotando-se medidas individualizadas e coletivas em ambientes que busquem o desenvolvimento acadêmico e social dos alunos com deficiência.

Buscar estratégias de ensino que garantam a participação de todos, atendendo às diferentes necessidades educativas dos alunos, é um desafio para os sistemas de ensino. Nesse sentido, Duran e Vidal (2007) afirmam que a aprendizagem cooperativa, baseada na heterogeneidade, é uma metodologia que: a) reconhece a diversidade; b) obtém dela um benefício para o ensino; c) transforma as diferenças entre os alunos em um elemento positivo facilitador da aprendizagem; d) torna a diversidade de níveis de conhecimento um elemento facilitador da função do professor, pois possibilita a aprendizagem entre os pares, levando os alunos a serem responsáveis pela sua própria aprendizagem e pela do colega. Bowman--Perrott et al. (2013), ao realizarem um estudo de metanálise sobre o tema, afirmam que a Tutoria por Pares é uma intervenção eficaz que independe do grau, nível de escolaridade ou condição de deficiência. Entre os estudantes com deficiência, aqueles com transtornos emocionais e comportamentais se beneficiaram mais, o que faz da Tutoria por Pares uma aliada na promoção de ganhos acadêmicos nas áreas de conteúdo e eficaz para o ensino básico, fundamental e médio (Bowmann-Perrott et al., 2013). Firmiano (2011) afirma que a aprendizagem cooperativa na sala de aula estimula os alunos a trabalharem juntos e a se ajudarem mutuamente, tendo a discussão do conteúdo como uma forma de facilitar a compreensão do problema, o que indica que essa estratégia permite a interação entre os colegas e um ganho de autonomia e responsabilidade na tomada de decisões. Nesse sentido, o autor destaca algumas vantagens da metodologia da referida aprendizagem cooperativa: a) estimula e desenvolve habilidades sociais; b) cria um sistema de apoio social mais forte; c) encoraja a responsabilidade pelo outro; d) eleva a autoestima; e) cria uma relação positiva entre alunos e professores; f) estimula o pensamento crítico; g) ajuda os alunos a clarificarem as ideias através do diálogo; h) desenvolve a competência de comunicação oral; i) melhora a recordação dos conteúdos; e j) cria um ambiente ativo e investigativo.

Nesse contexto, avaliar a tutoria por pares (TP) adquire sua relevância científica, quando se propõe a investigar uma estratégia de colaboração no cotidiano escolar que pode: favorecer a participação do aluno PAEE, provendo condições para que ele participe das atividades propostas; resultar não só em ganhos acadêmicos, mas também sociais; ser, para os professores, uma fonte de apoio para atenderem às necessidades de todos os alunos em classes tão heterogêneas. Para tanto, investigou-se a possibilidade do uso da TP por ser esse um recurso didático que valoriza a cooperação mútua entre os alunos e o respeito às diferenças. Duran e Vidal (2007, p. 14) enfatizam que a TP é uma estratégia para atender à diversidade que possibilita ao aluno com dificuldade - tutorado - encontrar uma “ajuda personalizada” e confere àquele que irá colaborar nessa aprendizagem - tutor - uma oportunidade de aprofundar seus conhecimentos.

No Brasil, o tema da TP, de modo geral, ainda é pouco estudado, apresentando baixo índice de publicações. No entanto, estudos como: Orlando (2010), Fernandes e Costa (2015), aplicados a alunos com deficiência visual; Souza et al. (2017), aplicado a alunos com deficiência intelectual (DI) associada ao transtorno do espectro autista; Pereira (2018), aplicado a uma aluna com paralisia cerebral; e Ramos et al. (2018), aplicado a alunos com autismo, corroboram a ideia de que a TP é uma estratégia que pode ser eficaz e propicia a melhora do desempenho acadêmico e social de alunos PAEE.

O estabelecimento de relações cooperativas na ação tutorial nos contextos escolares mostra-se relevante não só como mecanismo de desenvolvimento e aprendizagem, mas também como estratégia de ensino que permite, ao aluno PAEE, celebrar a diversidade e adquirir habilidades e atitudes sociais básicas e funcionais para o funcionamento democrático e para a sociedade do conhecimento (Duran & Vidal, 2007). Hoot et al. (2012) citam os cinco modelos mais frequentemente usados na ação tutorial: 1) Tutoria por Pares da classe toda; 2) Tutoria por Pares entre idades; 3) Estratégias de Aprendizagem Assistida por Pares; 4) Tutoria Recíproca por Pares; 5) Tutoria por Pares da mesma idade. Para que a díade tutor-tutorado possa funcionar, é necessário que os alunos tutores sejam treinados para exercer a função de colaborar com a aprendizagem do tutorado. Os alunos devem dispor de um roteiro de interação que lhes permita, em qualquer momento, saber o que têm de fazer em função do papel que desempenham. O treinamento prévio, especialmente dos tutores, é requisito fundamental para transformar a interação de colaboração em uma verdadeira relação de tutoria em que cada membro da dupla desempenha seu papel.

Uma educação inclusiva deve ter como foco do ensino a pessoa e não a sua deficiência, e isso implica uma reestruturação do sistema escolar, enfatizando-se o ensino, a escola e as condições de aprendizagem oportunizadas, bem como os recursos e suportes/apoios que poderão promover o sucesso escolar do aluno PAEE (Jannuzzi, 2012).

O planejamento desse suporte/apoio deve envolver cinco componentes básicos: identificação de experiências de vida almejadas; estabelecimento de metas a serem atingidas; determinação da intensidade de suporte/apoio necessários para atingir tais metas; desenvolvimento de plano de suporte individualizado; monitoramento/acompanhamento do progresso e avaliação. (Almeida, 2012, p. 60).

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi investigar o uso da estratégia TP como suporte/apoio personalizado a um aluno PAEE e avaliar se essa estratégia de colaboração no cotidiano escolar favoreceu a participação desse aluno nas atividades propostas.

Aspectos metodológicos

A pesquisa apoiou-se em uma abordagem metodológica qualitativa e de natureza aplicada (Gil, 2008). Quanto aos procedimentos, realizou-se pesquisa de campo (Marconi & Lakatos, 2003). O estudo foi submetido ao Comitê em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos, e aprovado conforme parecer CAAE: 96205918.1.0000.5504.

Participantes

Participaram da pesquisa dois professores, sendo um de Língua Portuguesa (sexo masculino, com 45 anos de idade e 24 anos de atuação no magistério) e um de Matemática (sexo feminino, 41 anos de idade e 11 de magistério), pois as sessões de tutoria ocorreram nas aulas dessas disciplinas - que foram selecionadas pelo fato de apresentarem uma carga horária maior que as demais disciplinas, seis aulas semanais (Resolução SE-30, de 10 de julho de 2017), o que possibilitou um tempo maior de interação entre o tutor e o tutorado.

Quanto aos alunos participantes, após observação inicial e em consulta aos professores, foram selecionados três alunos tutores (duas meninas e um menino, todos com 13 anos), de acordo com os critérios: empatia, facilidade de interação com os colegas e professores, assiduidade às aulas, destaque nas habilidades acadêmicas, participação efetiva nas atividades da sala de aula, responsabilidade e o fato de expressarem interesse em participar do programa. Foram escolhidos colegas da mesma sala e mesma idade porque, de acordo com a literatura, do ponto de vista da aprendizagem e do envolvimento, as díades de alunos de idades semelhantes são melhores que as díades formadas por alunos de diferentes idades. Optou-se também por mais de um tutor para evitar o cansaço advindo das sessões de tutoria e também para que o aluno tutorado pudesse exercer sua capacidade de interação com mais de um colega, não se tornando dependente de um só colega tutor (Duran & Vidal, 2007).

O aluno tutorado selecionado para o estudo foi indicado pela unidade escolar e encontrava--se registrado na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc) como um aluno com DI, o que garantia sua matrícula na Sala de Recursos, frequentada no contraturno, duas vezes por semana. No período da tarde, encontrava-se matriculado em sala regular, do 8º ano B, com 25 alunos, 16 meninos e 9 meninas. Segundo os registros da unidade escolar, o tutorado apresentava atraso em seu desenvolvimento acadêmico e problemas de ordem emocional, para os quais fazia uso de medicação. A equipe escolar identificava necessidades educacionais especiais em sua trajetória escolar e apresentou laudo médico que indicava apoio psicopedagógico suplementar para suas atividades escolares, o que justificou sua seleção para o presente estudo.

Todos os participantes e seus respectivos responsáveis consentiram com a realização da pesquisa.

Ambiente da pesquisa

A escola onde ocorreu o estudo localiza-se em uma cidade de pequeno porte do interior do estado de São Paulo, com 3.246 habitantes. É a única escola estadual na cidade e atende alunos do ensino fundamental - anos finais e alunos do ensino médio. Foi escolhida pela proximidade que a pesquisadora tinha com a unidade escolar e pelo fato de a escola possuir Sala de Recursos. Na época, a escola tinha 312 alunos matriculados, sendo 208 do ensino fundamental e 104 do ensino médio. Desses, dez frequentavam a Sala de Recursos. O efetivo da escola, na época da pesquisa, era de 24 docentes, três agentes de organização escolar, três secretárias e três funcionárias da limpeza. A equipe gestora contava com uma diretora substituta, uma vice-diretora e uma professora coordenadora pedagógica que atendia aos dois segmentos.

Instrumentos de coleta de dados

Para a realização deste estudo, foram utilizados dois tipos de instrumentos: roteiros de observação sistemática e não participante inicial e contínua e os roteiros de entrevista semiestruturada inicial e final.

Procedimentos de coleta de dados

O delineamento da pesquisa ocorreu em três etapas. A primeira, Elaboração do programa de tutoria por pares, consistiu em cinco sessões de observação sistemática e não participante realizadas em sala de aula, anterior à formação das díades, com o intuito de coletar informações acerca do comportamento do aluno tutorado e demais colegas. Os dados foram registrados no roteiro de observação inicial, atendendo às seguintes categorias: a) relação do professor com o aluno alvo da pesquisa e demais alunos; b) interação do tutorado com os colegas e o seu nível de participação nas atividades propostas pelos professores; c) participação dos demais alunos da sala, com destaque aos indicados pelos professores como alunos com características favoráveis para serem tutores. Ainda nessa etapa, ocorreram as entrevistas semiestruturadas iniciais com os professores e os alunos participantes.

Na segunda etapa, Implementação do programa Tutoria por Pares, foi necessário um planejamento cuidadoso. Esse programa seguiu nove passos essenciais sugeridos por Topping (2005): 1) Contexto - análise e seleção do aluno PAEE que deve participar do programa, qual turma, quais professores, quais disciplinas; 2) Objetivos - o que se deseja alcançar com a implementação do programa; 3) Área do currículo - quais disciplinas irão implementar o programa na aula; 4) Seleção e formação das duplas - por meio das observações iniciais na sala e consulta aos professores; 5) Estrutura e método de tutoria - escolha de qual dos cinco modelos de tutoria será adotado; 6) Treinamento dos tutores, capacitação dos professores e preparação do tutorado - chave para o sucesso de todo o programa; 7) Sessões - estabelecimento de horários; 8) Monitoramento - por meio de observação contínua para um acompanhamento efetivo das díades, especialmente da atuação do tutor; 9) Avaliação - contínua. Para a coleta de dados nessa etapa, foram realizadas 30 sessões de observações sistemáticas não participantes da atuação dos tutores em sala de aula e oito reuniões para avaliação das sessões de tutoria.

Na terceira etapa, Avaliação do programa de Tutoria por Pares, foram realizadas as entrevistas finais com todos os envolvidos, de modo a analisar e avaliar a influência da estratégia na participação do aluno PAEE, a relação tutor-tutorado, as expectativas dos tutores e professores envolvidos na ação tutorial e as impressões, entendimento e sentimentos acerca da tutoria, após a participação dos envolvidos.

No Quadro 1, tem-se o panorama geral da implementação do programa:

QUADRO 1 ETAPAS DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA TUTORIA POR PARES 

ETAPAS PROCEDIMENTO PARTICIPANTES FOCO DAS OBSERVAÇÕES/ENTREVISTAS
Etapa I

Elaboração do Programa

1.Contexto
2.Objetivos
3. Área do currículo
4. Seleção e formação das duplas
5. Estrutura e método de tutoria

Observação inicial, sistemática, estruturada e não participante
Aluno PAEE Potencialidades, características pessoais, interação com os colegas e participação nas atividades propostas pelos professores participantes da pesquisa.
Todos os alunos da sala de aula Participação na aula, interação com os colegas, com o aluno PAEE e professores para seleção dos três tutores.
Professores de Língua Portuguesa e Matemática Relacionamento com os alunos e, em especial, com o aluno PAEE.
Entrevista inicial semiestruturada
Tutorado
Alunos escolhidos como tutores
Percepção acerca do espaço que ocupa na sala de aula.
Percepção acerca do que inicialmente foi apresentado pela pesquisadora com relação ao programa.
Professores participantes da pesquisa Percepção acerca da participação do aluno com DI nas aulas.
Etapa II

Implementação do Programa

6. Treinamento dos Tutores
7. Sessões de Tutoria
8. Monitoramento
1. Observação contínua, sistemática, estruturada e não participante

2. Reuniões de Tutoria
Tutores

Tutorados
Desempenho das díades durante a realização das atividades na sala de aula (Monitoramento).
Etapa III

9. Avaliação do Programa

Entrevista final semiestruturada

Tutores
Tutorado
Professores de Língua Portuguesa e Matemática
Percepção da participação do aluno PAEE após a implementação do programa.

Fonte: Elaboração das autoras.

Na etapa II, ocorreu o treinamento dos tutores. Baudrit (2009) afirma que os tutores precisam ser bem treinados e sugere a utilização do método PPP: Pause, Prompt, Praise - Esperar, Intervir, Encorajar (EIE). No estudo, adotou-se a sigla EIE para referência ao método. O autor enfatiza que o método melhora as habilidades psicossociais e de interação do tutor, pois exige o uso de habilidades sociais comunicativas, como, por exemplo, prestar atenção ou se expressar com clareza e ajudar e dar tempo ao tutorado para pensar ou formular perguntas. Os três tempos do método EIE instruem o tutor quanto a: esperar que o tutorado identifique os seus erros e tenha tempo suficiente para corrigi-los; intervir, para poder ajudá-lo na investigação, caso ele, sozinho, não tenha sucesso na retificação dos seus erros; e encorajar os comportamentos de autocorreção, levando o tutorado a utilizar apropriadamente as informações fornecidas pelo tutor.

Análise de dados

Para a análise dos dados desta pesquisa, foi adotada a técnica de Análise de Conteúdo de Bardin (2010). Apresentam-se, a seguir, os procedimentos utilizados para o tratamento dos dados.

O primeiro deles foi a Organização da Análise, quando ocorreu a pré-análise, por meio da leitura flutuante do material recolhido durante toda a pesquisa, momento em que se decidiu acerca dos documentos que compuseram o corpus da análise (os registros das observações iniciais e contínuas; os registros das reuniões de tutoria e os discursos das 12 entrevistas). Por fim, organizou-se o quadro teórico em que os resultados da análise foram tratados de acordo com a literatura consultada ao longo do estudo.

O segundo procedimento foi a Codificação, quando os dados brutos do texto transformaram--se em uma representação do conteúdo estudado no corpus, obtendo-se também as características das mensagens, escritas ou verbais. Foram seguidas três técnicas: recorte, enumeração e classificação e agregação.

O procedimento seguinte foi a Categorização, realizada em duas etapas - inventário e classificação -, o que permitiu definir as dez categorias em torno das quais os dados foram discutidos, a saber: a) Relação do tutorado com os tutores e os professores; b) Entendimento acerca do programa TP; c) Percepções dos tutores e professores sobre o programa TP; d) Percepções sobre as expectativas com relação ao programa TP; e) Percepções dos tutores sobre o processo de treinamento para a ação tutorial; f) Percepções dos envolvidos sobre a participação do tutorado; g) Duração das sessões de tutoria; h) Dificuldades na ação tutorial; i) Autoavaliação da experiência de tutoria; j) Avaliação do programa TP após o término da pesquisa na percepção dos professores e tutorado.

O quarto e último procedimento - Tratamento dos resultados, inferência e interpretação dos resultados - possibilitou encontrar as respostas para o questionamento da pesquisa, por meio dos discursos dos participantes, com base nas respostas das entrevistas e nos discursos do tutorado e tutores nas reuniões de tutoria, com o objetivo de comparar fielmente a participação do tutorado em sala de aula. Nessa fase, voltou-se aos marcos teóricos pertinentes à investigação. O Quadro 2, a seguir, apresenta como as categorias foram elaboradas.

QUADRO 2 ELABORAÇÃO DAS CATEGORIAS 

CATEGORIAS ELABORAÇÃO
1 - Relação do tutorado com os tutores e os professores. A observação inicial e os discursos nas entrevistas iniciais e finais foram essenciais para se realizar a comparação dos participantes antes e após a implementação do programa.
CATEGORIAS ELABORAÇÃO
2 - Entendimento acerca do programa TP. Elaborado com base nos discursos dos tutores após o treinamento e dos professores após a capacitação, o que possibilitou à pesquisadora inferir o entendimento que tiveram acerca do programa e inclusive retomar pontos que não ficaram bem esclarecidos.
3 - Percepções dos tutores e professores sobre o programa TP. 4 - Percepções sobre as expectativas com relação ao programa TP. Os discursos dos tutores e professores apresentaram claramente o que os diversos autores afirmam com relação à formação das díades e ao sentimento dos participantes quanto a colaborarem com a melhora do aluno que necessita de ajuda.
5 - Percepções dos tutores sobre o processo de treinamento para a ação tutorial. Apresentou a importância de se realizar um bom treinamento com os tutores para que as sessões de tutoria sejam bem realizadas.
6 - Percepções dos envolvidos sobre a participação do tutorado. Emergiram dados que possibilitaram avaliar a participação do tutorado antes e após a implementação do programa.
7 - Duração das sessões de tutoria. 8 - Dificuldades na ação tutorial. 10 - Avaliação do programa TP após o término da pesquisa na percepção dos professores e tutorado. Fundamentais para se estabelecerem os pontos que precisam ser mais bem elaborados quando se vai implementar a estratégia de Tutoria por Pares em uma sala de aula.
9 - Autoavaliação da experiência de tutoria. Foi possível inferir a presença do que a literatura apresenta com relação à satisfação que os alunos envolvidos na ação tutorial sentem ao participarem de um programa de TP.

Fonte: Elaboração das autoras.

Resultados e discussão

Os resultados encontrados dizem respeito ao processo de análise de conteúdo aplicado com base nos discursos dos participantes ao longo do estudo e são apresentados em dois momentos: 1) resultados encontrados antes da implementação do programa e 2) resultados encontrados após a implementação do programa. Para indicar os discursos dos participantes, serão utilizadas as siglas TT para o tutorado, T1 para o tutor 1, T2 para o tutor 2, T3 para o tutor 3, PLP para o professor de Língua Portuguesa e PM para o professor de Matemática.

Resultados encontrados antes da implementação do programa de TP

Na primeira categoria, Relação do tutorado com os tutores e os professores, observou-se que o TT não tinha vínculo de amizade com nenhum colega da sala a não ser um que se sentava atrás dele, que era quem o ajudava a realizar as atividades propostas pelos professores. Na entrevista inicial, ao relatar como os colegas o tratavam, o TT respondeu apenas: “Bem”; os tutores, por sua vez, sobre como era o relacionamento deles com o TT antes do início do programa, responderam2 (Quadro 3):

QUADRO 3 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE O RELACIONAMENTO COM O TUTORADO 

Respostas dos tutores TUTORES
“Eu não tenho muita amizade com ele, mas conheço ele bem para ajudá-lo.” T1
“Bom. Não temos indiferenças.” T2
“Não é uma grande amizade, mas conheço ao ponto de saber o que preciso para ser tutor dele.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da entrevista inicial com os tutores.

Quando perguntado sobre seu relacionamento com os professores, o TT respondeu que uns o ajudavam e outros não. Em uma reunião de tutoria, disse que a professora de Matemática era legal, tinha paciência com ele, explicava bem e o elogiava bastante, mas, como ele não conseguia ler nem escrever, o professor de Português achava que ele não queria fazer as atividades.

Na segunda categoria, Entendimento acerca do programa Tutoria por Pares, quando se perguntou ao TT na entrevista inicial se ele entendeu como se daria sua participação na pesquisa, ele respondeu: “Você vai, como fala? Você vai dialogar, aí depois vai conversar com os professores e com os alunos”. A continuação do diálogo foi: Quem serão esses alunos? “Tutores” (TT). E esses alunos tutores o que farão? “Eles vai sentar junto comigo e vai me ajudar” (TT). Duran e Vidal (2007) afirmam que os tutorados mostram-se satisfeitos com a ajuda de um colega “em detrimento do preconceito que sustenta que os alunos tendem a rejeitar a ajuda de seus iguais e buscar a do professor” (Duran & Vidal, 2007, p. 36).

Após quatro dias de treinamento dos tutores, relataram o que entenderam sobre a estratégia TP (Quadro 4):

QUADRO 4 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE O ENTENDIMENTO ACERCA DA ESTRATÉGIA TUTORIA POR PARES 

Respostas dos tutores TUTORES
“É quando dois alunos estudam juntos, nas atividades em sala de aula.” T1
“É um momento em que um aluno com mais habilidade ajuda o outro a melhorar seu aprendizado.” T2
“Tutoria por pares pode ser interpretada e compreendida como uma forma de incentivar o tutorado a se desenvolver e para isso tem o tutor que irá ajudá-lo.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da entrevista inicial com os tutores.

Após a formação, os professores conseguiram entender um aspecto significativo da ação tutorial, que é o benefício que ela traz para as aulas (Quadro 5).

QUADRO 5 DISCURSO DOS PROFESSORES SOBRE O ENTENDIMENTO ACERCA DA ESTRATÉGIA TUTORIA POR PARES 

Respostas dos professores TUTORES
“Acredito que seja uma estratégia bastante útil ao professor e também aos alunos, tanto para os tutores quanto aos alunos com alguma dificuldade específica.” PLP
“Com toda certeza o processo de investigação será benéfico tanto para melhoria da minha prática quanto para a aprendizagem do aluno.” PM

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da entrevista inicial com os professores.

Duran e Vidal (2007, p. 14) enfatizam que os professores devem tirar proveito da capacidade “de cooperação entre os alunos e, justamente, ver as diferenças entre os estudantes como um elemento enriquecedor e de ajuda na tarefa educativa”. Os autores afirmam que muitos professores acreditam que perderão o controle da aula e terão problemas de disciplina se utilizarem o trabalho cooperativo, mas, ao contrário, os resultados do trabalho cooperativo incentivam os alunos a assumirem o “controle das normas, regrando os colegas e a si mesmo[s] e que toda essa mudança na sala de aula deve estar sob a supervisão dos professores” (Duran & Vidal, 2007, p. 36).

Na terceira categoria, Percepções dos tutores e professores sobre o programa, os tutores demonstraram que entenderam que foram escolhidos em razão do seu desempenho escolar (Quadro 6).

QUADRO 6 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE O SENTIMENTO DE TEREM SIDO CONVIDADOS PARA SEREM TUTORES  

Respostas dos tutores TUTORES
“Senti que sou uma aluna exemplar, boa para ser uma tutora.” T1
“Achei legal, mas ao mesmo tempo, não sei se conseguirei ter essa responsabilidade toda.” T2
“Me senti feliz por poder ajudar alguém com meu conhecimento.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da entrevista inicial com os tutores (2019).

Duran e Vidal (2007) afirmam que o tutor sente que a aprendizagem do tutorado vai depender do nível de ajuda que ele irá lhe proporcionar e isso fará com que ele “envolva-se afetivamente na qualidade dessa relação, da qual, pelo papel que desempenha, é o máximo responsável” (p. 47), o que vem ao encontro do discurso do T3. Foi ele, inclusive, que durante todo o processo mais trabalhou com o TT nas aulas de Matemática.

Quanto aos professores, mostraram-se muito satisfeitos em terem sido escolhidos para participarem da pesquisa (Quadro 7).

QUADRO 7 DISCURSO DOS PROFESSORES SOBRE O SENTIMENTO DE TEREM SIDO ESCOLHIDOS PARA PARTICIPAR DA PESQUISA 

Respostas dos professores TUTORES
“É muito bom poder colaborar com iniciativas que deem suporte aos que mais necessitam, principalmente os alunos com maior grau de dificuldade, já que muitas vezes o professor, por vários motivos, não consegue dar uma atenção maior a eles.” PLP
“Sinto-me muito honrada e agradecida pela oportunidade.” PM

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da entrevista inicial com os professores (2019).

Com relação à quarta categoria, Relatos sobre as expectativas com relação ao programa Tutoria por Pares, os discursos nas entrevistas iniciais, após a apresentação de tudo o que iria acontecer durante o programa, revelaram as esperanças dos participantes depositadas em uma estratégia que seria implementada com o objetivo de avaliar a participação de um aluno que, até então, não tinha uma participação de qualidade na sala de aula, conforme se verifica no Quadro 8:

QUADRO 8 EXPECTATIVAS DOS PARTICIPANTES COM RELAÇÃO AO PROGRAMA TUTORIA POR PARES 

Respostas dos tutores e professores PARTICIPANTES
“Porque eles [os tutores] vai me ajudar.” Tutorado
“Que vai dar tudo certo.” T1
“Vai ser difícil, trabalhoso e não vai ser fácil.” T2
“Acho que resultará em uma ótima pesquisa.” T3
“Espero que os tutores possam ajudar a sanar os problemas de aprendizagem, auxiliar na diminuição das dificuldades dos colegas e melhorar algumas relações de amizade entre a sala.” PLP
“Acredito que o estudo melhorará a qualidade das minhas aulas.”
“Pode ajudar o aluno com deficiência e também pode contribuir na conscientização da sala sobre o tema e estimulá-los a conviver com a diversidade.”
PM
“Poderá ser positiva quando um colega conseguir fazer o outro entender certos conteúdos ainda não dominados totalmente, além de promover aproximação entre os estudantes através de parceria. Acredito que as aulas ficarão mais interessantes, poderão ser mais dinâmicas.”
“A utilização dela [estratégia TP] durante as aulas será bastante benéfica para todos que participam das aulas, principalmente para o professor, que poderá contar com uma ajuda extra dos tutores.”
PLP

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas iniciais.

A afirmação do PLP está de acordo com as definições apresentadas na literatura. Duran e Vidal (2007) apontam que a estratégia TP mostra aos professores que, na aula, não se encontram sozinhos para executar seu trabalho educativo e que os alunos podem se tornar aliados nessa tarefa, pois todos têm capacidade para ajudar os colegas que precisam de um suporte a mais para aprender. Enfatizam também que esse momento de interação entre os alunos poderá até ser benéfico para a solução dos problemas de disciplina que existem em uma sala de aula, pois o foco da aprendizagem será o “diálogo sobre as atividades entabuladas pelas duplas”, o que permitirá “a aprendizagem e a metacognição” (Duran & Vidal, 2007, p. 65), que é uma grande oportunidade para os professores perceberem como seus alunos pensam.

Para que as sessões de tutoria ocorram com sucesso, é necessário que se dedique um tempo de qualidade ao treinamento dos tutores. Conforme apontam Mosca e Santiviago (2013), a experiência de formar e treinar as díades coloca tanto o tutor quanto o tutorado em um papel ativo em relação ao processo de aprendizagem nos aspectos acadêmicos e afetivos, sendo justamente esses aspectos que dão suporte aos processos de aprendizagem.

Por isso, na quinta categoria, Percepção dos tutores sobre o processo de treinamento para a ação tutorial, perguntou-se aos tutores se a semana de treinamento, anterior ao início do programa, foi suficiente para instruí-los para as sessões de tutoria (Quadro 9).

QUADRO 9 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE O TEMPO DO TREINAMENTO PARA A AÇÃO TUTORIAL 

Respostas dos tutores TUTORES
“Bastante, mas acho que não vai ser tão fácil assim.” T2
“Sim, mas ainda teremos mais reuniões e também terei a ajuda de mais dois colegas.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas iniciais.

Foi perguntado também aos tutores se entenderam qual seria o papel que iriam desempenhar (Quadro 10):

QUADRO 10 DISCURSO ACERCA DO PAPEL DO TUTOR 

Respostas dos tutores TUTORES
“Sim. Teremos que ajudar o tutorado nas atividades, explicar as matérias que ele não entendeu de uma maneira mais fácil, para que ele compreenda.” T1
“O tutor deve ter paciência durante o tempo que estiver ensinando o tutorado, no nosso caso, dois meses. Não colocar pressão em cima do tutorado, muito menos se sentir mal se ele não conseguir.” T2
“Estou a par das minhas atividades, responsabilidades. Terei que ajudar o tutorado, esperando, intervindo e encorajando-o.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas iniciais.

De acordo com Baudrit (2009, p. 46), a missão dos tutores é “ajudar os seus pares quando estes têm problemas de aprendizagem, mas também de integração ou de inserção”.

Na sexta categoria, Percepções dos envolvidos sobre a participação do tutorado, pode-se inferir que os tutores entenderam que, além da competência acadêmica, a social também deve ser estimulada (Quadro 11).

Antes do término do treinamento, a pesquisadora realizou a entrevista inicial com os tutores e pode-se inferir que eles entenderam que não só a competência acadêmica, mas a social também deveria ser estimulada, como vemos no Quadro 11.

QUADRO 11 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE A INFLUÊNCIA DA AÇÃO TUTORIAL NA PARTICIPAÇÃO DO TUTORADO 

Respostas dos tutores TUTORES
“A se enturmar e participar mais das aulas, melhorando o seu desenvolvimento.” T1
“No desempenho na escola em todos os sentidos: com os amigos e nas aulas.” T2
“Poderá ajudá-lo a se socializar, pois ele irá ficar mais encorajado e não terá vergonha de perguntar o que irá ajudá-lo a tirar suas dúvidas. Assim ele conseguirá entender a matéria. Mas, o mais importante é que o tutorado ficará mais concentrado.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas iniciais.

O próximo quadro apresenta os discursos dos tutores e dos professores nas entrevistas iniciais com relação à participação do TT na sala de aula (Quadro 12).

QUADRO 12 DISCURSO DOS PARTICIPANTES SOBRE A PARTICIPAÇÃO DO TUTORADO ANTES DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA TUTORIA POR PARES 

Respostas dos tutores e professores PARTICIPANTES
“Ele é bem quieto, não se enturma muito com os outros e não é de participar das aulas.” T1
“Devagar, muito quieto. Tem dificuldades e não se expressa muito nas aulas.” T2
“Não é muito boa. Ele tem vergonha de si mesmo e também é distraído e isso não faz bem a ele.” T3
“O aluno apresenta pouquíssima interação durante as aulas. Conversa com alguns colegas também, mas não com todos eles, pois é um tanto arredio. Entra em contato com o professor apenas para pedir para ir ao banheiro ou ir tomar água. Na hora de responder à chamada, normalmente se esquece e alguns colegas têm que lembrá-lo desse detalhe. Apresenta bastante dificuldade nas tarefas cotidianas, não pergunta quando tem alguma dúvida. Em alguns momentos, aparenta estar passando mal, às vezes chora.” PLP
“Ele é apático. Realiza as atividades sempre com a ajuda de uma colega. Não participa dando sua opinião ou respondendo algum questionamento.” PM

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas iniciais.

Resultados encontrados após a implementação do programa de TP

Na primeira categoria, Relação do tutorado com os tutores e os professores, os tutores confirmaram que houve evolução da interação com o TT (Quadro 13).

QUADRO 13 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE A INTERAÇÃO COM O TUTORADO AO LONGO DAS SESSÕES 

Respostas dos tutores TUTORES
“No começo ele não demonstrava interesse. Até pensou em desistir, mas agora ele está até participando mais das aulas.” T1
“Fui sincera com ele. Falando sempre a verdade, assim fomos nos aproximando mais.” T2
“Ele tem muito mais segurança de falar comigo agora do que no começo e acabamos virando amigos.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da entrevista final com os tutores.

Essa relação que se estabelece em uma ação tutorial promove interações sociais entre os envolvidos, pois os tutores mostram-se capazes de ouvir, aconselhar e fornecer informações ao TT quando ele sente dificuldades, o que o leva a adquirir confiança nos tutores (Baudrit, 2009). Observou-se que essa relação com os tutores estendeu-se a outros colegas da sala de aula, pois, diferentemente da semana em que foi realizada a observação inicial, o TT saía de sua mesa para conversar com outros colegas e eles também vinham até a sua mesa para pedir algum material emprestado ou para conversar.

Ao término do programa, os discursos nas entrevistas finais permitem inferir que o relacionamento dos participantes modificou-se. Quando perguntado ao TT se receber a ajuda de um colega fez diferença na sua vida diária na escola, sua resposta foi:

Fez. Antes eu não tinha amizade com o R. (T3) e a G. (T1). Com a I. (T2) eu tinha. Agora nós somos amigos e até fomos dormir na casa de outra colega. E no dia seguinte o R. (T3) e a I. (T2) e a irmã dela foram comer na minha casa. Aconteceu isso duas vezes já. Antes nunca tinha acontecido. Acho que os três tutores gostam muito de mim. Ter ficado amigo deles foi melhor do que ter melhorado nas atividades (TT).

Na quinta categoria, Percepção dos tutores sobre o processo de treinamento para a ação tutorial, com base nas observações contínuas realizadas durante todo o programa, acredita-se que o tempo de uma semana utilizado para o treinamento dos tutores foi suficiente para o trabalho realizado nesta pesquisa. No entanto, destaca-se que, em outra situação, com mais tutorados e tutores e, dependendo da condição de deficiência que exija um treinamento mais amplo para se conhecer e saber lidar com diferentes características, deva ser reservado um tempo maior para o referido treinamento.

O próximo quadro apresenta os discursos dos tutores e dos professores nas entrevistas finais (Quadro 14), que expressam uma mudança na participação do TT, tanto na competência acadêmica quanto na social, mas nomeadamente na social:

QUADRO 14 DISCURSO DOS PARTICIPANTES SOBRE A PARTICIPAÇÃO DO TUTORADO APÓS A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA TUTORIA POR PARES 

Respostas dos tutores e professores PARTICIPANTES
“Sei que ajudei muito ele. De verdade ele precisava. Pelo menos ele recebeu um pouco mais de conhecimento e também ficou mais confiante. Está até falando demais.” T1
“Me sinto realizada, mas pretendo ano que vem não participar mais desse programa, pois se ele não melhorar, não ficaria feliz, pois me acharia impossibilitada de ajudar alguém. E também foi bom porque ficamos amigos.” T2
“Muito feliz por saber que o pouco de inteligência que eu tenho eu posso desenvolver mais ajudando ele. Me sinto como se tudo estivesse no lugar. Dever cumprido. Além de ter feito amizade com ele. Está até falando nas aulas, coisa que ele não fazia antes. Então acho que ajudei em tudo né?” T3
“Sim, na medida do possível, em relação ao que ele conseguia, ele melhorou. Interessante observar que o tutorado ficou meio dependente dos tutores e não realizava nada sem os mesmos.”
“No sentido de se sentir gente, receber atenção dos colegas e conseguir ocupar mais espaço na sala de aula. O aluno com DI foi mais notado e quiseram ajudá-lo.”
“O aluno continuou interagindo pouquíssimo com o professor, mas com alguns colegas, inclusive não tutores, começou até a debater em alguns momentos.”
PLP
“Como dito anteriormente, o aluno está muito mais confiante e participativo.”
“O aluno está mais solto, participa mais das atividades diferenciadas, pergunta mais e desenvolveu um raciocínio lógico melhor.”
PM

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas finais com os tutores e professores.

Vale ressaltar que, durante as sessões de tutoria, o método EIE foi utilizado e acredita-se que ele foi fundamental para o bom andamento do programa. Os tutores procuravam encaminhar a sessão na seguinte ordem: primeiro explicavam a atividade e esperavam pela resposta do TT; em seguida, quando ele não respondia ou respondia de maneira não satisfatória, eles intervinham, procurando explicar de outra maneira; ao terminar as sessões, sempre davam um feedback, encorajando-o a persistir. Houve insistência da pesquisadora nesse método, porque foi uma maneira de impedir que os tutores - ao explicar a atividade, se o TT não conseguisse fazê-la - dessem a resposta pronta. É importante informar ao TT que o método será usado, para que ele tenha ciência que a realização das atividades por ele está vinculada a esses três passos.

As reuniões de tutoria eram momentos dedicados a avaliar as sessões de tutoria. Foram realizadas, no total, oito reuniões. A seguir, apresenta-se uma breve linha do tempo com fatos importantes que marcaram cada uma.

Fonte: Elaboração das autoras com base nos registros das reuniões de tutoria.

FIGURA 1 LINHA DO TEMPO DAS REUNIÕES DE TUTORIA  

Na última reunião de tutoria, foi realizada uma avaliação do programa. Nela, os tutores relataram que sentiram que eles próprios mudaram, pois perceberam o quanto é difícil uma pessoa querer aprender e ter dificuldade e o quanto é difícil ensinar. O TT relatou:

Estou feliz porque estou fazendo as continhas. Melhorei mais em Matemática do que em L.P. Minha maior dificuldade é ler e escrever. Quero agradecer aos meus amigos [no início ele se referia aos tutores como colegas] que me ajudou. Antes minha mãe olhava meus cadernos e perguntava o que eu aprendi na escola e eu não sabia falar. Agora eu explico. E também gostei porque eles vai na minha casa”. (TT).

Para concluir o estudo, perguntou-se aos tutores se eles gostariam de continuar realizando as sessões. Os três tutores disseram que sim, mas que gostariam que novos tutores fossem treinados para eles poderem descansar um pouco (Quadro 15).

QUADRO 15 SENTIMENTO DOS TUTORES EM CONTINUAR REALIZANDO A AÇÃO TUTORIAL 

Respostas dos tutores PARTICIPANTES
“Sim. Apesar de cansar bastante, mas sei que estou ajudando alguém que precisa.” T1
“Sim, mas é muito cansativo. Na próxima vez, poderia receber uma recompensa pelo meu esforço. Um brinde, qualquer coisa (risadas).” T2
“Sim e não. Quero muito me priorizar agora e sei que com ele isso não será fácil.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das observações das reuniões de tutoria.

Após o término do programa, deu-se início à avaliação da utilização da estratégia, por meio das entrevistas finais. Na sétima categoria, Duração das sessões de tutoria, os participantes relataram se o tempo destinado às sessões foi suficiente (Quadro 16).

QUADRO 16 VISÃO DOS PARTICIPANTES SOBRE A DURAÇÃO DAS SESSÕES DE TUTORIA 

Respostas dos tutores e professores PARTICIPANTES
“Sim. Acho que foi.” T1
“Não, pois ele não aprendeu o suficiente, principalmente em Língua Portuguesa que não evoluiu muito.” T2
“Sim. Aconteceu mais coisas do que eu esperava e sinto que se eu continuar ajudando ele irá melhorar ainda mais.” T3
“Dependendo da atividade feita, foi suficiente, pois os tutores auxiliaram muito o colega.” PLP
“Sim.” PM

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas finais.

Os autores consultados não determinam uma quantidade de tempo que deva ser destinada à ação tutorial. Duran e Vidal (2007) deixam a cargo do professor combinar o tempo em que as sessões irão acontecer, se dentro ou fora do horário escolar, e também citam uma experiência de TP que foi realizada “dentro de um contexto de formato estruturado em sessões semanais de 45 minutos, durante um período de dois meses e meio a cinco meses, com cinco sessões prévias de formação inicial” (p. 45). Baudrit (2009, p. 15) citou uma experiência de TP bem-sucedida em que as sessões foram “repartidas por oito semanas, à razão de três sequências de quarenta e cinco minutos por semana”. Hoot et al. (2012, p. 3) consideram que “a tutoria por pares pode ocorrer duas a três vezes por semana durante 20 minutos”. Nesse programa, as díades trabalharam ao todo 100 aulas, com encontros diários de 50 ou 100 minutos quando as aulas eram duplas.

De acordo com os resultados obtidos, acredita-se que esse tempo deve variar conforme cada situação: quantidade de alunos envolvidos, tipo da deficiência e o local onde a ação tutorial será realizada. O importante é que haja um planejamento criterioso para que esse tempo seja significativo para o trabalho das díades e para que, ao mesmo tempo, previna o cansaço dos tutores.

Na oitava categoria, Dificuldades na ação tutorial, pode-se perceber o quanto a implementação dessa estratégia tem de ser cuidadosamente elaborada, tanto que Arguis et al. (2002, p. 16) alertam que a tutoria “não é obra de um dia, é um trabalho interativo entre todos. Existe o perigo de traçar um perfil tão perfeito que seja irrealizável ou que pareça tão irrealizável aos tutores que eles desistam no primeiro momento”. Por meio das observações contínuas, elencaram-se quatro situações que causaram cansaço aos tutores: 1) explicar três, quatro e até mais vezes o mesmo exercício e de maneiras diferentes, o que exigiu paciência e habilidade; 2) trabalhar com o TT antes de eles próprios realizarem o exercício, o que diminuiu o tempo de eles realizarem a atividade no próprio caderno; 3) perguntar ao professor alguma dúvida para não explicar errado ao TT, o que normalmente eles não fariam, pois a dúvida seria esclarecida na hora da correção coletiva, mas essa situação não podia ser esperada porque a orientação ao TT acontece antes desse momento de solução de dúvidas; 4) ter cuidado ao falar com o TT para não criar nenhum constrangimento. Por esse motivo, acredita--se que é essencial que haja mais tutores para que seja possível uma divisão melhor do tempo destinado às sessões de tutoria.

Na nona categoria, Autoavaliação da experiência de tutoria, o discurso do TT demonstra o quanto ele se sentiu beneficiado com a utilização da estratégia:

Foi legal. Foi divertido. Eu melhorei em outras coisas fora da escola, como contar dinheiro e mandar mensagens no WhatsApp. Eu só fazia continha de mais. Agora eu consigo fazer de menos, vezes e de dividir. Consegui melhorar um pouco a leitura. Antes eu não conseguia escrever nenhuma mensagem no WhatsApp. Agora eu consigo escrever um pouco. Mando mensagem para meu pai e minha tia. Eu não conseguia ler os nomes no celular. Pedia para a minha mãe ler. Agora eu leio quase todos. (TT).

Quando se perguntou o que mais gostou em ser tutorado, TT respondeu: “Gostei mais de ter conseguido fazer mais coisas”. Questionado sobre o que menos gostou, TT disse: “Não consegui melhorar muito em Português”. Sobre o que acha que não deu certo, TT afirmou: “Tudo deu certo”. Podemos inferir que ele estava mais confiante por poder realizar as atividades que não conseguia anteriormente. Acerca disso, Fulk e King (2001) destacam que a TP parece ser particularmente benéfica para melhorar a autoestima do TT que apresenta baixo desempenho social e acadêmico. Mas não foi só o TT que sentiu os benefícios da estratégia no seu dia a dia, conforme se percebe pelo que os tutores declararam (Quadro 17).

QUADRO 17 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE O SENTIMENTO DE TEREM SIDO TUTORES  

Respostas dos tutores TUTORES
“Pra mim foi muito bom porque eu sei que ajudei o meu próximo e também me aperfeiçoei na minha aprendizagem.”
“Não sei dizer ao certo, mas foi uma experiência muito importante para o meu crescimento.”
T1
“Dificultoso, mas boa parte me senti bem por estar ajudando o tutorado assim também acabei me ajudando.”
“Não sei responder muito bem porque foi uma mistura de muita coisa. Só sei dizer que foi bem legal.”
T2
“Foi ótimo e ruim ao mesmo tempo. Ruim quando via que ele não conseguia fazer. Me sentia mal, mas nunca pensei em desistir.”
“O que eu mais gostei foi de ser elogiado pelo tutorado e pelos professores. Foi um reconhecimento.”
T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas finais.

A necessidade de ajudar outro colega a resolver problemas que sozinho ele não consegue fez com que o tutor organizasse seu próprio processo cognitivo para poder transmitir o conteúdo de maneira mais clara ao TT. A percepção do benefício cognitivo que o tutor adquiriu ao desempenhar seu papel foi retratada nos discursos dos tutores (Quadro 18).

QUADRO 18 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE O SENTIMENTO DE TER ATUADO COMO PROFESSORES 

Respostas dos tutores TUTORES
“Eu acho que essa experiência foi boa até para mim, porque eu me aperfeiçoei na minha aprendizagem e ajudei principalmente na aprendizagem do tutorado.”
“Me senti importante, me senti feliz ajudando uma pessoa que precisa.”
T1
“Eu acho que esta frase diz tudo sobre o tutor, não só para a escola, mas para a vida toda. Ensinando o tutorado aprendi mais.”
“Achei ruim ser um professor porque professor sofre para tentar fazer os alunos aprenderem. Mas por um outro lado me ajudei ajudando o tutorado e me senti uma pessoa importante.”
T2
“Acho que faz muito sentido pois, quando você quer ensinar, você se dedica ao máximo para não ensinar nada errado e procura ensinar da melhor forma de se resolver. Assim, ajudando o tutorado, o tutor se ajuda.”
“Animado! A cada dia queria ensinar algo que ele iria usar para resolver questões ou ler. Queria ajudá-lo de alguma maneira.”
T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas finais (2019).

Mas, ao serem questionados sobre o que menos gostaram, os tutores relataram sentimento de frustração. Nesse sentido, é importante demonstrar aos tutores, durante todo o programa, que há uma preocupação especial com eles. O Quadro 19, a seguir, apresenta os aspectos com os quais os tutores mais se sentiram incomodados ao exercer a função.

QUADRO 19 DISCURSO DOS TUTORES SOBRE O QUE MENOS GOSTARAM EM SER TUTOR 

Respostas dos tutores TUTORES
“Apenas o fato dele não saber ler atrapalhou um pouco.” T1
“Ter que ficar soletrando, repetir novamente e não saber ensinar questões que eu mesma não sabia.” T2
“De ter que priorizá-lo e esquecer um pouco de mim.” T3

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados das entrevistas finais.

A décima categoria, Avaliação do programa Tutoria por Pares após o término da pesquisa na percepção dos professores e tutorado, foi importante, pois permitiu entender realmente o impacto que o programa teve na vida dos participantes. Quando perguntado se ele achava que outros alunos mereciam essa mesma oportunidade, o TT respondeu: “Sim, porque vira amigo e aprende” (TT). E, quando questionado se gostaria de continuar recebendo esse incentivo após o término da pesquisa, o TT disse: “Sim, claro”. Essas afirmações vão ao encontro do que Arguis et al. (2002) afirmam sobre a estratégia TP: “pode dar lugar para que se melhore desde o rendimento acadêmico até as relações interpessoais” (p. 79) e dos apontamentos de Duran e Vidal (2007) quando declaram que a TP cria um ambiente em sala de aula fundamental para os “bons resultados afetivos e interpessoais” (p. 17). Para os professores, foi perguntado se eles continuariam usando essa estratégia em suas aulas ou se ela serviu apenas para colaborar com a pesquisa. O PLP respondeu que já estava utilizando a estratégia em outras aulas e classes e que percebeu que o aluno com DI estava se sentido mais apoiado para realizar os trabalhos e que, com certeza, continuaria adotando a referida estratégia. O PM também disse que continuaria a usá-la nas aulas.

Conclui-se a análise dos dados com o discurso dos professores na entrevista final, quando se questionou sobre a motivação que o tutorado e os tutores tiveram para realizar as atividades utilizando a TP (Quadro 20).

QUADRO 20 DISCURSO DOS PROFESSORES SOBRE A MOTIVAÇÃO QUE O PROGRAMA PROPORCIONOU AO TUTORADO E AOS TUTORES 

Respostas dos professores PROFESSORES
“Para os tutores foi um momento excelente para demonstrar coleguismo; para o tutorado foi a oportunidade de se ver como pessoa, ser lembrado e ajudado pelos outros.” PLP
“O tutorado está muito mais confiante, participativo e feliz. Também foi uma experiência gratificante para os tutores por terem a oportunidade de aprender e conviver com a diversidade.” PM

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da entrevista final.

Considerações finais

Garantir a participação do aluno PAEE é um direito conquistado em lei e os serviços de suporte centrados em Salas de Recursos, muitas vezes, tornam-se ineficientes para tal objetivo. Assim, é dever da escola identificar e trabalhar da melhor forma possível as diferentes estratégias e desenhos possíveis que atendam às necessidades dos alunos, adaptando-se às especificidades de cada um, promovendo competências acadêmicas e de interação social entre eles por meio de estratégias que possibilitem a aquisição de tais competências. Nesse sentido, a análise dos dados deste estudo indicou que a estratégia TP pode ser associada aos demais serviços de suporte educacional previstos para os alunos PAEE no sistema regular de ensino.

Os resultados, no entanto, indicam cinco questões que merecem atenção e um melhor planejamento para sua condução. A primeira questão refere-se à quantidade de tutores. É importante que tal quantidade seja suficiente para a demanda exigida nas sessões de tutoria, a fim de não sobrecarregá-los. Uma segunda questão é a dependência que se estabelece do tutorado com os tutores. Para evitá-la, uma solução seria diminuir a frequência da intervenção dos tutores. Nesse programa, eles se sentaram um ao lado do outro durante todas as sessões de tutoria. Poderia se pensar numa situação em que o próprio tutorado estabelecesse o momento em que ele não precisaria mais dessa assistência contínua, deixando-se claro que ele pode procurar a ajuda do tutor sempre que sentir necessidade. A terceira questão é a afinidade do tutorado com o professor que irá utilizar a estratégia nas suas aulas. É necessário que ele tenha uma boa interação com tal professor. A quarta questão refere-se ao tempo de implementação do programa. Destaca-se que esse estudo foi realizado em um curto período de dois meses e em apenas duas disciplinas do currículo escolar. Há a necessidade de se considerar aspectos sobre a manutenção das estratégias ao longo de um ano escolar. Assim, considera-se que sejam necessárias novas investigações, abordando outras populações, demandas diferentes no processo de escolarização, uma amostra maior de participantes, diferentes turmas. É também preciso avaliar o impacto da tutoria no desempenho acadêmico dos tutores e não só dos tutorados, aprimorar a parceria entre os professores da sala comum com os da educação especial e reformular os aspectos citados como pontos que merecem melhor elaboração, a fim de que se possa aprimorar e conhecer melhor as possibilidades que a TP oferece e se ela se aplica a todos os alunos PAEE no sistema regular de ensino brasileiro. A quinta questão refere-se aos limites da análise comparativa do pré- e pós-teste proposta para avaliação do programa. Nesta pesquisa, as entrevistas semiestruturadas geraram uma análise qualitativa dos relatos, o que, em virtude de sua subjetividade, pode ter limitado à mensuração dos índices de melhoria ou não do programa implementado. Nesse sentido, sugere-se que, em estudos futuros, sejam utilizados instrumentos que possam aferir com maior objetividade os resultados produzidos.

Apesar de o foco da pesquisa ser o tutorado, os resultados da análise dos dados encontrados apontaram que os tutores assumiram o papel simultâneo de estimular a participação do aluno PAEE na realização das atividades de Língua Portuguesa e Matemática em sala de aula e também a socialização dele, o que contribuiu para a melhoria das interações sociais. Revelou-se que a disponibilidade acadêmica e emocional dos tutores foram fatores relevantes para o sucesso dessa estratégia, que se traduziu em um aumento de qualidade e quantidade interativa da participação do tutorado nas atividades propostas pelos professores e com os colegas da turma.

Sendo assim, mesmo após o breve período de intervenção, a atuação dos tutores contribuiu para o processo de inclusão do tutorado nas aulas, indicando, de alguma maneira, que a TP é uma estratégia que, se bem implementada, pode auxiliar os alunos PAEE a superarem seus desafios e dificuldades. Evidentemente, este estudo não esgotou as possibilidades de investigação sobre a estratégia; por isso, acredita-se ser importante a realização de novas pesquisas com diferentes populações e contextos, bem como a sua divulgação, apresentando-as como um recurso a mais para as escolas que estão comprometidas com a melhoria do ambiente escolar. Todos os envolvidos no processo de TP podem ser beneficiados de alguma forma. Para os alunos, há a possibilidade de exercer a interação, companheirismo, atenção e novos conhecimentos; para o professor, a possibilidade de mudar o planejamento de suas aulas, envolvendo os alunos no processo de ensino. Além disso, a possibilidade de suporte/apoio ao aluno PAEE ser provida não somente pelos professores, mas também pelos alunos, pode colaborar com a mudança do paradigma de que o professor deve ser o único responsável pela inclusão e desenvolvimento do aluno PAEE. Há uma mudança de perspectiva quando se propõe que os próprios alunos possam auxiliar o professor na mediação das habilidades acadêmicas e sociais em sala de aula.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.

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Disponibilidade de dados Após a publicação, os dados estarão disponíveis sob demanda aos autores.

1O termo público-alvo da educação especial, representado pela sigla PAEE, tem sido utilizado nas pesquisas e aparece no presente artigo em consonância com o Decreto n. 7.611/2011, que dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional especializado. O grupo PAEE é composto por alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

2As falas dos tutores e do tutorado, ao longo do trabalho, foram transcritas da forma como eles se expressaram, sem correção ortográfica e/ou textual.

Recebido: 21 de Março de 2020; Aceito: 23 de Dezembro de 2020

Nota sobre autoria

Para a elaboração do artigo, ambos os autores realizaram a concepção e redação final do manuscrito, sendo a coleta e análise de dados realizadas pela primeira autora com orientação da segunda.

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