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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.51  São Paulo  2021  Epub 22-Abr-2021

https://doi.org/10.1590/198053147039 

Formação e Trabalho Docente

O DIZER DO OUTRO NA CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DE PROFESSORES EM FORMAÇÃO

THE SAYING OF OTHERS IN TRAINEE TEACHERS’ IDENTITY CONSTRUCTION

EL DECIR DEL OTRO EN LA CONSTITUCIÓN IDENTITARIA DE PROFESORES EN FORMACIÓN

LE DIRE DE L’AUTRE LA CONSTITUTION IDENTITAIRE DES ENSEIGNANTS EN FORMATION

Ana Lúcia Guedes-PintoI 
http://orcid.org/0000-0002-0857-8187

Angela B. KleimanII 
http://orcid.org/0000-0003-3536-3402

IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas (SP), Brasil; alguedes@mpc.com.br

IIUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas (SP), Brasil; akleiman@mpc.com.br


Resumo

Baseadas nas ciências da linguagem e da educação, objetivamos analisar elementos discursivos que indiciam a construção das identidades docentes emergentes na produção escrita no contexto do curso de graduação, em que são requeridas idas à escola como atividade do componente curricular. Nos ancoramos nos estudos do letramento e na abordagem bakhtiniana do discurso. Quanto à formação de professores no ensino superior, optamos por trabalhos com narrativas de trajetórias sobre a docência. Trata-se de uma pesquisa participante, qualitativo-interpretativista. Como um dos resultados, reiteramos a potência da produção escrita dos estagiários para mobilizar questões sobre a formação profissional docente. As réplicas em seus enunciados tornam visíveis como o dizer do outro afeta os sujeitos em situações da sala de aula. Procuramos acrescentar pistas e indícios sobre processos de formação de professores no âmbito universitário.

Palavras-Chave: LETRAMENTO; FORMAÇÃO DE PROFESSORES; FORMAÇÃO INICIAL; ESTÁGIO SUPERVISIONADO

Abstract

Based on the language and education sciences, this article aims to analyze discursive elements that reveal the construction of emerging teaching identities through the written production of undergraduate trainees required to visit schools as part of their curriculum. Our work is anchored in literacy studies as well as on the Bakhtinian approach to discourse. Regarding higher-education teacher training, we decided to work with narratives of trajectories on teaching. It is a participatory, qualitative and interpretative research. In one of the results, we emphasize the fact that the trainees’ written production can bring about questions on teacher training. The contents of their statements make it clear how the saying of others affects the subjects in classroom situations. We tried to add clues and evidence on teacher training processes at the university level.

Key words: LITERACY; TEACHER EDUCATION; INITIAL TRAINING; INTERNSHIP PROGRAMS

Resumen

Basados en las ciencias del lenguaje y de la educación, objetivamos analizar elementos discursivos que indician la construcción de las identidades docentes emergentes en la producción escrita en el contexto del curso de graduación, en que son requeridas a la escuela como actividad del componente curricular. Nos anclamos en los estudios de la literacia y en el abordaje bakhtiniana del discurso. En cuanto a la capacitación de profesores en la Enseñanza Superior, optamos por trabajos con narrativas de trayectorias sobre a docencia. Se trata de uma investigación participativa, qualitativa-interpretativa. Como uno de los resultados, reiteramos la potencia de la producción escrita de los pasantes para movilizar cuestiones sobre la capacitación profesional docente. Las réplicas en sus enunciados tornan visibles como el decir del otro afecta a los sujetos en situaciones de la sala de clase. Buscamos agregar pistas e indicios sobre procesos de capacitación de profesores en el ámbito universitario.

Palabras-clave: LITERACIA; FORMACIÓN DE PROFESORES; FORMACIÓN INICIAL; PASANTÍA SUPERVISADA

Résumé

À partir des sciences du langage et de l’éducation, nous avons cherché à analyser les éléments discursifs qui révèlent la construction identitaire des enseignants à travers la production écrite d’étudiants de premier cycle dont le programme curriculaire inclut des visites aux écoles. Nous nous sommes appuyés sur les études de l’alphabétisation ainsi que sur la théorie bakhtinienne du discours. Pour ce qui est de la formation des enseignants universitaires, nous avons choisi des récits de trajectoires d’enseignement. Il s’agit d’une recherche qualitative-interprétative, de type participatif. Un de nos résultats réaffirme le rôle essentiel de la production écrite des stagiaires concernant la formation professionnelle des enseignants. Leurs énoncés mettent en évidence que le dire de l’autre affecte les sujets dans les situations de classe. Nous avons voulu apporter des pistes et des indices sur les processus de formation des enseignants au niveau universitaire.

Key words: LITTÉRATIE; FORMATION DES ENSEIGNANTS; FORMATION INITIALE; STAGE SUPERVISÉ

Pra meu gosto a palavra não precisa significar - é só entoar.

(Manoel de Barros, 2015, p. 9)

A produção escrita de estudantes em disciplinas do eixo teórico-prático da formação inicial de professores evidencia os muitos modos de dizer assumidos discursivamente por esses estudantes-quase-professores quando são chamados a refletir sobre seu processo de formação docente nas situações de campo, na escola.1 Focalizar suas palavras no enredo de suas narrativas e compreender o que elas entoam configuram-se maneiras de aproximação às dificuldades, percalços e problemas dos professores-iniciantes-em-formação na escola-campo, na busca de subsídios para promover seus processos formativos.

Inseridos em uma proposta de trabalho que toma a reflexão sobre suas participações no cotidiano escolar junto aos vários sujeitos - alunos, pais de alunos, professoras de sala, funcionários - como foco de suas produções textuais, os estudantes se deparam com o desafio de narrar-se, assumindo posicionamentos em um relato a respeito de si próprios a partir de outro lugar social - não mais só como estudantes de licenciatura de um curso, mas como professores em formação.

Neste artigo, analisaremos elementos discursivos que indiciam o processo de construção das identidades docentes emergentes na produção escrita no contexto específico do curso de graduação em que são requeridas idas à escola como atividade do componente curricular.

Nossas referências teóricas se apoiam nos Estudos Culturais e nas Ciências da Linguagem e da Educação. Na perspectiva dos Estudos Culturais, Hall (1998, 2002, 2006) afirma que as identidades passam por processos de descentramento, deslocamento e fragmentação, que espelham mudanças estruturais das sociedades pós-modernas e acabam alterando os sentidos de integração e essência, antes existentes, de nossas identidades pessoais. No campo da linguagem, nos ancoramos nos estudos do letramento e na abordagem bakhtiniana do discurso. O enfoque etnográfico dos estudos do letramento (Kleiman, 1995; Street, 1984) concebe a construção discursiva da identidade como uma produção social emergente da interação e, portanto, sempre fluida e em movimento (Kleiman, 1995; Moita Lopes, 2003). O conceito de interação, por sua vez, parte de uma concepção dialógica da linguagem, sustentada pelos estudos do Círculo de Bakhtin (Volóchinov, 2017). Quanto à concepção do estágio na formação de professores no ensino superior, acreditamos, como Reichmann (2016) e Assis (2018) já destacaram, na relevância desse tempo/espaço do currículo da licenciatura em que os estagiários se deparam com a tarefa de problematizar por escrito suas experiências junto aos sujeitos da escola. Bragança e Ossa (2018), baseados na perspectiva da formação-narrativa (auto)biográfica, relatam a potência contida nos trabalhos com professores da escola básica e com estudantes de graduação quando tomam para si a palavra - falada ou escrita - ou algum signo de outros sistemas semióticos , para narrar suas trajetórias em torno da docência. Segundo os autores, tal proposta permite a circulação de vozes, a aproximação de diferentes interlocutores do processo formativo e o consequente redimensionamento do entendimento sobre as fronteiras entre o conhecimento científico e os saberes do cotidiano.

O artigo está estruturado da seguinte maneira: inicialmente apresentaremos nosso referencial teórico, tomando como base alguns conceitos bakhtinianos, como os de enunciado, dialogia, assim como o entendimento do papel dos interlocutores e da palavra na relação de responsividade e de construção das réplicas infinitas na cadeia enunciativa. Na sequência, descrevemos as condições de geração dos dados, procurando também situar nosso posicionamento a respeito da prática de letramento acadêmico há muito tempo constituinte da disciplina de estágio supervisionado: a escrita do relatório sobre as idas a campo. Na seção subsequente, problematizamos excertos desses relatórios, selecionados porque evidenciam aspectos dos processos de formação identitária docente, visibilizados nos enunciados das estudantes em suas reflexões sobre o estágio.2 Finalmente, elaboramos algumas considerações finais a partir da discussão desenvolvida.

Nosso referencial teórico

Dialogia e discurso

Ao tomar para análise questões da estilística do romance, Bakhtin (2017) assinala o quanto é necessário considerar a discursividade constitutiva da língua quando se pretende compreender os sentidos de quem a enuncia. Segundo Bakhtin (2017), a língua está em permanente movimento, repleta de vida, tanto na fala quanto na escrita de quem a profere - marcada por entonações, valores -, recebendo acentuações diversas, conforme cada situação em que é empregada. Ele afirma que todo discurso concreto - o enunciado - está “envolvido e penetrado por opiniões comuns, pontos de vista, avaliações alheias, acentos” (2017, p. 48), destacando o quanto as nossas palavras são constituídas pelas de outrem. Nesse aspecto, o autor enfatiza a presença da palavra viva dentro de cada enunciado, carregando em si réplicas, demarcando a atitude responsiva de cada um diante do dizer do outro.3 A dialogicidade interna constitui o discurso do romance, o que determina, nas palavras de Bakhtin, que “a orientação dialógica recíproca torna-se aqui uma espécie de acontecimento do próprio discurso, que o anima e dramatiza de dentro para fora em todos os seus momentos” (Bakhtin, 2017, p. 58).

O seu contexto, sua situação, sua história fazem parte do processo de dizer do sujeito, de acordo com Bakhtin (2017). Nessa perspectiva, a compreensão dos enunciados requer um olhar para as palavras levando em conta sua entonação valorativa. Elas estão mergulhadas em apreciações ao serem ditas, justamente por virem de um sujeito que está, em relação a outros, inserido em uma determinada situação histórica concreta.

Tendo em vista essas considerações que o autor desenvolve ao analisar o discurso no romance, a réplica se destaca como um elemento constituinte dos enunciados. Ao deter-se na questão da entonação valorativa dos dizeres, Bakhtin (2017) salienta, em sua perspectiva dialógica de entender os discursos, a atitude responsiva que constitui cada enunciado, enfatizando o valor de réplica contido nas expressões do falante/escrevente. A palavra, portanto, chega impregnada pela sua orientação ao outro, ao seu interlocutor - direto ou indireto. Por esse viés, para acessarmos os variados sentidos dos enunciados proferidos, a retomada do contexto de sua produção torna-se condição essencial.

Dentre o grupo de intelectuais russos que integraram o Círculo de Bakhtin,4 Volóchinov (2017) se debruça no caráter dialógico dos enunciados. Segundo ele, todo discurso verbal se orienta para discursos anteriores, que se constituem elos encadeados de forma ininterrupta dentro da história. O autor ressalta o quanto as palavras, na interação verbal, manifestam vozes sociais, ressoando visões de mundo muitas vezes polêmicas, que indiciam, no discurso, disputas político-ideológicas. Nesse quadro interpretativo, “toda verdadeira compreensão é ativa e possui um embrião de resposta . . . . Toda compreensão é dialógica. A compreensão opõe-se ao enunciado, assim como uma réplica opõe-se a outra no diálogo. A compreensão busca uma ‘antipalavraà palavra do falante” (Volóchinov, 2017, p. 232; itálicos do autor). E, conforme o autor, a palavra se realiza no processo de interação, quando há compreensão ativa e responsiva.

Para Volóchinov (2017, p. 228), o sentido, propriedade definida, única, individual, de cada enunciado como um todo constitui-se o seu tema. Ele é determinado não somente pelas formas linguísticas, mas também pelos demais elementos da situação. Concreto, irredutível, não reiterável, o tema “é uma reação da consciência em constituição para a formação da existência”, enquanto a significação, os significados analisáveis dos elementos da enunciação, seria o “artefato técnico de realização do tema” (2017, p. 229, itálicos do autor).

Segue-se que, para os estudos sobre a constituição e compreensão dos sentidos nos enunciados, é preciso levar em conta que:

Qualquer palavra realmente dita não possui apenas um tema e uma significação no sentido objetivo, conteudístico dessas palavras, mas também uma avaliação, pois todos os conteúdos objetivos existem na fala viva, são ditos ou escritos em relação a certa ênfase valorativa. Sem uma ênfase valorativa não há palavra. (Volóchinov, 2017, p. 233, itálico do autor)

Ou seja, além do tema e da significação, também faz parte da palavra seu acento apreciativo, indiciado (na fala ou na escrita) por uma entoação expressiva determinada pela situação social imediata, resultado da orientação apreciativa da enunciação, que estaria sempre ligada a um determinado grupo social: há uma apreciação social a ser levada em conta, indispensável para a compreensão da palavra.

Volóchinov (2017) enfatiza, em suas observações sobre a produção dos enunciados, que eles se realizam no discurso sempre como uma manifestação responsiva ativa, caracterizando-se por conterem réplicas do enunciador aos interlocutores. Assim, estão - os enunciados - marcados pela orientação valorativa das palavras, seja porque estão se referindo ao interlocutor face a face, seja por que são pertencentes a uma determinada esfera discursiva ou porque se dirigem a um auditório social específico, ou por todas essas razões combinadas. Isto é, a produção dos enunciados por cada indivíduo se dá em meio de contextos, e tais contextos também constituem os sentidos das palavras proferidas.

Ainda a respeito do caráter constitutivo do discurso, Volóchinov (2017) desenvolve considerações sobre o uso do discurso alheio quando proferimos nossos enunciados. O autor passa a problematizar as questões que emergem quando uma fala ou uma escrita incorpora um discurso alheio e como esse diálogo acontece - “fenômeno da reação da palavra à palavra” (Volóchinov, 2017, p. 251, itálicos do autor) - tornando suas fronteiras mais, ou menos, visíveis. Continua ele: “entre o discurso alheio e o contexto da sua transmissão existem relações complexas, tensas e dinâmicas, sem as quais é impossível compreender a forma de transmissão do discurso alheio (Volóchinov, 2017, pp. 254-255).

Por meio desse olhar para a tessitura da linguagem verbal, ganha importância a dinâmica interativa que se configura entre aquele que profere palavras (orais ou escritas), seus interlocutores diretos, ligados à produção imediata do discurso, e os indiretos, relacionados ao auditório social mais amplo.

Ainda na perspectiva bakhtiniana, especificamente sobre as noções concernentes ao enunciado concreto, exploradas por Brait e Melo (2008) na discussão de conceitos-base da teoria, as palavras, como anteriormente ressaltado, ganham significação com base nos muitos índices que nelas podem ser reconhecidos. No contexto da polêmica entre a defesa da concepção dialógica e a visão estruturalista da língua(gem), Bakhtin (2017) e Volóchinov (2017) argumentam que não é suficiente entender a língua como uma produção morta, acabada, destituída de um projeto de dizer. Ao contrário, ela se insere na cultura humana, dentro da história social. Os enunciados, portanto, estão inseridos em um permanente diálogo com outros enunciados.

Identidade e construção identitária profissional

A metáfora da liquidez de Bauman (2005), criada para caracterizar uma concepção mutante e móvel de nosso mundo, torna possível entender a identidade profissional como um construto em constante refacção, negociável e manipulável segundo as necessidades da situação (Kleiman et al., 2013). A identidade é entendida como um construto transitório e dinâmico, moldado pela língua e por relações de poder e a percepção destas pelos participantes de determinada situação, nos discursos disponíveis em determinado contexto de interação. Assim, a identidade não é uma categoria essencial, estável, mas múltipla e relacional, a ser construída, negociada e reivindicada pelos participantes da interação. E, segundo essas autoras, tais reivindicações e negociações seriam “feitas na e pela linguagem, em seus usos cotidianos, situadamente, nos contextos sócio-históricos em que as interações acontecem” (Kleiman et al., 2013, p. 178).

Assim, em relação às identidades profissionais (tal como as de gênero, etnia, classe e outras), é na interação, dessa vez em contextos de trabalho, que os processos de identificação e os discursos que posicionam os sujeitos são construídos.5 No que concerne à identidade do professor em formação, trata-se de processos de identificação sempre situados em um contexto no qual se entrecruzam determinantes das instituições escolar e acadêmica, dos interlocutores e dos discursos que posicionam os sujeitos socialmente.

Nos seus estudos sobre a identidade profissional do professor, Varghese et al. (2005) distinguem dois tipos de relações interacionais que participariam do processo de construção identitária: a identidade atribuída - aquela imposta pelos outros - e a identidade demandada - aquela que alguém reconhece ou demanda para si.

Entretanto, segundo Kleiman, Vianna e De Grande (2013, p. 179),

. . . uma identidade profissional institucionalmente atribuída limita significativamente as possíveis construções identitárias daquele “legitimado” institucionalmente para exercer uma profissão. Mesmo que todo processo de identificação seja fluido, permanente e infindável, não é toda construção identitária acionada pelos sujeitos que terá igual fluidez, pois nem toda situação é igualmente livre quanto às possibilidades de variação e liquidez. Por isso, frisamos que a identidade profissional não é nem totalmente determinada, nem completamente livre de restrições sócio-históricas, mas construída, na interação, com base nos recursos disponíveis aos sujeitos, dentro de limites institucionalmente impostos.

Neste trabalho, como naqueles dos membros e colaboradores do Grupo de Pesquisa Letramento do Professor,6 fundamentamo-nos nessa tese sobre a identidade profissional: nem totalmente determinada nem completamente livre de restrições sócio-históricas, mas construída, passo a passo, na interação institucional.

No campo da formação de professores no ensino superior, na perspectiva dos estudos sobre letramento, as pesquisas indicam que as práticas discursivas em circulação na esfera da formação profissional docente podem ser tomadas como elemento indiciário para a compreensão de processos de aprendizagem laboral e/ou de negociação sobre o trabalho pedagógico (Guedes-Pinto, 2015; Reichmann, 2015; Valsechi & Pereira, 2016).

As pesquisas apresentam problematizações acerca de vivências de professores em formação (inicial ou continuada) no contexto de práticas de letramento, orais e escritas.7 Em tais estudos, são assumidas as condições de entrelugar, espaço interdisciplinar que se constitui nas fronteiras com vários conhecimentos específicos nos quais os acontecimentos formativos se desenvolvem; isto é, tendo como referência diversos trabalhos de campo cujos dados foram gerados em locais distintos (escolas, cursos de graduação, cursos de formação continuada; localizados em regiões diversas do Brasil),8 as autoras compartilham pressupostos comuns em relação ao papel da prática social da língua na elaboração das bases do trabalho docente.

Com a finalidade de nos aproximarmos das construções identitárias que os textos tornam visíveis, nos pautamos em análises dos relatórios de ida à escola, os quais trazem narrativas sobre muitas das situações ocorridas com os estudantes no processo de imersão nas relações de ensino escolar. Procuramos dar visibilidade a seus projetos de dizer ao tomarem a palavra no contexto universitário de formação profissional. Partilhamos, assim, dos pressupostos de estudos realizados por pesquisadores do campo da Linguística Aplicada e da Educação (Assis, 2018; Guedes-Pinto, 2015; Guedes-Pinto & Fontana, 2006; Kleiman, 2005; Lopes, 2018; Matencio, 2013; Reichmann, 2015, 2016; Serodio & Prado, 2015; Valsechi & Pereira, 2016), que evidenciam que as produções orais e escritas de professores em formação, seja inicial ou continuada, podem se converter em um rico material para pesquisadores universitários e para os próprios professores, como forma tanto de historiar e colocar em circulação mais ampla a multiplicidade de práticas docentes, quanto de propiciar, pela própria experiência enunciativo--discursiva, a elaboração de processos reflexivos sobre seus fazeres profissionais.

Ao focalizarem aspectos linguísticos, enunciativos e discursivos nos processos formativos do trabalho docente, tais pesquisadores tomam o espaço do estágio supervisionado como um lócus privilegiado, no que se refere tanto às experiências que a disciplina oferece aos estudantes quanto à função formadora profissional que ele exerce dentro do currículo. Reichmann (2016, p. 369) destaca o estágio como um ponto nevrálgico do curso de licenciatura e assim o concebe: “constitui-se como um lugar complexo e contraditório que envolve uma tríade docente interligada: professor colaborador, professor formador e professor estagiário”. Tendo em vista que as relações estabelecidas nesse contexto são dinâmicas, fluidas, multifacetadas e constituídas em um processo que envolve, no mínimo, a tríade apontada por Reichmann (2016), Guedes-Pinto e Fontana (2006) ressaltam o não-lugar que muitas vezes se caracteriza como o espaço de atuação dos estudantes-estagiários. Ancoradas na perspectiva histórico-social, as autoras problematizam a possibilidade de criação de “algum lugar” em meio às dinâmicas dessas relações entre os muitos sujeitos envolvidos, com base em uma proposta de mergulho na realidade cotidiana das escolas. Por esse viés, apresentam sua concepção de entendimento do trabalho no estágio na formação inicial de professores:

Os sentidos e eventos singulares, produzidos entre os sujeitos com quem vimos trabalhando, são constitutivos dos procedimentos de aproximação do universo social da escola de que lançamos mão. Eles também participam da configuração de nossa metodologia de trabalho, assentada na inserção nas relações produzidas entre os sujeitos que fazem e vivem a escola, no registro sistemático e na análise dessas relações em suas condições históricas de produção. (Guedes- -Pinto & Fontana, 2006, p. 86)

Em um trabalho em que problematiza os vários discursos presentes nas falas dos estudantes de licenciatura em Letras em Minas Gerais, produzidas em meio a atividades que têm como foco diversas instâncias que compõem o trabalho docente, Lopes (2018) afirma que:

As ações discursivas vivenciadas pelos graduandos-estagiários podem não somente apontar para etapas do desenvolvimento discursivo do futuro docente como também possibilitam a este compreender o próprio processo formativo, tendo em vista capacidades letradas e capacidades de/para agir, essenciais na formação do profissional no campo da linguagem. (Lopes, 2018, p. 200)

Ao focalizar o processo de vivência no estágio, buscando compreender os saberes que vem à tona em momentos de reflexão sobre práticas didáticas, a autora enfatiza em suas análises o quanto o posicionamento identitário de professor emerge na relação com o outro - a professora de sala da escola, os demais colegas estudantes, a professora de estágio, os alunos da escola. Na interação com esses muitos outros, segundo Lopes (2018), são produzidos deslocamentos, avaliações e elaborações a respeito do processo formativo profissional do professor.

A abordagem das interações discursivas que acontecem cotidianamente na sala de aula também se constitui num caminho para dar visibilidade às transformações identitárias dos professores em seus processos de socialização profissional, como Kleiman (2005) aponta. Nos enunciados dos sujeitos em dinâmicas escolares, ressoam as diversas vozes sociais colocadas em disputa numa sala de aula (no ensino formal), que representam diferentes visões de mundo; o conflito, as negociações e a tensão ficam manifestadas em seus dizeres, revelando representações sociais e entendimentos de papéis sociais que muitas vezes se chocam. Reiterando a relevância de estudos que se apoiam nas interações, Sengik et al. (2019) destacam o papel do estágio supervisionado como espaço de reflexão sobre a profissão docente, durante a interação entre professora e estudantes adolescentes do ensino técnico.9 Os autores indicam a pertinência de tal disciplina ao configurar-se como um momento em que podem ser feitos replanejamentos, possibilitando aos estagiários rever suas intervenções e posicionamentos nas aulas da escola, em função do acompanhamento da realidade de uma sala de aula. Todos esses aspectos, segundo eles, favoreceriam a construção de uma identidade docente.

A construção da identidade docente é fundamental para a profissionalização docente, pois envolve o delineamento da cultura do grupo, ao qual o profissional busca pertencer, somado às suas experiências pessoais. É no contexto da interação docente e nas oportunidades, em que relatam suas práticas e experiências, que eles se constituem efetivamente professores. (Sengik et al., 2019, p. 985)

Neste trabalho, tomamos como pressuposto que o espaço/tempo curricular na formação inicial de professores tem a função de fornecer subsídios teóricos e práticos para os estudantes ao se depararem com os muitos desafios na realidade de sua profissão. Assim como as experiências decorrentes do estágio supervisionado - dentro e fora da universidade -, as disciplinas que requerem idas à escola favorecem caminhos para a construção de suas identidades como professores iniciantes.

Práticas de escrita na formação docente - as condições de geração dos dados

Conforme já informado, este texto problematiza os enunciados escritos pelos estudantes da disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, ministrada anualmente em um curso de Pedagogia de uma universidade pública paulista. A produção que será objeto de análise se materializa no gênero relatório,10 escrito no âmbito de disciplinas que requerem, para seu andamento, idas regulares à escola dos anos iniciais do ensino fundamental. Os textos têm, como um de seus objetivos, a sistematização das diversas experiências dos estudantes universitários durante suas participações no cotidiano escolar junto às turmas de alunos que acompanham. A escolha por esses relatórios decorre do fato de apresentarem a vivência de situações recorrentes narradas pelas estagiárias e conterem elementos que consideramos emblemáticos no que concerne à natureza da discussão que evocam.

A produção dos relatórios foi debatida em diversos momentos das aulas na faculdade.11 Frequentemente, os estudantes faziam perguntas sobre aspectos enunciativos do gênero a ser produzido, particularmente sobre elementos relativos: ao conteúdo temático (tal como “quais situações na escola merecem ser relatadas?”); à estrutura composicional (tal como “o texto é narrativo?”); e ao estilo (tais como “posso escrever em primeira pessoa, dizer ‘eu’?”, ou “como faço o registro dessas vivências?”). Indagações como essas eram frequentemente explicadas e retomadas ao longo do semestre. Fazia também parte das orientações a recomendação de uso de um diário de anotações com a finalidade de registrar as idas à escola-campo, a descrição das atividades e as impressões desses momentos.

A aula, no âmbito universitário, é tomada como uma unidade didática essencial na formação, pois é no seu transcorrer que as experiências de estágio são retomadas e debatidas à luz não só dos autores que dão base para os trabalhos de intervenção direta nas aulas da escola, mas também dos diversos outros componentes curriculares que se articulam à proposta formadora. Em relação à vivência na esfera universitária, no âmbito das aulas das disciplinas, faziam parte das atividades regulares dos encontros algumas dinâmicas de socialização das experiências de cada estudante, tais como: leitura oral compartilhada de textos literários; exibição e posterior discussão de filmes; palestras de professores da rede pública dos anos iniciais; trabalhos em grupos pequenos e trabalhos em plenária.

A geração de dados inseriu-se, portanto, em uma pesquisa participante (Ezpeleta, 1989), de cunho antropológico (Velho, 2003), em que o pesquisador se reconhece implicado na realidade estudada, exercitando a familiarização e o distanciamento dos dados por meio do mergulho no estudo. As proximidades e os afastamentos se deram na medida em que o campo e o registro do vivido foram se constituindo em dados no decorrer histórico da pesquisa, evitando-se “esquematismos empobrecedores”, procurando-se “trilhas próprias a partir do repertório de mapas possíveis” (Velho, 2003, p. 18) e elaborando--se a aproximação e o distanciamento necessários à pesquisa. Desse processo resultou a escolha de dados: os três relatórios analisados neste trabalho foram selecionados porque tratam do mesmo assunto, mas com variações temáticas, i.e., de sentido, que vão se tornando evidentes quando são percebidas e analisadas as diferenças nos acentos valorativos afetando a significação da palavra professora.

A perspectiva teórico-metodológica assumida busca dar visibilidade aos processos formativos do professor, visando a fortalecer as muitas vozes em disputa para atribuir sentidos para o trabalho docente. Retomando o pensamento bakhtiniano em defesa de investigações no campo da linguagem que trabalham com a palavra viva, esse recorte de análise sobre os dizeres dos estudantes de Pedagogia tem por propósito reforçar uma das premissas expressas por Volóchinov para argumentar pela compreensão da língua na sua imersão no mundo com base em seus usos sociais (2017, p. 120): “se a vivência possui uma significação, se ela pode ser compreendida e interpretada, isso deve ser feito no material de um signo autêntico, real”.

Nessa perspectiva, a proposta de escrita do relatório é entendida como recurso didático que possibilita a retomada - mnemônica e analítica - de cada experiência vivida, e que instiga o processo de compreensão e de reflexão sobre o exercício docente. O processo autoral dos estagiários propicia a sistematização de uma série de elementos que compõem o processo de aprendizagem sobre o trabalho docente. Ao terem a oportunidade de narrar os desafios, as dúvidas, as intervenções e participações em sala de aula junto às professoras e suas turmas, as estudantes manifestam, com suas próprias palavras, suas percepções e entendimentos sobre ser professor, enquanto constroem, simultaneamente nas aulas da disciplina do curso, uma identidade profissional. Acreditamos que, por meio de suas escritas, temos condições de nos aproximarmos dos múltiplos sentidos que cercam a identidade docente dos estudantes- -quase-professores em processo de aprendizado de sua profissão.

Entoando formas de dizer a profissão docente

Conforme já enfatizado, no modelo dialógico de linguagem de Bakhtin (2017) e outros pensadores de seu Círculo, a relação entre a palavra alheia e a palavra de quem profere um dizer é parte constitutiva dos sentidos que o sujeito produz na enunciação. Segundo o autor, “O contexto que moldura o discurso do outro cria um fundo dialogante cuja influência pode ser muito grande” (Bakhtin, 2017, p. 133), pois, se o discurso do outro sempre se realiza em um contexto (tanto da situação quanto do gênero em que se materializa), ele sofrerá mudanças, inevitavelmente, por ser produzido em novo contexto. Nesse aspecto, Bakhtin (2017, p. 133) frisa a relação dialógica constituinte do discurso do outro com o contexto (desde a “enformação” à sua “molduragem”, nas palavras do autor).

Os excertos problematizados a seguir registram, de forma direta, falas dos alunos e, no processo, sofrem mudanças; as palavras dos enunciados ficam impregnadas de acentos valorativos que afetam as atribuições de sentido em relação ao papel social do outro relevante no discurso da estagiária: a professora. Os trechos relatam situações em que as estagiárias foram surpreendidas por um pedido (da coordenadora pedagógica ou da professora de sala) para que ficassem, sem prévio aviso, com uma turma de alunos no lugar da professora titular. Nos relatórios, que narram um tipo de ocorrência relativamente comum no estágio - substituir a professora de sala -, chama a atenção a diferença na reação dos participantes frente à mudança repentina de situação decorrente dos diversos sentidos da palavra professora nos três contextos.

Vejamos, primeiro, o texto da estudante Mara,12 que relata suas impressões relativas a uma substituição de quatro horas e meia de uma professora ausente no período. Quando é introduzida à classe pela coordenadora às crianças, Mara descreve o episódio vivido numa subseção do Relatório que ela intitula “Um grande desafio” (Relatório, p. 5-8):

Exemplo 1: Trecho de “Um grande desafio.13

1 Rosana (que parecia preocupada e apressada) veio ao meu encontro e

2 disse algo que realmente não esperava:

3 - Olá! Queria te pedir algo hoje. A Professora do quarto ano B não poderá

4 vir. [...] Você poderia ficar na sala? Tem algo planejado?

5 - Sozinha? O período todo? Nunca assumi uma sala e não, não tenho

6 nada planejado. - Respondo (talvez rápido demais).

7 - Sozinha! Mas qualquer coisa a Aline estará na sala ao lado. “Eu vou lá”

8 com você agora e te mostro o livro que a professora usa. . . .

9 Naquele momento as crianças da turma citada estavam paradas em fila,

10 olhando para nós duas, como se esperassem a minha resposta.

11 A professora Aline também estava por perto, olhou para mim com um

12 sorriso e disse “Pode ir sem medo!” “É uma sala boa!”. Eu não sabia ao

13 certo o que fazer, mas acabei concordando dizendo algo como

14 “aham...tá bom”.

Rosana olhou para os alunos e disse em alta voz:

15 “- Essa é a Mara, hoje será professora de vocês! Respeitem ela!”

16 Todos me olharam, eu acenei e senti um frio na barriga muito

17 maior do que havia sentido no primeiro dia, quando Aline me

18 perguntou se poderia ajudar as três alunas com dificuldade

. . . .

19 Enquanto desenhavam e coloriam, eu olhava um pouco aflita para

20 o relógio. O tempo parecia passar devagar

. . . .

21 Lembrei então de uma atividade que havíamos feito no curso de

22 pedagogia, na disciplina “Metodologia do ensino fundamental” e

23 resolvi realizá-la com os alunos. Pedi para que formassem cinco

24 fileiras e entreguei outra folha sulfite para o(a) primeiro(a) de cada

25 uma. Nelas eu havia escrito “Era uma vez...”. Faríamos a “redação

26 coletiva”. Expliquei como funcionaria; cada um teria 4 minutos

27 para escrever o que quisesse, mas quando me ouvissem falando

28 ‘stop’ deveriam passar a folha para o amigo de trás, para que ele

29 continuasse a história. A turma parecia animada e logo

30 começamos o exercício.

31 Quando terminamos, fiz a leitura das redações. Quando não

32 compreendia algumas letras, o próprio aluno que havia escrito lia

33 para a sala. Como esperava, nem todos os textos faziam sentido,

34 mas fiquei satisfeita porque todos haviam participado e também

35 porque houve muitas risadas. Alguns disseram: “Podemos fazer de

36 novo, tia?”, mas não tínhamos mais tempo. O sinal bateu

37 indicando o fim do período e os alunos saíram da sala gritando

38 “Tchau ‘prô!”.

A narrativa de Mara é uma história de sucesso sobre o tema “ser professora”. Isso pode ser entrevisto nas sucessivas mudanças de sentido da palavra professora, que, até a quinta ocorrência, em discurso direto (linha 15), apela para uma rede de significações que remetem a um lugar social em sala de aula balizado pelo conhecimento, pela autoridade, pelo poder: a primeira e segunda ocorrências da palavra (linhas 3 e 8), “A professora do quarto ano B não poderá vir” e “o livro que a professora usa”, adquirem seu sentido da rede de significações relativas às funções da profissão (ser responsável por uma turma, usar livro didático); a terceira ocorrência - “A professora Aline também estava por perto” (linha 11) - vem carregada de uma apreciação valorativa positiva, pois se refere à professora Aline, a professora orientadora do estágio na escola, que, no seu primeiro relatório, Mara caracteriza como uma boa pessoa e uma boa professora, conferindo outros sentidos à rede semântica em construção. Nesse primeiro relatório, Mara a retrata como uma professora acolhedora: “Pode sentar naquela cadeira, ao lado da minha, de frente com Beatriz, ela precisará de sua ajuda”, (Relatório, p. 1). Ela também é apresentada como polida no acolhimento da estagiária: “Gente! Essa é a Mara, ela é estagiária e ficará com a gente uma vez por semana durante um tempo! Irá nos ajudar!” (Relatório, p. 1). Além disso, Aline é vista como generosa ao partilhar sua experiência: “Enquanto as crianças faziam o solicitado, a professora sentou-se ao meu lado e começou a conversar comigo; disse que, ao escreverem a rotina diária, as crianças estariam treinando suas práticas de leitura e escrita” (Relatório, p. 2). E, finalmente, Aline é descrita como preocupada com o desenvolvimento da escrita nos alunos: “a professora me passou o nome de três alunas com dificuldade de leitura e escrita... Perguntou então se eu poderia realizar um ‘trabalho de reforço’ com as mesmas” (Relatório, p. 2).

A palavra professora enunciada pela coordenadora pedagógica retoma as significações relativas às responsabilidades, deveres e atribuições do cargo. Esses são recuperáveis no ato de “investidura do cargo de professora de uma turma durante o período especificado”, realizado pela coordenadora por meio de um ato de fala (Austin, 1962)14 legitimado pelo lugar social de autoridade que ela ocupa na escola: “será professora de vocês!” (linha 15). Também há um ato de fala realizado na ordem que dirige aos alunos, novamente legitimada pelo seu papel na escola: “Respeitem ela”. Não há uma descrição que pode ser julgada verdadeira ou falsa (não está em questão se Mara é ou não é uma professora); pelo contrário, espera-se, dentro da cultura particular da escola, uma aceitação desse ato de fala por parte dos alunos, o que ativa novamente uma rede de significações associadas ao poder e à autoridade e, por extensão, ao respeito e à obediência.

Finalmente, o reconhecimento de que a função foi desempenhada com certo sucesso vem expresso nos enunciados proferidos pelas crianças, com quem Mara compartilhou a responsabilidade delegada. Podemos dizer que a certificação de professora, concedida pela coordenadora, a figura de mais alta hierarquia, foi aceita pelos alunos, quando dela se despedem, substituindo, segundo a transposição do discurso por Mara no seu relatório, a palavra de autoridade, “professora”, por palavras que trazem um acento apreciativo que remete a vínculos afetivos familiares e amistosos: “tia” e “prô”15 (linhas 36 e 38). Muda não apenas a entoação expressiva, mas também a situação social imediata, passo a passo, acompanhando o desenvolvimento da aula de Mara, tal como ela o recupera na sua narrativa. Nesse processo de relatar a experiência de substituição da professora titular, vemos indiciadas zonas de “imbricação entre o posicionamento do sujeito e efeitos de sentido pretendidos”, tal como Silva e Matencio (2005, p. 248) observam na produção escrita dos estudantes de licenciatura em Letras, percebendo movimentos de objetivação e subjetivação quanto aos posicionamentos identitários envolvidos na interação entre os sujeitos. A remissão discursiva das palavras professora, tia e prô traz para a cena as diferentes nuances entoadas pelos enunciadores, dando pistas sobre os posicionamentos identitários em andamento nesse episódio específico.

No excerto seguinte, produzido pela estagiária Carla, destaca-se, também, nos enunciados, a entonação valorativa dos alunos, que, na interação com a estagiária, lhe atribuem um lugar social de aprendiz - bem-sucedida - da profissão docente. As réplicas transcritas no texto, fornecidas pelas crianças com base na atuação da estagiária, evidenciam uma das compreensões do papel de professora. Segue a parte pertinente do relato de Carla:

Exemplo 2: Trecho do relatório intitulado “Desenvolvimento”

1 Na volta do intervalo, tive uma surpresa: enquanto os alunos

2 estavam entrando na sala, Gisele (nome fictício) se aproximou de

3 mim e falou baixinho:

4 - Carla, vou ter de falar com a Coordenadora só um minutinho, será

5 que enquanto isso você pode ir começando a discussão com eles

6 sobre o filme? Tudo bem por você?

7 Na hora fiquei muito feliz! Puxa, eu ia ficar sozinha e conduzir

8 uma discussão... Mas logo pensei: “Mas espere um pouco... eu

9 nunca fiz isso!”, “O que será que as crianças vão achar?”. Mas não

10 tive tanto tempo pra pensar porque quando dei por mim todas as

11 crianças já estavam me olhando. O Lucas até me perguntou:

12 - Carla, cadê a Prô? Ela não vai conversar com a gente sobre o

13 filme?

14 Então eu respirei fundo e respondi:

15 Pessoal, é o seguinte: a Prô foi conversar um pouco com a Ariane e

16 já volta. Enquanto isso, ela me pediu para ir conversando com

17 vocês sobre o filme. E então, estou curiosa para saber... Vocês

18 gostaram? O que acharam do filme?

19 Quando acabei de falar isso todos começaram a falar de uma vez

20 só e ficou aquela bagunça, então eu interrompi dizendo:

21- Pessoal, assim ninguém consegue ouvir o que o outro diz. Todo

22 mundo pode falar se quiser, mas vamos combinar que vai um de

23 cada vez? Esperando o colega terminar de falar?

24 Quando terminei de dizer isto, a Paulinha olhou bem pra mim e

25 disse sorrindo:

26 Ihhhhh... A Carla tá virando professora já... Tá falando igualzinho

27 a Prô...

Como se pode constatar na narrativa da estagiária, a palavra Prô é enunciada pela primeira vez (linha 12) para designar a professora da classe, em “cadê a Prô?”, que, para o aluno Lucas, tem a responsabilidade de dar a aula, mas cuja ausência rompe a expectativa do aluno, como sugere o uso da negação, que pressupõe que o esperado, a ordem normal das coisas é a assertiva conversar sobre o filme: “Ela não vai conversar com a gente sobre o filme?”(linhas 12-13). A estagiária assume uma atitude ativa e responsiva (Volóchinov, 2017), evidenciada na repetição do apelido, próprio de registros menos formais - “a prô foi conversar um pouco...” (linha 15), assim como na paráfrase da expressão que descreve uma das atividades da professora: “ela me pediu para ir conversando com vocês sobre o filme (linhas 16-17). Segue o relato de como ela, Carla, procedeu à atividade, expondo para a turma uma regra interacional sobre como debater ou discutir um assunto em grupo (linhas 21-23), o que motivou o comentário de uma das alunas sobre essa intervenção, imediatamente reconhecida como o tipo de fala que se espera de um professor, a saber, estabelecer as regras do “jogo”: “A Carla tá virando professora já. Tá falando igualzinho a Prô” (linhas 26-27). Neste último enunciado, a apreciação é indiciada tanto pelo uso do termo mais convencional e formal para o lugar social do profissional docente - “professora” - quanto pelo uso do termo mais afetivo e próximo para continuar designando a verdadeira professora da classe - o diminutivo “prô” - e pela utilização do nome próprio, que aportam um efeito de familiaridade e aproximação em relação à substituta: “A Carla tá virando professora já... Tá falando igualzinho a Prô...” (linhas 26-27).

Segundo Volóchinov (2017) enfatiza, ao analisar as interações verbais, os sujeitos produzem seus enunciados responsivamente, construindo compreensões do que é vivido, elaborando apreciações nas relações com os outros. No caso relatado, a criança manifesta com suas palavras seu entendimento daquela situação em que a estagiária assume a condução pedagógica, explicitando concordância com o novo papel a ela concedido, o que produz efeitos de sentido sobre sua avaliação pessoal do que vivenciou junto à estagiária. Carla, por sua vez, ao narrar o episódio, escolhe relatar a expressão verbal de algumas crianças da turma interagindo com ela, dando destaque às acentuações valorativas presentes nos enunciados a ela dirigidos depois de ela assumir o papel de condutora da discussão.

O terceiro excerto aborda conteúdo semelhante, mas o acento valorativo é substancialmente diferente. A estagiária Anita se assume como enunciadora de seu texto e começa sua narrativa, intitulada “Relato”, na 1ª pessoa do singular - “eu” -, mas logo depois introduz a palavra de outro, por meio de uma citação de um texto de Silva (2008), o que enfatiza a abertura do espaço de trabalho para o professor auxiliar em formação (“vivenciei muitas situações”) ao mesmo tempo que aponta os limites e limitações de muitas das situações de exercício da profissão docente. Entretanto, a estagiária retoma no seu texto apenas o discurso das limitações (“meu lugar não era definido”; “era sempre limitado”), que, aparentemente, foi o que ressoou nela do discurso citado de Silva (2008).

Ancorando-se explicitamente na voz dessa autora, Anita faz uso do discurso alheio de autoridade para sustentar seu relato de confronto com uma criança. A autoridade decorre do fato de o relatório ser produzido na esfera acadêmica, na qual o recurso da citação bibliográfica é uma forma de validar os argumentos de quem dele faz uso. A estagiária procura, assim, usar a voz da autora citada, que escreve sobre os limites de ação em uma sala de aula, a partir do lugar de professora auxiliar e do de estagiária, para validar a sua própria voz e conferir sentidos legitimados à sua narrativa de confronto e indisciplina.

Em seguida, a estagiária inicia o relato do confronto com um aluno na sua experiência de substituição da professora orientadora do estágio:

Exemplo 3: Trecho de “Relato”

1 “Como estagiária na função de professora auxiliar, percebia no dia a

2 dia da escola que o meu lugar ainda não era definido, mas era sempre

3 limitado como relata Silva (2008) [citação de Silva, 200816]. Em

4 uma ocasião onde a professora pediu para que eu ficasse na sala para

5 que ela fosse em uma reunião, os alunos começaram a ficar agitados

6 correndo e gritando dentro da sala de aula. Tive que conter a sala

7 pedindo para que eles sentassem e ficassem em silêncio para que eu

8 pudesse dar continuidade a atividade que eles já tinham começado a

9 fazer com a professora. Foi quando P. gritou para mim e tive que me

10 posicionar como autoridade a ele:

11 Eu - P., você não pode gritar desse jeito dentro da sala.

12 Aluno P. - Eu não vou ficar quieto, você não manda aqui, você não

13 é a professora!

14 Eu - P., você não pode falar assim comigo.

15 Aluno P. - Falo sim, falo do jeito que eu quiser! (Gritando)

16 Eu - P., primeiro, não grita comigo. Segundo, você tem que ter

17 respeito com qualquer pessoa, seja ela professora, estagiária,

18 garçom ou seu pai. Terceiro, se eu estou aqui é porque tenho sim

19 autoridade sobre a sala de aula e sobre tudo o que está acontecendo

20 com ela nesse momento. Quando a professora voltar ela tomará a

21 frente da sala novamente, mas, até lá, terá que me ouvir e respeitar.

22 Todos estavam parados, olhando para mim com olhos arregalados e

23 um pouco assustados com as palavras que eu dissera. P. abaixou a

24 cabeça e continuou a atividade.

25 Nesse momento, confesso que meu coração se encheu de tristeza e

26 desânimo por eu não ser reconhecida, para aquele aluno, como

27 professora”.

No episódio narrado, embora Anita informe que já tinha um tempo de convivência com a turma, ela conta que, em um momento de tensão, recorreu a uma intervenção direta de repreensão às crianças, durante a qual ela tenta se posicionar como figura de autoridade, por meio da reiterada utilização de diversas formas da modalidade deôntica, que indicam obrigação e regulação (permissão ou proibição) da conduta do outro. Uma das formas foi o verbo modal “poder” no negativo, na 2ª pessoa, na linha 11: “P., você não pode gritar desse jeito dentro da sala”; linha 14: “você não pode falar assim comigo”. Outra forma foi usar verbos que indicam obrigação do outro, como: “ter que” na 2ª pessoa, nas linhas 16-17, “você tem que ter respeito...; e, na linha 21, “terá que me ouvir e respeitar”. Uma terceira forma foi o uso do imperativo de proibição, na linha 16: “primeiro, não grita comigo. O aluno P. manifesta sua recusa a ocupar o lugar social de aluno, negando a autoridade da estagiária para “mandar na sala de aula”, nas linhas 12-13, quando diz “eu não vou ficar quieto” e “você não manda aqui, você não é a professora!”, e também explicita sua própria autonomia na linha 15: “falo sim” “falo do jeito que eu quiser” (este último enunciado aos gritos, segundo a estagiária).

No enfrentamento com o aluno, Anita procura se salvaguardar com um discurso autoritário. Mesmo assim, a criança não se submete e a contradiz com o argumento de que Anita não é a professora. No embate entre ambos, percebe-se que o discurso alheio autoritário não parece ter muito efeito. Volóchinov (2017, pp. 256-257), ao tratar sobre tendências e inter-relações entre o discurso autoral e o alheio, aponta que existem várias formas de sua realização e de sua percepção: “À medida que o dogmatismo da palavra aumenta e a percepção compreensiva e avaliativa deixa de admitir matizes entre a verdade e a mentira, entre o bem e o mal, as formas de discurso alheio se despersonificam”. No caso específico da ocasião aqui retratada, a estagiária reproduz primeiramente uma fala autoritária - “você não pode” -, que fica postiça ao seu modo de agir. Isso se nota mais adiante, nos argumentos finais (linhas 16-18): “você tem que ter respeito com qualquer pessoa, seja ela professora, estagiária, garçom ou seu pai”.

O recurso da estagiária ao discurso alheio autoritário, dando ordens, só traz resultados quando também oferece uma explicação sobre a legitimidade do seu discurso autoritário, isto é, quando torna explícitas as relações de poder que subjaziam todas suas intervenções, nas linhas 18-20: “se eu estou aqui é porque tenho sim autoridade sobre a sala de aula e sobre tudo o que está acontecendo com ela nesse momento”.

Nesse fragmento, os enunciados da estagiária e os do aluno, infiltrados por palavras alheias, vão produzindo as réplicas que indiciam alguns discursos em cruzamento, produzindo sentidos em embate para cada interlocutor envolvido na narração da situação.

Chama a atenção também o desfecho da situação. O aluno, depois de insistir no confronto, é silenciado e volta à atividade, enquanto a estagiária conclui o relato do episódio frustrada: “meu coração se encheu de tristeza e desânimo por eu não ser reconhecida, para aquele aluno, como professora”. A palavra do outro, carregada de juízo de valor ao pronunciar “você não é a professora!”, assume um grande peso no desenlace da narrativa da estagiária.

Nos enunciados proferidos, tal qual relatados no texto de Anita, constatamos um dos sentidos conferidos pela criança à definição de “ser professora”: só há uma profissional reconhecida pela turma para exercer esse papel; em oposição a essa percepção, para a estagiária são salientes a autoridade e o poder disciplinador do adulto que exerce a atividade de ensino, assim como a autoridade que derivaria do reconhecimento desse papel em uma professora-em-exercício-de-aprendizagem de uma profissão.

Esse último episódio coloca em evidência a complexidade do processo de construção identitária e o quanto ele é dinâmico, situado e, portanto, marcado pelo contexto e pelas representações sociais em circulação (Silva & Matencio, 2005; Assis, 2018).

Considerações finais

Os excertos dos relatórios aqui analisados apresentam alguns aspectos da produção escrita dos estudantes estagiários que permitem adentrar em questões que tocam a formação profissional docente, com base na perspectiva daqueles que se encontram em processo de sua iniciação no campo. Nos recortes analisados nos relatórios, em que cada estudante narra sua experiência de estágio, de iniciação à profissão docente, o foco nas redes semânticas mobilizadas em relação à palavra professora nos permite perceber os diversos sentidos que cada uma delas atribui a “ser professor”, assim como apreender como as réplicas aos enunciados afetam os sujeitos envolvidos em situações específicas da sala de aula. Os enunciados relatados pelas estagiárias expressam como as alteridades ecoam em cada um, fornecendo visibilidade a variados movimentos de compreensão do papel docente. Por meio do olhar atento para a palavra, fica visível como o discurso das estagiárias se configura como um discurso do outro, como diz Bakhtin (2017). Segundo afirma o autor, o narrador se realiza não só na sua história, mas também no objeto de sua narração, assumindo o ponto de vista do outro, muitas vezes diferente do seu.

Os enunciados problematizados por nós procuram acrescentar pistas e indícios para os estudos que visam a aprofundar as compreensões possíveis dos processos de formação de professores no âmbito universitário. Acreditamos que as palavras enunciadas nas narrativas selecionadas entoam uma profissão, como alerta o poeta da epígrafe. Entoam múltiplos sentidos - conferidos pela experiência de cada sujeito, de forma singular, apoiado nos discursos da cadeia enunciativa que se constrói na escola e na universidade - que se manifestam nas diferentes vozes que constituem o trabalho docente.

A disciplina de estágio supervisionado, pela função e lugar que ocupa no currículo, pode se amparar na escuta dos enunciados dos estagiários, nas diversas vozes que ecoam, como um dos modos de construir projetos (mais) singulares para a formação docente. Os textos autorais produzidos pelos estudantes - quase-professores - nos seus primeiros contatos com o cotidiano escolar constituem-se, sem lugar a dúvidas, rico e denso material de pesquisa que permite ao docente formador desses futuros professores entender melhor os processos de historização e circulação das práticas docentes, e de reflexão sobre o docente que estamos formando.

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Nota sobre autoria As autoras deste artigo têm mantido uma longa e antiga parceria de trabalho, que está materializada na publicação em livros e periódicos, em projetos de extensão ou ainda em projetos de pesquisa. Vale mencionar que, no desenvolvimento de um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - (processo 2002/09775-0), um dos objetivos do trabalho se referia à construção de um banco de dados para pesquisa em todo o Brasil (diante da diversidade regional dos integrantes do grupo) e tal intuito se mantém no grupo de pesquisa Letramento do Professor. No escopo deste artigo, os dados foram gerados pela primeira autora e selecionados e analisados conjuntamente, tendo sido o texto produzido a quatro mãos.

Disponibilidade de dados Os dados estarão disponíveis sob demanda às autoras e mediante exame do tipo de solicitação, com vistas a atender o que rege o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado por ambas as partes.

1Por disciplinas, referimo-nos às disciplinas de Estágio Supervisionado nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (I e II) do curso de Pedagogia de uma universidade pública paulista.

2Todos os relatórios analisados neste artigo foram escritos por mulheres.

3A atitude responsiva se configura, assim, como uma das características da composição do romance.

4A respeito dos integrantes do Círculo de Bakhtin e o detalhamento sobre a constituição do grupo de intelectuais que construiu o que hoje se denomina como “pensamento bakhtiniano”, ver Brait (2016).

5Hall (1998) utiliza o termo processos de identificação para retratar a possibilidade de emergência, e existência, de múltiplas identidades assumidas por um sujeito. Kleiman (1998) entende esses processos como as categorias utilizadas pelo sujeito para simbolizar a identidade social durante a interação em curso.

6O Grupo Letramento do Professor foi fundado em 1991 pela pesquisadora Angela Kleiman e por ela coordenado de 1991 até 2015, ano em que a coordenação passou para Ana Lúcia Guedes-Pinto. Ver Diretório de Grupos do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico): dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5189323694490294.

7 Embora o termo letramento tenha se transformado, para muitos pesquisadores, em sinônimo da escrita, aderimos à posição de que o letramento não é modalidade (falada ou escrita) de uso da língua. Trata-se de um discurso que envolve, nas distintas relações que o sujeito constrói com a fala, com a palavra escrita e com o desenho, tanto o uso do corpo como o do gesto e dos diversos sentidos, a fim de enunciar seus valores e apreciações sobre o mundo.

8Estados do Paraná, São Paulo, Paraíba, Pará e Minas Gerais.

9Também examinam, nas análises, as supervisões entre a orientadora de estágio e a estagiária que acompanhava a turma, na cidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul.

10A produção consiste nos relatórios de três estudantes referentes ao estágio supervisionado, um deles elaborado no segundo semestre de 2005, de um total de 19 relatórios, e dois, no primeiro semestre de 2017, de um total de oito. Tais relatórios integram o banco de dados do Grupo de Pesquisa Letramento do Professor, cuja finalidade é fornecer subsídios para a pesquisa, compondo um acervo permanente de consulta para geração de dados no campo dos estudos do letramento e formação de professores. No escopo deste artigo, os dados foram gerados pela primeira autora e selecionados e analisados conjuntamente (reafirmando a tradição de trabalho da dupla).

11Por conta das muitas demandas que os estudantes traziam para as aulas a respeito da produção dos relatórios, eles recebiam um roteiro que detalhava os itens que os textos deveriam conter. Nele eram focalizados pontos tais como: a) fazer uma descrição física da escola e da sala de aula; b) selecionar no mínimo duas situações de ensino vividas com alunos; c) fundamentar o texto com a bibliografia estudada; d) inserir as referências bibliográficas usadas.

12Como é recomendado pelo Comitê de Ética, todos os nomes citados nos excertos são fictícios.

13As linhas estão numeradas para facilitar o acompanhamento da nossa análise.

14A Teoria dos Atos de Fala proposta pelo filósofo da linguagem John Austin se preocupa com enunciados que não são apenas descritivos. Austin propôs uma categorização de verbos que distingue os verbos que ele denomina performativos, que não apenas descrevem uma situação verdadeira ou falsa, mas que realizam aquilo que é dito, ou nomeado: por exemplo, em “Eu te batizo Carmela”, o próprio verbo batizar, se for proferido por alguém que tem o direito de batizar um barco, ou uma criança, faz parte do rito de batismo. O mesmo acontece com verbos como prometer e ordenar, que constituem uma promessa, ou uma ordem, no momento da enunciação. Há condições de diversos tipos que devem ser preenchidas para que uma ação seja efetivamente executada pelo verbo performativo, que, de fato, não são preenchidas na situação relatada por Mara, já que a coordenadora não tem “realmente” a autoridade para conferir o título de professora à estudante, mas é possível suspender parte das condições segundo a situação específica de enunciação.

15No Brasil, a designação de um interlocutor pela primeira sílaba de seu nome (por exemplo, Ma por Marisa, Su por Sueli, prô por professora, etc., é sinal de intimidade ou amizade).

16Preferimos reproduzir o discurso citado nesta nota para não interromper o fluxo do discurso narrativo. É o seguinte: “Como professora auxiliar vivenciei muitas situações em que meu lugar não estava bem assegurado: não era professora titular, mas podia substituí-las; não era recreacionista, contudo dirigia atividades de recreação; não era secretária, mas podia atuar na secretaria; não era inspetora, mas ajudava a cuidar do recreio. Além disso, apesar de todas essas possibilidades de atuação, como já foi dito anteriormente, todas elas eram exercidas dentro do limite de minha função como uma professora auxiliar em formação” (Silva, 2008, p. 19).

Recebido: 19 de Dezembro de 2019; Aceito: 17 de Dezembro de 2020

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