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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.51  São Paulo  2021  Epub 27-Ago-2021

https://doi.org/10.1590/198053148775 

Espaço plural

MARLI ANDRÉ (1944-2021)


MARLI ANDRÉ NA COMISSÃO EDITORIAL DE CADERNOS DE PESQUISA

Marli, nossa colega, amiga e companheira de tantas lides, na Faculdade de Educação da USP, na diretoria da ANPEd, no Endipe, nos congressos estaduais paulistas e nacionais de formação de professores, em comissões da Fapesp, na produção dos livros da Cátedra Unesco de Formação de Professores, também marcou sua presença por muitos anos na Comissão Editorial de Cadernos de Pesquisa.

Não só participava ativamente das reuniões da revista. Tinha sempre um olhar atento para a sua linha editorial, sugeria profissionais conceituados e comprometidos com a área para fazerem parte do seu colegiado, propunha caminhos nos impasses que tantas vezes nos sobrevinham como editores científicos da educação.

Faz uma falta enorme a sua ausência também no campo da publicação de pesquisas, que fundamentalmente alimentavam o seu trabalho e o de tantos.

Agradecimento e saudade...

Elba Sá de Siqueira Barretto

Fundação Carlos Chagas (FCC)

ELA ESTAVA ALI

Homenagem do GT-8 ANPEd - Formação de Professores

Reunião do GT-8 da ANPEd. Ela estava ali. A presença de Marli André no Grupo de Trabalho “Formação de Professores” da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (GT-8/ANPEd) era uma constante em cada reunião. Ela estava ali. Ela estava sempre ali com sua escuta atenta diante das apresentações de trabalho (de pôster a sessão especial). Ela estava sempre ali, com seu olhar firme e sereno, sua palavra de estímulo e contribuição e sua intervenção crítica e tenaz. Ela estava sempre ali com sua experiência e sabedoria irretocáveis, chanceladas por sua história profissional bem construída e comprometida com a formação de professores e pesquisadores.

Graduada em Letras pela USP e em Pedagogia pela Universidade Santa Úrsula (USU), Marli André fez mestrado em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutorado em Educação na University of Illinois em Urbana-Champaign. Era professora livre-docente e titular aposentada da USP e professora em exercício do Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, da PUC-SP. Autora de inúmeros livros e artigos, consagrou-se pela introdução, entre nós, das pesquisas de abordagem qualitativa. Foi uma precursora da pesquisa etnográfica na e com a escola e defensora aguerrida da pesquisa na formação e na prática do professor.

A sua trajetória de pesquisadora evidencia seu protagonismo no campo da formação de professores, afirmando-se como referência inconteste do estado da arte da área, da avaliação de suas políticas educacionais, da análise das condições, teorizações e práticas do trabalho docente, das investigações sobre formação inicial no âmbito das licenciaturas, formação continuada e programas de iniciação à docência, como o Pibid, e de indução docente no período de inserção profissional. A escola e a prática docente dirigiam seu olhar de pesquisadora e formadora e colocavam-na sempre ali, próxima dos professores, nos encontros a eles destinados, e nos mais respeitados fóruns científicos cujo foco era a formação e o trabalho docente.

Marli André participou sistematicamente da ANPEd contribuindo com a associação em diferentes funções. Com passagem pelos GTs 4 de Didática e 20 de Psicologia da Educação, começou a se dedicar ao GT-8 em 1993, quando o GT de Licenciaturas se transformou no de Formação de Professores. Mulher inteligente e pesquisadora competente, Marli André estava sempre ali para ensinar gerações a fazer pesquisa, para aproximar universidade da escola e para fortalecer o campo da formação de professores.

Diversas são as vozes de testemunho acerca de sua presença marcante entre nós. Para esta homenagem separamos quatro delas: as três primeiras representam três gerações de pesquisadores do GT-8 - professoras Menga Lüdke, Joana Romanowski e Marta Nörnberg - e a quarta - professora Kátia Curado - representa o núcleo de coordenação do GT. A reunião desses breves depoimentos nos lembra que Marli André estava ali, ela estava sempre ali, mas, mais que isso, nos declara: ela permanecerá ali com seus ensinamentos, seus escritos, seu exemplo, seu legado a favor da educação, da escola, da pesquisa e da docência. Marli André estava sempre ali. Marli André permanecerá ali.

Giseli Barreto da Cruz

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

DO TEMPO DAS REUNIÕES DA ANPED EM CAXAMBU (MG), NO Hotel Gloria, trago à memória os minicursos sobre pesquisa em educação que Marli e eu conduzíamos conjuntamente. Foram cinco edições se não estou enganada. Eles aconteciam em um salão, sempre cheio de participantes ávidos por aprenderem sobre pesquisa na formação de professores. Marli e eu combinávamos muito bem o que cabia a uma e a outra, aproveitando nossa experiência de pesquisa e orientação de mestrado e doutorado, assim como de publicações, da nossa familiaridade, sobretudo, com a pesquisa qualitativa e seus problemas, já que nós duas, com o nosso livro, puxamos a entrada dessa pesquisa entre nós. Esses cursos eram bem recebidos com questões, comentários, dúvidas de jovens estudantes da pós-graduação cheios de vontade por aprenderem sobre pesquisa. Dividíamos entre nós o tempo para responder suas perguntas, construindo saídas, procurando estratégias e comentando as dificuldades, de modo a contribuir com suas questões de pesquisas. Esses cursos assinalaram bem a nossa participação no GT-8. Além deles, Marli e eu participamos dos Simpósios de Grupos de Pesquisa sobre Formação de Professores, inaugurando essa linha de ação do GT. Lembro-me bem do primeiro deles, ocorrido na PUC- -SP, com várias salas de trabalho, com a possibilidade de discutir o movimento da pesquisa no campo da formação de professores com os grupos de pesquisa presentes no encontro. Marli nos deixa um significativo legado construído por meio de seu trabalho cuidadoso e constante, pelo qual ela estará sempre presente entre nós.

Menga Lüdke

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Membro do GT-8 desde o seu começo em 1984, com quem Marli André escreveu Pesquisa em educação: abordagens qualitativas (Editora EPU, 1986), uma das obras mais citadas no campo da pesquisa em educação no Brasil.

QUERIDA MARLI, SEU PRIMEIRO LIVRO, ESCRITO EM PARCERIA COM Menga Lüdke, em 1986, foi lido quando eu organizava os pontos para concurso na Universidade Federal do Paraná, livro que me acompanha nas orientações, na realização das pesquisas, havendo sempre o que aprender nas releituras. Novos livros, capítulos, artigos, eventos nasceram de seus estudos e de suas pesquisas e em alguns tive o privilégio de estar junto. Ao longo destas últimas décadas, a convivência se intensificou e minha formação foi alicerçada em seus ensinamentos e reflexões; pertenço à família André, como definimos na comemoração coletiva que realizamos aqui em Curitiba, e por isso sinto tanto sua partida. Em todos os eventos de que participei, desde janeiro de 2021, Marli foi lembrada e homenageada por suas contribuições em nossa área. Certamente você estará entre nós por muito tempo, seus escritos reverberam em nossos estudos e reflexões.

Joana Paulin Romanowski

Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)

Membro do GT-8 desde 1998 e coordenadora do GT de 2008 a 2012.

Fez o Doutorado em Educação sob a orientação de Marli André.

POUCOS ANOS APÓS CONCLUIR MEU DOUTORADO, EM 2011, EU migrava para o GT-8 Formação de Professores da ANPEd. A reunião ocorria em Natal, a primeira em modo itinerante. Eu fazia, naquela ocasião, a primeira apresentação de trabalho de pesquisa no GT. Na sessão coletiva de debate, minha expectativa era grande, ao ver na primeira fila, próxima de quem apresentava, a professora Marli André. Esse gesto, da proximidade, do olhar atento, das feições indagativas, marcado pelas falas críticas, desafiando-nos a explicitar nossos movimentos teórico--metodológicos, é a lembrança que tenho dessa professora, mestra, mulher sábia e generosa, de ação responsável e (pré)ocupada com a educação, a pesquisa, a formação docente, a vida acadêmica. Anos mais tarde, em São Luís do Maranhão, lembro-me de vê-la, da janela do meu quarto, caminhando à beira mar. Por um momento pensei: os sábios e as sábias, de fato, “escrevem com os pés”, como bem disse Nietzsche, em sua A gaia ciência. Marli, onde quer que esteja, suas palavras, suas caminhadas, suas visões educativas, sua obra seguem e seguirão inspirando gerações de pesquisadores e pesquisadoras no campo da educação. Gratidão à vida, à sua vida, entre nós!

Marta Nörnberg

Universidade Federal de Pelotas (Ufpel)

Membro do GT-8 desde 2011

LEMBRO-ME COM CARINHO DE VER MARLI ANDRÉ ALTIVA, ELEGANTE e intelectual na condução ou mesmo participando ativamente dos trabalhos no GT-8 - Formação de Professores - ANPEd. Sentia uma profunda admiração pela sua diplomacia e capacidade intelectual. Com ela, aprendi sobre ética, seriedade, compromisso social e metodológico na pesquisa no campo de formação de professores. A olhava! Sempre presente! E sentia orgulho de ser, primeiramente, participante dos minicursos por ela conduzidos, colega de GT-8 e de uma das atividades de apresentação de um trabalho encomendado em que dividimos a mesa constituindo uma parceria em prol do campo de formação de professores. Hoje não temos mais a presença de Marli André, mas ela é eterna! Não apenas pela sua lembrança, mas principalmente pelo legado de trabalho no campo de formação de professores perpetuado em cada um de nós, que a vimos, ouvimos, lemos e dialogamos, aprendendo sempre com o ser íntegro de Marli André.

Katia Curado

Universidade de Brasília (UnB)

Coordenadora do GT-8 - Formação de Professores - ANPEd

O “GRUPO DA MARLI”: MARCAS DE UMA FORMADORA DE PESQUISADORES

Este texto é uma produção coletiva, construída a partir de memórias de pesquisadores que tiveram o privilégio de fazer parte do grupo de pesquisas coordenado por Marli André, na PUC-SP. O “grupo da Marli”, foi assim que sempre nos identificamos, embora o nome institucional seja Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Desenvolvimento Profissional Docente.

A trajetória do grupo tem as marcas da liderança e da concepção de pesquisa de sua coordenadora. Desde sua origem, em 2002, quando começou como um grupo de estudos e pesquisa envolvendo as professoras Marli André, Vera Placco (que dividia com Marli a coordenação do grupo), Bernardete Gatti, Laurinda Almeida, e seus mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos do Programa de Psicologia da Educação da PUC-SP, o grupo cresceu e frutificou. Com a chegada de novos participantes, interessados em compartilhar esse espaço estimulante de discussão de ideias e pesquisas em educação, o grupo ficou grande demais. Em 2006, por iniciativa da Marli, esse coletivo inicial se desdobrou em subgrupos, passando a ocorrer em dois momentos: um encontro do “grupão”, no qual se abordavam temáticas mais amplas e comuns às diversas pesquisas, e os encontros de cada subgrupo, reunindo as professoras e seus orientandos em torno de suas linhas e projetos de pesquisa. A partir daí se consolidou o “grupo da Marli”, que passou a desenvolver suas pesquisas voltadas para a temática da formação de professores para a educação básica.

Sob sua liderança democrática, generosa e competente, os encontros eram sempre alimentados pela leitura de um texto instigante, apresentação de teses e dissertações recentes, falas de convidados com contribuições relevantes. No grupo tivemos oportunidade de ouvir e dialogar com grandes pesquisadores do Brasil e de outros países. Havia ainda os seminários em que os diferentes subgrupos apresentavam o trabalho desenvolvido para discussão no “grupão”, momentos de compartilhamento e síntese dos estudos produzidos.

Essa forma de organização é reveladora da perspectiva de Marli André sobre a produção da pesquisa. Ela sempre privilegiou a dimensão colaborativa na produção dos trabalhos do grupo, entendendo-o como espaço coletivo de pesquisa, de produção e partilha de conhecimento. Não havia projetos isolados, mas trabalho coletivo, a partir de uma temática ampla, apoiada em sólidos fundamentos teóricos e metodológicos, que articulava e fundamentava as diversas pesquisas desenvolvidas. Reunindo pesquisadores de diferentes instituições, num trabalho articulado e colaborativo, os resultados produzidos eram abrangentes e consistentes.

Os achados de cada pesquisa instigavam e davam origem a novas questões de investigação. Assim os projetos se sucederam: “O trabalho docente do professor formador”; “O papel das práticas de licenciatura na constituição da identidade profissional dos futuros professores”; “Aproximação entre universidade e escola na formação de professores: políticas de inserção na docência”, “Inserção profissional de egressos de programas de iniciação à docência”; “Processos de indução de professores iniciantes na escola básica”, este ainda em andamento. As temáticas revelam a pesquisadora atenta às questões emergentes no campo da formação docente e comprometida com a produção de conhecimento social e politicamente relevante.

Com Marli, aprendemos algo fundamental: a pesquisa no campo da educação é tarefa coletiva. Aprendemos mais, que pesquisa é trabalho complexo, que exige consistência teórica, rigor metodológico, postura ética, comunicação dos resultados, comprometimento com as implicações e finalidades do conhecimento produzido. Exige, especialmente, respeito aos professores que aceitam compartilhar conosco suas ideias e experiência, entendendo-os como sujeitos do conhecimento.

O grupo foi, para nós, um espaço estimulante de debates, estudos e pesquisa, materializado em livros, artigos científicos, apresentações em congressos de educação nacionais e internacionais, com grande repercussão na formação de professores, na educação básica e em outros âmbitos educacionais, pelo compromisso e cientificidade da produção, da qual Marli André nunca abriu mão. Mas também um lugar de encontro, de convivência e partilha, de amizade e aprendizado permanente.

Das memórias dos participantes emergem características de Marli que deram o tom das relações no grupo: exigente e rigorosa, não admitia descompromisso e superficialidade; crítica e detalhista, era também uma ouvinte atenta, capaz de aceitar ideias e considerar opiniões dos orientandos. Acima de tudo, era extremamente generosa. A cada encontro compartilhava conosco textos relevantes, ideias, sugestões, abrindo um horizonte imenso de possibilidades.

Discreta nas manifestações de carinho, expressava sua afetividade na atenção e no cuidado com todos. Fica evidente nos registros o lugar de conselheira experiente e orientadora zelosa, não apenas com as pesquisas, mas também com a trajetória profissional de seus orientandos. O orgulho revelado diante das conquistas de cada um de nós, por um bom texto publicado, pela aprovação em um concurso, pelo desenvolvimento de projetos com a educação básica, por estarmos na linha de frente de programas de pós-graduação ou por estarmos presentes na formação dos professores, no chão da escola de educação básica, em prol de um ensino de qualidade. Aliados ao contentamento vinham novos aconselhamentos e o chamamento para a responsabilidade que tínhamos em mãos. No sorriso discreto se mostravam o orgulho e a certeza de que muito dela estava em nós!

Das vivências e experiências, do convívio e da partilha, do rigor da pesquisa e da amorosidade das nossas relações, constituímos o que carinhosamente chamamos de “irmandade André”, primando pela dimensão essencialmente humana que nos ligava, que em momentos de descontração provocava o sorriso espontâneo de Marli, revelando a satisfação e a alegria de estarmos juntos.

Entre pesquisas e estudos, sempre reservava espaços de confraternização, almoços, jantares... momento de conversa descomprometida. Nessas ocasiões, sobressaia um outro lado de Marli, o qual esbanjava um repertório literário invejável. Uma pessoa conhecedora de espaços culturais, a guia turística em viagem internacionais, a amiga protetora e companheira. Sentiremos saudades dos nossos encontros, das viagens acadêmicas e de todos os brindes à amizade e à vida que fizemos juntos... e foram muitos!!!

Do grupo da Marli, surge então a Redep, reafirmando nosso compromisso com a formação de professores e com um novo e ampliado espaço de estudos e compartilhamentos. Esse foi nosso último projeto, que ainda em vida ela teve a satisfação de conduzir e ver ganhando forma.

Ao recuperar a história do grupo podemos compreender melhor o que representou para cada um de nós essa participação. Quanto nos enriqueceu esse encontro de ideias, de objetivos, de pessoas, de vidas! Quanto nos formou pesquisadores comprometidos com uma educação mais democrática, igualitária e inclusiva.

O “grupo da Marli” não vai acabar. Seguimos, com suas marcas impressas em nossos saberes e fazeres, como docentes e pesquisadores. Continuamos colhendo suas semeaduras e, ao mesmo tempo, dando continuidade ao seu legado: defendendo a ciência, a educação, a formação dos formadores e assumindo, com a força de sua inspiração, um compromisso com as futuras gerações.

Marli André, para sempre... Presente!

Agradecemos às colegas que contribuíram com a construção deste texto, escrevendo breves relatos sobre sua vivência no “grupo da Marli”: Adriana Teixeira Reis, Ana Lucia Madsen Gomboeff, Ana Maria Gimenes Corrêa Calil, Gláucia Signorelli de Queiroz Gonçalves, Lisandra Príncepe, Márcia de Souza Hobold, Maria de Fátima Ramos de Andrade, Maria Joselma do Nascimento Franco, Simone Albuquerque da Rocha.

Esperamos que este texto seja representativo da experiência coletiva de todos aqueles que tiveram o privilégio de participar do grupo ao longo de sua história. São eles: Adriana Teixeira Reis (PUC-SP), Ana Lucia Madsen Gomboeff (PUC-SP), Ana Maria Gimenes Corrêa Calil (Unitau), Ana Sílvia Moço Aparício (USCS), Bárbara Cristina Moreira Sicardi Nakayama (UFSCar), Cristovam da Silva Alves (Unitau), Douglas da Silva Tinti (Ufop), Elise Keller Franco (Unasp), Francine de Paulo Martins Lima (Ufla), Giseli Barreto da Cruz (UFRJ), Glaucia Signorelli de Queiroz Gonçalves (UFU), Isabel Maria Sabino de Farias (Uece), Lisandra Maria Príncepe (PUC-SP), Laurizete Ferragut Passos (PUC-SP), Magali Aparecida Silvestre (Unifesp), Márcia de Souza Hobold (UFSC), Maria de Fátima Ramos de Andrade (USCS; Universidade Presbiteriana Mackenzie), Maria Joselma do Nascimento Franco (UFPE), Marli Amélia Lucas de Oliveira (IF Sudeste MG), Neusa Banhara Ambrosetti (Unitau); Nilson de Souza Cardoso (Uece), Patrícia Cristina Albieri de Almeida (FCC), Renata Prenstteter Gama (UFSCar), Rodnei Pereira (PUC-SP), Rosana Maria Martins (UFMT), Sandra Novais Souza (UFMS), Sílvia Matsuoka de Oliveira (Rede Estadual do MT), Simone Albuquerque Rocha (UFMT).

Neusa Banhara Ambrosetti

Universidade de Taubaté (Unitau)

Integrante do grupo da Marli desde 2004

Francine de Paulo Martins Lima

Universidade Federal de Lavras (Ufla)

Integrante do grupo da Marli desde 2007

MARLI ANDRÉ - UM LEGADO QUE SE COMPLETA NO MESTRADO PROFISSIONAL

Neste momento em que finalizo o preenchimento da ficha de avaliação quadrienal do Mestrado Profissional Formação de Formadores da PUC-SP para a Capes, fico imaginando como Marli estaria radiante em constatar que seu comprometimento com a aproximação da universidade com a escola e com os seus professores foi intensificado e concretizado nesse projeto iniciado por ela juntamente com um grupo de professores da instituição. Por diversas vezes, Marli mencionou que este seria o último projeto da sua vida e um dos que mais a entusiasmou e em que esteve mais envolvida. Eu brincava e dizia que não acreditava nisso e que sua inquietude e inconformismo diante de situações que exigiam mudanças a provocariam a buscar novos planos. Não deu tempo!

Um mês antes da sua partida, em uma última conversa, difícil porque tinha tom de despedida, recordamos nossas viagens acadêmicas, os congressos, nosso grupo de pesquisa, falamos dos filhos e pude dizer o quanto ela afetou minha vida e minha trajetória profissional. E, quase sem força para falar, ainda mostrando seu compromisso social e acadêmico com o mestrado profissional, fez recomendações em relação aos seus rumos. Mais uma vez foi assertiva! Mais uma vez coerente com o que sempre defendeu para a formação dos professores da escola básica!

Convivi com Marli por mais de trinta anos e sempre participando dos seus projetos e grupos de pesquisa. Mas foi nesse mestrado que tive o privilégio de desfrutar de uma convivência acadêmica mais íntima. Coordenou o curso nos seus quatro primeiros anos e me convenceu a assumir a coordenação em seguida, que só aceitei depois de sua concordância em atuar como vice-coordenadora. De orientanda e pesquisadora aprendente que fui, agora uma coordenadora aprendente! Acompanhei de perto sua capacidade de administração, organização e força de trabalho. Marli se tornou uma referência para mim e deixa uma marca em relação à sua integridade intelectual, moral e ética. Pesquisadora exigente, cuidadosa e sem arrogância acadêmica, não hesitava em contar quando tinha dúvidas a respeito de qual procedimento metodológico deveria indicar para um orientando. Dividia essas dúvidas não só comigo, mas também com as doutorandas mais próximas e mais experientes.

Isso fazia parte de sua generosidade acadêmica, que também era acompanhada de crítica e de exigência ímpar em relação ao rigor da pesquisa, aos cuidados com cada um dos passos metodológicos. Preocupava-se em conduzir o olhar dos alunos desse mestrado, coordenadores pedagógicos, diretores, supervisores, com pouca ou nenhuma experiência com pesquisa, para além do senso comum em relação às problemáticas trazidas da prática profissional e os ajudava a ver a realidade como se estivessem dentro de um farol. Trazia a convicção de que, pela pesquisa, esses profissionais do chão da escola tornar-se-iam mais críticos, reflexivos e com melhores condições de implementar mudanças para melhorar a qualidade do ensino das crianças e dos jovens. Acreditou e trabalhou nessa possibilidade de formar o professor pesquisador de sua prática.

Essa convicção, longe de se reduzir a um discurso, é fruto de uma trajetória de estudos e pesquisas cujos temas e conceitos traduzem um posicionamento epistêmico, político e, sobretudo, pedagógico. Ao revisitar os projetos de pesquisa, os artigos e livros publicados pela Marli, fiquei com a sensação de que ela foi se preparando e aprofundando seus estudos para esse momento de mais uma proposta ousada de trabalho no mestrado profissional. Em um artigo em que discute o curso, menciona que sua primeira referência sobre o tema do professor pesquisador da prática foi Stenhouse no final dos anos 1970 nos Estados Unidos, quando fazia seu doutorado. Arrisco-me a dizer que seus projetos de pesquisa e sua produção, em geral, sempre tiveram proximidade com o tema. Dentre os livros, vale lembrar três que abordaram mais de perto a prática e a pesquisa do professor: O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores; Etnografia da prática escolar; Práticas inovadoras na formação dos professores.

Esses textos, dentre outros não mencionados, não só trazem reflexões teórico-metodológicas e diálogo com experiências da prática escolar, como também fortalecem e evidenciam a contribuição legítima das abordagens qualitativas nas pesquisas em educação. Não se pode falar em abordagem qualitativa de pesquisa sem registrar as influências que marcaram e continuam marcando toda uma geração de pesquisadores da área da educação, especialmente o livro escrito com a pesquisadora Menga Lüdke, Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. Com conteúdo claro e objetivo, o livro foi lançado no início dos anos 1980 e contribui para um novo modo de pesquisar a escola e a prática dos professores.

Conviver com Marli significou compreender a força do coletivo em todas as esferas da vida. Em uma entrevista, ela disse que a cultura do coletivo foi trazida da sua curta experiência como professora na PUC-Rio. Nunca a abandonou! No mestrado profissional isso foi cultivado desde o início e, especialmente, na relação entre os professores do curso. Os alunos, egressos ou cursistas, têm declarado que percebem essa relação e que ela é estendida para a sala de aula. Uma ação coletiva pensada por Marli e compartilhada com os professores do curso, ocorreu quando identificou que os alunos, distantes do mundo acadêmico, apresentavam dificuldades na elaboração e escrita do projeto de pesquisa. Convidou alguns doutorandos, em fase final do curso, e alunos já doutores e em estágio de pós-doutorado, para acompanharem os mestrandos com maiores dificuldades. Dessa experiência inicial foi implementada a tutoria acadêmica, hoje prevista no projeto e na carga horária do curso. A repercussão positiva da tutoria na formação dos mestrandos impulsionou a criação de um curso de formação de tutores, também tendo em vista uma ação mais próxima com a disciplina de pesquisa.

Há muito a contar da trajetória da Marli e do legado deixado para o campo da educação e da formação de professores. Desse legado de conhecimentos que foram se construindo numa vida, não quero abandonar as ideias em que se assentaram: acreditou sempre que a universidade precisaria estar cada vez mais perto da escola e dos seus professores e defendeu que, juntos, professores e pesquisadores poderiam planejar formações com base nas pesquisas e melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem; defendeu projetos coletivos e que traziam alternativas diferenciadas para a formação de professores; defendeu a presença de professores da escola nos grupos de pesquisa e defendeu a pesquisa da prática, a pesquisa do professor, a pesquisa colaborativa.

Para finalizar, recordo de três ocasiões em que tive que tomar decisões que mudariam minha trajetória acadêmica e profissional. A orientadora e amiga era acionada e, sempre clara e objetiva, conduzia meu olhar para a decisão mais acertada. Um privilégio ter recebido também esse cuidado da Marli. Fará muita falta, mas sua memória e legado permanecerão presentes.

Laurizete Ferragut Passos

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

MARLI ANDRÉ, UMA PROFISSIONAL, UMA PARCEIRA, UM EXEMPLO DE PESQUISADORA DO SEU TEMPO E À FRENTE DELE

Escrever sobre Marli André, em momento tão próximo de sua perda, é um desafio e um privilégio. São tantas experiências vividas, tantos momentos significativos, tantas descobertas.

Marli André participou de minha banca de defesa de doutorado, na PUC--SP, e foi uma alegria poder contar com suas contribuições e seu olhar crítico e cuidadoso sobre meu trabalho de pesquisa.

Voltei a reencontrá-la, poucos anos depois, ela, como coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação, na USP, e eu, como coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação (PED), da PUC-SP. Nos aproximamos muito, em um momento delicado, de mudanças na avaliação da Capes, em que ambos os nossos programas sofriam uma avaliação que consideramos injusta, o que nos levou a trabalharmos juntas, no processo de pedido de reconsideração da nota atribuída. Foi um momento de muito trabalho em parceria e de mútua descoberta. Descobri como era bom trabalhar em parceria com uma profissional de tanta competência e disponibilidade!

Pouco tempo depois, já aposentada, Marli passou a trabalhar no PED, no qual nos tornamos colegas de trabalho, da mesma linha de pesquisa e com interesses comuns em torno da formação de professores. Fomos parceiras próximas em diversos momentos, nos quais lutávamos coletivamente pelas mudanças e atualizações no currículo de nosso programa ou nos organizávamos para as seleções de alunos para o doutorado. Sua presença e clareza de posicionamento tornavam os momentos de reunião do colegiado oportunidades de ótimos debates e questionamentos, em um grupo docente que se destaca também pela excelência de sua formação e competência.

A partir de 2003 - e ao longo de três anos - nos organizamos em um grupo de estudos sobre Aprendizagem do Adulto Professor, que reuniu mestrandos, mestres, doutorandos, doutores e outros profissionais da educação, na busca de aprofundamento em torno dessa temática, dado nosso interesse comum em torno da formação de professores e nossa preocupação em responder à questão: como o professor aprende? Como ele se torna melhor professor? Foi um processo de construção coletiva/colaborativa, em que criamos fortes laços intelectuais e afetivos. Ao final desse processo, foi publicado nosso livro coletivo, com o mesmo título do grupo: Aprendizagem do adulto professor, pela Edições Loyola.

Nessa época, Marli criou, em conjunto com Bernardete Gatti, Laurinda Ramalho de Almeida e eu, o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Desenvolvimento Profissional Docente, que foi registrado na PUC-SP e no Diretório de Grupos de Estudos e Pesquisas, do CNPq, com Marli André como líder e eu, como colíder, o que muito me honra. As atividades desse grupo se estenderam até o início de 2020, interrompidas pela pandemia de Covid-19 e pela doença de Marli André. Esse foi um grupo de estudos que congregou alunos da PUC-SP, egressos de nosso programa - doutores e mestres -, além de pesquisadores ligados a nós - e principalmente à Marli - por laços profissionais e afetivos fortes. As reuniões mensais se tornaram atividades de alto nível, com apresentações de pesquisas dos participantes e convidados, estudos de autores variados, oportunizando o nascimento de outros grupos de pesquisas e outras pesquisas, apresentadas em eventos científicos, nacionais e internacionais, assim como gerando parcerias e publicações significativas. Várias das pesquisas decorrentes dos grupos ali organizados obtiveram apoio financeiro do CNPq e são eventos importantes para o PED e para a educação.

Outra atividade profissional extremamente importante de nosso grupo do PED, tendo à frente Marli André e Clarilza Prado de Sousa, foi a criação do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Formação de Formadores (Formep), a cuja proposta Marli se dedicou de maneira ímpar e apaixonada. Podemos dizer que este programa foi, nos últimos anos de sua vida, sua “menina dos olhos”! Nesse programa, em funcionamento desde o 2º semestre de 2013, muitas parcerias, encontros, descobertas e realizações aconteceram entre todos nós, docentes, alunos e funcionários!

A fecunda carreira de Marli André sempre se traduziu por uma postura pessoal de proatividade, determinação, responsabilidade e compromisso social, interrompida por seu adoecimento que, no entanto, não lhe tolheu a positividade, a coragem, a disponibilidade e o desejo de viver. A interrupção de sua linda trajetória pessoal e profissional deixa uma lacuna importante em nossos programas de pós-graduação, em nossos professores, alunos e ex-alunos.

Mas aquilo que ela nos deixa - seu conhecimento, seus escritos, suas pesquisas, os resultados de seus estudos e, principalmente, sua inteligência, sua coragem, seu compromisso com a educação, com a pesquisa, com as pessoas - não será perdido. Acreditamos que as concepções que Marli construiu têm o lastro que as manterão nos guiando, nos direcionando, em nossos estudos e pesquisas. São concepções de um coletivo de pensamento do qual ela faz parte, que ela ajudou a construir, um coletivo vivido em um “momento” histórico, social e científico, com outros educadores de sua geração. Mas são também concepções que perpassam, ao mesmo tempo, por uma maneira peculiar e própria de Marli de lidar com o conhecimento - de maneira apaixonada, completa, compromissada.

Assim, a partir de tantas ideias e concepções, legado da trajetória de Marli, novos conhecimentos serão produzidos pelo coletivo de pensamento dos novos tempos, pelos pesquisadores e educadores influenciados pelas suas contribuições, pois esses novos pensadores, com certeza, se desenvolverão, em novas interações, criações e reflexões, dando continuidade à sua vida e ao seu legado.

Vera Maria Nigro de Souza Placco

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

MARLI ANDRÉ, ESTRELA DE PRIMEIRA GRANDEZA, dotada de qualidades pessoais que garantiram a iluminação de seu brilho sobre uma extensa constelação, refletindo sua contribuição, infinitamente, como é próprio das estrelas. Inteligência, determinação, compromisso, talento, vitalidade, aliados a uma primorosa formação muito importante e necessária, por ela oferecidos, com todo seu vigor, ao enfrentamento dos problemas da educação em nosso país. Sua passagem pelo curso normal e pelo trabalho nas “classes experimentais” em São Paulo asseguraram seu compromisso vivido com a realidade da educação fundamental, tão necessária e ainda não inteiramente conquistada por nós. Sua formação em Letras, pela USP, e depois, já no Rio, no curso de Pedagogia, seguida pelo mestrado em Educação na PUC-Rio, constituiu sólida base para seu prosseguimento no domínio da pesquisa, coroado pelo doutorado e pós-doutorado em Educação na Universidade de Illinois. Seguiu-se a trajetória brilhante da professora, pesquisadora, coordenadora de programas de pós-graduação em Educação na USP e na PUC-SP, com a criação mais recente de um curso de mestrado profissional muito bem-sucedido. Participante ativa em associações profissionais em nível nacional, como a ANPEd e o Endipe, em comissões técnicas de instituições financiadoras de pesquisa, como o CNPq, e em instituições dedicadas ao desenvolvimento de pesquisas, como a Fundação Carlos Chagas. Sempre muito ativa e produtiva, oferecendo sua perspicácia e sensibilidade para detectar, selecionar e enfrentar problemas urgentes da nossa educação, com os recursos teóricos e metodológicos de que dispunha e compartilhava, generosa e efetivamente, com os que tiveram a preciosa chance de participar de seus cursos e de seus grupos de pesquisa. A rede de felizardos que se beneficiaram dessa chance se estende por vários de nossos estados e sua extensa obra publicada constitui sólido apoio desse trabalho formativo, que continuará a se fazer. Essa rede representa um consolo para a grande perda que sofremos, pois sabemos que reflexos da nossa brilhante estrela continuam a cintilar, iluminando novos caminhos para enfrentar, com as armas da pesquisa, velhos e novos problemas que cercam nossa educação.

Trouxe esse rápido flash sobre nossa estrela para assinalar o amplo campo de sua irradiação, dentro do qual vou focalizar, a partir de um pequeno ângulo, um fato que marcou a parceria que acompanhou nossa trajetória de pesquisadoras, comprometidas com o papel da pesquisa frente aos problemas da educação, em especial os relativos à formação de professores. Agradeço a feliz oportunidade oferecida pelo nosso querido Cadernos de Pesquisa para compartilharmos com seus fiéis leitores um pouco dos reflexos da nossa estrela.

Em 1983, o diretor da Editora Pedagógica Universitária (EPU) convidou--me para preparar um livro para uma coleção dedicada pela editora ao trabalho de professores da educação básica e aos estudantes que se preparavam para se tornarem professores. Lembro-me bem de que ele insistia que eu deveria ter cuidado para me dirigir àqueles professores, engajados na prática docente, e aos estudantes dos cursos de graduação que constituíam a clientela visada pela coleção: “esqueça, por favor, professora, o jargão da pós-graduação”. Senti claramente o desafio de ir ao encontro desse pessoal, que estava em contato direto com alguns dos principais problemas da nossa educação ou estava se preparando para esse contato, em cursos que sempre lutaram com dificuldades para dar conta satisfatoriamente de seu encargo. Também estava plenamente convencida da importância central do papel da pesquisa para o sucesso daquele contato. Tinha voltado há pouco de um período de pós-doutorado na Universidade da California em Berkeley, onde tive a oportunidade de me aproximar da literatura e mesmo de alguns dos autores muito ligados às questões da pesquisa qualitativa, que vinha já há algum tempo conquistando espaço na área da educação, oferecendo novos caminhos para estudos de problemas até então mais orientados pelas abordagens quantitativas. Perguntei ao editor se poderia convidar alguém para colaborar no livro encomendado, ao que ele assentiu. Marli estava chegando de seu pós-doutorado, com uma excelente bagagem exatamente sobre as abordagens qualitativas na pesquisa em educação, um dos focos de seu trabalho nesse período. Ela aceitou o convite e começamos a trabalhar na empreitada, dividindo entre nós as tarefas. Marli se dedicou, com seu costumeiro afinco, a trazer para nossos futuros leitores o que de mais importante tinha considerado, em relação aos aspectos teóricos e metodológicos relativos às abordagens qualitativas, tal como tratadas pelos pesquisadores de ponta, autores de obras com as quais estava muito familiarizada. Com grande cuidado selecionou pontos-chave, especialmente significativos em atenção aos professores e estudantes aos quais a obra se destinava. Escolheu exemplos e trechos de textos que pudessem ilustrar aqueles pontos e os traduziu, com enorme atenção e consideração à clientela esperada, cujo acesso a esse material seria muito difícil na época. Ressalto este aspecto que constitui um avanço em direção a uma questão que começava a ser discutida entre nós e poderia, assim, contar com um apoio bibliográfico básico. Que seria aos poucos desenvolvido, pela tradução para o português, ou para o espanhol, de algumas das obras centrais, que passariam a ser consultadas e referenciadas em sua íntegra, nem sempre com o cuidado de assinalar sua introdução original entre nós.

Nosso pequeno livro veio a lume em 1986, sob o título Pesquisa em educação: abordagens qualitativas, completando 35 anos de vida bastante ativa, servindo, de modo surpreendente, não apenas a professores e estudantes de cursos de graduação, mas também aos que avançam para cursos de pós-graduação, como uma introdução modesta, mas bastante confiável, para o encaminhamento de estudos que aprofundem a discussão sobre questões básicas da pesquisa em educação que apontamos. A nova editora, GEN, que incorporou entre outras a EPU, publicou uma nova edição em atenção às mudanças na ortografia em 2013, para a qual nos consultou sobre possíveis alterações ou atualizações. Marli e eu não sentimos que isso seria conveniente, na época, e mesmo mais recentemente, como tem sido proposto pela editora. Consideramos que o livro tratava, com cuidado e com os recursos teóricos e metodológicos disponíveis, de problemas que continuam a ser enfrentados pela pesquisa em educação, seja pelas abordagens qualitativas ou quantitativas. E continuamos, as duas, em nossa parceria, preocupadas com esses e tantos outros problemas, que põem em interrogação a própria validade da pesquisa em educação e seu papel, que sabemos tão importante para o trabalho e a formação de nossos professores. Perdi minha grande parceira nessa luta perene, além de querida grande amiga, mas estou certa de que ela continua reluzindo nas marcas brilhantes que nos deixou.

Menga Lüdke

Professora emérita da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

QUANDO SE FALA EM MARLI ANDRÉ IMEDIATAMENTE somos levadas a destacar sua grande contribuição no campo da pesquisa educacional. É que a ampliação e criação em diferentes partes do país dos cursos de mestrado e doutorado, principalmente na década de 1980 e 1990, colocavam a necessidade de referenciais que ajudassem, sobretudo, os alunos a lidarem com os aspectos metodológicos de suas investigações. A produção acadêmica de Marli sobre estudos de caso, a abordagem etnográfica em educação e outros temas foram ferramentas fundamentais utilizadas por estudantes de todo o Brasil para desenvolverem seus trabalhos.

Contudo, no meu caso, falar de Marli vai além de ressaltar sua contribuição para a área educacional, seja no campo da pesquisa ou da formação de professores. É que Marli teve uma grande contribuição na minha própria carreira acadêmica. Quando regressei do doutorado, no final dos anos 1980, Marli me deu um grande suporte, convidando-me para palestras, encontros e divulgando meus primeiros artigos com entusiasmo. Sem dúvida, o apoio de Marli foi de grande importância para meu desenvolvimento profissional. E isso já a torna para mim uma pessoa muito especial.

Tive o privilégio de desfrutar da amizade com Marli por cerca de trinta anos e pude observá-la exercendo diversas funções que assumia com grande responsabilidade e, acima de tudo, com grande serenidade. Mantinha em todos os postos e atividades a mesma atitude simples e amiga de uma pessoa cujos cargos e funções são mais responsabilidade e compromisso do que poder ou prestígio.

Marli era calma e muito educada, mas tinha posições firmes e não deixava de manifestar sua discordância sempre que necessário. Mas de todas as memórias desses anos em bancas de dissertações e teses ou encontros acadêmicos, a mais viva de todas é a lembrança que guardo do entusiasmo de Marli por um novo autor, uma nova obra que captara sua atenção e que oferecia, no seu ponto de vista, poderosos insights ou ideias bem fundamentadas sobre um determinado assunto do campo da formação docente.

Sem dúvida, a morte de Marli André constitui uma grande perda para todos nós que a admirávamos e que compartilhávamos sua amizade. E é em nome dessa amizade que devemos nos comprometer a celebrar sua memória, exercitando a serenidade e o entusiasmo que dela irradiavam e que, sem dúvida, nos ajudarão na travessia desse período sombrio da educação e da vida no Brasil.

A Marli, minha eterna gratidão!

Lucíola Licínio Santos

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

CONHECI MARLI ANDRÉ NO FINAL DOS ANOS 1970, no Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental 1, o Gepe 1, uma das escolas que na época testavam novas formas de organização e ação pedagógica na rede pública do estado de São Paulo, ao lado dos Ginásios Vocacionais e da Escola de Aplicação da USP. Ela, uma das quatro professoras da área de Língua Portuguesa, eu como estagiária no setor de orientação pedagógica. Já era a Marli de sempre: séria, presente, engajada no trabalho coletivo, dedicada aos alunos.

Nos poucos anos de funcionamento do Gepe, Marli e as três colegas desenvolveram projetos inovadores em sua área, um dos quais consistiu em uma parceria dos alunos com o autor de livros para adolescentes, João Carlos Marinho, muito conhecido por ter publicado O gênio do crime. Seu segundo livro − O caneco de prata - foi escrito em colaboração com nossos alunos: cada capítulo era discutido por todos e os desdobramentos da estória incorporavam as sugestões colhidas na escola.

Mesmo com anos de intervalo, nossos contatos continuaram em várias ocasiões: hospedei-me algumas vezes em seu apartamento no Rio de Janeiro, durante os anos em que ela trabalhou na PUC-Rio, quando nos encontrávamos com algumas de suas colegas, entre elas Sonia Kramer e Menga Lüdke.

Mas foi na ANPEd que nossa militância profissional nos aproximou mais, em diversos momentos. Marli estava sempre alerta quando era necessária alguma mobilização, seja nas questões internas da entidade, seja em situações que requeriam a presença de representantes da área nos grandes debates nacionais sobre as políticas educacionais e as políticas de pesquisa.

Quando fomos convocadas a organizar uma chapa para concorrer à eleição para a diretoria da associação, no final dos anos 1990, Marli não hesitou em participar, e engajou-se com o empenho, a seriedade e a competência de sempre. Vivíamos um período cheio de desafios: internamente, a ANPEd havia crescido muito, com a ampliação dos cursos de pós-graduação no país, mas ainda mantendo uma precária infraestrutura de apoio, que dependia dos recursos de que podia dispor a universidade que acolhesse sua Secretaria Geral; externamente, o país passava por um momento em que as reformas educacionais ganhavam grande destaque, após anos de debate decorridos desde a Constituinte. Nessa conjuntura, a ANPEd era constantemente convocada a se manifestar, em conjunto com outras entidades, nas discussões sobre a nova LDB, e após sua aprovação, sobre seus diversos desdobramentos: a adoção do Fundef, as reformas curriculares, as mudanças nos cursos de formação de professores.

Muitos foram os momentos de embates e até de crises, mas também de conquistas, de protagonismo no cenário nacional, de progressos no campo do apoio ao ensino e à pesquisa. Marli André foi, em todas essas situações, aquela companheira sempre presente, competente, confiante, arguta, leal. Nos contatos com instituições como CNPq, Capes, Inep, Finep, Fapesp, seu nome e sua presença abriam portas, geravam confiança, facilitavam parcerias. Tanto em mobilizações externas como nos debates internos da associação, suas avaliações e posicionamentos eram sempre lúcidos, consistentes e corajosos.

Os anos foram passando e a mesma Marli de sempre seguiu enfileirando novos desafios. Ao se aposentar da Feusp, integrou-se ao programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação da PUC de São Paulo, dedicando-se ao mestrado profissional ali criado. Toda experiência e sabedoria acumuladas foram canalizadas para esse projeto, que acolhe principalmente professores da rede pública, grupo que sempre ocupou lugar especial em seu compromisso profissional.

Nos últimos tempos, nos vimos por vezes na Fundação Carlos Chagas, quando Marli se encontrava com Bernardete Gatti e Elba Barretto, suas parceiras nos livros editados pela Unesco que tratam da formação de professores no Brasil.

Visitei-a em seu apartamento, um pouco antes da eclosão da pandemia de covid-19. Foi nosso último encontro. Mas não nosso último diálogo. Marli não é uma colega da qual alguém possa se privar facilmente. Continuaremos a conversar em minhas lembranças, nas discussões sobre políticas educacionais, nas recordações sobre os velhos tempos da ANPEd, nas novas leituras, nas várias ocasiões em que ela fizer muita, muita falta.

Maria Malta Campos

Fundação Carlos Chagas (FCC)

MARLI ANDRÉ: PARCEIRA E AMIGA

Parceira em tantas caminhadas! Andanças pelos meandros das pesquisas, das questões da formação de professores, dos desafios com as teorias, nos Endipes, na ANPEd, na Anpae, na Fundação Carlos Chagas nas nossas parcerias em pesquisas... e nas andanças pelos corredores da PUC-SP. Indo para as salas de aula, salas de trabalho ou de bancas, nas reuniões, buscando água, tomando café, comendo, quinto andar, o self service. Apreciando um vinho. Papeando sobre a vida, as situações, as aflições. Seu passo rápido, a fala precisa. Parece que lhe ouço falar: “oi, Berna!”. Muito tempo de convivência, de trocas, de suporte, de buscas. Com ela, sempre um séquito de pessoas que veio formando, que se tornaram parceiros de pesquisa, parceiros no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Desenvolvimento Profissional que coordenou por tantos anos, com estudos e discussões diversas. Generosidade e ousadia sensível foram suas características. Dizia o que pensava. Direta. Tomava iniciativas, enfrentando situações, criando brechas com invencionices diversas, como o Mestrado Profissional em Formação de Professores da PUC-SP. Lutadora por aquilo que acreditava que iria ajudar a educação deste país, tão cheia de impasses. Onde trabalhou deixou amigos e marcas: PUC-Rio, USP, PUC-SP. Trabalhar com Marli era usufruir de momentos prazerosos, criativos e produtivos. Planejar pesquisas, sempre uma troca na busca da consistência. A elaboração de um texto conjunto com ela era tarefa que fluía, sem percalços, ideias se encaixando. Tinha gosto em se aproximar das realidades escolares, das práticas, da gestão, das políticas. Buscava compreensões amplas, e com essas referências seu olhar recaía nos fazeres. Ali, onde as coisas se passam, como se passam, a despeito disto ou daquilo, deste ou daquele. Um microcosmo de significantes onde a formação do humano se produz, se talha e se modifica. A educação escolar, os professores e gestores, os formadores de professores. Um olhar que não descuidava no seu percurso investigativo de garantir aos seus achados e inferências os cuidados devidos a uma contribuição científica, algo que significasse uma contribuição válida para o conhecimento no campo educacional. Marli se foi, cedo para nós, deixando não só uma obra acadêmica de referência, uma obra encarnada, com vida, mas também uma herança de intelectuais por ela formados que se preocupam com a escola, as crianças, os educadores. Uma ausência insubstituível!

Bernardete A. Gatti

Fundação Carlos Chagas (FCC)

HÁ CERCA DE 20 ANOS PARTILHEI UMA MESA SOBRE formação de professores, no Congresso da Afirse em Lisboa, com colegas brasileiras que não conhecia, e gerou-se uma animada discussão. No final, por entre cafés e animação, sentámo-nos a conversar e a prolongar o sempre escasso tempo de debate desses nossos/vossos eventos. E descobrimos, agradadas, um grau de afinidade muito reconfortante e a semelhança entre as limitações, e também potencialidades, dos dois sistemas em que trabalhávamos. Uma delas era Marli. Fizemo-nos amigas desde esse dia.

Com o tempo aprofundámos o conhecimento mútuo, nos dois sentidos do Atlântico. Pela mão dela colaborei com a ANPEd, trabalhei com muitas universidades e com a Fundação Carlos Chagas, conheci todo um mundo de pesquisa, li as suas obras, colaborei em tantas iniciativas que ela coordenava. E na minha universidade (Universidade Católica Portuguesa) também tivemos o privilégio de tê-la conosco e usufruir do seu enorme conhecimento, nas várias vezes em que nos visitou. Estávamos juntas sempre que congressos e outros eventos que partilhávamos eram em Lisboa ou no Porto, cidades que fruímos juntas, tanto quanto São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro… Longas conversas junto ao Tejo, a descoberta da granítica paisagem do Porto que a surpreendeu e encantou, os recantos do Rio que ela amava e me ensinou a ver, a porta da sua casa sempre aberta para mim em São Paulo.

Marli era a bússola do meu trabalho no Brasil, a guia dessa rede que tive o privilégio de integrar. Descobrimos que teorizávamos a formação e a docência com pressupostos tão comuns que parecia termos estudado juntas… Imagino com muita dificuldade e mágoa regressar ao Brasil para trabalho e não a ver, não ter por perto a sua presença, doce, esclarecida, questionante, brilhante sem se impor, crítica sem azedume.

Ao longo desses anos fui entendendo quão ampla, rica e sustentada era a rede de conhecimento que ela criou e disseminou, dentro e fora do Brasil. Na educação brasileira, eu diria que tudo, ou quase tudo, passou por Marli André. Ela partiu, mas isso ficará. Ela sabia.

Pessoalmente, fica-me a mágoa sem remédio de perder uma extraordinária cumplicidade, de já não poder contar com a certeza de que estaria à minha espera, que conversaríamos de tudo, misturando com prazer o nosso trabalho e os nossos planos de vida; que não mais reavivaremos juntas memórias das nossas vidas e passados; que não haverá mais serões a falar dos livros que andávamos a ler, dos projetos que queríamos desenvolver, das questões que queríamos discutir. Ficamos todos tão mais sós com a sua partida.

Deixo para ela a certeza da permanência da amizade, talvez a única ligação verdadeiramente inquebrável. Nas palavras de Marguerite Yourcenar, de cujos livros falámos tantas vezes, “só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos” (in “Sistina”).1 Até sempre, minha amiga.

Maria do Céu Roldão

Centro de Estudos para o Desenvolvimento Humano (CEDH),

Universidade Católica Portuguesa

MARLI ANDRÉ: EM PLENO VOO

“E defendo-me da morte povoando

de novos sonhos a vida”.

Alexandre O’Neill

Conheci Marli André há cerca de vinte anos. Não foram frequentes os nossos encontros. E, no entanto, foi sempre uma das pessoas mais importantes na minha relação com o Brasil. Ajudou-me muito. Aprendi muito com ela. Agradeço a sua generosidade.

Marli André faz parte de uma geração notável de professores e pesquisadores brasileiros que, no decurso do último meio século, realizou trabalhos de referência e constitui, hoje, uma comunidade científica respeitada em todo o mundo.

No meu caso, foram sobretudo os estudos de Marli André sobre formação de professores que me influenciaram. Neles busquei o apoio de que necessitava, as informações, os dados e as reflexões que me permitiram conhecer melhor a realidade brasileira. São estudos feitos com rigor e inteligência, com sensibilidade, alimentados também pela vontade de povoar de novos sonhos a vida.

Numa reflexão notável, Michel Serres sugere que nascemos velhos, isto é, com o peso da família, das tradições e da sociedade, e que, pouco a pouco, vamos conquistando a nossa liberdade e uma voz própria. Somos mais velhos na juventude e mais jovens na velhice. A vida aligeira-se à medida que avança.

Foi assim que conheci Marli André. Serena. Luminosa. No pensamento e na dedicação aos outros. Na capacidade de estruturar o conhecimento e de abrir novos campos de reflexão. No compromisso com uma educação mais humana. Teve a sabedoria da vida. Morreu em pleno voo.

António Nóvoa

Universidade de Lisboa

MARLI ELISA DALMAZO AFONSO DE ANDRÉ: RIGOR E TRABALHO COLETIVO LEGITIMAM A PESQUISA

Há quase três meses recebi a notícia de que Marli Elisa Dalmazo Afonso De André havia falecido, após uma luta contra uma doença que a debilitava cada dia mais.

O primeiro impacto me deixou sem palavras, impossibilitada de pensar em outra coisa a não ser no sentimento de perda. Quando recebi de colegas mensagens em que sentiam e lamentavam essa ausência, as primeiras palavras que usei para me expressar foram: Em primeiro lugar, compartilho a dor imensa com a perda de Marli, minha amiga desde a década de 1970, quando fomos contemporâneas no mestrado da PUC-Rio, amizade consolidada nos muitos anos de convivência, parcerias, comissões e na felicidade de ter aprendido muito com ela como minha amiga e minha orientadora no doutorado. Continuar as atividades de pesquisadora, professora e orientadora é uma forma de dar continuidade ao que aprendemos com ela.

Para escrever este texto em homenagem a Marli André, escolhi expressar o que aprendi com ela como amiga, como orientadora, como pesquisadora, como professora, como parceira de pesquisa e das comissões da Capes.

Conheci Marli na década de 1970, cursando o Mestrado em Educação na PUC-Rio, no qual ingressei em 1973 e ela no ano seguinte. Lembro-me de nossas conversas fora das salas de aula, nos almoços no restaurante ajardinado do IAG, espaço menos frequentado do que os outros restaurantes da PUC, propício a conversas intermináveis, mais pessoais do que profissionais, em que íamos tecendo as bases dessa amizade, de encontros intermitentes que chegaria a mais de 40 anos, tanto na PUC quanto em seu apartamento, acho que em Laranjeiras, muito aconchegante e personalizado. Suas expectativas sobre o doutorado na University of Illinois na Urbana Champaign, nos Estados Unidos, era um dos temas.

Anos depois, ao cursar o doutorado na USP, fomos vizinhas em Perdizes e ela me oferecia carona para a USP. Nesses trajetos, novas conversas eram tecidas e conheci uma “outra” Marli, quase o oposto da calma e delicada de todos os dias, virava uma guerreira no trânsito de São Paulo e costumava dizer que quem aprende a entrar e sair de New York enfrenta trânsito em qualquer cidade do mundo. Com a elegância de sempre.

As conversas mais frequentes eram sobre aspectos do cotidiano de nossas vidas, entremeadas com a curiosidade de Thiago e Maíra no trajeto de/para suas escolas sobre as atividades de pesquisa de Renato, meu marido, sobre jacarés.

Penso que algumas coincidências nos aproximaram: cursamos duas graduações (uma em Letras e outra em Pedagogia), praticamente na mesma época, e nossas defesas de dissertação ocorreram na mesma semana em 1976!! Provavelmente tivemos muitas semelhanças no habitus que fomos construindo em nossas vidas pessoais e profissionais.

A partir daí, seguimos caminhos diversos: Marli consolidando carreira acadêmica como professora doutora da pós-graduação na PUC-Rio; eu iniciando uma frente de trabalho pioneira, como assessora pedagógica de escolas médicas. Não ingressei no doutorado que ainda não era imposição para ensino superior.

Sabia notícias de Marli por outras pessoas e pela leitura de seus trabalhos sobre análise documental, avaliação educacional, interação professor aluno, metodologia e técnicas de pesquisa, em que destaco as abordagens qualitativas, a abordagem etnográfica e as pesquisas sobre o cotidiano das salas de aula. Foi o conhecimento dessa produção que provocou novamente uma convergência em nossas vidas.

No início da década de 1980, assumi o cargo de docente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), onde as condições de trabalho possibilitaram maior dedicação às atividades de pesquisa. De 1985 a 1989, coordenei projetos de pesquisa sobre classes de alfabetização, com pretensão de realizar estudos etnográficos, e decidimos convidar Marli André, agora professora da Faculdade de Educação da USP, como consultora.

Em abril de 1988, nos reencontramos na sala de espera do primeiro andar da Faculdade de Educação da USP, no alto da escadaria. Ao nos vermos depois de mais de uma década, as impressões coincidiram: estávamos iguais, parecia que tínhamos nos despedido alguns dias antes. Além da orientação segura e fundamentada que proporcionou a conclusão da pesquisa, as conversas evoluíram para a possibilidade de concorrer ao doutorado na USP.

Em 1989, ingressei no doutorado e, de amiga e companheira de estudos no mestrado da PUC-Rio, Marli tornou-se orientadora segura e colaboradora na jornada teórica da minha tese. Orientadora companheira e cúmplice, leitora atenta e comprometida que me conduzia quando parecia perder o rumo.

Lembro-me particularmente de um episódio: após analisar texto que poderia ser parte da tese, no qual procurava construir a fundamentação teórica da categoria trabalho, me fez ver que usava a palavra trabalho de muitas formas, inclusive ao me referir ao próprio texto, e de como isso enfraquecia minha argumentação em favor de uma clara delimitação teórica da categoria trabalho e trabalho do professor, fundamentos de minha investigação.

Como colega “das letras” me chamava atenção para o peso e valor de escolher e usar as palavras certas para o sentido que pretendia dar ao texto, com rigor.

Embora não houvesse exatamente uma convergência de referenciais teórico--metodológicos entre nós, suas observações, questionamentos, críticas, sugestões, captando incoerências e contradições, foram essenciais para que o texto da tese, transformado em livro, se tornasse “uma referência ímpar para os que desejam conhecer o professor brasileiro... nesses termos uma preciosidade”, como Marli escreveu no prefácio do livro de memórias que publiquei em 2015. Mérito de sua orientação.

Após a defesa, tornei-me professora permanente do Programa de Pós-graduação da UFMS, do qual fui coordenadora por vários mandatos. Com isso nos encontramos mais vezes em bancas de defesa, eventos como ANPEd e Endipe e Comissões da Capes.

Aprendi muito com Marli Elisa Dalmazo Afonso De André!

Aprendi que pesquisa é sempre um trabalho coletivo. No tempo em que fiz o doutorado, estimuladas por Marli, eu e outras orientandas formamos um grupo que se reunia em meu apartamento na Monte Alegre, para estudar e discutir o andamento de nossas investigações.

Essa atividade coletiva foi decisiva para a qualidade dos trabalhos de dissertação e tese que foram gerados. Laurizete Ferragut Passos, componente deste grupo, uma das minhas melhores amigas e parceira de pesquisa, foi minha ligação com Marli quando, ao me inserir no campo de História da Educação, fui reduzindo a participação nos eventos como Endipe, em que suas investigações se inseriam.

Outra característica do trabalho de pesquisadora que sempre associo a Marli é o rigor como elemento fundamental de uma pesquisa científica. Rigor nas escolhas de abordagens teórico-metodológicas; rigor na elaboração das questões de pesquisa, na execução dos procedimentos de investigação, no referencial teórico e na elaboração do texto final. A participação de Marli como uma das cabeças das lutas para construir a legitimidade das abordagens qualitativas nas pesquisas em educação pode ter sido a base para que ela destacasse rigor como elemento-chave para a pesquisa. Com rigor, é possível convencer, mesmo os mais ferrenhos adversários das abordagens qualitativas, de que são pesquisas tão legítimas e construtoras de conhecimento como quaisquer outras abordagens, com o mesmo rigor.

A ausência de Marli é insuperável para a área de educação devido ao legado de sua produção e enorme perda pessoal para os que conviveram mais de perto com ela.

A melhor forma de homenagear Marli é continuar as atividades de pesquisadora, professora e orientadora com tudo que aprendemos com ela, com rigor.

Eurize Caldas Pessanha

Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D/CNPq

Docente permanente do Programa de Pós-graduação em Educação/Faculdade de Educação (Faed) - Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

“A vida é curta, mas as emoções que podemos

deixar duram uma eternidade”.

Clarice Lispector

MINHA HISTÓRIA COM A MARLI ANDRÉ TEVE INÍCIO EM 2006, quando aceitou ser minha supervisora de pós-doutoramento na PUC-SP. Ela me acolheu e foi minha mentora não só quando que passei a fazer parte do seu grupo de pesquisa e acompanhá-la em suas disciplinas no Programa de Psicologia da Educação, mas em todos os momentos que vieram depois, tanto no âmbito acadêmico como no pessoal.

Na convivência com a Marli pude testemunhar sua grandeza como pesquisadora e intelectual e sua generosidade como formadora de pesquisadores. Tive o privilégio de conhecer também a Marli mulher, amiga e mãe!

Minha dor, que venho elaborando mesmo antes de sua partida, pode ser traduzida em saudades e um sentimento de gratidão.

Saudades das suas ligações, normalmente no sábado, para pedir uma sugestão, para compartilhar uma ideia de pesquisa, para o planejamento dos encontros do grupo de pesquisa ou de uma viagem a eventos científicos ou, simplesmente, para perguntar como eu estava.

Saudades de fazer pesquisa no contexto do nosso grupo que se transformou na Rede de Estudos sobre Desenvolvimento Profissional Docente (Redep). Conduzia esse grupo de forma verdadeiramente colaborativa e justa.

Saudades das viagens, das conversas sobre literatura, dos jantares acompanhados de um bom vinho, por ela escolhido, é claro, e de suas raras risadas descontraídas, normalmente provocadas pela minha querida amiga Ana Calil, que foi sua orientanda e fazia parte do que denominou Irmandade Marli, formada por todos/as aqueles/as que foram por ela orientados/as.

Saudades de poder compartilhar minhas inquietações, minhas produções que sempre eram lidas com rigor e as devolutivas sinceras e assertivas.

Saudades do que não perguntei e do que não conversei.

Saudades e gratidão pelo tanto que aprendi e por ter sido influenciada por uma Mulher como a Marli: intelectual, lutadora, rigorosa, justa e generosa.

Uns dias antes de sua partida pude agradecer, olhando em seus olhos, tudo o que representou, não só em minha vida, mas na vida de tantas outras pessoas que ela formou. Pudemos conversar sobre o seu legado no campo da educação, sobre o amor dos filhos, Thiago e Maíra, sobre as mensagens de amor e carinho que vinha recebendo. Ela partiu lúcida e serena, sabendo que tocou o coração das pessoas com quem se relacionou e conviveu.

Como disse Guimarães Rosa, “o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. E é com coragem que a Marli viveu e é com coragem que seguiremos honrando seu legado.

Gratidão!

Patrícia Albieri Almeida

Fundação Carlos Chagas (FCC)

A RECORDAÇÃO DE MARLI FICARÁ IMPRESSA NA MINHA VIDA por diferentes marcas e caminhos. Na vida acadêmica, pela fértil troca de posicionamentos debatidos antes e depois da vivência profissional na Feusp. Na vida cultural, por tantos eventos artísticos desfrutados e comentados. Na vida pessoal cotidiana, pela partilha de diferentes situações, as alegres, mas também as penosas. Ao passar da recordação da amiga Marli a palavras a respeito da pesquisadora Marli André, junto-me aos muitos que afirmam da importante obra educacional que ela construiu, quer sustentando posições, quer influenciando pessoas e instituições. Obra, diferente da vivência, permanece!

Sonia Penin

Universidade de São Paulo (USP)

SOMOS UM GRUPO DE AMIGAS QUE SE DIVERTEM, ENCONTRANDO-SE para ir ao cinema, a concertos musicais, a espetáculos de dança, exposições de arte. Os comentários costumam vir em torno de uma mesa num restaurante. Compartilhamos aniversários, acontecimentos familiares, profissionais e políticos. Marli André nos deixou. Sempre presente nessas atividades, foi quem sugeriu e organizou nossos encontros de literatura. Muito triste continuar sem ela. Antes de ir insistiu para continuarmos. São imensas as saudades...

Zilma Oliveira, Malu Zoega, Marlene Cortese, Sonia Penin,

Maria Helena Martins, Maria Aparecida Pippa, Laurizete Ferragut,

Maristela Bernardo, Mary Julia Dietzsch, Márcia Lopez

Grupo de leitura

1Capítulo de O tempo, esse grande escultor (Biblioteca Áurea, 1983).

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