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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.52  São Paulo  2022  Epub 14-Jul-2022

https://doi.org/10.1590/198053148943 

TEORIAS, MÉTODOS, PESQUISA EDUCACIONAL

GRUPOS DE PESQUISA E FORMAÇÃO DE ORIENTADORES: DEPOIMENTOS DE PESQUISADORES

GRUPOS DE INVESTIGACIÓN Y FORMACIÓN DE DIRECTORES DE TESIS: TESTIMONIOS DE INVESTIGADORES

GROUPES DE RECHERCHE ET FORMATION DES DIRECTEURS DE THÈSE: TÉMOIGNAGES DE CHERCHEURS

IUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), Brasil; lucidiob@gmail.com


Resumo

Neste artigo, discutem-se as possibilidades dos grupos de pesquisa como espaços-tempos formativos para a consolidação da práxis orientadora na pós-graduação em educação. Constatam-se iniciativas e novas estratégias de orientação em um cenário de exigências internas e induções externas aos programas e seus orientadores. Em pesquisa realizada junto a 562 líderes de grupos de pesquisa que atuam como docentes em cursos de doutorado em educação, coletaram-se dados sobre a organização, o funcionamento e as práticas de orientação nos seus grupos. Os dados evidenciam as estratégias de pesquisa em geral e de orientação em particular, e as percepções dos respondentes sobre o potencial do grupo de pesquisa para a formação de pesquisadores e orientadores.

KEYWORDS: ORIENTAÇÃO DE TESE; PROFESSOR ORIENTADOR; PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO; GRUPO DE PESQUISA

Resumen

Se discuten las posibilidades de los grupos de investigación como espacios-tiempos formativos para la consolidación de la praxis de dirección de tesis en el posgrado en educación. Se constatan iniciativas y nuevas estrategias en un escenario de requerimientos internos e inducciones externas a los programas y académicos. En investigación realizada con 562 líderes de grupos de investigación que actúan como profesores en los cursos de doctorado en educación, se recolectaron datos sobre la organización, funcionamiento y prácticas de orientación en sus grupos. Los datos muestran las estrategias de investigación en general, la orientación en particular y las percepciones de los encuestados sobre el potencial del grupo de investigación para la formación de investigadores y directores de tesis.

KEYWORDS: DIRECCIÓN DE TESIS; PROFESOR ORIENTADOR; POSGRADO EN EDUCACIÓN; GRUPO DE INVESTIGACIÓN

Résumé

Cet article discute comment les groupes de recherche, en tant qu’espace-temps de formation, peuvent consolider la praxis de direction de thèse du troisième cycle en éducation. Des initiatives ainsi que de nouvelles stratégies de supervision ont été observées dans un scénario d’exigences internes et de processus externes aux programmes et à leurs directeurs de recherche. Une enquête menée auprès de 562 professeurs dans des cours de doctorat en éducation, patrons de groupes de recherche a permis de recueillir des données concernant l’organisation, le fonctionnement et les pratiques de direction au sein de leurs groupes. Ces données mettent en évidence les stratégies de recherche et celles de direction en particulier, ainsi que les perceptions des répondants quant au potentiel de formation que ces groupes de recherche représentent pour les chercheurs et les directeurs.

KEYWORDS: ORIENTATION DE THÈSE; PROFESSEUR DIRECTEUR; POSTGRADUATION EN ÉDUCATION; GROUPE DE RECHERCHE

Abstract

This article discusses the possibilities for research groups to serve as educational time-spaces for consolidating praxis in supervision in graduate education programs. New advising strategies and initiatives are observed in an environment characterized by internal demands and external inductions to the graduate programs and their supervisors. A study with 562 research group leaders who work as professors in doctoral programs in education collected data about the organization, functioning and advising practices in their groups. The data highlight the general research and supervision strategies in particular, and the perceptions of the respondents about the potential of the research groups for training researchers and supervisors.

KEYWORDS: THESIS ORIENTATION; SUPERVISING PROFESSOR; GRADUATE STUDIES IN EDUCATION; RESEARCH GROUP

Nosso foco de pesquisa é a institucionalização e o funcionamento da pós-graduação brasileira e, dentro dela, a área de educação. A partir de várias pesquisas desenvolvidas desde 2005, discutimos o Sistema Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que financia e avalia a pós-graduação, as estratégias de orientação, as dificuldades dos mestrandos e doutorandos em escrever suas dissertações e teses, a estrutura atual dos programas, o que é ser um professor/pesquisador na pós-graduação, entre outras temáticas. No decorrer das investigações, centramos a discussão na orientação de dissertações e teses, com o intuito de tornar mais claras as diversas situações que envolvem a relação entre orientador e orientando (mestrando ou doutorando) no processo de pesquisar e redigir o seu trabalho final. Constatamos que - principalmente do início da pós-graduação no Brasil, no final dos anos de 1960, até meados de 1990 - a orientação era uma atividade assistemática, intuitiva, individual e fortemente influenciada pela forma como o orientador havia sido orientado quando da realização da sua pós-graduação. Essa estratégia predominou por muito tempo e se mostrou adequada enquanto eram poucos os cursos de pós-graduação e reduzido o número de orientandos por orientador.

Com a ampliação no número de programas e de pós-graduandos - o que ocasionou aumento do trabalho dos orientadores e diminuição de tempo para os orientandos escreverem e defenderem suas dissertações e teses -, essa forma de orientar foi colocada em xeque. Como decorrência, novas estratégias de orientação vieram e estão sendo experimentadas.

A partir das constatações oriundas dessas pesquisas, desenvolvemos - no período de 2015 a 2019 - estudo sobre as possibilidades de formação e atuação de orientadores de dissertações e teses. Para tanto, apostamos na relação entre orientação e grupo de pesquisa como uma possibilidade formativa, em um espaço dedicado à pesquisa.

Procuramos, nesta pesquisa, verificar como está sendo desenvolvida a orientação dentro de grupos de pesquisa da área de educação, nos quais estão inscritos os orientadores e seus orientandos. Esse espaço de pesquisas tem potencial para formar futuros orientadores de dissertações e teses? E, em caso positivo, como se realiza esse processo formativo? Essas foram as nossas perguntas ao enviar questionário aos 1.971 orientadores e líderes de grupos de pesquisa que atuam nos 74 programas de pós-graduação em educação com cursos de doutorado. Tivemos o retorno de 562 professores que, em seus depoimentos, refletiram sobre o potencial do seu grupo de pesquisa como espaço de formação e de atuação de orientadores de dissertações e teses.

Este artigo, com a discussão dos dados levantados durante a pesquisa, está organizado em torno de três itens. No primeiro, fazemos uma revisão de produções e pesquisas realizadas nos últimos vinte anos sobre a orientação na pós-graduação. No segundo item, explicitamos a metodologia utilizada na pesquisa, assim como a caracterização dos líderes de grupos de pesquisa da área de educação que participaram da coleta de dados. No terceiro, discutimos a relação entre grupo de pesquisa e orientação de dissertações e teses a partir dos depoimentos dos participantes a fim de visualizar o potencial desse espaço - consagrado à pesquisa - para a formação de orientadores para atuar na pós-graduação stricto sensu.

A orientação na pós-graduação como foco de pesquisas

A análise dos quase setenta anos de existência formal da pós-graduação stricto sensu no Brasil evidencia que o processo de orientar dissertações e teses passou por uma forte inflexão, se tivermos presente a sucinta observação que consta do Parecer n. 977/1965 do Conselho Federal de Educação (CFE), segundo a qual, ao ingressar na pós-graduação, o discente seria “orientado por um diretor de estudos” (Almeida Júnior et al., 2005), e ainda a recomendação presente no V Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) de 2005 a 2010, em que é explicitada a necessidade de “criação de um eficiente sistema de orientação” (Capes, 2010). O período entre o parecer e o plano compreende uma rica história em que fatores que dizem respeito à relação orientador-orientando no processo da pesquisa, elaboração, defesa e socialização do trabalho final dos discentes ganham destaque.

Na literatura a que tivemos acesso, nas pesquisas realizadas e nos depoimentos que colhemos, fica explícito o quanto a orientação de trabalhos acadêmicos passa por metamorfoses, em um movimento que vai do intuitivo-individual para o coletivo-grupal. Há o pressuposto de que o trabalho de orientação se constitui em um campo de pesquisa, de sistematizações, assim como um espaço aberto a prescrições sobre o “como” orientar. O que constatamos é um tensionamento entre as induções externas (fomento e avaliação, multiplicidade de exigências) e o protagonismo (autonomia) no processo de implementação de uma práxis orientadora, concebida para além do processo que coloca em relação um orientador e um pós-graduando.

A revisão de literatura sobre a orientação na pós-graduação stricto sensu em educação evidencia praticamente um “apagão” de pesquisas e produções até meados de 1990. Até esse período, temos o texto de Castro (1978), como professor e orientador no mestrado em educação do Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (Iesae/FGV/RJ); o artigo de Alves-Mazzotti (1992), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o artigo de Haguette (1994), da Universidade Federal do Ceará (UFC). Observe-se que os textos de Castro e Haguette são concluídos com prescrições ou “mandamentos” do bom orientador, como a constatar a falta e a necessidade de estabelecer uma espécie de deontologia para a práxis orientadora.

De meados da década de 1990 em diante, na esteira de uma expansão sem precedentes da pós-graduação stricto sensu brasileira, uma plêiade de autores/orientadores reflete, faz pesquisas, concede depoimentos e publica sobre a temática da orientação. A título de exemplo, destacamos aqueles que servem de base empírica e suporte teórico para o desenvolvimento das nossas pesquisas: Saviani (2000), Machado (2000), Leite Filho e Martins (2006), Viana (2008), Mazzilli (2009), Alves et al. (2012), Baibich (2014, 2016). Para Haguette (1994) e Follari (2002), a orientação é uma “função obscura”, pouco codificada; uma “atividade não avaliada”, pouco discutida, fazendo parte do “currículo oculto” da pós-graduação. Também é entendida como um “processo polifônico” (Garcia & Alves, 2002); um “espaço pouco avaliado” (Santos & Maffei, 2010); um locus caracterizado como “terras nunca cartografadas” (Hess, 2005); uma “tarefa complexa” (Hockey, 1997); uma “pedagogia caótica” (Manathunga, 2010). Segundo Park (2007), é uma relação desenvolvida com base no “‘secret garden’ model”. E assim poderíamos avançar com afirmações que adensam a ideia de que, ao não haver preocupação explícita e iniciativas para a formação do orientador, materializa-se uma situação em que orientações ad hoc são exercidas por orientadores ad hoc, uma vez que não há previsões ou iniciativas para sua formação.

A partir de meados da década de 2000, constatamos a presença da orientação e da pós-graduação como objeto de pesquisa, inclusive de mestrandos e doutorandos. Nesse aspecto, temos as coletâneas organizadas por Moraes et al. (2005) e Schnetzler e Oliveira (2010). Estes últimos autores, em uma disciplina com foco na orientação na pós-graduação, organizam coletânea com os textos produzidos pelos pós-graduandos a partir do questionamento de um deles. É de um desses doutorandos que participaram da disciplina a constatação e o questionamento de que, se a orientação é tão importante, então “por que não é assunto obrigatório em todos os programas de pós-graduação das universidades brasileiras?” (p. 204).

Para Corrêa (2012, p. 392), a questão da orientação das dissertações e teses deve ser “objeto de estudo das pesquisas acadêmicas”. O autor reforça que isso demanda pesquisas sobre a temática, não apenas em relação ao pesquisador individualmente ou ao programa de pós-graduação, mas “na articulação possível entre eles (orientadores) e seus orientandos, assim como na parceria interinstitucional com Núcleos e Grupos de Pesquisa existentes no País ou fora dele” (2012, p. 413). O autor, a partir de pesquisa realizada sobre a temática, recomenda: “os Programas de Pós-Graduação precisam atribuir maior visibilidade ao processo de orientação das dissertações e teses, pois esse momento pedagógico tem merecido pouca atenção institucional”, bem como “da parte dos pesquisadores individualmente ou nos grupos de pesquisa” (Corrêa, 2012, p. 392). Aspecto que também ganha destaque na pesquisa desenvolvida por Mazzilli sobre as mudanças atuais na concepção da orientação e da atuação dos orientadores, que explicita na conclusão do seu trabalho de investigação:

Quanto à especificidade do trabalho do orientador, embora se verifique que este continue sendo o responsável último, frente aos programas, pelo produto final do trabalho de seus orientandos, a orientação, como prática silenciada, vem sendo superada pela cultura colaborativa dos programas, amplamente favorecida pela adoção de atividades curriculares que permitem partilhar o processo de formação dos novos pesquisadores. (2009, p. 125).

Dando sua contribuição, Nóbrega ressalta a necessidade de pensar a orientação no século XXI e questiona: “quem orienta o orientador?” (2018, p. 1058). Segundo ela, o orientador tem utilizado a sua experiência como orientando, “agindo intuitivamente, como leigo”, para realizar o trabalho de orientação, o que gera uma “desprofissionalização da orientação acadêmica”. Para a autora, o maior problema dessa situação é o desperdício dos talentos de orientandos e orientadores, a inaptidão e o desestímulo, o que considera “prejudicar os incentivos acadêmicos e econômicos dos programas”. Essas considerações servem de base para a autora advogar a importância de cursos de formação de orientadores que “desenvolvam habilidades a partir da sistematização de propostas, bem como da troca de experiência entre orientadores principiantes e experientes” (p. 1062).

Em relação à literatura estrangeira, ressaltamos produções que buscam responder a dilemas e propor alternativas para a orientação no período pós-implementação do processo de Bolonha (Walker & Thomson, 2010; Peelo, 2011; Trafford & Leshem, 2008; Murray, 2009). Nesse conjunto, encontramos desde autores que discutem como lidar com as especificidades dos pós-graduandos; aqueles que estão interessados em pesquisar a atividade e a formação de orientadores; até outros que centram suas pesquisas na vivência do processo de formação na pós-graduação, tanto para os pós-graduandos como para seus orientadores.

É em períodos mais recentes, frente a transformações de caráter institucional da pós-graduação, decorrentes de mudanças na forma de avaliação e financiamento por parte dos órgãos oficiais, paralelamente a questões conjunturais e estruturais - rankings, por exemplo -, que se passa a falar em estratégias, como orientações virtuais, coorientações, orientações coletivas, redes colaborativas e direcionamento da práxis dos grupos de pesquisa para incluir a orientação como um componente pedagógico. E, cada vez com mais ênfase - principalmente entre os países anglo-saxões -, surgem argumentações e propostas no sentido de encarar a orientação como uma “pedagogia ou didática” (Walker & Thomson, 2010; Halse & Malfroy, 2010; Kamler & Thomson, 2014).

Nessa discussão, Walker e Thomson (2010) defendem a implementação de estratégias de formação de orientadores que concebam a orientação como uma pedagogia ou didática que “possa ser ensinada e aprendida”. Além disso, apontam para a necessidade de ter presente, ao orientar, as especificidades, individuais e coletivas, dos pós-graduandos: aqueles com tempo integral para o estudo e os com tempo parcial, os (i)migrantes, os vinculados a mestrados e doutorados profissionais e aos acadêmicos, entre outros aspectos, pois passam a constituir (sub)categorias que exigem atenção particularizada. Em publicação mais recente, Kamler e Thomson (2014), com base na noção da escrita como prática social, apontam a necessidade de localizar o trabalho acadêmico em contextos pessoais, institucionais e culturais. Nesse sentido, sugerem que os orientadores pensem nos “escritores” de doutorado - nível de formação em que focam seu texto - como novatos que precisam aprender novas fluências com as palavras à medida que entram nas práticas discursivas das comunidades acadêmicas. Esse processo, segundo Kamler e Thomson (2014), envolve o aprendizado de práticas de escrita sofisticadas com conjuntos específicos de convenções e características textuais.

Por sua vez, Halse e Malfroy (2010), ao discutirem a necessidade de articular e delinear claramente o trabalho dos orientadores de doutorandos, no que avaliam ser um ensino superior cada vez mais competitivo, constatam a necessidade de formação estruturada para os orientadores de doutorado. Nesse sentido, procuram responder a esse imperativo ao examinar a seguinte questão: “na universidade contemporânea, o que fazem os orientadores de doutorado e como seu trabalho pode ser teorizado?” (p. 79). Para obter respostas a essa questão, analisam depoimentos de entrevistas, com história de vida de orientadores de doutorado de cinco grandes áreas do conhecimento de uma grande universidade metropolitana na Austrália. A análise realizada permitiu às autoras afirmar que a orientação de doutorado é teorizada como um trabalho profissional que compreende cinco facetas: aliança de aprendizagem, hábitos mentais, expertise acadêmica, technê1 e expertise contextual. Esses aspectos, concluem as autoras, são chaves para um modelo de formação de orientadores que “ofereça discurso, linguagem e teoria mais precisos para a compreensão e preparação para o trabalho de orientação de doutorado na universidade contemporânea” (Halse & Malfroy, 2010, p. 91).

Constatamos que a orientação se materializa em um espaço institucional, atravessado pela hierarquização, e se caracteriza como uma relação na qual o exercício do poder pode ser implementado de formas e intensidades diversas, a depender da concepção e experiência do orientador. Podemos dizer que, em termos de orientação, estamos em um locus ou um “campo científico” (Bourdieu, 1974) em que um habitus ou diferentes habitus são construídos, poderes são exercidos, mobilizados e reconstruídos, exacerbando a complexidade do que se materializa na relação orientador-orientando e que não se explica e nem se esgota nas prescrições do “como fazer”, contidas nos manuais de metodologia.

Ao destacar esses autores e suas pesquisas, o fazemos considerando que apontam para aspectos presentes no desenvolvimento da pesquisa que realizamos e se tornaram basilares no processo de investigação, desde a revisão de literatura até a pesquisa empírica.

Metodologia da pesquisa

Nesta parte do texto, apresentamos e discutimos os dados levantados junto a líderes de grupos de pesquisa que atuam como docentes em programas de pós-graduação em educação com cursos de doutorado. Focalizamos a organização e o funcionamento dos seus grupos de pesquisa, assim como as percepções e manifestações desses líderes a respeito do potencial do grupo na formação de orientadores para atuar na pós-graduação stricto sensu. O nosso objetivo foi identificar as ações presentes nos grupos de pesquisa em que esses docentes atuam como líderes, procurando evidenciar e caracterizar suas estratégias de pesquisa em geral e de orientação em particular.

O instrumento de coleta de dados foi um questionário on-line composto por 15 perguntas fechadas (formação e atuação profissional na pós-graduação) e 3 questões abertas (organização do grupo de pesquisa e a relação entre grupo e formação de orientadores). O critério estabelecido para definir os participantes da pesquisa foi a necessidade de o seu programa de pós-graduação em educação (PPGE) ter realizado pelo menos uma defesa de doutorado, isto é, o seu curso de doutorado ter, no mínimo, entre quatro e cinco anos de criação/aprovação junto ao sistema Capes. O levantamento realizado em janeiro de 2018, período de organização e preparação para o envio do questionário, evidenciou que existiam 87 PPGE com curso de doutorado no país, sendo que 13 programas ainda não tinham realizado sua primeira defesa. Entre os 74 programas que preenchiam o critério da pesquisa, levantamos o número de 1.971 docentes/pesquisadores, todos participantes ou líderes de grupos de pesquisa, que atuavam nesses programas.

O período da coleta de dados ocorreu entre fevereiro e março de 2018. Obtivemos o retorno de 562 respondentes, 28,46% do total, sendo que a representatividade dos programas foi de 100%, isto é, tivemos respondentes de todos os 74 programas. Ao relacionar o número total de professores no programa com o número de respondentes, foi possível encontrar estes dados: em 10 PPGE, mais de 50% dos seus professores responderam ao questionário; 20 programas tiveram entre 30% e 50% de pesquisadores respondentes; e outros 44 programas contaram com menos de 20% de respondentes em relação ao número total dos seus professores.

O grupo de docentes/pesquisadores que respondeu ao questionário é composto por 380 mulheres (67,6%) e 182 homens (32,4%). Em termos de idade, o maior grupo fica entre 51 e 55 anos, com 136 respondentes, seguido pelo grupo de 56 a 60 anos, com 98 participantes. Em síntese, podemos dizer que 392 (69,7%) têm idade entre 46 e 65 anos.

O maior número de respondentes é do estado de São Paulo (117), seguido por Rio Grande do Sul (94), Rio de Janeiro (47), Minas Gerais (46), Bahia (22) e Pará (21). Com relação ao curso de graduação realizado, 179 participantes cursaram Pedagogia, o maior grupo. Entre outros cursos mais citados, temos: História (54), Psicologia (53), Filosofia (49), Letras (39) e Educação Física (34). Do total de respondentes, 56 cursaram mais de uma graduação. O maior contingente concluiu sua graduação na década de 1980 (214), seguido pela década de 1990 (149). Ao identificarem a instituição de ensino superior (IES) em que realizaram seu curso de graduação, temos nomeações que abrangem praticamente todas as IES do Brasil, principalmente aquelas existentes no período compreendido entre 1980 e 1999. Destacamos algumas delas, pelo número de citações: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) (31), Universidade de São Paulo (USP) (27), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (20), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (17), Universidade Federal do Paraná (UFPR) (16) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (15). Apenas 16 respondentes indicaram que realizaram sua graduação no exterior.

Os dados coletados permitem afirmar que 50,8% (285) realizaram mestrado na área de educação, e os demais, em diferentes áreas das ciências sociais e humanas. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (45), a UFRGS (40) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (38) congregam o maior número de citações sobre o local de realização do curso de mestrado, o que foi citado por 237 respondentes, os quais fizeram seu mestrado na década de 1990. Tivemos apenas cinco participantes que realizaram seu mestrado no exterior: 3 nos Estados Unidos, 1 na Itália e 1 na França.

Com relação ao doutorado, 358 respondentes o realizaram na área de educação, a maioria, no período compreendido entre 2000 e 2010 (52,9%), e as IES mais citadas, quando perguntados sobre o local do doutorado, foram: UFRGS (52), USP (51), PUC-SP (36) e Unicamp (36). Um pequeno grupo de 15 respondentes cursou o seu doutorado no exterior, a maioria na Espanha e na França. A pergunta sobre ter realizado ou não estágio pós-doutoral teve a seguinte divisão: 331 (58,9%) responderam que tinham realizado, e 231 (41,1%), que não o tinham. Entre os que responderam afirmativamente, o maior grupo - 146 respondentes, 44,1% do total dos que responderam que sim - realizou seu estágio pós-doutoral no Brasil, em 38 diferentes IES.

Quanto aos aspectos referentes à atuação profissional dos respondentes - e, na sua particularidade, sua inserção e seu trabalho na pós-graduação stricto sensu - constatamos que 158 (28,1%) atuam em mais de um programa, ao lado de 404 (71,9%) que trabalham em um único programa de pós-graduação. Quanto ao tempo de atuação no ensino superior, a maioria - 326 (58%) professores - concentra-se em uma faixa que vai de 16 a 30 anos de trabalho nesse nível de ensino. Com relação ao tempo de atuação na pós-graduação, 144 (25,6%) respondentes - o maior grupo - assinalaram o período de 6 a 10 anos de trabalho na pós-graduação.

Nas respostas referentes ao número de orientandos e defesas realizadas, encontramos os seguintes dados: primeiramente, em relação ao número atual de orientandos de mestrado, 255 (45,4%) respondentes declararam ter entre 2 e 3 orientandos, ao lado de 183 (32,6%) que afirmaram ter entre 4 e 5 orientandos. O maior número de orientações declarado foi 11, por 2 participantes. Sobre as orientações concluídas, 113 (20,1%) professores afirmaram ter entre 10 e 20 orientações concluídas.

Ao dirigir o olhar para os dados sobre a orientação no doutorado, constatamos que o maior grupo de respostas sobre o número atual de orientandos, nesse nível, abrange dois dados: entre 4 e 5 orientandos foi a resposta de 193 (34,4%) professores, junto com outros 145 (25,8%) que apontaram 2 ou 3. O maior número de orientandos de doutorado indicado foi 10, por 6 respondentes. Com relação ao número de defesas de teses realizadas, 205 (36,5%) indicaram entre 1 e 7 defesas, ao lado de 200 (35,6%) outros que afirmaram não ter concluído ainda nenhuma orientação no doutorado.

Acreditamos que esses dados permitem delinear aspectos que caracterizam a formação e a atuação na pós-graduação dos 562 respondentes da nossa pesquisa. São dados que possibilitam dizer que houve uma participação bem difusa entre os 74 PPGE selecionados, com uma boa representatividade de docentes/pesquisadores recém-ingressos nos cursos de doutorado, juntamente com um grupo mais experiente e com uma longa inserção nesse nível de formação. Encontramos as mais diversas formações, principalmente nas áreas das ciências humanas, mas também um pequeno número ligado às áreas da saúde e engenharias.

A relação entre grupo de pesquisa e formação de orientadores

Ao discutir a relação entre grupo de pesquisa e formação de orientadores, procuramos centrar a análise em aspectos que consideramos possíveis de oferecer contribuições para a questão. Inicialmente, procuramos caracterizar a organização e o funcionamento do grupo de pesquisa a partir do depoimento do seu líder, professor/pesquisador que atua em curso de doutorado de PPGE. Fundamentados nesses primeiros dados, que permitiram conhecer e entender a dinâmica de funcionamento do grupo, procuramos evidenciar suas estratégias de pesquisa, em geral, e as ações e iniciativas que os participantes do grupo - pela voz do seu líder - consideravam ter potencial de formação para a atividade de orientação, em particular. No instrumento de pesquisa - questionário - esses pontos compuseram duas perguntas abertas sobre: a) a organização e o funcionamento do grupo de pesquisa; e b) o potencial do grupo para a formação de orientadores. No próximo item, apresentamos as rotinas e atividades nomeadas pelos respondentes, assim como discutimos as contribuições dos participantes da pesquisa sobre o potencial do grupo no processo de formação de orientadores para a pós-graduação.

Organização e funcionamento dos grupos de pesquisa

Ao serem inquiridos sobre o cotidiano do seu grupo de pesquisa, o primeiro dado fornecido, nomeado por 107 respondentes, foi relacionado à periodicidade das suas reuniões: 56 líderes afirmam que realizam reuniões semanais, 35 disseram que as reuniões são quinzenais, 13 relataram que as fazem mensalmente, 2 líderes responderam que realizam reuniões bimestrais, e 1 disse serem semestrais.

A atividade de encontro de estudos/discussão de textos concentra o maior número de menções: 310 respostas. Na sequência, apresentamos a Tabela 1, que organiza as respostas mais citadas pelos 562 participantes da pesquisa.

Tabela 1 Organização e funcionamento dos grupos de pesquisa 

Atividades/rotinas Número de menções
1. Encontros de estudos/Discussão de textos 310
2. Discussão sobre as pesquisas em andamento 213
3. Produção de artigos científicos 127
4. Organização de seminários/eventos 122
5. Participação em eventos/Apresentação de trabalhos 100
6. Apresentação e discussão dos trabalhos e projetos de pesquisa dos bolsistas de iniciação científica (IC), Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), mestrandos, doutorandos 81
7. Trabalhos de extensão (cursos, oficinas, formação continuada de professores e alunos, criação de material educativo) 70

Fonte: Questionários respondidos pelos participantes (2019).

Com um menor número de citações, houve respostas que contemplaram atividades como: pesquisa de campo com coleta de dados, discussão de metodologias de pesquisa, encontros com pesquisadores externos ao grupo de pesquisa, reuniões para tomada de decisões e divisão de tarefas (planejamento), pesquisas coletivas, entre outras. Com relação ao tema de interesse da pesquisa - orientação - obtivemos 36 menções de atividade de “orientação coletiva” no grupo; 35 menções sobre atividades de “orientação”; e 9 referências à “orientação individual”, o que somou 70 depoimentos indicando a presença desta atividade nos grupos de pesquisa.

Em um dos depoimentos, a líder resume as atividades que os participantes do seu grupo de pesquisa realizam: “a rotina é constituída pelas ações de ler, escrever e conversar no grupo e em pequenos grupos”. Segundo ela, essa dinâmica ocorre nos encontros regulares, geralmente semanais, com orientandos e pesquisadores, “para favorecer a interlocução entre projetos de pesquisa; aprofundar abordagens conceituais a partir de leituras e escritas compartilhadas; e fomentar a sistematização dos estudos individuais e coletivos em produções escritas”.

Outra pesquisadora, ao refletir sobre o cotidiano do grupo de pesquisa em que atua como líder, relata que “o Grupo desenvolve pelo menos uma pesquisa de interesse comum entre os professores participantes e busca manter uma frequência de encontros com o objetivo de fortalecer o campo teórico que sustenta a pesquisa”. Nos encontros, segundo a líder, são discutidos “aspectos relativos à metodologia da pesquisa, formas de adentrar ao campo, formas de análise de dados e discussões acerca de temas comuns”. Além desses encontros, cada professor orientador organiza, com seus orientandos, “pequenos grupos para encontros sistemáticos visando integrar os novos e mais antigos e para que o grupo se aproprie das discussões do grupo”. A líder explicita que, em alguns encontros, “o Grupo realiza, como um ato solidário, a leitura e discussões de produções dos colegas com vistas a qualificar os textos”. Segundo ela, tem se constituído em “um exercício interessante no sentido de realizar a crítica de forma respeitosa ao trabalho do outro, mas também precisa ajudá-lo a avançar”; pois quem lê “precisa aprender a fazer a crítica com respeito e quem sabe possibilitar que o colega construa seus argumentos, repense, avance no conhecimento”. E enfatiza que, no grupo, “realiza-se o exercício de estar exposto”.

Com relação à questão da escrita dos orientandos, ressaltamos as pesquisas de Kamler e Thomson (2014), que entendem a pesquisa como escrita e a escrita como pesquisa. As autoras discutem o trabalho do orientador e constatam que está ancorado - em grande parte - no apoio à escrita dos pós-graduandos. Nos depoimentos colhidos junto aos grupos de pesquisa, evidenciamos o grande espaço concedido à escrita, seja ela individual, seja coletiva. Nesse contexto, Wadee et al. (2017) observam - ao realizarem oficinas sobre o trabalho de orientação - que as perspectivas dos orientandos podem ser resumidas em: desejar comentários do orientador sobre sua produção escrita e encontrar disponibilidade, cordialidade, solidariedade e encorajamento, aspectos que podem ser alcançados/encontrados nas dinâmicas de trabalho de grupos de pesquisa, segundo nossa observação nesta pesquisa. Uma líder descreve, no seu depoimento, as estratégias desenvolvidas no grupo de pesquisa para o apoio à escrita: “são realizadas atas das reuniões pelos membros do grupo, organizados em duplas compostas por um graduando e um pós-graduando”. Segundo a líder, as atas funcionam como “registro das memórias do grupo por meio de narrativas escritas, bem como aprimoramento da escrita”. Elas são corrigidas e complementadas pelas coordenadoras e posteriormente socializadas com os demais participantes. Ademais, complementa a líder, o grupo realiza produção conjunta de trabalhos para apresentação e publicação em eventos acadêmicos, com o intuito de “dar visibilidade às ações desenvolvidas”.

Essa gama de depoimentos permitiu a construção de um olhar privilegiado sobre o funcionamento e a organização dos grupos de pesquisa dos respondentes da nossa pesquisa. Há uma evidente preocupação em estruturar as atividades no grupo, mesmo em uma rotina de trabalho muito intensa como a que desenvolvem esses profissionais que atuam na pós-graduação neste momento. Constatamos que, no grupo de pesquisa, o líder e os demais pesquisadores desenvolvem coletivamente as ações que fazem parte do seu trabalho como membros de programas de pós-graduação: pesquisa, escrita, publicação, orientação. O trabalho que geralmente era desenvolvido pelo pesquisador/docente, de forma individual, passa a ser realizado, também, permeado por ações coletivas. Em grupos mais estruturados - com um maior número de pesquisadores experientes - é possível evidenciar a organização das ações a partir da divisão em subprojetos de pesquisas. Dentro dessa organização, a orientação coletiva e a coorientação ganham maior espaço. As respostas apontam ganhos expressivos com o trabalho de pesquisa realizado de forma coletiva.

O potencial do grupo de pesquisa para a formação de orientadores

Nossa intenção com a pergunta aberta - considerando que o grupo de pesquisa também possa ser um espaço de formação de orientadores de dissertações e teses - foi obter dados sobre o modo como o líder do grupo de pesquisa analisava a relação entre as ações rotineiras do seu grupo e a possibilidade de formar orientadores. Apesar de parecer evidente a capacidade do grupo de formar pesquisadores, tínhamos o objetivo de criar um espaço de reflexão sobre o trabalho do orientador na pós-graduação stricto sensu. Ao manifestarem-se sobre esse aspecto, conseguimos visualizar os processos de organização, gestão, planejamento, formação e relações sociais constituídas nesse espaço de construção do conhecimento.

Esta pergunta foi respondida por 537 líderes de grupos de pesquisa, ou seja, 95,5% do total de participantes. Destes, 493 (91,8%) consideram o grupo um espaço de formação de orientadores, pois, segundo uma pesquisadora, “o exercício pessoal para seleção de fontes, análise, coleta de dados; selecionar metodologia; fazer recortes da pesquisa para projetos de orientandos de IC . . . constitui experiência que possibilita orientar com segurança neopesquisadores”. Para 28 (5,2%) respondentes, o grupo de pesquisa é um espaço de formação de orientadores em termos: “não temos tido a preocupação específica ou planejada com o processo de orientação. A troca de experiência com os mais antigos acaba ajudando, mas ocorre sem um objetivo ou planejamento”. Entre esses pesquisadores, destaca-se a importância da orientação individual, que parece ter mais sentido fora do âmbito do grupo de pesquisa, como explicita um deles: “a orientação é individual, embora parte do que se faz na orientação possa ser suprida no grupo. Mas, como momento individual do orientando com o orientador, envolve aspectos afetivos e cognitivos particulares”. Um grupo muito pequeno - 10 (1,8%) pesquisadores - respondeu de forma negativa sobre a possibilidade de o grupo de pesquisa ser também um lugar de formação de futuros orientadores. Eles argumentam que essa não é uma atividade inerente ao grupo de pesquisa, pois, como diz um dos respondentes: “entendo que grupo de pesquisa tem sua natureza que não deve ser confundida ou identificada com os papéis específicos da relação orientador e orientando”. Segundo ele, há o risco de descaracterizar os objetivos de um grupo de pesquisa.

Analisamos que as respostas obtidas envolvem questões que contemplam a discussão sobre a formação de orientadores, mas avançam também para outros aspectos que envolvem o que é ser líder de grupo de pesquisa (criar estratégias de funcionamento e adesão/participação) e ser professor pesquisador que atua na pós-graduação (produção e orientação). Muitas das manifestações enfatizam a importância do pertencimento ao grupo de pesquisa como possibilidade de crescimento profissional e acadêmico para seus participantes. Os depoimentos são muito positivos sobre o potencial do grupo para a consolidação de processo de interação, vivência da pesquisa, trabalho coletivo e formação de orientadores. Na Tabela 2, destacamos as respostas que tiveram maior menção entre o grupo de participantes, agrupadas a partir do que consideramos os elementos estruturantes das manifestações dos depoentes.

Tabela 2 Manifestações dos pesquisadores sobre o potencial do grupo de pesquisa para a formação de orientadores 

Elementos estruturantes das manifestações Expressão/depoimentos N. de menções
Laboratório de formação para a atuação como orientador/a A convivência de profissionais com níveis diferentes de experiência em trabalho conjunto possibilita aprendizagens relevantes para um futuro orientador”. 216
Atuação do grupo na coorientação O ideal é que o grupo divida tarefas como a coorientação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) por mestrandos e a coorientação de dissertações por doutorandos, de modo que todos possam aprender juntos”. 189
Espaço de qualificação das pesquisas Olhares múltiplos sobre a problemática de pesquisa ajuda a melhor qualificá-la”. 175
Experiência cotidiana compartilhada Nesse percurso, foi emergindo em mim, como pesquisadora e orientadora, o sentido singular e o significado coletivo da relevância de enfrentar no e com o grupo as inquietações provocadas pelos estudos, a importância de compartilhar e alterar percursos, de enfrentar opções metodológicas e sustentá-las no grupo”. 160
Espaço/tempo de orientação coletiva Os orientandos discutem e analisam junto com o orientador (no espaço da orientação coletiva) as formas de orientar”. 87
Aprendizagem pelo modelo/exemplo O exemplo é sempre o melhor método de ensinar e aprender . . . incorporam muito de minhas características pessoais de orientar/interagir/relacionar-se”. 71
Descentralização da orientação/Lugar da liderança Os mais ‘velhos’, via de regra, os doutorandos e pós-doutorandos, auxiliam na orientação dos iniciantes”. 60
Trocas e apoio entre orientandos No grupo, os alunos se sentem apoiados e preparados a trabalhar em equipe. Tive casos de alunos que não conseguiam terminar seus trabalhos, por bloqueios psicológicos ou problemas pessoais e foram incentivados a seguir em frente e defender seus trabalhos em função da intervenção de colegas nesse processo”. 56
A pesquisa como potencializadora da formação do orientador O grupo de pesquisa potencializa o trabalho do orientador, principalmente quando as pesquisas são debatidas e discutidas com todos os orientandos”. 45
Desenvolvimento de uma cultura acadêmica A prática de trabalhar em grupo contribui decisivamente para uma boa formação individual como orientador . . . e a formação de um espírito acadêmico”. 38
Diminuição da solidão da escrita Ao ler, analisar e reavaliar e sugerir acréscimos e supressões nos manuscritos e ensaios entre pares do grupo de pesquisa, há uma formação e autoformação em curso que acaba sendo um diferencial”. 24
Pesquisas mais densas e aprofundadas Onde se aprende e ensina a ser pesquisador e orientador”. 21

Fonte: Questionários respondidos pelos participantes (2019).

Entre os depoimentos, como podemos constatar, há destaque para o entendimento de que o grupo de pesquisa é um “laboratório de formação para a atuação como orientador”, assim como um espaço de “parceria acadêmica”. Ao mesmo tempo que destacam a importância das pesquisas e orientações coletivas, os pesquisadores apontam as dificuldades que encontram para desenvolver projetos de pesquisa coletivos e abdicar da figura do pesquisador/orientador definidor dos conhecimentos teórico-metodológicos válidos para todos os membros do grupo. Ainda é, para muitos, um desafio compartilhar essa função com seus orientandos.

É importante destacar a preocupação de muitos dos respondentes em detalhar e procurar deixar sua opinião e reflexão de forma bastante clara. Esse aspecto ofereceu número expressivo de depoimentos sobre as ações que realizam no seu grupo de pesquisa e que consideram importantes e cheias de possibilidades para a formação de orientadores: socialização e debates dos projetos individuais e coletivos (317 menções); debate coletivo dos processos de pesquisa (142 menções); socialização de fontes teóricas (130 menções); compartilhamento de ideias e experiências (94 menções); colaboração e apoio entre pares (86 menções); compartilhamento da escrita produzida (55 menções); compartilhamento de dificuldades (46 menções); espaço coletivo de orientação (46 menções); produção conjunta (40 menções).

Verificamos que o grupo de pesquisa funciona como espaço de acolhimento, como um “amenizador dos dilemas do pós-graduando e do orientador”, em que encontram uma rede colaborativa de pesquisadores e estudiosos e, mais do que qualquer coisa, um espaço de formação, que qualifica na ação e em um caráter coletivo.

Considerações finais

O desenvolvimento da pesquisa possibilitou o aprofundamento na bibliografia atual sobre o trabalho de orientação na pós-graduação stricto sensu e permitiu constatar caminhos e áreas de conhecimento dos pesquisadores que discutem e pesquisam a temática. Observamos que a orientação é discutida por pesquisadores de diversas áreas (com destaque para as áreas de saúde, psicologia e administração) e abrange focos muito próximos: relação entre orientador e orientando, dificuldade de os pós-graduandos concluírem com êxito sua formação, falta de apoio institucional, exigências da avaliação realizada junto ao programa de pós-graduação, entre outros. Os dilemas e percalços daqueles que atuam e realizam a formação pós-graduada não conhecem ou distendem as áreas do conhecimento. Os depoimentos de orientadores, presentes nas pesquisas que serviram de base para esta, são muito parecidos ao apontarem seus principais desafios: dificuldade no relacionamento com os pós-graduandos, despreparo dos orientandos, excesso de exigências institucionais, perda do status associado à atuação nesse nível de formação, dificuldade de conciliar o trabalho na pós-graduação com as atividades de ensino e extensão na graduação, entre outras.

Neste trabalho de mergulho na produção bibliográfica sobre a pós-graduação e, mais especificamente, sobre o trabalho de orientação, evidenciamos um número pequeno de pesquisadores da área de educação interessados na temática. Entre eles, os focos prioritários de atenção são as análises das políticas públicas - fomento e avaliação - para a pós-graduação. Quanto à orientação, ocupa espaço menor entre os projetos dos pesquisadores concentrados nos grupos de pesquisa sobre o ensino superior.

É entre as publicações em língua estrangeira que encontramos a maior concentração de pesquisadores que discutem o trabalho de orientação e, ao fazê-lo, analisam, principalmente, o espaço de formação do pesquisador: o doutorado. A maioria das pesquisas realizadas sobre a temática envolve diretamente doutorandos e seus orientadores em duas perspectivas: a coleta de dados que permitam entender a dinâmica dessa relação e a proposição de encaminhamentos e orientações que possibilitem sanar e melhorar a relação no intuito de desenvolver e concluir a bom termo a formação.

Na particularidade da pesquisa que realizamos junto aos líderes de grupos de pesquisa da área de educação, podemos elencar aspectos que, acreditamos, ajudam a refletir sobre o modo como organizam a sua vida acadêmica - docente, pesquisador, orientador - e todas as atividades decorrentes de cada uma das frentes de trabalho. Os 562 professores orientadores que responderam ao questionário, pertencentes a 74 PPGE, com suas manifestações, contribuíram para que pudéssemos delinear um quadro representativo - além dos dados de identificação - do funcionamento dos grupos de pesquisa, seu potencial para a formação de orientadores e os indicadores e ações passíveis de instaurar essa formação. Entre os aspectos mais relevantes, destacamos, sumariamente, o que segue:

  1. Ao falarem sobre as atividades rotineiras dos grupos (e subgrupos) de pesquisa, os respondentes destacaram: encontros de estudo, discussão de textos, discussão sobre as pesquisas em andamento, produção de artigos científicos, organização e participação de eventos com apresentação de trabalhos. Com menção direta ou indireta ganham destaque as atividades de orientação grupal e individual, a coorientação e a pesquisa desenvolvida coletivamente.

  2. Em relação ao potencial do grupo de pesquisa para a formação (e atuação) de orientadores, contamos, predominantemente, com depoimentos muito positivos que enfatizaram que o grupo atua como um espaço/tempo de consolidação de processos de interação, vivência da pesquisa, trabalho coletivo e formação de orientadores.

  3. Houve expressivas manifestações sobre o grupo concebido como laboratório de formação para a atuação do/a orientador/a, além de espaço de atuação na coorientação, na parceria acadêmica (pesquisadores em estágios diversos de formação e atuação), na qualificação das pesquisas, na orientação coletiva, na aprendizagem entre pares, no compartilhamento, no apoio à escrita e na superação da solidão em direção a um trabalho solidário.

  4. Da parte de alguns participantes da pesquisa houve manifestações considerando que o grupo de pesquisa não é um locus de formação e atuação de orientadores, pois a sua especificidade é a pesquisa.

  5. Pesquisadores apontaram, em seus depoimentos, que as atividades que o grupo realiza podem, indiretamente, favorecer a implementação de estratégias de formação e atuação de orientadores, mas insistem que esse não é o objetivo do grupo de pesquisa.

  6. Em relação ao papel do grupo de pesquisa no processo de orientação, as manifestações convergem no sentido da possibilidade de realizar orientações, não somente individuais (orientador e orientando), mas também coletivas, ao envolver os demais componentes do grupo. Por um lado, a orientação de ação coletiva permite sugestões de todos para o trabalho em desenvolvimento, multiplica e pluraliza as leituras e os olhares, contribui para criar um vínculo de responsabilidade e comprometimento com o outro. De outro, a orientação individual cria um espaço para o tratamento das especificidades do objeto de pesquisa do orientando, de suas idiossincrasias, das suas necessidades de aprendizagem e de condução da sua pesquisa.

  7. Sobressaem as manifestações relacionadas ao quanto a orientação coletiva é vantajosa para todos os envolvidos, independentemente de sua condição pessoal e profissional, como membro do grupo. Para a consecução dessa forma de orientação, destacam-se iniciativas no sentido da exposição e de debates dos projetos coletivos (“guarda-chuva”) e individuais de pós-graduandos e de outros participantes do grupo, que trazem benefícios para o coletivo em termos de fundamentação teórico-metodológica para as pesquisas, a socialização de fontes, o conhecimento de empirias diversas e a entreajuda.

  8. Constatamos que, para a maioria dos sujeitos da pesquisa, as ações empreendidas no grupo de pesquisa criam espaços formativos privilegiados para a consolidação da práxis orientadora na pós-graduação, para além da formação de pesquisadores. Segundo esses pesquisadores, as ações do grupo - muitas vezes não intencionais ou planejadas - contemplam as necessidades de formação para atuar como orientador/a na pós-graduação stricto sensu.

Em síntese, na ausência de espaços/tempos institucionais de formação de orientadores, a atuação dos/nos grupos/redes de pesquisa, na sua organização e no seu funcionamento, em conformidade com os depoimentos dos respondentes, acaba sendo transformada em loci de ensino e aprendizagem do métier da orientação. Nessa direção, o apoio ao modelo desenvolvido pelos orientadores, assim como as trocas realizadas no âmbito do grupo de pesquisa, aparecem como aspectos que contêm possibilidades muito fortes de formar novos orientadores.

Agradecimentos

Esta pesquisa não seria possível sem o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de Bolsa Produtividade. Ficam o registro e o agradecimento.

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Disponibilidade de dados Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

1O termo grego technê (técnica) corresponde ao latim ars (arte), e significa “o que é ordenado” ou “toda espécie de atividade humana submetida a regras”. Seu campo semântico define-se em oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural. A ideia é que a construção de artefatos é uma arte criativa dos homens e realiza-se por meio de uma combinação de conhecimento, prática e experimentação (Castoriadis, 1987).

Recebido: 16 de Agosto de 2021; Aceito: 07 de Março de 2022

TRANSLATED BY Jeffrey HoffII

II

Freelancer; jeffhofflagoa@gmail.com

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