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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.52  São Paulo  2022  Epub 30-Mar-2022

https://doi.org/10.1590/198053148714 

EDUCAÇÃO SUPERIOR, PROFISSÕES, TRABALHO

REFORMA TRABALHISTA E TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO BRASIL

REFORMA LABORAL Y TRABAJO DOCENTE EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR PRIVADA EN BRASIL

LA REFORME DU TRAVAIL ET L’EMPLOI DU PROFESSEUR DANS L’ENSEIGNEMENT SUPERIEUR PRIVE AU BRESIL

IFundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Recife (PE), Brasil; darcilene.gomes@fundaj.gov.br

IIUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife (PE), Brasil; sidartha.soria@ufpe.br


Resumo

O objetivo deste trabalho é investigar possíveis impactos, sobre o universo laboral dos docentes que atuam no ensino superior privado brasileiro, da mais recente reforma trabalhista e de medidas específicas da categoria, como o avanço da educação a distância (EaD). A Lei n. 13.467/2017 foi aprovada no governo de Michel Temer, sob a justificativa de gerar “segurança jurídica” e modernizar as relações trabalhistas. Nesse sentido, pretende-se analisar a movimentação de professores nas bases compostas por registros administrativos do Ministério da Economia, a fim de averiguar se, para além da notícia de casos particulares, a categoria como um todo já experimenta alterações sensíveis em seus níveis de emprego, no volume de demissões e admissões, e se há introdução de dispositivos próprios da Reforma Trabalhista.

Palavras-Chave: MERCADO DE TRABALHO; DOCENTE; ENSINO SUPERIOR; ENSINO PRIVADO

Resumen

El objetivo de este trabajo es investigar los posibles impactos en el universo laboral de los docentes que trabajan en la educación superior privada brasileña, la reforma laboral más reciente y las medidas específicas de la categoría, como el avance de la educación a distancia (EaD). La Lei n. 13.467/2017 fue aprobada en el gobierno de Michel Temer, con el argumento de generar “seguridad jurídica” y modernizar las relaciones laborales. En este sentido, se pretende analizar el movimiento de docentes en las bases compuestas por registros administrativos del Ministerio de Economía, con el fin de verificar si, además de las noticias de casos particulares, la categoría en su conjunto ya experimenta cambios sensibles en sus niveles de empleo, en el volumen de despidos y admisiones, y si hay introducción de dispositivos propios de la Reforma Laboral.

Palabras-clave: MERCADO DE TRABAJO; PROFESIÓN DOCENTE; ENSEÑANZA SUPERIOR; ENSEÑANZA PRIVADA

Résumé

Cet article cherche à évaluer les impacts que la réforme du travail la plus récente ainsi que certaines mesures spécifiques, telles que l’essor de l’enseignement à distance (EaD), ont pu avoir sur le travail des enseignants de l’enseignement supérieur privé au Brésil. La loi n. 13.467/2017 a été approuvée par le gouvernement de Michel Temer, sous la justification qu’elle contribuerait à une “sécurité juridique” et à moderniser les relations de travail. Ce que l’on propose donc ici est d’analyser les mouvements des enseignants à partir de données provenant des registres administratifs du Ministère de l’Economie, afin de vérifier si, au-delà des cas particuliers relevés, l’ensemble de la catégorie subit déjà des changements sensibles concernant ses niveaux d’emploi, le volume de licenciements et d’admissions, et si des dispositifs propres à la Réforme du Travail ont été introduits.

Key words: MARCHÉ DU TRAVAIL; PROFESSION D’ENSEIGNANT; ENSEIGNEMENT SUPÉRIEUR; ENSEIGNEMENT PRIVÉ

Abstract

The purpose of this paper is to investigate the potential impacts of the latest Labor Reform and specific measures taken by the sector, such as the progress in Distance Learning (EaD), on the labor universe of professors acting in private higher education in Brazil. Law n. 13,467/2017 was passed by the Temer Administration on the grounds of creating “legal certainty” and modernizing labor relations. In this regard, we intend to analyze the turnover of professors in the databases composed of administrative records of the Ministry of Economy in order to verify whether, beyond the news of specific cases, the sector as a whole is already experiencing noticeable changes in their employment levels, in the volume of dismissals and hiring, and whether specific provisions of the Labor Reform are already been complied with.

Key words: LABOUR MARKET; TEACHING PROFESSION; HIGHER EDUCATION; PRIVATE EDUCATION

Os contornos do atual sistema de educação superior no Brasil foram definidos na Reforma Universitária de 1968, a qual modernizou e expandiu as universidades públicas - assentadas no tripé ensino-pesquisa-extensão - e incentivou a ampliação das instituições privadas, especialmente as empresariais, dedicadas em sua maioria apenas ao ensino. De lá até os dias de hoje, o setor privado se consolidou, sendo atualmente responsável por quase duas em cada três matrículas no ensino superior brasileiro.

Esse crescimento, todavia, não ocorreu de forma linear. Em alguns momentos o setor privado chegou a apresentar queda no número de matrículas, mas desde a segunda metade dos anos 1990 o segmento pôde se renovar e prosperar, inicialmente em meio à crise de financiamento das universidades públicas e depois, já em meados dos anos 2000, em sincronia com a prosperidade das instituições públicas federais.

O avanço do segmento empresarial privado nunca ocorreu em sintonia com a melhoria da qualidade do ensino ofertado. Reconhece-se que o debate sobre a qualidade dos sistemas educacionais é complexo, mas vale mencionar que se considerarmos alguns indicadores associados à qualidade - como a nota no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), a taxa de evasão, o custo aluno/ano e a relação aluno/professor -, como fez Bielschowsky (2020), o quadro é, no mínimo, preocupante (e mais grave nas instituições vinculadas aos maiores grupos empresariais e no ensino a distância - EaD). Ademais, as condições de contratação do corpo docente - segundo o Censo do Ensino Superior de 2018, geralmente como horistas (30,1%) ou em tempo parcial (42,4%) - e as condições de trabalho também se distanciam daquelas consideradas ideais (Leda, 2009; Siqueira, 2006; Sebim, 2014).

Como se sabe, a Reforma Trabalhista foi aprovada em novembro de 2017, em meio a uma crise política e econômica, e no primeiro mês de sua vigência a imprensa brasileira noticiou a dispensa de inúmeros professores que atuavam no ensino superior privado. Apenas uma dessas instituições, a Estácio de Sá, dispensou 1.200 professores de uma só vez. As demissões, ainda segundo o apurado por jornais e sites especializados, ocorreram em outras instituições ou grupos como Laureate (a imprensa noticiou 470 demissões), Universidade Metodista de São Paulo (60 demissões) e Ser Educacional (78 demitidos). Em muitas dessas matérias, inclusive, estabeleceu-se uma relação direta entre a mudança trabalhista e as demissões (Souza, 2017; Basílio, 2017; Mendonça, 2017; Alvarenga & Trevisan, 2017).

Como a Reforma é relativamente recente, seus impactos ainda estão sendo observados e avaliados. Nesse sentido, o objetivo do artigo é verificar, com base nos Registros Administrativos do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), a movimentação (admissões e desligamentos) dos trabalhadores formais que exerciam a docência em instituições privadas de ensino superior no período de janeiro de 2014 a dezembro de 2019. Para tanto, faz uso do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). O público investigado foi selecionado a partir da ocupação “professores do ensino superior”, código 234 (subgrupo), do Código Brasileiro de Ocupações (CBO) de 2002. No caso da Rais, que engloba os setores público (estatutários e outros regimes de contratação) e privado, foram selecionados dois tipos de estabelecimentos segundo a natureza jurídica: empresas privadas e entidades sem fins lucrativos, além da ocupação já mencionada.

O artigo está organizado em três itens, além de Introdução e Considerações finais. O primeiro discorre sobre a estruturação do sistema de ensino superior brasileiro, apontando as características do segmento privado. O segundo apresenta as principais mudanças na legislação trabalhista proporcionadas pela reforma aprovada em setembro de 2017. Por fim, o terceiro item exibe os dados sobre a movimentação dos professores que atuam no ensino superior privado.

Breve histórico da evolução do sistema de ensino superior brasileiro

O ensino superior brasileiro originou-se tardiamente, inclusive em comparação com outros países latino-americanos. Os primeiros cursos superiores foram criados na Bahia e no Rio de Janeiro, no início do século XIX, nas áreas de medicina, direito e engenharia. Apenas em 1920 nasceu uma universidade autêntica, a Universidade do Rio de Janeiro, com a reunião das escolas de medicina, politécnica e direito (Cunha, 2007).

A institucionalização da universidade brasileira ocorreu a partir da Era Vargas, quando, na gestão do Ministro da Educação e Saúde, Francisco Campos, publica-se o Decreto n. 19.851/1931, que institui o Estatuto das Universidades Brasileiras. Nos anos 1930, com o surgimento da Universidade de São Paulo (1934) e da Universidade do Distrito Federal (1935) - esta última absorvida pela Universidade do Brasil em 1939 -, inicia-se o processo de reorganização do campo universitário brasileiro, até então centrado principalmente na pulverização de cursos isolados e no ideal profissionalizante (Cunha, 2007). Nos vinte anos seguintes registrou-se uma acelerada expansão da educação superior nacional, na forma do aumento significativo do número de matrículas e de instituições universitárias, correndo em paralelo com a crescente federalização das universidades (Arruda, 2011).

As linhas mais gerais do campo da educação superior brasileira surgem da Lei n. 5.540/1968, a qual, em pleno regime ditatorial, institui a Reforma Universitária. Um dos sentidos fundamentais da reforma era encaixar a universidade no esforço pelo desenvolvimento econômico e, para tanto, de pautá-la segundo os princípios de racionalização, eficiência e produtividade. A lei, a despeito de limitar a universidade por meio de instrumentos autoritários próprios do regime militar, apresentaria alguns avanços, que já estavam em discussão antes mesmo do golpe, entre os quais o reconhecimento da autonomia didático-científica, disciplinar, financeira e administrativa das universidades (Arruda, 2011; Sampaio, 2000).

Weber (2000) identifica outros aspectos positivos, como a iniciativa de se associar ensino, pesquisa e extensão, além da instituição da pós-graduação stricto sensu. Não obstante, o regime militar favoreceu e estimulou a expansão do ensino superior privado (Arruda, 2011; Martins, 2009), majoritariamente de capital nacional e organizado em moldes empresariais, por meio de transferência indireta de recursos e políticas específicas (Carvalho, 2002; Leher, 2013). Segundo Martins (2009), em 1980 as matrículas na rede privada já representavam quase 65% do total de matrículas no ensino superior. Nos anos seguintes, todavia, o crescimento da rede privada arrefeceu, e o número de matrículas chegou a cair em alguns anos (Sampaio, 2011), provavelmente, entre outros fatores, em função da crise econômica brasileira da década de 1980 (Martins, 2009).

Com a redemocratização e, em seguida, a promulgação da Constituição Federal de 1988, o ensino superior privado foi reafirmado como campo passível de exploração pela iniciativa privada. Ademais, o art. 207 da Constituição, que dispôs sobre a autonomia das universidades, acelerou a conversão dos estabelecimentos privados em universidades, dinâmica que já vinha sendo observada desde meados da década de 1980 (Martins, 2009; Sampaio, 2011). Ao “fugir” do controle burocrático do Conselho Federal de Educação, as universidades privadas puderam definir seus cursos e remanejar vagas, o que permitiu ao segmento se adequar mais rapidamente à demanda por ensino superior. Mas, como menciona Martins (2009, p. 24), essas instituições “constituem um simulacro de verdadeiras universidades”, uma vez que tanto a consolidação da carreira acadêmica de seu corpo docente quanto o fomento à pesquisa estão ausentes na maioria desses estabelecimentos.

Na década de 1990, com sucessivos governos impondo uma agenda liberalizante de reforma do Estado, o ensino superior público acabou incluído no processo de ajuste fiscal. Já o ensino superior privado, especialmente na segunda metade da década, expandiu-se de modo significativo (novos cursos, novas localidades etc.), enquanto as universidades públicas federais enfrentavam problemas diversos. Os dados são claros, o número de matrículas no ensino superior privado1 cresceu 88% entre 1990 e 2000 - com destaque para as matrículas em universidades privadas que cresceram 177,3% - e o número de instituições privadas cresceu 44,3% (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 1999, 2001).

Sampaio (2011) aponta que, além da transformação em universidades, houve uma mudança de estatuto nas instituições privadas de ensino, as quais passaram a assumir, paulatinamente, seu caráter comercial a partir do Decreto n. 2.306/1997, o que exigiu uma gestão mais ajustada com o “mercado”. A criação dos centros universitários é outra medida adotada pelo MEC no mesmo período e que reforça a expansão das instituições privadas: entre 1997 e 2001 foram criados 59 centros privados (Cunha, 2003).

Nota-se que há uma linha de continuidade de crescimento do segmento privado em escala ampliada e que ganhará novos contornos na década seguinte, a partir do forte ingresso de grupos internacionais no país e de transações mediadas pelo mercado financeiro (Almeida, 2012; Oliveira, 2009).

O esgotamento das forças políticas, que então se empenhavam no projeto liberalizante vigente na década de 1990, abrirá um novo capítulo na questão do ensino superior brasileiro, bem como do contexto social, político e econômico no qual aquele se inscreve.

Destaca-se nos anos 2000 a retomada do investimento e, por consequência, do crescimento expressivo das universidades federais a partir de 2005. Foram criadas, nesse período, oito novas universidades e instituídos o Programa Universidade para Todos (ProUni), em 2004, direcio- nado ao setor privado; e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em 2007, que traçou a expansão da rede pública federal (Marques & Cepêda, 2012).

Relativamente ao setor privado do ensino superior brasileiro, o ProUni surgiu como uma concepção de política elaborada no seio da burocracia do MEC (Almeida, 2012), reagindo à necessidade de regulamentação das contrapartidas para as isenções fiscais (Haddad, 2006), às demandas das instituições de ensino superior (IES) privadas para fazer frente às vagas não preenchidas e ao número declinante de ingressantes (Almeida, 2012); e levando em consideração as camadas sociais excluídas da educação superior (Haddad, 2006). O programa visava a conceder ao estudante de renda baixa, na forma de bolsas parciais ou integrais, 10% das vagas ofertadas pelas instituições privadas. As bolsas são financiadas por meio de renúncia fiscal - do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) -, reforçando a histórica modalidade indireta de subvenção às instituições privadas (Almeida, 2012; Carvalho, 2005). A institucionalização do programa ocorreu com a Lei n. 11.096, de 13 de janeiro de 2005. De acordo com o MEC, desde sua criação até o segundo semestre de 2017, o número de bolsas do ProUni cresceu 222,3%.2

Além do ProUni, em 2010 as mudanças nas regras de concessão do Fundo de Financia- mento Estudantil (Fies), refletidas na dispensa da figura do fiador e na criação do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), impulsionaram o crescimento das matrículas na rede privada de ensino superior, conforme mostra a Tabela 1. Entre 2002 e 2016 as matrículas presenciais cresceram 93%, e o setor privado pôde manter sua participação no total das matrículas presenciais no ensino superior, mesmo com a expansão da rede pública. De 2016 em diante nota-se queda nas matrículas presenciais nas instituições privadas, o que faz sua participação no total das matrículas nessa modalidade declinar (ver também o Gráfico 1).

TABELA 1 Matrículas presenciais em instituições de ensino superior no Brasil, 2002-2019 

ANO Nº DE MATRÍCULAS EM IES PRIVADAS % MATRÍCULAS PRIVADA/TOTAL Nº DE MATRÍCULAS EM IES PÚBLICAS % MATRÍCULAS PÚBLICA/TOTAL
2002 2.428.258 69,8 1.051.655 30,2
2003 2.750.652 70,8 1.136.370 29,2
2004 2.985.405 71,7 1.178.328 28,3
2005 3.260.967 73,2 1.192.189 26,8
2006 3.467.342 74,1 1.209.304 25,9
2007 3.639.413 74,6 1.240.968 25,4
2008 3.806.091 74,9 1.273.965 25,1
2009 3.764.728 73,6 1.351.168 26,4
2010 3.987.424 73,2 1.461.696 26,8
2011 4.151.371 72,2 1.595.391 27,8
2012 4.208.086 71,0 1.715.752 29,0
2013 4.374.431 71,1 1.777.974 28,9
2014 4.664.542 71,9 1.821.629 28,1
2015 4.809.793 72,5 1.823.752 27,5
2016 4.686.806 71,5 1.867.477 28,5
2017 4.649.897 71,2 1.879.784 28,8
2018 4.489.690 70,2 1.904.554 29,8
2019 4.231.071 68,8 1.922.489 31,2

Fonte: Inep (2020).

Fonte: Inep (2020).

GRÁFICO 1 Matrículas presenciais em instituições de ensino superior no Brasil, 2002-2019 

Além das matrículas na modalidade presencial, o setor privado também se destacou na oferta de EaD. O Gráfico 2 mostra que as matrículas em EaD nas instituições privadas cresceram continuamente entre 2012 e 2019, mais que dobrando de número em menos de uma década. Se forem somadas as matrículas presenciais e em EaD, o segmento privado respondia em 2019 por 75,8% do total de matrículas no ensino superior no Brasil.

Fonte: Inep (2020).

GRÁFICO 2 Matrículas em educação a distância em instituições de ensino superior no Brasil, 2012-2019 

No período, observou-se também o acirramento da concorrência no segmento privado. O movimento de fusões e aquisições foi intenso a partir de 2007. Em 2018 os dez maiores grupos privados passaram a responder, no setor, por 33,9% das matrículas presenciais e 81,9% das matrículas em EaD (Bielchowsky, 2020). Bielchowsky (2020) mostra que 49,1% dos matriculados nas IES vinculadas aos dez maiores grupos empresariais do setor frequentam cursos com notas 1 e 2 no Enade, indicando que a oligopolização do ensino superior privado não parece favorecer a qualidade, senão o contrário. No caso do EaD, a situação aparenta ser mais dramática. Em 2018, a título de exemplo, 98% dos alunos matriculados na modalidade a distância na Kroton frequentavam cursos com conceitos 1 e 2 no Enade. Ademais, as taxas de evasão nas IES pertencentes a esses grupos empresariais são expressivas, na mesma Kroton, 59,8% dos matriculados abandonaram os cursos em até dois anos após seu ingresso (Bielchowsky, 2020).

Segundo Lavinas et al. (2017, p. 21), o Fies, ao assegurar financiamento para cerca de 40% das matrículas das instituições privadas, contribuiu para a valorização das ações das empresas do segmento: “à medida que aumentava o número de alunos com Fies nessas universidades privadas de segunda linha, aumentava também o valor de mercado das empresas”. De acordo com Lavinas et al. (2017), o gasto com o Fies cresceu de R$ 1,3 bilhão para R$ 15 bilhões entre 2003 e 2015.

Registra-se expressiva ampliação do ensino superior público federal no período viabilizado pelo Decreto n. 6.096/2007, que instituiu o Reuni, programa responsável pela expansão na oferta de vagas nas IES federais em funcionamento e pela criação de novas universidades. Entre 2004 e 2010 foram criadas 14 novas universidades federais e construídos 123 novos campi.3 Destaca-se, ainda, a criação de 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, os quais rapidamente se expandiram por todo o território nacional e passaram a ofertar vagas em cursos técnicos de nível médio, graduação e pós-graduação.

Feito este breve sobrevoo sobre o ambiente universitário público e privado, vejamos agora as mudanças operadas na legislação trabalhista e, logo adiante, como elas incidem sobre as relações de trabalho docente.

A Reforma Trabalhista do Governo Temer: notas sobre a Lei n. 13.467/2017

Em 13 de julho 2017 o presidente Michel Temer sancionou o texto legal aprovado pelo Senado Federal - sem alterações em relação ao texto aprovado na Câmara dos Deputados -, transformando-o na Lei n. 13.467, que introduziu modificações significativas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943. O objetivo deste item é descrever em linhas gerais as principais alterações acarretadas pela reforma.

Conforme Chahad (2017), a reforma de 2017 contemplou mudanças relativas a diversos itens, a saber: 1) contrato de trabalho; 2) negociações coletivas e organização sindical; 3) novos tipos de trabalho; e 4) justiça do trabalho. Para um panorama preliminar das mudanças em questão, é suficiente discutir os três primeiros itens.

Em relação ao primeiro item, a reforma introduziu modificações nos seguintes dispositivos: banco de horas, demissão, descanso, férias, gravidez, jornada, horas extras, planos de cargos e salários, remuneração, tempo na (ou à disposição da) empresa e transporte (Chahad, 2017). Como fugiria aos objetivos deste trabalho esmiuçar em detalhe as mudanças em cada um desses dispositivos (o que exigiria também a exposição do modo como existiam antes da lei), serão destacadas as mudanças mais significativas em termos de seus impactos potenciais no redesenho das relações trabalhistas e sindicais (Quadro 1).

QUADRO 1 Síntese das mudanças operadas pela Lei n. 13.467/2017 sobre o contrato de trabalho 

TEMA MUDANÇAS
Banco de horas Deixa de ser negociado somente em Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), podendo ser pactuado por acordo individual.
Demissão Além das modalidades voluntária, sem e com justa causa, introduz-se a demissão por comum acordo entre empregado e empregador: pagamento de metade do aviso prévio e metade da multa de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o empregado poderá também mover até 80% do FGTS, mas perde o direito ao seguro-desemprego.
Férias Por acordo individual, poderão ser fracionadas em até três períodos, desde que um deles seja de 14 dias corridos no mínimo.
Gravidez Permite-se o trabalho de grávidas e lactantes em ambientes insalubres, mediante apresentação, pela empresa, de atestado médico que garanta inexistência de risco ao bebê ou à mãe.
Jornada Pode ser de até 12 horas diárias (com 36 horas de descanso), observado o limite de 44 horas semanais (48 horas com horas extras).
Horas extras Equivalem a 50% da hora normal.
Plano de cargos e salários Pode ser negociado entre empregadores e empregados sem necessidade de homologação ou registro em contrato, podendo mudar constantemente.
Remuneração O pagamento de piso ou salário mínimo não é mais obrigatório em casos de remuneração por produção, desde que determinado em Acordo Coletivo. Ajudas de custo, auxílio alimentação, prêmios e abonos são parcelas remuneratórias, mas deixam de integrar o salário.
Tempo na empresa Deixam de constituir a jornada de trabalho atividades no âmbito da empresa como descanso, estudo, alimentação, interação entre colegas, higiene pessoal e troca de uniforme.
Transporte O tempo despendido até o local de trabalho e o retorno, por qualquer meio de transporte, não é mais computado na jornada de trabalho.

Fonte: Chahad (2017).

O que se observa, em linhas gerais, sobre as mudanças operadas no campo do contrato de trabalho é uma ampliação da possibilidade de os trabalhadores, individualmente, negociarem dispositivos diretamente com os empregadores. Dado que as mudanças legais parecem implicar perda de espaço para a negociação mediada pelo sindicato, isso apontaria em direção a uma pulverização de situações ou vínculos contratuais - o que Krein et al. (2018, p. 111) chamam de “despadronização da jornada”.

Outra observação de natureza mais geral é a de que as mudanças elencadas apontam para o enxugamento dos custos das empresas relativamente ao vínculo de trabalho. As mudanças nos dispositivos de transporte, tempo na empresa e remuneração representam cortes diretos de custos para as empresas - no caso desta última, ao deixarem de ter natureza salarial, as referidas parcelas saem da base de cálculo de verbas trabalhistas, implicando perda ou diminuição de direitos (Cavalcante, 2017). Por outro lado, a hora extra, que ganhou o adicional de 50%, pode ser compensada pelo alargamento potencial e flexibilizado da jornada de trabalho, servindo assim como forma indireta de corte de custos para empregadores.

Em relação ao segundo item - negociações coletivas e da organização sindical -, para Chahad (2018) as alterações trazidas pela Lei n. 13.467/2017 seguiriam dois princípios básicos: prevalência do negociado sobre o legislado e alterações na representação sindical com o fim da contribuição sindical obrigatória. Além disso, o que for negociado não deverá ser incorporado ao contrato de trabalho permanentemente - expirados os períodos de vigência dos direitos negociados em acordos e convenções, novas negociações deverão ser feitas.

Sobre o terceiro item - novos tipos de trabalho -, deve-se ter em mente que, pouco antes da reforma, em março de 2017, foi sancionada a Lei n. 13.429, que estendia o regime de trabalho temporário (terceirização) para as atividades-fim de empresas. A Lei n. 13.467/2017, por sua vez, trouxe as seguintes inovações: alterou a contratação em regime parcial (ampliou de 25 para 30 horas semanais sem horas extras, ou para 26 horas semanais mais 6 horas extras); introduziu o contrato de trabalho intermitente e o contrato de trabalho do autônomo - que expressamente afasta sua qualidade de empregado (art. 442-B da CLT).

Entre críticos e defensores da nova legislação trabalhista, parece restar pouca dúvida quanto ao seu sentido geral: ampliação do grau de flexibilização nas relações laborais e diminuição de seus custos para os empregadores.

Impactos da Reforma Trabalhista: os docentes do ensino superior privado

Segundo as informações que constam na Rais, o número de vínculos docentes no ensino superior privado era da ordem de 248,6 mil4 (dados de 2019) e correspondia a 61,6% do total dos vínculos de professores do ensino superior. Nessa perspectiva, o principal mercado de trabalho para professores universitários no Brasil é o do setor privado de educação, contrariamente ao ensino básico, no qual a maioria dos professores trabalha no setor público.

Os dados da Rais apontam queda no número de professores em atividade no ensino superior privado após 2015. O Caged confirma essa queda, pois veio exibindo saldos negativos de criação de vagas ano após ano (Gráfico 3). Os dados do Censo da Educação Superior mostram tendência semelhante: entre 2015 e 2019 o número de funções docentes cai 6% (Inep, 2015, 2019). É relevante mencionar que esses números têm natureza declaratória (os estabelecimentos são os informantes) e os vínculos podem variar em função das informações prestadas. É importante, nesse caso, observar a tendência apontada pelos dados.

Fonte: MTP (2021).

GRÁFICO 3 Número de vínculos em 31 de dezembro e saldos anuais, professores do ensino superior em instituições privadas, Brasil (2012 a 2019) 

As regiões Sudeste, Sul e Nordeste concentravam o maior número de professores em todos os anos analisados, com ganhos de participação do Nordeste e, em menor grau, do Sul e Norte e perda de participação do Sudeste e do Centro-Oeste. Na região Nordeste o número de professores do ensino superior privado cresceu 7,1% entre 2014 e 2019, já a região Norte apresentou menor variação positiva, de 1,5%. As demais regiões perderam postos: o Centro-Oeste apresentou queda de 16,2%; o Sudeste, de 12,9%; e o Sul, de 4,4%. O Sudeste, todavia, mesmo com queda de participação, continua concentrando quase metade dos professores universitários do ensino superior privado.

TABELA 2 Distribuição regional dos professores que atuam no ensino superior privado, 2014-2019 (%) 

REGIÃO NATURAL 2014 2015 2016 2017 2018 2019
NORTE 4,7 4,7 4,8 4,9 5,1 5,1
NORDESTE 16,3 16,9 17,5 17,9 18,9 18,9
SUDESTE 51,3 50,9 50,2 50 48,7 48,4
SUL 18,6 18,9 19,1 19,1 19,3 19,3
CENTRO-OESTE 9,1 8,7 8,4 8,0 8,1 8,3
TOTAL 100 100 100 100 100 100

Fonte: MTP (2021).

O Gráfico 4 mostra os saldos resultantes das admissões e desligamentos por mês, de janeiro de 2014 a dezembro de 2019. Nota-se que os picos dos saldos positivos, nos quais as contratações superam expressivamente as demissões, se concentram em dois meses, os quais coincidem com o início do período letivo: fevereiro e agosto. Já os vales que correspondem aos saldos negativos, caracterizados por demissões superiores às admissões, se concentram em três meses - dezembro, junho e julho -, correspondendo ao final dos semestres letivos. Embora os picos de admissões e os vales das demissões sejam evidentes, chama a atenção a intensa movimentação da força de trabalho ao longo de todos os meses do ano, isto é, durante o período de aulas. Nos picos dos saldos positivos (fevereiro e agosto), estes variam de intensidade, não sendo possível estabelecer um padrão no período analisado. No que diz respeito aos saldos negativos, todavia, os ajustes são mais expressivos no mês de dezembro.

Fonte: MTP (2021).

GRÁFICO 4 Saldos (admitidos; desligados) de vínculos de professores do ensino superior da rede privada de ensino do Brasil - janeiro de 2014 a dezembro de 2019 

Vale salientar que o mês de dezembro de 2017, o primeiro mês após a reforma, realmente apresenta um dos piores saldos de demissões dos últimos anos: 14.613 (superando o ano anterior em 1.505 demissões). Observa-se que esse mesmo patamar é mantido nos anos seguintes. Nesse sentido, os dados aqui expostos corroboram as reportagens que foram veiculadas na imprensa sobre a demissão dos professores das IES privadas, elas de fato aconteceram.

Todavia repara-se que a dinâmica de admissões e demissões no segmento estudado destoa do conjunto do mercado de trabalho brasileiro, no qual o saldo de emprego inicia o ano negativo, mas recupera-se paulatinamente até alcançar seu pico, geralmente nos meses de outubro e novembro, caindo igualmente no mês de dezembro. No caso dos professores do ensino privado, esse ciclo é curto e ocorre duas vezes no mesmo ano, fazendo com que o saldo acumulado de empregos ao longo do ano assuma a forma de uma gaivota (Gráfico 5). Não obstante, é uma gaivota que voa mais baixo de 2015 em diante, evidenciando um patamar mais módico de admissões e mais alto de desligamentos. O saldo acumulado de vínculos de professores do ensino superior privado apresenta números negativos desde 2015, o que resultou na queda de 9,7% dos estoques de vínculos entre 2015 e 2019.

Fonte: MTP (2021).

GRÁFICO 5 Evolução do saldo acumulado de vínculos de professores do ensino superior privado, 2014-2019 

Os dados mostram que, ao que parece, a reforma sanciona, e coloca em um novo patamar, práticas corriqueiras no setor, o qual já trabalhava com expressiva rotatividade. Nesse sentido, as demissões “em massa” já ocorriam nas instituições privadas de ensino superior, geralmente perto das férias escolares, mas parecem se acentuar após a reforma. Não obstante, a própria crise econômica, ao deprimir as atividades produtivas, também afeta o emprego no setor e contribui para o ajuste do emprego nas instituições privadas de ensino superior. Nessa perspectiva, é muito difícil saber ao certo qual é a influência da reforma na dinâmica do emprego desses professores.

É importante salientar que a rotatividade do mercado de trabalho é reconhecidamente elevada no Brasil, mas normalmente essa intensa movimentação dos vínculos formais se abate especialmente entre os segmentos jovens, menos escolarizados e com baixos rendimento (Baltar & Proni, 1995; Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos [Dieese], 2016), o que difere do perfil dos professores universitários.

A reforma, é inegável, introduziu novos dispositivos, como o acordo rescisório e a desobrigação de homologação no sindicato, que reduzem custos e agilizam a dispensa. No caso do acordo rescisório, o trabalhador recebe fração das verbas que teria direito se a demissão fosse sem justa causa, a multa cai para 20% dos depósitos do FGTS e só será pago metade do valor do aviso prévio. Portanto, somente em situações específicas o acordo pode ser vantajoso para o trabalhador; quando deseja mudar de emprego, por exemplo, é mais vantajoso entrar em acordo com o empregador do que pedir demissão.

A Figura 1 mostra os desligamentos por tipo de movimentação dos professores do ensino superior. Nota-se que embora os desligamentos por acordo tenham crescido, esse tipo de rescisão contratual é ainda residual. A maior parte das demissões continua ocorrendo sem justa causa ou a pedido dos professores. Observa-se que a demissão sem justa causa é mais expressiva especialmente nos finais dos dois ciclos identificados anteriormente, nos meses próximos ou durante as férias universitárias. As demissões a pedido ocorrem com mais frequência nos meses letivos. Essa dinâmica não se alterou após a reforma, porém o volume de desligamentos subiu alguns degraus: em dezembro de 2017 o número de professores desligados foi 11,2% superior ao mesmo período de 2016.

Fonte: MTP (2021).

FIGURA 1 Desligamento por tipo de movimentação de professores do ensino superior privado no Brasil (%) 

Quando a reforma foi aprovada, havia o temor de que os empregadores poderiam constranger os trabalhadores a aceitarem acordos de desligamento, mas os dados indicam que isso parece não ter ocorrido entre os professores universitários. Adicionalmente, a nova modalidade de desligamento pode não ter inibido a prática dos conhecidos arranjos informais, mais vantajosos para empregadores e empregados, ainda que se configurem como fraude.

Vale mencionar que a demissão, seja sem justa causa ou por acordo, nem sempre garante ao trabalhador o recebimento das verbas rescisórias em sua integralidade. Não raras vezes os trabalhadores precisam recorrer à Justiça do Trabalho, o que resulta em protelação dos valores a serem pagos aos demitidos e “descontos” atrativos ao empresariado (Campos, 2017).

Todavia, o recurso à Justiça Trabalhista não custava barato ao empresariado que precisava arcar com honorários advocatícios antecipados, além de não contar com o incentivo da justiça gratuita, ainda que se beneficiassem da demora na sentença e execução da ação (Campos, 2017). Muitas vezes era no momento da homologação da demissão, feita na maioria das vezes no sindicato da categoria para contratos com mais de 12 meses de vigência, que o representante sindical (ou advogado do sindicato) fazia a conferência do formulário de rescisão e orientava o trabalhador sobre seus direitos. Ao revogar essa etapa, a reforma criou uma dificuldade que deixa o trabalhador juridicamente desassistido no momento da demissão, não que seja proibida a presença do representante sindical ou de um advogado no momento da homologação da rescisão, mas ambos têm de se deslocar para a empresa, o que provavelmente deve redundar em menor demanda à justiça trabalhista.

Outra inovação da reforma, o contrato de trabalho intermitente, ainda que de modo tímido, já aparece entre os docentes do ensino superior privado. Os dados do Caged em relação a esse tipo de contrato para professores mostram saldos positivos em praticamente todos os meses entre dezembro de 2017 e 2019. Em agosto de 2018 - mês que, como visto, é tradicionalmente de contratações no setor -, aparecia um saldo positivo de 51 vínculos intermitentes no país, o maior saldo mensal no período analisado. Ao todo, 335 foi o saldo de contratos intermitentes entre os professores do ensino superior privado, contrastando com o saldo negativo de vínculos no segmento no período analisado, conforme pôde ser visto no Gráfico 3.

As mudanças no contrato por tempo parcial introduzidas pela Reforma Trabalhista incentivaram o uso dessa modalidade de contratação nas instituições privadas de ensino superior. Entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019 o saldo de vínculos parciais foi de 1.581.

O que se percebe é que alguns contratos de professores foram substituídos por vínculos intermitentes ou parciais. Todavia, considerando o total de vínculos, os contratos intermitentes e parciais são residuais entre os professores do ensino superior privado.

Nesse momento é difícil isolar os efeitos da reforma, dada a situação de crise econômica, agravada por características próprias do segmento, como excesso de oferta de vagas nas instituições, queda nas matrículas, mudanças nas regras do Fies e crescimento do EaD. Sobre a EaD, cabe uma discussão à parte. Por ora é importante mencionar que se trata de uma aposta do segmento, a qual deve afetar expressivamente o quadro de docentes das IES privadas. A imprensa também já começa a noticiar a expansão do EaD (Toledo, 2016; Oliveira, 2017). Não obstante, é possível afirmar que as demissões periódicas devem ganhar impulso entre as estratégias empresariais de ajuste como resultado da Reforma Trabalhista, além de outras estratégias, como reformulação curricular, união de diferentes turmas e investimento em EaD (Souza, 2011, 2017). E, ainda, que as novas modalidades de contratação podem se expandir em uma eventual recuperação do setor.

Considerações finais

O ensino superior no Brasil, composto por instituições públicas e privadas, viu, na década de 1990, a parcela controlada pela iniciativa privada se expandir significativamente. Na década seguinte, a despeito do reforço dado pelos governos Lula e Dilma Rousseff às instituições federais de ensino superior, o setor privado manteve sua presença e importância, contando inclusive com constante aporte dos governos em questão.

Assim, embora ao mesmo tempo subsidiado pelo poder público, o ensino superior particular entregou-se à lógica econômica própria do mercado, que envolve relações de concorrência entre empresas e de classe com seus assalariados, os docentes.

Da lógica concorrencial derivam desdobramentos típicos, como o intenso movimento de fusões e aquisições que tomou conta do setor, que fez surgir diversos grupos empresariais nacionais e internacionais, entre os quais: Kroton, Ser Educacional, Sistema Educacional Brasileiro (SEB), Estácio de Sá, Laureate, DeVry e Unip. A oligopolização alterou a forma de gestão e de financiamento das IES privadas, anteriormente controladas por mantenedoras familiares e atualmente sob controle de fundos/bancos de investimento. Nesse sentido, a educação superior passou a ser mais um espaço de valorização do capital financeiro.

No plano interno, das relações entre empregadores e empregados, as empresas de ensino superior lançam mão, naturalmente, de estratégias de gestão que implicam um necessário e crônico movimento de diminuição de custos, para o qual a reforma trabalhista é francamente bem- -vinda. Além das demissões periódicas, outras estratégias para redução dos custos também foram utilizadas: reformulação curricular, união de diferentes turmas e investimento em EaD (Souza, 2011, 2017). A reforma vem, portanto, para ampliar o já elevado grau de flexibilização e o enxugamento de custos relativos ao trabalho docente no ensino superior privado brasileiro.

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Disponibilidade de dados Os dados subjacentes ao texto da pesquisa estão informados no artigo.

1Universidades, faculdades integradas, centros universitários e estabelecimentos isolados.

2http://prouniportal.mec.gov.br/dados-e-estatisticas/9-quadros-informativos. Cabe mencionar que o ritmo de crescimento do número de bolsas não arrefeceu com o impeachment de Dilma Rousseff, muito pelo contrário. O crescimento do número de bolsas no período 2006-2014 foi da ordem de 173%, já no período 2006-2015 foi de 193%.

3Disponível em: http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=81.

4Na Rais e no Caged estão informados os vínculos formais de emprego de estabelecimentos. Todavia as instituições também utilizam outras modalidades contratuais na admissão de professores, por pessoa jurídica, por exemplo (PJ), especialmente dos que atuam na pós-graduação.

Recebido: 27 de Maio de 2021; Aceito: 12 de Novembro de 2021

Nota sobre autoria

Darcilene C. Gomes: atuou em todas as partes do artigo. Sidartha Soria: atuou na revisão da bibliografia e na análise dos dados.

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