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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.52  São Paulo  2022  Epub 22-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/198053149444 

EDUCAÇÃO BÁSICA, CULTURA, CURRÍCULO

EDUCAR PARA A DEMOCRACIA: A IMPORTÂNCIA DA SOCIALIZAÇÃO LEGAL

EDUCAR PARA LA DEMOCRACIA: LA IMPORTANCIA DE SOCIALIZACIÓN LEGAL

ÉDUCATION POUR LA DÉMOCRATIE: L’IMPORTANCE DE LA SOCIALISATION JURIDIQUE

IMissouri State University, Springfield (Missouri), Estados Unidos;

IILycoming College, Williamsport (Pensilvânia), Estados Unidos;


Resumo

Neste artigo, examinamos o processo de socialização legal de crianças e adolescentes ao longo do tempo. O objetivo consistiu em investigar a relação entre as experiências vividas em casa e na escola e a formação de noções de valores democráticos legítimos. Para tanto, utilizamos uma amostra de 800 estudantes (de 11 a 14 anos de idade) residentes na cidade de São Paulo. Os dados analisados envolveram variáveis de comportamento como quebra de regras, percepção das leis, crença na justiça e cinismo legal. As análises estatísticas apresentadas mostram que a justiça procedimental se constitui como principal mecanismo gerador de legitimidade das autoridades. Concluímos que socializar as crianças a fim de obedecer à legitimidade das leis resulta em instrumento de educação para a democracia.

Palavras-Chave: SOCIALIZAÇÃO; DEMOCRACIA; AUTORIDADE; JUSTIÇA

Resumen

En este artículo, examinamos el proceso de socialización legal de niños y adolescentes a lo largo del tiempo. El objetivo era investigar la relación entre las experiencias en el hogar y en la escuela y la formación de valores democráticos legítimos. Para ello, utilizamos una muestra de 800 estudiantes (de 11 a 14 años de edad) que viven en la ciudad de São Paulo. Los datos analizados involucraron variables de comportamiento como el incumplimiento de reglas, la percepción de las leyes, la creencia en la justicia y el cinismo legal. Los análisis estadísticos presentados muestran que la justicia procesal es el principal mecanismo generador de legitimidad de las autoridades. Concluimos que socializar a los niños para obedecer la legitimidad de las leyes resulta en un instrumento de educación para la democracia.

Palabras-clave: SOCIALIZACIÓN; DEMOCRACIA; AUTORIDAD; JUSTICIA

Résumé

Cet article examine le processus de socialisation juridique des enfants et des adolescents au cours des années. Son but a été d’étudier les rapports entre le vécu à la maison et à l’école et la formation des notions des valeurs démocratiques légitimes. À cet effet, on a utilisé un échantillon de 800 élèves (de 11 à 14 ans) habitant la ville de São Paulo. Les données d’analyse comprenaient des variables de conduite telles que les infractions aux règles, la perception des lois, la croyance en la justice, et le cynisme légal. Les analyses statistiques que l’on présente ici montrent que la justice procédurale est le mécanisme le plus important de production de légitimité des autorités. On conclue que socialiser les enfants en vue d’observer la légitimité des lois s’avére un outil d’éducation pour la démocratie.

Key words: SOCIALISATION; DÉMOCRATIE; AUTORITÉ; JUSTICE

Abstract

In this article, we examine the process of legal socialization of children and adolescents over time. The objective was to investigate the relationship between the home and school experiences and the formation of legitimate democratic values. We used a sample of 800 students over four data collection periods (from 11 to 14 years old) living in the city of São Paulo. The analyzed data involved variables such as rule-violating behavior, perception of law, believe in justice, and legal cynicism. The statistical analyses show that procedural justice is the main mechanism that generates authorities’ legitimacy. We conclude that socializing children to obey the legitimacy of laws results in an educational tool for democracy.

Key words: SOCIALIZATION; DEMOCRACY; AUTHORITY; JUSTICE

Oprocesso de socialização incide numa sucessão de entrelaçamentos e sobreposições entre tipos de autoridades baseados em relações afetivas, tradicionais e racionais (Weber, 2014). Durante a chamada socialização primária, a família representa o agente mais importante desse processo. Depois da família, outros agentes, como os professores e os grupos de pares (colegas, amigos, vizinhos, irmãos), começam a competir simultaneamente no chamado processo de socialização secundária. Central nesse processo, a escola ensina aos indivíduos não apenas o conteúdo formal das disciplinas, mas também as regras de comportamento e normas de relacionamento no que se refere às figuras de autoridade que produzem efeitos duradouros na vida adulta e garantem adesão dos indivíduos às normas sociais.

No entanto, é necessário reconhecer que existem outras instâncias de socialização, em particular a chamada socialização legal, processo pelo qual os indivíduos aprendem as regras formais e informais da sociedade e desenvolvem afinidades com as leis e os valores democráticos. Trata-se de nexos permeados de negociações que envolvem, de um lado, as autoridades legais e as instituições que elaboram as regras e fazem cumprir as leis e, de outro, os sujeitos que confiam nas autoridades e passam a reconhecer os diferentes estilos de autoridades, além de obedecer às regras e às leis estabelecidas como formas de poder moralmente justificadas.

Os estudos clássicos de socialização legal iniciaram-se basicamente por meio de duas abordagens de cunho psicológico: a teoria cognitivista e a teoria da aprendizagem social (Cohn & White, 1990; Tapp, 1991; Tapp & Levine, 1974). Ambas enfatizavam o papel dos agentes socializadores no processo de socialização para as leis, mostrando a importância das interações com as autoridades no desenvolvimento cognitivo das crianças em relação às normas legais vigentes na sociedade. Os pressupostos teóricos de ambos os estudos assumiam a obediência como valor positivo de submissão às autoridades a partir de uma relação de poder adultocêntrica.

Mais recentemente, o campo de pesquisa da socialização legal incorporou estudos de legitimidade e de justiça procedimental focados nas interações entre os sujeitos e nos comporta- mentos desempenhados pelas autoridades (Piquero et al., 2005; Trinkner & Cohn, 2014; Tyler & Trinkner, 2017).

Neste artigo visamos, em primeiro lugar, a contribuir para ampliar uma discussão ainda pouco explorada nas pesquisas no país; em segundo lugar, a problematizar o processo de formação das percepções de estudantes brasileiros acerca dos valores que sustentam as instituições democráticas.

Para efeito de análise, não exploramos o conceito de democracia no sentido etimológico ou histórico do termo nem como modelo institucional de governo originado na Grécia antiga e seus desdobramentos ao longo dos séculos. Aqui, democracia não consiste apenas num modelo formal de tomada de decisões políticas e de luta competitiva pelo voto do eleitor (Schumpeter, 2017), mas constitui uma teia de significados que emerge da relação entre sujeitos e autoridades em diferentes níveis e esferas da sociedade. Entendemos a democracia como um conjunto de regras fundamentais constituídas coletivamente com a participação ativa dos sujeitos que estabelecem os limites das autoridades legítimas e os procedimentos adequados de tomada de decisão (Bobbio, 1986).

Reconhecemos que os valores democráticos aprendidos e ensinados representam as principais fontes de legitimidade popular no mundo ocidental. Nosso maior desafio está em investigar a compreensão de crianças e adolescentes quanto à formação de normas e regras numa sociedade hierarquizada e marcada pelo acesso desigual aos direitos e à justiça.

Socialização legal e justiça procedimental

A literatura recente acerca da socialização legal ocupa-se em problematizar a importância das autoridades em diferentes esferas (legais e não legais) levando em consideração a justiça procedimental como o principal mecanismo gerador de legitimidade para crianças e adolescentes (Granot & Tyler, 2019). Essa estrutura relacional sugere que os indivíduos consideram a importância e a influência das diversas figuras de autoridade em suas vidas, na construção de crenças a respeito do poder legal, do sistema de justiça, das formas de ordenação social, entre outros. E as relações estabelecidas com as autoridades ao longo do tempo constituem elemento fundamental para o desenvolvimento da legitimidade atribuída às instituições democráticas e da confiança nelas.

Destacamos que os indivíduos não são simplesmente sujeitos que obedecem de maneira acrítica e passivamente às regras estabelecidas pelas autoridades. Os processos relativos ao aprendizado das normas sociais abrangem principalmente os procedimentos pelos quais a legitimidade das regras, das leis e das instituições podem (ou não) afetar a decisão de obedecer ou violar as regras instituídas. Em outras palavras, a maneira pela qual as regras são criadas e negociadas contribui no estabelecimento da legitimidade das autoridades já nas primeiras décadas de vida.

Por isso a transição da infância à adolescência é um período crucial nas primeiras experiências com as regras e as leis pela agência e pela participação ativa dos sujeitos nas negociações para além do domínio doméstico e afetivo. Tais experiências, que começam a ocorrer com mais intensidade a partir dos 10-11 anos de idade, mostram-se decisivas na aquisição de valores democráticos (Fagan & Tyler, 2005).

As análises do sistema de justiça e os estudos de legitimidade das instituições democráticas apontam que os contatos com as autoridades baseados em procedimentos justos formam as opiniões dos indivíduos acerca das autoridades legais e as disposições de obedecer às leis (Tyler, 2006). Em outro momento, Tyler (2011) argumenta que a justiça procedimental está balizada em valores normativos, tais como: transparência, neutralidade, respeito, voz e escuta, que motivam tendências comportamentais desejáveis, como, obediência, consentimento e cooperação. Desse modo, a justiça procedimental pode ser compreendida como um dos dispositivos mais relevantes na geração de legitimidade e obediência entre crianças e adolescentes (Hinds, 2007).

Importante enfatizar que o conceito de justiça procedimental engloba aspectos fenomenais e essenciais da interação social porque é justamente uma categoria de mediação. Sem compreender essas dimensões, corremos o risco de hipostasiar o conceito como algo mecânico ao transformar uma relação de reconhecimento social numa substância unilateral de encaixe, de mero ajuste imediato da realidade. Por isso devemos considerar que há um componente relacional na justiça procedimental no qual o contato frequentemente assimétrico ocorre entre os sujeitos durante as interações. Trata-se de percepção elaborada e cocriada pelos sujeitos em relação às autoridades responsáveis pelo estabelecimento das normas e das leis.

Assim, a justiça procedimental consiste em elemento responsável pelo desenvolvimento das percepções das crianças e adolescentes em relação ao conjunto de regras e ao ordenamento legal da sociedade, antes mesmo de eles ingressarem na vida adulta. O encontro entre indivíduos e autoridades deve ser considerado momento crucial de aprendizagem em que a qualidade do contato e os procedimentos utilizados determinam os tipos de mensagens que os indivíduos, sobretudo os mais jovens, recebem a respeito de seu lugar e status na sociedade (Justice & Meares, 2014). Significa dizer que o próprio sistema de justiça (entendido como o exercício legítimo do poder do Estado) ensina aos indivíduos as noções de leis e cidadania.

No entanto, o mesmo sistema às vezes fornece mensagens conflitantes que enfraquecem a própria legitimidade, de modo que os indivíduos deixam de apoiar as decisões das autoridades. Nesse sentido, as pesquisadoras Grover et al. (2015) enfatizam a importância da instituição escolar a fim de desenvolver nas crianças atitudes em relação às normas e às leis. Por exemplo, o tratamento justo, equitativo, respeitoso e transparente faz que os alunos se sintam bem no ambiente escolar, pois se veem como agentes ativos dos processos de decisão e têm espaço para questionamento e negociação. O uso de procedimentos justos e democráticos influencia positivamente a cooperação, o respeito e a obediência às regras em casa, na escola e consequentemente em outros espaços da sociedade.

A legitimidade como vínculo entre sujeitos e autoridades

Segundo Weber (2014), quando o indivíduo A determina ao indivíduo B o que fazer, e B obedece mediante ameaça, torna-se evidente que A exerce um poder coercitivo sobre B. Todavia, quando A não está ameaçando B e mesmo assim B realiza tudo o que A determina, ainda acrescentando que é correto e legítimo que A esteja ordenando, então o indivíduo A tem autoridade sobre o indivíduo B. Não se trata mais de uma questão de poder (Macht), e sim de autori- dade (Herrschaft). O aspecto intrigante dessa relação aparece na maneira pela qual o poder de dominação pode ser transformado, no tempo e de maneira relacional, em autoridade legítima baseada na legalidade das leis.

A legitimidade constitui, pois, o direito de governar e de exercer o poder de acordo com as regras estabelecidas democraticamente, o reconhecimento desse poder pelos sujeitos governados e o dever de obedecer voluntariamente. A legitimidade não se orienta apenas pela relação de força, mas também pela justificativa e pela aceitação coletiva do exercício do poder (Weber, 2014). A fim de conseguir sucesso nas decisões, as autoridades devem ser capazes de obter consentimento e cooperação dos indivíduos que agem motivados por razões valorativas (Gisi & Adorno, 2021). Os sujeitos obedecem voluntariamente às autoridades porque acreditam que suas ações são apropriadas, adequadas, justas e representam os valores que devem prevalecer numa sociedade democrática. A legitimidade também gera confiança. E para isso os indivíduos devem estar moralmente alinhados com as autoridades (Jackson et al., 2012).

Além disso, a legitimidade pode ser entendida como o resultado do comportamento das autoridades a partir de uma relação de causa e consequência que ocorre durante a interação entre sujeitos e autoridades. Pesquisas detectaram que a presença de justiça procedimental na dinâmica familiar está correlacionada positivamente à solução de conflitos entre colegas de escola, menor incidência de bullying e desenvolvimento de uma visão mais democrática do mundo (Brubacher et al., 2009; Stuart et al., 2008). Desse modo, a justiça procedimental e a legitimidade operam em conjunto por meio de nexos causais que decorrem da conduta das autoridades. Portanto, as percepções dos sujeitos acerca da justiça procedimental resultam em legitimidade ou em sua ausência (Bottoms & Tankebe, 2012; Tankebe, 2013).

Diversos estudos enfatizam a importância dos atributos das autoridades em diferentes esferas no processo de socialização legal (Laupa, 1995; Tisak et al., 2000). As crianças e os adolescentes avaliam e diferenciam as particularidades de cada autoridade a fim de aceitar e obedecer as decisões tomadas. As justificativas para legitimar as decisões de uma autoridade baseiam-se em certos atributos específicos (status, conhecimento e posição social do adulto), enquanto as justificativas para obedecer se referem à própria ação das autoridades e à probabilidade de punição (Laupa, 1991).

A percepção de legitimidade da autoridade dos pais e dos professores resulta em conformidade às regras, mas também pode gerar cinismo legal, a crença de que transgredir as regras é admissível (Hofer et al., 2020; Trinkner & Cohn, 2014). Resultado inverso da legitimidade, o cinismo legal configura-se sentimento de falta de norma, aquilo que Durkheim (2010) denominou “anomia”, ou seja, situação em que as normas sociais perdem controle em relação aos comportamentos individuais.

O cinismo legal e a legitimidade podem ser vistos como duas dimensões da socialização legal a depender decisivamente da justiça procedimental empenhada pelas autoridades. A combinação entre maior legitimidade e menor nível de cinismo legal desencoraja crianças e adolescentes de violarem regras e leis (Nivette et al., 2020; Rodrigues et al., 2017).

Pesquisas indicam que as figuras de autoridade não legais (pais e professores) são tão significativas quanto as autoridades legais no processo de legitimidade e desenvolvimento da confiança nas leis (Trinkner & Cohn, 2014; Tyler et al., 2014; Tyler & Trinkner, 2017). Contudo, ainda não está claro se a legitimidade de autoridades não legais influencia atitudes posteriores em relação aos valores democráticos. Embora pesquisas revelem vínculos importantes entre as figuras de autoridade, permanece incerto de que maneira a legitimidade da autoridade de pais e professores se desenvolve ao longo do tempo, o quanto é possível diferenciar decisões autoritárias de decisões democráticas e se a obediência está baseada em elementos de coerção ou de consentimento.

Desse modo, destacamos a importância das esferas doméstica e escolar nas quais as figuras de autoridade atuam como agentes socializadores em relação às leis e aos valores democráticos. Neste estudo verificamos se as atitudes das crianças e adolescentes em relação aos pais e professores influenciam as condutas posteriores em relação ao comportamento de quebra de regras e às concepções de justiça e de legitimidade das instituições democráticas.

Visamos especialmente a preencher uma lacuna teórica no campo da socialização legal e a examinar os comportamentos de crianças e adolescentes residentes na cidade de São Paulo em relação a normas sociais ao longo do tempo por meio das seguintes questões: na perspectiva das crianças e adolescentes, de que maneira as relações com os pais e professores formam as concepções e atitudes posteriores no que se refere à legitimidade das regras do convívio democrático? Como as percepções de justiça procedimental dos pais e dos professores influenciam as atitudes posteriores em relação às percepções das leis e de confiança nos valores normativos que sustentam a democracia?

Dada a importância das autoridades não legais no processo de socialização legal, presumimos que existe uma relação entre as atitudes dessas autoridades durante os primeiros anos de vida e as atitudes posteriores em relação à legitimidade de autoridades legais no início da adolescência e ao longo da vida adulta. Em outras palavras, espera-se que as crianças e os adolescentes vejam os agentes da lei e as instituições democráticas como mais legítimas e justas, dadas as experiências positivas vividas anteriormente em relação às autoridades não legais (pais e professores). O contrário também pode ocorrer: visões desfavoráveis (cínicas) em relação à legitimidade dos pais e professores se relacionam a comportamentos de quebra de regras e atitudes desfavoráveis em relação à legitimidade das autoridades legais e das instituições democráticas.

O Estudo de Socialização Legal de São Paulo: procedimentos metodológicos

Características da amostra

O Estudo de Socialização Legal de São Paulo1 consiste numa pesquisa longitudinal realizada durante quatro anos (2016-2019) que teve amostra inicial de 800 participantes a partir de 11 anos de idade, divididos entre 400 meninas e 400 meninos. Devido ao tamanho, à diversidade e à desigualdade socioeconômica da cidade de São Paulo, a pesquisa tomou algumas precauções metodológicas importantes para abranger as diferenças econômicas, educacionais e de desenvolvimento da infância que poderiam afetar as respostas de estudantes oriundos de diferentes camadas sociais.2

A amostra inicial foi extraída da população de alunas e alunos matriculados no sexto ano do ensino fundamental em escolas da cidade de São Paulo. O Censo Escolar Nacional de 2014, utilizado como balizador no momento de construção da amostra, indicou que 59% dos estudantes do ensino fundamental provinham de escolas públicas e 41% de escolas particulares na capital paulista (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2014). A fim de atender à proporção de alunos e alunas e à distribuição geográfica das escolas nas diferentes regiões da cidade, utilizou-se o método de Probabilidade Proporcional ao Tamanho (PPS), que gerou uma lista de escolas públicas e privadas aptas a participar da pesquisa.

É importante frisar que todos os procedimentos envolvendo menores de idade seguiram os padrões éticos da Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi oficialmente aprovado, em 24 de setembro de 2015, pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo. Somente estudantes com Termo de Consentimento assinado pelos pais e/ou responsáveis estavam aptos a participar da pesquisa. Além disso, os(as) participantes foram totalmente informados(as) a respeito de seu papel e seus direitos de anonimato e tinham a opção de desistir da pesquisa a qualquer momento.

A empresa Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) (antigo Ibope) esteve responsável pela coleta de dados nas quatro ondas da pesquisa a pedido do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. Para realizar cada entrevista, o(a) pesquisador(a) lia em voz alta as perguntas e todas as opções de respostas aos participantes e em seguida inseria os resultados no software Survey-To-Go,3 utilizado para minimizar erros e omissões, além de facilitar a sistema- tização dos dados.

A primeira onda do estudo (doravante denominada T1) entrevistou 800 indivíduos entre maio e setembro de 2016 (sendo 50% meninas e 50% meninos; idade média de 11 anos). A segunda onda (T2) ocorreu entre agosto e novembro de 2017 e obteve 742 entrevistas (perda de apenas 7,12%; 50,13% de meninas; idade média de 12 anos). A terceira onda (T3) ocorreu entre agosto e novembro de 2018 e entrevistou 723 indivíduos (perda de 9,5%; 49,5% do sexo feminino; idade média de 13 anos). A quarta onda (T4) ocorreu entre agosto e dezembro de 2019 e entrevistou 701 indivíduos (perda final (taxa de atrito) em relação à primeira onda de 12%; 356 meninos, 346 meninas; idade média de 14 anos).

As categorias demográficas do estudo correspondem às utilizadas oficialmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo Demográfico (branca, preta, parda, amarela e indígena). De acordo com o último censo realizado em 2010, a população brasileira era composta de 47,73% de brancos, 43,13% de pardos, 7,61% de pretos, 1,09% de asiáticos (amarelos) e 0,43% de indígenas. Na cidade de São Paulo, 60,6% dos habitantes se declararam brancos, 30,5%, pardos, 6,5%, pretos, 2,2%, amarelos e 0,1%, indígenas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2011). A composição racial da amostra de 800 participantes da pesquisa contou com a seguinte distribuição: 47% brancos, 27% pardos, 11% pretos e 15% outros ou nenhuma especificamente (asiáticos e indígenas foram agrupados na categoria “outros” devido ao baixo número em cada grupo). Portanto a amostra final do estudo consiste em 47% de brancos e 53% de não brancos.

Variáveis de análise

O questionário desenvolvido para o estudo consiste em um instrumento abrangente que visa a explorar as experiências de crianças e adolescentes em diferentes esferas (família, escola, bairro) bem como suas interações com as autoridades (legais e não legais). De maneira geral, a pesquisa investiga a formação das noções de normas e leis, de legitimidade e confiança atribuídas às autoridades. O estudo também identifica o impacto que a exposição à violência pode acarretar nas percepções de justiça e do sistema democrático.

Para efeito de análise, foram selecionadas quatro variáveis envolvendo “comportamento de quebra de regras”, “percepção das leis”, “cinismo legal” e “crença na justiça” (as perguntas realizadas encontram-se nas tabelas a seguir). As três primeiras variáveis basearam-se originalmente em pesquisas realizadas nos Estados Unidos pelo Legal Socialization Laboratory da University of New Hampshire (Cohn et al., 2010; Rebellon et al., 2012; Trinkner et al., 2012; Van Gundy et al., 2011). Já a variável acerca da crença na justiça se baseou nos trabalhos de Dalbert (1999), Pimentel et al. (2010) e Thomas (2018). Por fim, levamos em consideração o marcador social sexo (masculino e feminino) como a principal variável de controle da análise.

Estratégia de análise

A análise dos dados ocorreu em várias etapas. No intuito de compreender a natureza das respostas relativas à formação dos valores democráticos, primeiro analisamos as distribuições de frequência em cada variável selecionada, o que nos permitiu examinar cuidadosamente a variação no interior de cada questão. Utilizando o programa de estatística Stata (versão 14), calculamos as distribuições das questões selecionadas (tabelas 1, 2, 3, 4 e 5). A etapa seguinte identificou as diferenças significativas entre as respostas e as características demográficas dos(as) alunos(as). Criamos tabulações cruzadas e testes de significância (χ2) para examinar se havia diferenças entre as distribuições esperadas e observadas entre meninos e meninas (Tabela 6). Alguns resultados indicaram que as respostas variaram significativamente no interior desse marcador social, o que se mostra importante porque sugere processos diferenciados de socialização de acordo com o gênero.

Um segundo conjunto de análise utilizou testes de correlação para examinar as afinidades entre justiça procedimental e legitimidade das autoridades. Os índices calculados representam correlações voltadas para os valores democráticos, crença na justiça, comportamento de quebra de regras, percepção das leis e cinismo legal (Tabela 7).

Análise dos resultados

As quatro ondas da pesquisa acompanharam o processo de amadurecimento do mesmo grupo de estudantes dos 11 aos 14 anos de idade. As tabelas 1, 2, 3, 4 e 5 mostram as frequências univariadas das respostas envolvendo comportamento de quebra de regra, percepção das leis, crença na justiça, cinismo legal, legitimidade e justiça procedimental de pais e professores.

Ao longo de quatro anos, os entrevistados foram consistentes nas respostas acerca de certos tipos de violações de regras nos primeiros anos da adolescência (Tabela 1). Por exemplo, eles relataram de forma esmagadora que evitavam pegar objetos de alguém ou de alguma loja sem pagar (T1 “nunca” = 99% e T4 “nunca” = 98%). Da mesma forma, vandalizar ou destruir propriedade alheia se tornava atividade pouco frequente entre os entrevistados (T1 “nunca” = 97% e T4 “nunca” = 95%).

Já a porcentagem de estudantes que referiu experimentar drogas aumentou de acordo com a idade, mas a maioria relatou se abster desse comportamento (T1 “nunca” = 100% e T4 “nunca” = 96%). Outros comportamentos de quebra de regras relatados pelos entrevistados incluíram comprar produtos falsificados (T1 “nunca” = 87% versus T4 “nunca” = 83%) e se envolver em desonestidade acadêmica copiando a lição de algum colega ou colando na prova (“nunca” em T1 = 78% versus T4 “uma vez”, “poucas vezes” e “muitas vezes” = 63%).

Tabela 1 Comportamento de quebra de regras* 

Questões
Onda (T)
N Não
%
Uma vez
%
Poucas vezes
%
Muitas vezes
%
Você pegou algo de alguém ou de alguma loja sem pagar?
T4 (2019) 701 98 1 1 0
T3 (2018) 723 98 1 1 0
T2 (2017) 742 99 1 0 0
T1 (2016) 800 99 1 0 0
Você quebrou ou estragou alguma coisa na escola ou na rua, como lixeira, chutou portão, fez pichação?
T4 (2019) 701 95 3 2 0
T3 (2018) 723 97 2 1 0
T2 (2017) 742 96 3 1 0
T1 (2016) 800 97 2 1 0
Você bateu em alguém com intenção de machucar?
T4 (2019) 701 92 3 4 1
T3 (2018) 723 92 4 3 0
T2 (2017) 742 94 3 2 0
T1 (2016) 800 94 3 2 0
Você experimentou alguma droga?
T4 (2019) 701 96 2 1 1
T3 (2018) 723 98 1 0 0
T2 (2017) 742 99 1 0 0
T1 (2016) 800 100 0 0 0
Você comprou ou pediu para alguém comprar produtos piratas como DVD, filmes, jogos, roupas, tênis, acessórios?
T4 (2019) 701 83 4 10 3
T3 (2018) 723 82 5 10 3
T2 (2017) 742 83 5 9 3
T1 (2016) 800 87 4 7 2
Você copiou a lição de algum colega ou colou na prova?
T4 (2019) 701 37 11 36 16
T3 (2018) 723 47 12 28 12
T2 (2017) 742 60 11 23 6
T1 (2016) 800 78 8 11 2

Fonte: Estudo de Socialização Legal de São Paulo (NEV-USP).

* Algumas porcentagens apresentam a soma de 99% devido ao mecanismo de arredondamento do programa Stata.

A Tabela 2 mostra as distribuições de frequência dos itens relacionados à percepção das leis, apontando grande variabilidade nas respostas ao longo do tempo, modificadas principalmente em relação às leis do país. Curiosamente, a convicção de que as leis se mostravam benéficas ao país cresceu com a idade. Na T1, 43% concordaram que as leis eram benéficas, sentimento que cresceu para 73% quatro anos depois (T4), quando os entrevistados tinham 14 anos e passaram a entender as leis como valores importantes. A concordância dos estudantes também cresceu com o tempo em relação a multas e/ou prisões para quem desobedece às leis (de 88% de “concordo” e “concordo muito” na T1 para 94% na T4).

Outras medidas mostraram diminuições de concordância em relação às leis ao longo do tempo. Houve uma pequena redução na concordância de leis que devem ser obedecidas mesmo quando as pessoas discordam delas (de 93% de “concordo” e “concordo muito” na T1 para 88% na T4). Outras pequenas diminuições de concordância observadas ao longo do tempo constam em perguntas que questionavam se algumas leis poderiam ser desobedecidas, se as leis seriam iguais para todos e se algumas pessoas estavam acima da lei. O desacordo mais considerável se deu na percepção de que as leis protegem as pessoas (de 97% “concordo” e “concordo muito” na T1 para 85% na T4) e se as leis poderiam ser alteradas (de 77% na T1 para 61% na T4).

Tabela 2 Percepção das leis* 

Questões
Onda (T)
N Discordo muito
%
Discordo
%
Concordo
%
Concordo muito
%
As leis devem ser obedecidas mesmo quando as pessoas não concordam com elas.
T4 (2019) 701 3 9 30 58
T3 (2018) 723 4 5 28 63
T2 (2017) 742 5 7 22 65
T1 (2016) 800 Não 6% - Sim 94% -
Algumas leis podem ser desobedecidas.
T4 (2019) 701 44 24 22 10
T3 (2018) 723 49 20 21 10
T2 (2017) 742 46 18 22 15
T1 (2016) 800 Não 62% - Sim 38% -
As leis são as mesmas para todo mundo.
T4 (2019) 701 14 10 11 64
T3 (2018) 723 7 8 9 76
T2 (2017) 742 5 5 9 81
T1 (2016) 800 Não 20% - Sim 80% -
Existem pessoas que estão acima das leis.
T4 (2019) 701 29 12 19 40
T3 (2018) 723 33 13 22 32
T2 (2017) 742 36 12 19 33
T1 (2016) 800 Não 36% - Sim 64% -
As pessoas que desobedecem às leis devem ser punidas (ex.: multa, prisão).
T4 (2019) 701 3 3 21 73
T3 (2018) 723 3 3 20 74
T2 (2017) 742 1 5 19 74
T1 (2016) 800 Não 12% - Sim 88% -
As leis servem para proteger as pessoas.
T4 (2019) 701 4 12 31 53
T3 (2018) 723 2 7 27 64
T2 (2017) 742 2 4 20 73
T1 (2016) 800 Não 3% - Sim 97% -
Questões
Onda (T)
N Discordo muito
%
Discordo
%
Concordo
%
Concordo muito
%
Você acha que as leis podem ser mudadas (T1, 2, 3). / As leis representam o que as pessoas acham certo (T4).
T4 (2019) 701 12 27 33 28
T3 (2018) 723 7 8 30 55
T2 (2017) 742 7 8 32 54
T1 (2016) 800 Não 22% - Sim 77% -
Todas as leis são boas para o país (T1, 2, 3). / As leis representam valores que são importantes para você (T4).
T4 (2019) 701 8 19 38 35
T3 (2018) 723 19 29 31 21
T2 (2017) 742 20 27 26 27
T1 (2016) 800 Não 57% - Sim 43% -

Fonte: Estudo de Socialização Legal de São Paulo (NEV-USP).

Nota: Na primeira onda, de 2016, foram utilizadas categorias binárias “sim” e “não”.

* Algumas porcentagens apresentam a soma de 99% devido ao mecanismo de arredondamento do programa Stata.

Os entrevistados também foram questionados a respeito de suas crenças na justiça. Os resultados apresentados na Tabela 3 indicam que os estudantes se mantiveram consistentes ao longo do tempo. A maioria dos indivíduos concordou (74% em T2 e 75% em T4) que a maior parte do que acontecia na vida deles era justo. Essa consistência e esse direcionamento se sustentaram por meio de perguntas que questionavam se eles foram tratados com justiça (71% em T2 e 75% em T4 responderam “concordo” ou “concordo muito”).

Houve mais variação nas visões globais dos entrevistados em relação à justiça. Embora relatassem visão positiva e justa em relação à vida pessoal, mostravam-se mais céticos em relação ao mundo ao seu redor. Ceticismo que também cresceu conforme envelheceram. Por exemplo, 71% achavam, pelo menos um pouco, que a justiça prevalecia sobre a injustiça quando tinham 12 anos (T2); percepção que caiu para 59% aos 14 anos (T4). Curiosamente, menos da metade (45%) concordou que o mundo era um lugar justo quando tinha 12 anos (T2), o que caiu para cerca de um quarto (28%) em relação à mesma pergunta dois anos depois.

Tabela 3 Crença na justiça* 

Questões
Onda (T)
N Discordo muito
%
Discordo
%
Concordo
%
Concordo muito
%
Você acredita que, em geral, merece o que acontece com você.
T4 (2019) 701 11 20 42 26
T3 (2018) 723 14 19 38 29
T2 (2017) 742 13 20 38 30
Geralmente você é tratado(a) com justiça.
T4 (2019) 701 9 16 35 40
T3 (2018) 723 12 12 32 45
T2 (2017) 742 15 14 27 44
Questões
Onda (T)
N Discordo muito
%
Discordo
%
Concordo
%
Concordo muito
%
Você acha que geralmente conquista o que merece.
T4 (2019) 701 3 9 31 58
T3 (2018) 723 2 6 28 63
T2 (2017) 742 4 8 26 63
De modo geral, os acontecimentos da sua vida ocorrem com justiça.
T4 (2019) 701 6 14 41 39
T3 (2018) 723 7 12 34 47
T2 (2017) 742 9 12 31 47
Você acha que a maior parte do que acontece com você é justo.
T4 (2019) 701 7 18 37 38
T3 (2018) 723 6 16 35 42
T2 (2017) 742 11 15 31 43
Decisões importantes que afetam você geralmente são feitas de maneira justa.
T4 (2019) 701 4 16 40 41
T3 (2018) 723 4 13 39 45
T2 (2017) 742 7 9 34 50
Em geral, as pessoas têm o que elas realmente merecem.
T4 (2019) 701 12 18 30 40
T3 (2018) 723 9 15 32 45
T2 (2017) 742 9 13 28 50
O mundo é basicamente um lugar justo.
T4 (2019) 701 50 22 17 11
T3 (2018) 723 40 22 22 16
T2 (2017) 742 36 19 23 22
A justiça sempre vence sobre a injustiça.
T4 (2019) 701 19 22 26 33
T3 (2018) 723 16 20 26 38
T2 (2017) 742 12 17 29 42
A longo prazo, as pessoas serão recompensadas pelas injustiças.
T4 (2019) 701 16 18 32 34
T3 (2018) 723 13 13 34 40
T2 (2017) 742 18 14 29 39
As pessoas tentam ser justas quando tomam decisões importantes.
T4 (2019) 701 4 15 35 45
T3 (2018) 723 4 9 34 53
T2 (2017) 742 4 8 30 57

Fonte: Estudo de Socialização Legal de São Paulo (NEV-USP).

Nota: Não foram realizadas questões sobre crença na justiça na primeira onda, de 2016.

* Algumas porcentagens apresentam a soma de 99% devido ao mecanismo de arredondamento do programa Stata.

Um conjunto final de frequências mediu o cinismo legal dos entrevistados. Os resultados estão apresentados na Tabela 4. Ao longo do tempo, os estudantes se mantiveram consistentes em relação a alguns aspectos do ordenamento legal. Semelhantemente às perguntas relacionadas a comportamento de quebra de regras, a maioria discordou da possibilidade de as pessoas subtraírem produtos nas lojas sem pagar (99% em T1 e T4), quebrar ou estragar propriedades alheias (99% em T1 e 98% em T4), bater em alguém deliberadamente (98% em T1 e 98% em T4), usar drogas (99% em T1 e 97% em T4), desrespeitar a lei (93% em T2 e 94% em T4). Observamos que os entrevistados estavam mais dispostos a aceitar que outras pessoas comprassem produtos falsificados (93% em T1 e 86% em T4) e trapaceassem na escola (93% em T1 e 82% em T4) conforme envelheciam.

Isso significa que, ao longo do tempo, os estudantes passaram a se envolver pessoalmente em comportamentos de quebra de regras e também a justificar o comportamento errôneo de outras pessoas. Curiosamente, os entrevistados se tornaram mais cautelosos em algumas áreas ao longo do tempo. Em T2, 66% dos adolescentes discordavam de que não existiam formas certas ou erradas de ganhar dinheiro. A porcentagem de adolescentes que discordou da mesma afirmação aumentou para 79% dois anos depois.

Tabela 4 Cinismo legal* 

Questões
Onda (T)
N Discordo muito
%
Discordo
%
Concordo
%
Concordo muito
%
É certo as pessoas pegarem algo de alguém ou de alguma loja sem pagar.
T4 (2019) 701 96 3 0 0
T3 (2018) 723 96 3 0 1
T2 (2017) 742 94 3 1 2
T1 (2016) 800 Não 99% - Sim 1% -
É certo as pessoas quebrarem ou estragarem coisas na escola ou na rua, como lixeira, portão, fazer pichação.
T4 (2019) 701 96 2 0 1
T3 (2018) 723 96 3 0 1
T2 (2017) 742 95 3 1 2
T1 (2016) 800 Não 99% - Sim 1% -
É certo as pessoas baterem em alguém até machucar.
T4 (2019) 701 93 5 1 1
T3 (2018) 723 93 5 1 1
T2 (2017) 742 93 5 1 1
T1 (2016) 800 Não 98% - Sim 2% -
É certo as pessoas usarem drogas.
T4 (2019) 701 83 14 3 1
T3 (2018) 723 87 11 2 0
T2 (2017) 742 93 6 1 0
T1 (2016) 800 Não 99% - Sim 1% -
É certo as pessoas comprarem produtos pirata, como DVD, filmes, jogos, roupas, tênis, acessórios.
T4 (2019) 701 53 33 12 3
T3 (2018) 723 59 31 8 3
T2 (2017) 742 65 27 6 3
T1 (2016) 800 Não 93% - Sim 7% -
Questões
Onda (T)
N Discordo muito
%
Discordo
%
Concordo
%
Concordo muito
%
É certo os alunos copiarem a lição do colega ou colarem na prova.
T4 (2019) 701 48 34 15 3
T3 (2018) 723 52 36 10 2
T2 (2017) 742 62 28 7 2
T1 (2016) 800 Não 93% - Sim 7% -
As leis existem para serem desrespeitadas.
T4 (2019) 701 79 15 4 3
T3 (2018) 723 81 12 4 3
T2 (2017) 742 81 12 4 3
Você pode fazer qualquer coisa desde que não machuque ninguém.
T4 (2019) 701 36 23 19 22
T3 (2018) 723 31 21 20 28
T2 (2017) 742 26 18 19 37
Não existem maneiras certas e erradas de ganhar dinheiro.
T4 (2019) 701 59 20 11 9
T3 (2018) 723 53 22 14 11
T2 (2017) 742 48 18 18 16
Ninguém deve interferir na briga entre duas pessoas.
T4 (2019) 701 55 26 9 11
T3 (2018) 723 52 22 12 14
T2 (2017) 742 46 21 12 21
As pessoas devem viver sem pensar no futuro.
T4 (2019) 701 58 21 12 8
T3 (2018) 723 59 22 10 9
T2 (2017) 742 62 19 10 9

Fonte: Estudo de Socialização Legal de São Paulo (NEV-USP).

Nota: Na primeira onda, de 2016, foram utilizadas categorias binárias “sim” e “não”.

* Algumas porcentagens apresentam a soma de 99% devido ao mecanismo de arredondamento do programa Stata.

Por fim, a Tabela 5 apresenta as estatísticas descritivas em relação à legitimidade e à justiça procedimental de pais e professores. Em geral, os entrevistados mantiveram atitudes positivas em relação às figuras de autoridade. Aqueles que percebiam seus pais como justos também os entendiam como autoridades legítimas. O mesmo ocorreu em relação aos professores, embora em níveis inferiores.

Tabela 5 Justiça procedimental e legitimidade de pais e professores (T4 - 2019)* 

Questões N Discordo muito
%
Discordo
%
Concordo
%
Concordo muito
%
Justiça procedimental dos pais
Dariam a chance de você contar o seu lado da história.
701 1 2 8 89
Questões N Discordo muito
%
Discordo
%
Concordo
%
Concordo muito
%
Justiça procedimental dos pais
Explicariam por que estão chamando sua atenção.
701 1 2 9 88
Escutariam todos os lados da história antes de tomarem uma decisão.
701 3 4 11 82
Conversariam com você de forma educada.
701 3 5 11 82
Index 701 Média = 3,78 SD = 0,45 Mín. = 1,25 Máx. = 4
Legitimidade dos pais
Seus pais/responsáveis têm o direito de fazer as regras da casa.
701 1 2 16 81
Você deve obedecer aos seus pais/responsáveis mesmo quando não concorda com eles.
701 2 6 27 65
Seus pais agem de acordo com o que você acha certo e errado.
701 20 17 29 34
Seus pais tomam as decisões certas para você.
701 2 7 21 70
Sua família funciona melhor quando você ouve seus pais.
701 2 6 17 75
Às vezes não é um problema ignorar o que seus pais falam.
701 27 19 24 30
Você só obedece aos seus pais para evitar uma punição.
701 26 16 24 35
Index 701 Média = 3,23 SD = 0,45 Mín. = 1,86 Máx. = 4
Justiça procedimental dos professores
Dariam a chance de você contar o seu lado da história.
701 5 8 19 68
Explicariam por que estão chamando a sua atenção.
701 3 5 15 76
Escutariam todos os lados da história, antes de tomarem uma decisão.
701 6 8 17 69
Conversariam com você de forma educada.
701 3 4 13 80
Index 701 Média = 3,59 SD = 0,66 Mín. = 1 Máx. = 4
Legitimidade dos professores
Seus professores têm o direito de fazer as regras na sala de aula.
701 2 7 24 67
Você deve obedecer aos seus professores mesmo quando não concorda com eles.
701 3 6 25 67
Os professores agem de acordo com o que você acha certo e errado.
701 25 21 24 29
Seus professores tomam as decisões certas para você.
701 9 15 30 45
A sala de aula funciona melhor quando você ouve seus professores.
701 3 6 22 69
Às vezes não é um problema ignorar o que seus professores falam.
701 23 21 28 28
Você só obedece aos seus professores para evitar uma punição.
701 23 18 22 36
Index 701 Média = 3,10 SD = 0,51 Mín. = 1,43 Máx. = 4

Fonte: Estudo de Socialização Legal de São Paulo (NEV-USP).

* Algumas porcentagens apresentam a soma de 99% devido ao mecanismo de arredondamento do programa Stata.

A Tabela 6 apresenta os resultados de testes qui-quadrado (χ2) das quatro variáveis em análise, observando-se a diferença em relação ao gênero. No que diz respeito ao comportamento de quebra de regras, meninas e meninos tendem a se comportar de maneira semelhante. Porém dois itens apresentam diferença significativamente surpreendente. O número de meninas que relatou (ou admitiu) ter comprado produtos falsificados se mostrou maior em relação ao de meninos (χ2 (df = 3) = 9,80; p <0,05; n = 702). Além disso, mais meninas do que meninos relataram copiar lição ou colar na prova (χ2 (df = 3) = 8,70; p <0,05; n = 701).

Em termos de percepção das leis, as meninas tendem a ter uma visão mais negativa (ou mais crítica) do que os meninos (χ2 (df = 3) = 15,60; p <0,001; n = 699). Os meninos concordam em maior número que as leis servem para proteger as pessoas, em comparação às meninas (χ2 (df = 3) = 11,13; p <0,05; n = 701). Mais meninos entendem que as leis podem ser alteradas (χ2 (df = 3) = 9,20; p <0,05; n = 697), e, por fim, mais meninos acham que as leis representam valores normativos importantes (χ2 (df = 3) = 10,60; p <0,05; n = 696).

A respeito da crença na justiça, houve também diferenças significativas em relação ao gênero. Os meninos tendem a ter uma visão mais positiva da justiça do que as meninas. Por exemplo, mais meninos do que meninas concordam que as pessoas recebem o que merecem (χ2 (df = 3) = 10,89; p <0,05; n = 700). Mais meninos do que meninas entendem que o mundo é um lugar justo (χ2 (df = 3) = 11,69; p <0,01; n = 701). E mais meninos do que meninas acham que as pessoas adultas são justas ao tomar decisões importantes (χ2 (df = 3) = 9,42; p <0,05; n = 699).

Por fim, medimos o nível de cinismo legal. Tal como ocorreu em outras categorias, as meninas tendem a ter uma visão mais cínica das leis. Mais meninas do que meninos concordam que é correto as pessoas usarem drogas (χ2 (df = 3) = 8,34; p <0,05; n = 701). Mais meninas do que meninos entendem que não há problema em fazer qualquer coisa desde que não machuque fisicamente alguém (χ2 (df = 3) = 17,95; p <0,001; n = 701). E mais meninas do que meninos acham que as pessoas deveriam viver o momento sem pensar no futuro (χ2 (df = 3) = 11,31; p <0,01; n = 698).

Tabela 6 Diferenças em relação ao sexo (T4 - 2019) 

(Masculino = 0; Feminino = 1) x2 teste
Comportamento de quebra de regras
Você pegou algo de alguém ou de alguma loja sem pagar? 2,89
Você quebrou ou estragou alguma coisa na escola ou na rua, como lixeira, chutou portão, fez pichação? 5,74
Você bateu em alguém com intenção de machucar? 6,30
Você experimentou alguma droga? 2,11
Você comprou ou pediu para alguém comprar produtos piratas como DVD, filmes, jogos, roupas, tênis, acessórios? 9,80*
Você copiou a lição de algum colega ou colou na prova? 8,70*
Percepção das leis
As leis devem ser obedecidas mesmo quando as pessoas não concordam com elas. 15,59***
Algumas leis podem ser desobedecidas. 2,77
As leis são as mesmas para todo mundo. 6,87
Existem pessoas que estão acima das leis. 3,91
As pessoas que desobedecem às leis devem ser punidas (ex.: multa, prisão). 1,33
As leis servem para proteger as pessoas. 11,13*
As leis representam o que as pessoas acham certo. 9,20*
As leis representam valores que são importantes para você. 10,60*
Crença na justiça
Você acredita que, em geral, merece o que acontece com você. 2,35
Geralmente você é tratado(a) com justiça. 0,75
Você acha que geralmente conquista o que merece. 4,74
De modo geral, os acontecimentos da sua vida ocorrem com justiça. 4,32
Você acha que a maior parte do que acontece com você é justo. 3,82
Decisões importantes que afetam você geralmente são feitas de maneira justa. 6,69
Em geral, as pessoas têm o que elas realmente merecem. 10,89*
O mundo é basicamente um lugar justo. 11,69**
A justiça sempre vence sobre a injustiça. 6,03
A longo prazo, as pessoas serão recompensadas pelas injustiças. 7,54
As pessoas tentam ser justas quando tomam decisões importantes. 9,42*
Cinismo legal
É certo as pessoas pegarem algo de alguém ou de alguma loja sem pagar. 3,80
É certo as pessoas quebrarem ou estragarem coisas na escola ou na rua, como lixeira, portão, fazer pichação. 2,62
É certo as pessoas baterem em alguém até machucar. 7,00
É certo as pessoas usarem drogas. 8,34*
É certo as pessoas comprarem produtos piratas, como DVD, filmes, jogos, roupas, tênis, acessórios. 0,90
É certo os alunos copiarem a lição do colega ou colarem na prova. 7,18
As leis existem para serem desrespeitadas. 1,12
Você pode fazer qualquer coisa desde que não machuque ninguém. 17,95***
Não existem maneiras certas e erradas de ganhar dinheiro. 4,25
Ninguém deve interferir na briga entre duas pessoas. 4,33
As pessoas devem viver sem pensar no futuro. 11,31**

Fonte: Estudo de Socialização Legal de São Paulo (NEV-USP).

A análise final comparou a força e a direção das relações entre justiça procedimental dos pais e professores, legitimidades e percepções em relação aos valores democráticos. A Tabela 7 apresenta os coeficientes de correlações (r de Pearson) entre as variáveis em destaque. Podemos afirmar que há relações moderadas e fortes entre os índices. Os entrevistados tendem a ver os pais e os professores de maneira semelhante, isto é, aqueles que percebem os pais como justos também entendem que os professores são justos. Não por acaso, a correlação entre legitimidade de pais e professores representa uma das mais fortes correlações verificadas na análise (r = 0,68; p <0,001).

Olhando a justiça procedimental dos pais, há associações positivas na percepção das leis (r = 0,18; p <001) e na crença na justiça (r = 0,34; p <001). Essas tendências seguem a mesma direção entre a percepção da justiça procedimental dos professores e as percepções sobre as leis (r = 0,30; p <001) e também a crença na justiça (r = 0,36; p <001). Em outras palavras, os entrevistados que percebem os professores e os pais como justos tendem a ter visões positivas em relação às leis. As medidas de justiça procedimental foram negativamente associadas às atitudes em relação à quebra de regras (r = -0,22; p <001) e ao cinismo legal (r = -0,12; p <01). Isso significa que crianças e adolescentes com pais e professores mais justos quebram as regras com menos frequência e são menos cínicos em relação ao ordenamento legal.

Houve resultados semelhantes em relação à legitimidade dos pais e professores. Os estudantes que percebem os pais como autoridades legítimas se mostram mais propensos a formar visões favoráveis às leis (r = 0,44; p <001) e à justiça (r = 0,42; p <001). Já a legitimidade dos pais e o comportamento de quebra de regras foram negativamente correlacionados (r = -0,22; p <001). Isso significa que os estudantes são menos propensos a quebrar as regras ao legitimar a autoridade dos pais.

Curiosamente, os entrevistados que viam seus pais como legítimos apresentaram uma visão mais cínica das leis, embora essa associação seja muito fraca estatisticamente (r = 0,08; p <05). Os resultados se apresentam semelhantes em relação à legitimidade do professor. Geralmente, os alunos que legitimaram a autoridade dos professores se envolviam menos em comportamento de quebra de regras e simultaneamente tinham percepções mais favoráveis em relação às leis, à justiça e aos valores democráticos de modo geral.

Tabela 7 Valores democráticos (índices) (T4 - 2019) 

Variáveis (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8)
(1) Justiça procedimental dos pais index 1,00
(2) Legitimidade dos pais index 0,25*** 1,00
(3) Justiça procedimental dos professores index 0,20*** 0,15*** 1,00
(4) Legitimidade dos professores index 0,15*** 0,68*** 0,37*** 1,00
(5) Comportamento de quebra de regras index -0,22*** -0,22*** -0,28*** -0,23*** 1,00
(6) Percepção das leis index 0,18*** 0,44*** 0,30*** 0,54*** -0,24*** 1,00
(7) Crença no mundo justo index 0,34*** 0,42*** 0,36*** 0,47*** -0,30*** 0,54*** 1,00
(8) Cinismo legal index -0,12** 0,08* -0,13*** 0,01 0,32*** -0,01 -0,06 1
* p < .05; ** p < .01; *** p < .001

Fonte: Estudo de Socialização Legal de São Paulo (NEV-USP).

Considerações finais

A socialização legal consiste no processo de aprendizagem social de normas, valores, crenças na justiça e confiança nas autoridades. A aquisição de regras nos ambientes domésticos e escolares fornece os instrumentos normativos e as referências necessárias que permitem reconhecer legitimidade nas autoridades e nos valores democráticos. De acordo com Rodrigues e Gomes, “o processo de aprendizagem voltado ao exercício de valores democráticos figura como antecedente lógico à formação dos valores que sustentam a legitimidade das autoridades, das instituições e do próprio estado democrático de direito” (2017, p. 201).

O papel das figuras de autoridade não consiste somente em estabelecer regras, mas também opera como modelo às atitudes de crianças e adolescentes em relação ao mundo legal e têm efeitos duradouros na vida adulta. Os nexos causais entre a justiça procedimental empenhada pelos pais e professores, a percepção de legitimidade e a disposição em obedecer e cooperar com as leis e as autoridades constituíram as principais relações estabelecidas na análise dos dados do Estudo de Socialização Legal de São Paulo, esclarecendo, ainda que parcialmente, os processos de formação das representações coletivas acerca dos valores democráticos para os estudantes entrevistados.

A internalização de valores estabelece os instrumentos necessários à manutenção da ordem social e ao funcionamento efetivo das regras do jogo democrático. Os resultados apresentados demonstraram diferenças marcantes e sistemáticas que testemunham a força de procedimentos justos na inculcação de comportamentos e na internalização dos valores democráticos. Chama a atenção a diferença de percepção entre meninas e meninos em relação às leis e ao sistema de justiça como resultado de aprendizagem, implícito e difuso, baseado no gênero.

As diferenças de percepção das meninas em relação aos meninos sublinham elementos de socialização de gênero, processos diferenciados de amadurecimento, questões de masculinidades, entre outros aspectos. Tais elementos sustentam as premissas da socialização de gênero defendidas por Lindsey (2015), para quem estereótipos de masculinidade e feminilidade são reproduzidos nos processos de socialização. Os meninos são geralmente educados para que se tornem assertivos e agressivos, e menos preocupados com os efeitos de comportamento de violação de regras, ao passo que as meninas são socializadas para que se tornem mais sensíveis, carinhosas e modestas. Esses estereótipos ocultam as violências, que tendem a ser menos físicas e mais simbólicas, sofridas por meninas adolescentes, como o isolamento social e a promoção de rumores injuriosos (Guimarães & Cabral, 2019; Owens et al., 2000).

Além disso, fica claro que a obediência não se dá por submissão resignada às normas e às autoridades. Os dados apresentados demonstram que os sujeitos incidem criticamente no processo de socialização, especialmente as meninas. A contestação de uma regra ou de um valor estabelecido deve ser interpretada como componente central da formação de concepções acerca do universo normativo e da legitimidade das autoridades. Os mecanismos de contestações se mostram importantes porque os limites de ação e o poder de decisão das autoridades, legais e não legais, estão relacionados ao processo de formação da autonomia de crianças e adolescentes.

Os dados indicam que a consolidação dos valores democráticos, no âmbito desse estudo, depende decisivamente da disposição dos indivíduos em obedecer às regras e às leis estabelecidas, além de cooperar com as autoridades legitimamente constituídas. O estudo demonstrou que democracia não é apenas uma ideia abstrata, mas um conjunto de práticas que começa em casa e na escola e se alastra a outros espaços sociais. O contrário também pode ocorrer: as sementes autoritárias são germinadas em crianças e adolescentes que crescem em ambientes domésticos e escolares sem normas, sem regras, com práticas violentas (físicas e simbólicas) e antidemocráticas. É por isso que as regras estabelecidas por meio de procedimentos justos se tornam necessárias e indispensáveis à existência de uma ordem social democrática. Educar as crianças para a democracia é um ideal que deve ser buscado por pais e educadores.

Não basta elevar o número de regras e leis já existentes para se ter um sistema democrático efetivo, pois a democracia não existe fora dos indivíduos e das decisões coletivas. Por isso, faz-se necessário que os sujeitos chamados a decidir sejam colocados diante de alternativas reais e em condições legítimas de escolha, garantindo, segundo Bobbio, “os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões” (1986, p. 20). A fim de garantir a efetivação de direitos democráticos fundamentais, especialmente numa sociedade hierárquica caracterizada pelas desigualdades, torna-se indispensável que a elaboração do conjunto de regras legítimas ocorra de maneira justa, imparcial, coletiva, com a participação plena e consensual dos envolvidos e visando a uma vida pública ativa.

1 O estudo integra o projeto “Construindo a democracia no dia a dia: direitos humanos, violência e confiança institucional”, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), no âmbito dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) (Processo n. 2013/07923-7).

2 Detalhes sobre a pesquisa conduzida antes da coleta dos dados quantitativos podem ser obtidos nos artigos de Rodrigues e Gomes (2019) e Thomas et al. (2018).

3 Consulte Dooblo.net para obter mais informações sobre o funcionamento do software.

Disponibilidade de dados

Os dados utilizados neste estudo não estão disponíveis publicamente, mas podem ser solicitados aos autores sob razão justificável.

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Recebido: 23 de Março de 2022; Aceito: 26 de Julho de 2022

Nota sobre autoria

O primeiro autor contribuiu na concepção da pesquisa, coleta de dados, análise e redação do manuscrito. O segundo autor contribuiu na elaboração e análise dos dados quantitativos.

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