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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.52  São Paulo  2022  Epub 22-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/198053149546 

EDUCAÇÃO BÁSICA, CULTURA, CURRÍCULO

INDISCIPLINA NA SALA DE AULA E SUAS NUANCES DE GÊNERO

INDISCIPLINE IN THE CLASSROOM AND ITS GENDERED NUANCES

LA INDISCIPLINA EN EL AULA Y SUS MATICES DE GÉNERO

L’INDISCIPLINE EN SALLE DE CLASSE ET SES NUANCES DE GENRE

Cláudio Marques da Silva NetoI 
http://orcid.org/0000-0003-1968-4054

Marília Pinto de CarvalhoII 
http://orcid.org/0000-0003-1029-4084

IUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil;

IIUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil;


Resumo

Este artigo apresenta parte dos resultados de um estudo etnográfico que analisa as interfaces de gênero na indisciplina de crianças na faixa etária de 11 e 12 anos. Observamos que, embora os comportamentos disruptivos sejam protagonizados mais frequentemente pelos meninos, as meninas também transgridem as regras do jogo pedagógico, mas o fazem de maneira mais discreta e de acordo com formas incorporadas da estrutura da ordem escolar. Os resultados indicam que as noções de gênero e as formas de masculinidade e feminilidade orientam o comportamento de meninos e meninas, bem como interferem na percepção e, consequentemente, na maneira como os docentes lidam com a indisciplina na sala de aula, tendo como resultado a sustentação de divisões binárias de gênero.

Palavras-Chave: INDISCIPLINA ESCOLAR; RELAÇÕES DE GÊNERO; MASCULINIDADE; FEMINILIDADE

Abstract

This article presents part of the findings of an ethnographic study that analyzes the influence of gender on the indiscipline of 11- and 12-year-old children. We observed that, although boys exhibit disruptive behaviors more frequently, girls also transgress the rules of the pedagogical game, but they do so in a more discreet way and in accordance with the patterns incorporated into the structure of the school order. The results indicate that the notions of gender and the forms of masculinity and femininity guide the behavior of boys and girls, as well as interfere in the perception and, consequently, in the way in which teachers deal with indiscipline in the classroom - resulting in the continuation of binary gender divisions.

Key words: SCHOOL INDISCIPLINE; GENDER RELATIONS; MASCULINITY; FEMININITY

Resumen

Este artículo presenta parte de los resultados de un estudio etnográfico que analiza las interfaces de género en la indisciplina de niños de 11 y 12 años. Observamos que, aunque las conductas disruptivas son más a menudo dirigidas por niños, las niñas también transgreden las reglas del juego pedagógico, pero lo hacen de manera más discreta y de acuerdo con las formas incorporadas desde la estructura del orden escolar. Los resultados indican que las nociones de género, las formas de masculinidad y feminidad guían el comportamiento de niños y niñas, además de interferir en la percepción y, en consecuencia, en la forma en que los maestros lidian con la indisciplina en el aula, lo que resulta en el apoyo de divisiones binarias de género.

Palabras-clave: INDISCIPLINA ESCOLAR; RELACIONES DE GÉNERO; MASCULINIDAD; FEMINIDAD

Résumé

Cet article présente une partie des résultats d’une étude ethnographique qui analyse les interfaces de genre jouant à l’indiscipline des enfants de la classe d’âge de 11 et 12 ans. On a remarqué que, encore que les garçons protagonisent le plus souvent les conduites disruptives, les filles, elles aussi, transgressent les règles du jeu pédagogique, mais d’une façon plus discrète et plus conforme aux formes intégrées de la structure de l’ordre scolaire. Les résultats signalent que les notions de genre, les formes de masculinité et féminilité façonnent la conduite des garçons et des filles, et interviennent dans la perception et, par conséquent, dans la manière dont les enseignants font face à l’indiscipline en salle de classe, ce qui mène au maintien de la division binaire des genres.

Key words: INDISCIPLINE SCOLAIRE; RELATIONS DE GENRE; MASCULINITÉ; FEMINILITÉ

No início dos anos 2000, o interesse pela indisciplina como objeto de estudo cresceu consideravelmente, sobretudo entre os pesquisadores brasileiros (Aquino, 2016), e uma das constatações mais recorrentes é que a má conduta dos alunos figura como um dos aspectos predominantes nas reclamações dos professores. De acordo com Freller (2001, p. 17), “a indisciplina escolar é uma das queixas mais frequentes de pais e professores” e “o número de crianças encaminhadas porque apresentam comportamentos indisciplinados é crescente”. Mais recentemente, Favatto e Both (2019) assinalaram que, em situações mais extremas, o comportamento dos alunos tem sido apontado também como um dos principais motivos de abandono da carreira do magistério, especialmente entre os profissionais iniciantes na profissão, ao lado da baixa remuneração e da falta de condições de trabalho. Com o objetivo de analisar os motivos que influenciam os professores de educação física a permanecer na docência no início da carreira ou abandoná-la, Favatto e Both (2019) constataram que o desejo de abandonar estava vinculado à desvalorização financeira, ao desacordo com a rede de ensino, ao estresse, à indisciplina dos alunos e ao receio de sofrer agressão física. De acordo com Tartuce et al. (2010), a conduta disciplinar na sala de aula é citada por estudantes do ensino médio como um dos motivos mais relevantes para refutar a possibilidade de ingresso na carreira do magistério.

Do ponto de vista do protagonismo, observa-se que os estudantes do sexo masculino são os que mais frequentemente e de maneira mais veemente transgridem as normas do trabalho pedagógico. Por sua vez, esses dois aspectos mais visíveis têm levado a simplificações que dificultam a compreensão do problema, uma vez que, amiúde, os profissionais da educação tendem a justificar a maior participação dos meninos nos eventos disruptivos com base em argumentos que reforçam divisões binárias de gênero (Carvalho, 2003, 2004, 2009, 2011; Santos, 2007; Silva et al., 1999; Silva Neto & Barretto, 2018).

Apesar da sinalização de que o gênero é uma categoria de análise de grande relevância na investigação da indisciplina dos alunos, constata-se que, embora presentes desde os anos 1990, ainda são poucas as produções que consideram essas interações na sala de aula (Carvalho, 2012; Ferrari & Almeida, 2012; Santos, 2007), sobretudo nos anos finais do ensino fundamental.

A pesquisa que deu origem a este artigo buscou contribuir para a superação dessa lacuna, investigando os processos cotidianos de articulação entre gênero e indisciplina escolar nos anos finais do ensino fundamental. Foi feito um estudo etnográfico em uma escola da rede municipal de São Paulo, localizada num bairro residencial de setores médios, que atendia a estudantes provenientes de bairros empobrecidos localizados ao redor. A pesquisa de campo foi desenvolvida em duas etapas: de agosto a dezembro de 2016, no 6º ano C, e de fevereiro a dezembro de 2017, no 7º ano C. A decisão de iniciar o estudo na turma do 6º ano C deu-se em função de este ser composto, segundo os docentes, dos estudantes que apresentavam o nível de indisciplina mais alto de toda a escola.

A fim de assegurar o acompanhamento do mesmo agrupamento de alunos nos dois anos letivos, foi feito um acordo com a direção da escola para, na medida do possível, manter no 7º ano C os estudantes egressos do 6º ano C. As observações eram feitas nas aulas de história, uma vez por semana, durante duas horas-aulas, totalizando uma hora e meia. Foram também realizadas entrevistas com 11 docentes (7 professoras e 4 professores) e 13 estudantes (6 meninas e 7 meninos), bem como foram aplicados quatro instrumentos de pesquisa: escala de proximidade entre os alunos (sociograma); questionário socioeconômico; índice do clima disciplinar; e índice da relação professor-aluno. Esses instrumentos foram utilizados com o objetivo de coletar dados relativos ao impacto do poder econômico das famílias no desempenho escolar e na indisciplina dos alunos, medir o nível de aceitação/rejeição e a qualidade da interação entre os alunos frequentes na indisciplina e seus colegas de classe, verificar a percepção dos estudantes sobre o nível de disciplina/indisciplina na aula de cada um dos professores e averiguar a qualidade da interação pedagógica dos professores com os alunos.

Um dado significativo, relativo à etnografia, diz respeito ao fato de alguns professores reivindicarem a recepção da pesquisa. Praticamente todos queriam que o estudo de campo fosse feito em suas aulas, e, diante da irredutibilidade dos professores de arte e história, fizemos uma escolha regida pelo critério de maior quantidade de aulas semanais, optando pela disciplina de história, que tem a carga horária de quatro aulas semanais em cada turma, em comparação com duas de arte.

As configurações das práticas cotidianas na sala de aula

Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem.

Rosa Luxemburgo

Durante a pesquisa empírica, o ponto de partida foi tentar identificar a noção de indisciplina entre os sujeitos envolvidos (professores e estudantes), o modo como eles reagiam a esse tipo de comportamento e de que maneira as noções de gênero interferiam nas práticas e na percepção do problema. Procuramos saber como professores e estudantes1 descreviam essas condutas e que percepções tinham acerca dos sujeitos que praticavam a indisciplina de maneira mais frequente. Buscamos verificar, também, se havia coincidência ou contraste na identificação daqueles que mais perturbavam a ordem na sala de aula, bem como analisar se os enunciados que estabeleciam as distinções dos comportamentos de meninas e meninos afirmavam divisões binárias de gênero. Para tanto, tomamos como gênero um conceito amplamente consagrado, descrito como “um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e uma forma primária de dar significado às relações de poder” (Scott, 1995, p. 86).

Entre os estudantes, as palavras “conversa”, “bagunça”, “brincadeira” e “piada” (sem graça) são as expressões mais utilizadas para designar o que os seus pares fazem para atrapalhar a aula. Para os professores, indisciplina é qualquer atitude que impede a sequência da aula: conversa, andar pela classe, agitação causada para ir contra uma atividade proposta. Inversamente, “o aluno disciplinado é aquele que te proporciona um certo conforto quando você está explicando, quando você está desenvolvendo uma matéria e ele ali te respeita” (Professora Mariana).2

Disciplinado para mim não é o aluno necessariamente quieto, que não fala nada. É o aluno que presta atenção no professor, que quer ouvir aquilo que o professor fala, um aluno que não grita na sala, que não tem um comportamento impertinente em sala de aula. (Professora Carolina).

Essas ideias podem ser postas em relação de vizinhança com a noção de indisciplina delineada por Silva e Matos (2014, p. 717), com a qual temos acordo:

. . . a indisciplina seria frequentemente associada aos comportamentos disruptivos menos graves, que violam regras estritamente escolares e que, por isso, não gerariam danos imediatos aos sujeitos. Seriam comportamentos que, conforme dizem os próprios professores, burlariam as regras escolares, dificultando o “bom andamento da aula”.

À vista disso, confirmamos que professores e alunos compartilhavam de uma matriz acerca do significado do fenômeno da indisciplina, uma vez que, tal como constatado por Silva (2007), tendem a estabelecer uma forte diferenciação entre os comportamentos de indisciplina e de violência, visto que professores e alunos não fizeram referência a aspectos relacionados à noção de violência para caracterizar comportamentos disruptivos na sala de aula. Nada foi mencionado acerca da ruptura da relação, da destruição do outro, do desrespeito e da negação do outro, tampouco mencionaram ações que atentariam contra a integridade física, psicológica ou ética, ou mesmo sobre incivilidade, expressões comumente encontradas em trabalhos que abordam a temática da violência no ambiente escolar (Aquino, 2011; Candau, 1999; Charlot, 2000; Galvão, 2004; Silva, 2007; Silva Neto, 2011, 2017; Silva Neto & Barretto, 2018; Sposito, 1998). A noção de violência pode ser identificada, segundo Michaud (1989), em situações de interação em que os autores agem de maneira direta ou indireta com a intenção de causar danos às pessoas, seja à sua integridade física ou moral, a suas posses, ou a suas participações simbólicas e culturais. Enfim, nesta investigação, constatou-se que indisciplina e violência eram percebidas como coisas distintas tanto por professores quanto por alunos. As condutas disciplinares divergentes da ordem escolar eram mencionadas em relação a atos disruptivos menos graves, que violavam regras estritamente escolares e, portanto, não causavam danos físicos, psicológicos ou morais aos sujeitos envolvidos.

Relativamente à percepção dos sujeitos de comportamentos desviantes, os professores identificaram nove e, os estudantes, quatro, sendo que, dentre os quatro, apenas um não foi relacionado também pelos professores. A exceção foi um garoto retido no 6º ano C, em 2016, que pode ter sido lembrado pelos ex-colegas por reunir duas características marcantes: ser um indisciplinado contumaz e ter dificuldade para aprender.

Outro dado que merece destaque é a coincidência na percepção dos grupos de meninos e meninas em relação aos colegas mais frequentes na indisciplina.

Como apresentado no Quadro 1, as meninas indicaram quatro nomes, e os meninos, apenas três. A única diferença é a menção de Adriano pelas meninas. No mais, as percepções são praticamente idênticas, e ganha especial relevo o fato de todos os citados serem do sexo masculino. Isso se confirmou também nas indicações dos professores, o que coincide com nossos estudos anteriores, por exemplo Carvalho (2004, p. 32), conforme o qual “a consulta ao livro de registro de punições da escola que, segundo a coordenadora pedagógica, eram utilizadas apenas em situações extremas, revelou o nome de oito meninos (nenhuma criança do sexo feminino)”. Esse cenário pode ser observado também em levantamento de Ferrari e Almeida (2012, p. 879): “Dos 21 casos que analisamos apenas um diz respeito a situações de indisciplina com meninas”.

Quadro 1 Os mais frequentes na indisciplina para os estudantes 

Meninas
Indicações
Meninos
Indicações
Adriano
Eduardo Eduardo
Luciano Luciano
Orfeu Orfeu

Fonte: Elaboração dos autores.

De fato, as observações realizadas na sala de aula confirmaram que as transgressões à ordem disciplinar mais ruidosas e, às vezes, com características de enfrentamento são praticadas pelos meninos. Do ponto de vista da gravidade, isso variou muito de acordo com quem ministrava a aula e a condição da docência. As aulas que sofriam maior perturbação eram as ministradas por docentes do sexo feminino, principalmente as que atuavam como substitutas. Nesses casos, o nível de disciplina podia ser considerado “baixo”, de acordo com as classificações de Carnoy et al. (2009, p. 235), pois tratava-se de “diversos casos de alunos falando fora da vez, conversando quando o professor formula uma pergunta, levantando-se e circulando pela classe, fazendo brincadeiras, não sentando nem parando de falar mesmo diante de apelos insistentes do professor”. Ainda assim, consideramos que o contexto da pesquisa empírica difere consideravelmente daquele encontrado por esses mesmos autores, no qual, “às vezes, as salas de aula brasileiras eram bastante caóticas, principalmente em comparação com as salas de aula cubanas e as das escolas particulares chilenas” (Carnoy et al., 2009, p. 178).

Embora as meninas não fossem consideradas frequentes na indisciplina, isso não significa que elas não desrespeitavam o contrato pedagógico.3 Na percepção dos estudantes, as meninas também participavam da indisciplina na sala de aula, mas as transgressões eram de outra natureza. Para Eduardo, por exemplo, “as meninas bagunçam, mas de um jeito, em grupo. A gente não quer saber. A gente já sai bagunçando, independentemente de onde tiver. Na sala, no intervalo”. Para Lígia, “os meninos bagunçam mais na sala. . . . Eles ficam conversando, jogando bolinha de papel. . . . As meninas só conversando ou mexendo no celular”. Nessa mesma linha, Kamilla admite que comete pequenas transgressões na sala de aula e descreve a maneira como faz isso:

Pesquisador: Kamilla, você se considera uma aluna disciplinada?

Kamilla: Sim. Mas claro... (pausadamente). . . . Eu faço as minhas gracinhas? Faço. Tem vezes que eu falo na aula? Falo. Mas eu tento manter a linha para não passar dos limites.

Pesquisador: Você acha que isso atrapalha a aula do professor?

Kamilla: Nenhum professor nunca reclamou comigo. Eu nunca levei bilhete 4 e nem nada. Mas se atrapalhar eu paro.

Essa percepção dos alunos condiz com o que pensava a professora Mariana: “Pediu, elas atendem. Pedem desculpas. Dificilmente eu tenho uma reação assim mais brava, mais enérgica com as meninas”. Outra professora relata que “tem um grupo de meninos que conversa muito, mais os meninos do que as meninas” (Professora Tânia). Como se vê, na compreensão de estudantes e professores as meninas também praticavam indisciplina na sala de aula, mas isso geralmente tendia a ser relevado. A nosso ver, isso acontece por três razões: a) nem sempre esses desvios são observáveis; b) na maior parte das vezes eles não atrapalham o andamento das aulas; c) frequentemente os desvios cessam mediante solicitação do professor.

O estudo de Silva (2007, p. 31) já indicava que, em relação à indisciplina das meninas, “ganham destaque comportamentos mais triviais como as conversas, os barulhos, os atrasos, as brincadeiras com professores e colegas, as réplicas às ações disciplinadoras dos professores, entre outros”. Tendo isso em vista, o nível de disciplina das meninas podia ser considerado “bom”, uma vez que havia poucos casos de conversa, brincadeiras e circulação pela classe, bem como as garotas atendiam mais prontamente aos apelos dos professores para parar com as burlas.

Tal como observamos na sala de aula, a maior parte dos meninos também se encaixava no nível “bom” de disciplina, uma vez que as transgressões triviais faziam parte da rotina da aula como um todo, especialmente as conversas. Como assinala Silva (2007, p. 115), “a ‘impossibilidade’ de se manter o tempo todo conectado ao assunto da aula parece explicar o fato de as conversas aparecerem como a forma de desvio mais comum”. De fato, os desvios eram de pouca gravidade e, às vezes, ganhavam contornos de protesto, especialmente quando se tratava de incoerência na conduta profissional. Isso pôde ser verificado em, pelo menos, duas circunstâncias que envolviam as professoras substitutas, que mantinham a mesma forma de atuação na classe. Elas, invariavelmente, escreviam um tópico de língua portuguesa na lousa, o qual deveria ser copiado pelos alunos, mesmo quando essas professoras substituíam colegas de outras disciplinas, como era o caso das aulas de história. Em uma ocasião, como registrado no caderno de campo em 16 de novembro de 2016, a professora iniciou a aula avisando que o conteúdo proposto por ela seria cobrado no final da aula e que a nota seria repassada para a professora titular da disciplina. Quando soou o sinal indicando o término dessa aula, contudo, a professora sugeriu que quem não tivesse acabado de realizar a atividade fotografasse a lousa e terminasse de fazer a tarefa em casa, confirmando que parte considerável dos alunos havia ignorado as suas orientações e não levaram a sério o aviso inicial. Nas aulas ministradas pelas pro- fessoras substitutas, a movimentação dos alunos pela classe era maior que nas aulas dos outros professores, e a recusa em fazer a lição era mais abrangente, inclusive por parte das meninas, que também fotografavam a lousa ao término das aulas.

Inteligente e bagunceiro: Uma combinação controversa

Estudantes e professores processavam de maneiras diferentes a combinação inteligente e bagunceiro. Talvez pelo fato de a indisciplina afetar mais diretamente os docentes, enquanto uns concediam indulto aos indisciplinados com bom rendimento escolar, outros os condenavam e eram ainda mais severos nas punições. Entre os estudantes, a combinação bom aluno5 e bagunceiro passava por um processo de elaboração, resultando em uma espécie de anistia aos bagunceiros, de sorte que estes eram lembrados pelos colegas exclusivamente como bons alunos.6 Por sua vez, os professores não assimilavam bem essa combinação, indicando que, na prática de masculinidade mais valorizada por eles, bom desempenho escolar não combinava com indisciplina. Esse resultado contrasta com o encontrado por um de nós em estudo anterior (Carvalho, 2009), que, ao investigar como se produzem trajetórias escolares de fracasso com maior frequência entre crianças do sexo masculino, foi constatado que havia condescendência, ou mesmo admiração de professoras em relação aos alunos que apresentavam uma prática de masculinidade que combinava indisciplina com bom desempenho escolar.

A respeito desse posicionamento controvertido entre estudantes e professores, os casos de Rômulo e Orfeu7 são bem ilustrativos para diferenciar a percepção da inconveniência da indisciplina nos dois segmentos, tanto quanto para medir a intensidade e o vigor do desempenho escolar do bagunceiro. Esses dois garotos estavam entre os que mais causavam perturbação na sala de aula e também entre os alunos considerados mais inteligentes da classe.

Entretanto, diferentemente de Orfeu, Rômulo não foi citado como um aluno indisciplinado por nenhum dos seus colegas entrevistados. Ele passou incólume, mesmo sendo bagunceiro e, por sua vez, foi citado por todos como um bom aluno. Orfeu, ao contrário, foi lembrado como bagunceiro por seis de seus colegas entrevistados (três meninas e três meninos), apesar de ser considerado também um aluno inteligente. Entendemos que o indulto concedido a Rômulo e negado a Orfeu por seus próprios pares tem a ver com a discrepância de desempenho nos estudos. Enquanto o primeiro tinha boas notas, geralmente fazia todas as lições e sempre era requisitado pelos colegas para realizar atividades em grupo, o segundo não fazia as lições, tampouco era considerado no momento de realizar atividades coletivas, e suas aprovações no 6º ano C, em 2016, e no 7º ano C, em 2017, dependeram da ajuda do conselho de classe,8 pois Orfeu não conseguiu obter notas suficientes para passar de ano.

Já entre os docentes, a situação dos dois estudantes se equiparava. Ambos foram lembrados por quatro professores como os alunos que mais atrapalhavam a aula. Todavia nota-se uma intolerância maior em relação à indisciplina de Rômulo:

O caso realmente mais grave era do Rômulo. O que chamava mais a atenção, porque, alguns dos outros casos que a gente citou, não era sempre. Em alguns momentos entravam em alguma brincadeira mais específica. Agora, nesse caso do Rômulo, era constante, diário, para ser bem exato. Ele agia sempre e aí causava aquele stress no professor. (Professor Dante).

O professor Dante manifesta claramente a sua aversão à conduta de Rômulo, mas é o professor David que revela com nitidez o possível fundamento da crítica dos docentes ao que consideravam conduta desviante de Rômulo. Na fala desse professor fica evidente que aluno inteligente e com bom desempenho deve, por conseguinte, apresentar bom comportamento.

Rômulo sabe. Ele é muito bom e muito inteligente, mas essas atitudes que eram, veja só, olha aqui eu existo! Olha, eu sou o mais inteligente da sala! Era só para causar, para desestabilizar, enfim, tanto o professor quanto os outros, desestabilizar a aula. Isso me deixava muito bravo na hora, com muita raiva, mas, na realidade, muito chateado. . . . Porque uma coisa é um aluno fazer isso e o aluno não estar entendendo o que você está falando. Outra coisa é o Rômulo, que tinha pleno domínio sobre o que você estava falando e sobre o que estava acontecendo. Ele tinha capacidade de dar um show em sala de aula e faz isso. Aí fica marcado. (Professor David).

Similarmente, Orfeu era visto como “o demônio e tudo o mais. Em sala de aula ele não faz nada. Ele tem dificuldades terríveis em ficar parado. É uma dificuldade dele, ele não consegue ficar parado” (Professor David). De acordo com o professor Saulo, “Esse menino é muito esperto, ele é muito inteligente, mas ele participa da bagunça. Ele é um dos que tumultuam a aula”. No entanto, ao contrário de seu colega, Orfeu desfrutava da condescendência dos professores: “eu adoro de paixão o Orfeu. Em sala de aula ele não faz nada. É uma dificuldade dele, ele não consegue ficar parado” (Professor David). A aceitação do sincronismo bom aluno e indisciplinado por parte dos docentes em relação a esse garoto é explicada por esse mesmo professor:

Eu acho que tem duas questões aí: o Orfeu é da casa. Ele estuda aí desde sempre. A família dele inteira estuda aí. A gente conhece a família, já sabe dos problemas e tal. Talvez um pouco da condescendência que todo mundo tem com o Orfeu é tipo assim: todo mundo já sabe como ele é. Então, se não está atrapalhando, está bem. E o Rômulo era um aluno novo. Ele chegou no ano passado. Então, eu acho que isso também muda a relação. (Professor David).

Para o professor David, a forma distinta no modo de tratar os dois garotos decorria, portanto, da posição que cada um ocupava na escola, com base numa lógica parecida à dos estabelecidos e outsiders descrita por Elias e Scotson (2000). Nesse caso, a condição de Rômulo era a de recém- -chegado - “estrangeiro”. E o “estrangeiro” é aquele que vem chegando no pedaço e quer demarcar certa autoridade sobre o território, o que exige uma inversão na relação de poder em que “o elemento de evitação é a presença dos de fora que chegam tomando conta da nossa área como se fossem de dentro” (Moreno, 2014, pp. 153-154).

Ainda sobre esse garoto - brilhante, nas palavras dos próprios professores, mas que perturbava consideravelmente o trabalho pedagógico -, tudo indica que há uma veemente resistência às formas de incorporação das estruturas da ordem escolar. Sua conduta pode ser analisada sob a perspectiva de Gros (2018, pp. 75-76), segundo a qual Rômulo, de alguma maneira, sabe que “a própria obediência está a serviço de um empreendimento de negação indefinida de si: obedeço para poder desaparecer completamente, não mais existir como ‘Eu’, ser apenas o servidor perfeito”. Ainda de acordo com esse autor, o “eu” não cresce na negação de si, ele não se orgulha de se rebaixar, e sua desobediência é um desafio lançado ao outro (Gros, 2018). Isso posto, a boa reputação de Rômulo entre os colegas de classe, que o viam apenas como um aluno inteligente, explica, em alguma medida, o inconformismo dos professores com a sua obstinação na indisciplina e confirma que “a amizade é uma máquina de guerra contra as comunidades de obediência” (Gros, 2018, p. 62).

Quanto a Orfeu, temos a considerar, com base nas formulações de Silva e Matos (2014), que recorrer à bagunça, muito provavelmente, podia ser uma alternativa à falta de consistência de seu desempenho escolar, tendo em vista que sua incapacidade de conseguir notas suficientes para passar de ano podia significar uma ameaça à autoestima, de maneira que a indisciplina seria o recurso utilizado para remediar isso.

Apesar das queixas veementes dos docentes acerca da indisciplina dos alunos, não presenciamos momentos de extrema dificuldade para manter a ordem na classe, nem mesmo investidas mais intensas conta a autoridade docente. Ao contrário, presenciamos atitudes que nos pareceram autoritárias e injustas por parte das professoras substitutas, como aconteceu com Rômulo durante a aula da professora Cândida, também no dia 16 de novembro de 2016:

Rômulo senta-se na carteira ao meu lado. Pergunta-me sobre “qual cor fica mais legal para pintar a boca”. Tratava-se da pintura de uma máscara, desenhada em uma folha de papel sulfite. Respondo que acho que ficaria legal a cor preta para pintar a boca do desenho. Então, Rômulo emenda dizendo que é uma máscara africana. . . . Rômulo é expulso da sala pela professora Cândida. Fiquei surpreso com a expulsão do garoto da sala de aula, porque ele não havia feito nada de errado ou de diferente do que os outros colegas faziam. Logo depois ficou evidente que Rômulo foi expulso da sala por ele não ter aberto o caderno para copiar a lição da lousa, como tantos outros garotos da classe. No momento da expulsão a professora disse bruscamente: “se não quer estudar, fora!”. Rômulo questiona a decisão da professora. Diz que não estava bagunçando e nem atrapalhando a aula. O garoto insistiu para que a professora mudasse de ideia e o deixasse ficar na sala de aula. Foi inútil e Rômulo desiste de argumentar. Ao se levantar, Rômulo tentou pegar a sua mochila, mas a professora não permitiu. Disse que ele pode buscar a mochila no fim da aula. Rômulo retruca e diz que então ficará com a sua mochila. A professora insiste e reitera que fica na classe quem quer estudar, quem não quer é rua. Rômulo se rende e sai. Notei que até aquele momento oito alunos não faziam a lição, alguns dos quais sequer abriram o caderno. (Caderno de campo de 16/11/2016, pp. 21-22).

Nesse dia, mais alunos estavam fazendo exatamente o que Rômulo fazia, isto é, ignorando a aula de língua portuguesa ministrada pela professora Cândida, que substituía o professor David, de história. Vários estudantes não abriram o caderno, sendo que alguns deles conversavam e outros até saíam do lugar. Além do estigma de bagunceiro que pesava sobre Rômulo, do fato de ele ignorar a aula da professora e continuar a pintura da máscara, talvez estar sentado ao meu lado e falar comigo tenha pesado contra si também. Eis, portanto, que o pesquisador também é flagrado participando da indisciplina. No entanto, parece-nos que a professora não estava punindo Rômulo porque ele estava ignorando a aula, por falar eventualmente comigo ou por ter cometido algum ato de indisciplina, mas porque aquela era uma oportunidade de demonstrar poder diante da sala de aula. Afinal, como assinalado por Silva Neto e Barretto (2018, p. 4), “os processos de socialização são regulados e a escola, além de ser um lugar de aprendizagem de saberes, é um lugar de construção e exercício de formas de poder”.

Da percepção do sexo dos estudantes à compreensão do gênero na interpretação da indisciplina

Ao levar em conta as interações de gênero no contexto da socialização escolar, especialmente quando se trata de crianças na faixa etária de 11 a 12 anos, é importante considerar as relações de desigualdade presentes nas hierarquias e nos jogos de poder que se estabelecem na sala de aula, assim como a construção das identidades9 das crianças. Identidades que não se limitam aos aspectos psicológicos, da subjetividade ou das identidades individuais, mas se constituem na interação social (Freller, 2001; Giddens & Sutton, 2015; Mead, 1934). Diante disso, segundo Freller (2001), devem-se considerar as necessidades pessoais dos indivíduos e as provisões ambientais, tendo em mente, inclusive, a influência da sociologia na releitura da psicanálise.

Nesses termos, discutimos os dados de pesquisa levando em conta o aspecto sociológico na construção das identidades dos escolares, pois, conforme Connell (1995), uma abordagem sociológica das masculinidades requer considerar o que os meninos fazem, reconhecendo que os efeitos de suas práticas sociais são sentidos em um coletivo. Tal compreensão sugere também o deslocamento do olhar do comportamento dos alunos para enfoques de ordem social e pedagógica, e, no plano institucional, significa investigar a influência da escola no processo de produção do gênero. Nesse sentido, a análise não comporta um modelo binário de gênero que simplesmente põe em oposição os sexos masculino e feminino, mas refere-se, sobretudo, às múltiplas diferenças intragrupos (Swain, 2005).

Assim, apesar de a conduta indisciplinada mais ruidosa ser protagonizada exclusivamente pelos meninos, a maioria deles não se engajava nesse tipo de comportamento. Isso confirma que, mesmo que os alunos mais bagunceiros constituam uma rede na sala de aula, “esta nunca é abran- gente e se opõe radicalmente à dissolução num todo fusional” (Gros, 2018, p. 62). Do total de 35 alunos por classe, seis foram identificados como mais frequentes na indisciplina no 6º ano C e quatro no 7º ano C, o que significa que mais de 80% dos meninos tinham bom comportamento.

Embora oito professores afirmem que as meninas também protagonizam a indisciplina, apenas um deles mencionou o nome de uma garota entre os quatro estudantes considerados de conduta reprovável. Cabe ainda destacar que esse professor demonstrou hesitação e fez ressalvas dizendo que não sabia se a palavra era indisciplina, porque se tratava apenas de uma menina com um comportamento um pouco mais difícil. Assim, para a maioria dos professores entrevistados, a indisciplina das meninas existe, mas apresenta contornos distintos daquela manifestada pelos meninos. De acordo com a professora Cândida, “os meninos ainda são mais indisciplinados. As meninas também são, mas os meninos, pela questão de correrem mais, levantarem mais, eles ganham nesse quesito da indisciplina”. De maneira semelhante, a professora Ana Paula informa que “são coisas diferentes. A menina jamais entra na sala arrotando. Mas a gente tem meninas indisciplinadas nas turmas também”. Esse cenário confirma a assertiva de Ferrari e Almeida (2012, p. 880), para quem o fato de que a maior parte de “casos classificados de indisciplina ocorre com meninos, por si só, já é revelador da relação de gênero que está em circulação nas escolas, que acaba fazendo com que meninos estejam envolvidos em ações tidas como agressivas, desarticuladoras, resistentes”.

Esses resultados também corroboram o estudo de Correa (2017, p. 303), no qual o autor informa que, “com relação ao gênero, os meninos foram proporcionalmente mais indicados como indisciplinados em relação às meninas”. O autor afirma, ainda, que, até mesmo quando as meninas se reconhecem como mais indisciplinadas, as indicações recaem mais sobre os meninos.

. . . apesar de as meninas se reconhecerem como indisciplinadas em proporção maior que os meninos (autoindicações), embora o teste estatístico não tenha apontado diferença significante, quando se trata de apontar quem mais pratica a indisciplina, as indicações recaem de forma majoritária sobre os meninos. (Correa, 2017, p. 237).

Quanto à forma, a indisciplina das meninas se caracterizaria, para os professores, por “conversarem demais, rirem demais. Para mim, é assim que se manifesta a indisciplina delas. Não é uma coisa tão física de agitação corporal, é mais pela conversa” (Professora Ana Paula). Já entre os meninos, prevalece “a brincadeira entre eles. É esconder o material um do outro, fazer aviãozinho, jogar bola de papel, empurrar. Você está aqui corrigindo uma lição, vendo o caderno de alguém ou uma atividade, e, de repente, cadeira voa” (Professor Saulo). Parece-nos que potencialmente esses enunciados, para além da simples constatação dos diferentes modos de agir de meninas e meninos, cumprem a função de operar um dado regime de gênero,10 por meio do qual busca-se ajustar o comportamento com base no sexo dos estudantes. Dessa maneira, define-se quem são os sujeitos que podem afrontar mais frequentemente e com veemência as normas operacionais do trabalho pedagógico.

Essa compreensão de um certo modo de ser menina na escola, cujos níveis de cooperação e civilidade destoam daqueles apresentados por alguns meninos, tem a ver com um significado social de gênero que vem sendo histórica e socialmente construído. Nessa lógica, Souza (1998, p. 148) cita uma passagem do relatório de inspeção dos inspetores de ensino de 1899,11 na qual se afirma que “as meninas podem perfeitamente ser dirigidas só pela afeição, devido ao modo de educação e à docilidade de sentimentos que possuem”. Esse tipo de discurso, mais do que simplesmente caracterizar as condutas dos estudantes, revela o poder dos docentes de defini-las, como explicou esse professor:

. . . em linhas gerais, você tem diferenças entre os meninos e as meninas. Não acho que as meninas não sejam bagunceiras, que as meninas sejam estudiosas. Que as meninas sejam estudiosas e os meninos não. Mas eu acho que aos doze anos já tem uma construção que faz as meninas serem mais... e tentarem se preservar mais. Eu acho que elas já se sentem julgadas e diminuídas. Então, eu acho que elas tentam se preservar mais e se mostrarem menos na aula, se mostrarem menos aos professores ou aos colegas. (Professor David).

Outro exemplo dessa construção sócio-histórica pode ser verificado no Annuario do Ensino do Estado de São Paulo (Diretoria Geral da Instrução Pública do Governo do Estado, 1910-1911, p. 109), em que se afirma que: “É um facto que vem preoccupando muito a nossa attenção: em toda a parte os meninos estão moralmente e intellectualmente em condições de inferioridade em relação às meninas”. Acerca da consciência do docente de seu poder de influenciar nessas construções, reiteramos nossa afirmação anterior (Carvalho, 2004) de que a escola é um lugar de práticas e discursos que implicam uma rede de relações de gênero da qual geralmente se tem muito pouca percepção. Nessa mesma linha, o estudo de Silva et al. (1999, p. 221) já havia trazido à tona que “a prática docente, para além da ordenação didático-pedagógica, está atravessada de conteúdos culturais, institucionais, sociais, psicológicos que constituem o próprio imaginário das/os professoras/es”. Brito (2009, p. 34) pormenoriza essa ideia, afirmando que “as escolas estariam atuando como agências reprodutoras de uma socialização que destinava às meninas o universo da passividade e da obediência irrestritas”.

Para Bourdieu (2013, p. 228), o “inconsciente escolar é um arbitrário histórico que, por ter sido incorporado e, por isso, naturalizado, escapa às tomadas de consciência - principalmente porque leva a perceber como naturais as estruturas das quais é produto”. No contexto estudado, observamos que a indisciplina na sala de aula era interpretada a partir da percepção do sexo dos estudantes, o que, a nosso ver, levava os educadores tanto a negligenciarem a complexidade intrínseca do fenômeno da indisciplina quanto a deixarem escapar a compreensão dos aspectos de gênero que ele comporta. Operava-se com noções incorporadas de masculinidade e feminilidade a partir de enunciados que, além de exprimirem diferentes modos de agir de meninas e meninos, cumpriam a função de manejar um regime de gênero que associava a indisciplina a características masculinas e, ao mesmo tempo, negava e controlava uma expressividade mais arrojada e contestadora das meninas.

A relação da disciplina das meninas com as perspectivas de futuro

Outra dimensão de gênero que emerge nesta análise refere-se à associação do bom comportamento com as perspectivas de futuro dos estudantes, especialmente das meninas. De modo geral, transparece a noção de que a boa conduta e o respeito à autoridade docente estão relacionados à aspiração de uma trajetória escolar exitosa. Mesmo os estudantes mais frequentes na indisciplina fizeram menção à expectativa de futuro, assinalando o bom comportamento das meninas como um cuidado adicional para alcançar um desempenho escolar satisfatório.12 Nesse sentido, Telêmaco, considerado um dos alunos mais indisciplinados entre os professores, revelou:

Pesquisador: Telêmaco, você citou mais meninos do que meninas entre aqueles que você considera os mais indisciplinados na classe. Por que você acha que os meninos são mais bagunceiros do que as meninas?

Telêmaco: Porque, tipo assim: as meninas, elas devem ter um futuro que elas querem. Tipo, falam que elas não têm nada para bagunçar. Aí já os meninos inventam uma coisa.

Pesquisador: Você acha que elas sabem que têm futuro, é isso?

Telêmaco: Tipo isso. Elas estudam e os meninos já não gostam, assim, de estudar. Aí tacam lápis, tacam borracha. Essas coisas.

Santos (2010) já constatava que a expectativa em relação ao futuro pode ser uma variável explicativa para a indisciplina mais moderada das meninas. Essa constatação, em larga medida, ecoa a conclusão de Senkevics e Carvalho (2016, p. 182) conforme a qual, “desde cedo, as meninas costumam se projetar em carreiras de maior qualificação profissional, demandantes de patamares mais elevados de escolarização”. De acordo com o levantamento desses autores, “no conjunto das 20 crianças entrevistadas, as meninas apresentaram mais clareza sobre o que pretendiam se tornar quando crescessem, além de a maior parte delas almejar profissões que demandam uma escolarização prolongada” (Senkevics & Carvalho, 2016, p. 185).

Soma-se a isso a ideia, muito corrente no Brasil, de que as meninas interiorizam mais facilmente o ofício de aluno.13 Acerca disso, pesquisa realizada por um de nós já constatava que uma das explicações frequentes entre docentes é que:

. . . as meninas seriam mais adaptadas à escola. Os meninos são mais indisciplinados, mais desorganizados e as meninas têm todo um comportamento que facilita o “ser aluno”. As meninas já viriam da própria organização familiar e da socialização primária mais preparadas para exercer esse ofício. (Carvalho, 2003, p. 189).

Esse lugar social que consolida certo modo de ser aluno indica a necessidade de disposição para jogar de acordo com as regras do jogo escolar (Marchi, 2010; Sirota, 1993). Em face disso, “para aprender e passar de ano os alunos percebem que têm de se submeter e obedecer. . . permeia as relações escolares de que, para ter sucesso na escola, é necessário adaptar-se” (Freller, 2001, p. 93). Assim, para os alunos, torna-se significativo compreender a necessidade de incorporar as formas da estrutura da ordem escolar.

Todavia, se por um lado atributos como passividade, docilidade, capricho e obediência não podem nem devem ser vistos como características naturais das meninas, tampouco de todas elas, por outro, “nem todos os meninos são indisciplinados, irrequietos e agressivos, nem todos os meninos correspondem ao polo oposto dessa feminilidade passiva” (Carvalho, 2003, p. 189). Tal como nesse estudo anterior, deparamo-nos com um grupo majoritário de meninos que articulava e afirmava um tipo de masculinidade com um desempenho escolar exitoso. O grupo de estudantes com mau comportamento era relativamente pequeno. Embora oito desses garotos não tivessem um bom desempenho escolar, dois conseguiam conciliar as características de indisciplinados e bons alunos, confirmando que não há “um único tipo de masculinidade fechado, estereotipado” (Carvalho, 2003, pp. 189-190).

Por conseguinte, a superação de uma percepção binária de gênero - meninos/meninas - passa pela consideração das relações de poder na apreensão desse conceito e, sobretudo, pela consciência da necessidade de romper com percepções simplificadas de certas categorias.

Discutindo os resultados

Este estudo confirma aquilo que vem sendo afirmado na literatura sobre a indisciplina na escola: que é um fenômeno complexo, decorrente de múltiplos fatores, cujas formas e intensidades variam, principalmente, de acordo com a idade, o sexo e o nível de ensino dos estudantes. Por certo, obtivemos como dado mais evidente a maior participação dos estudantes do sexo masculino nos atos de indisciplina mais perturbadores da ordem escolar. Esse dado mais perceptível, no entanto, tem levado a simplificações que dificultam a compreensão do problema, uma vez que os professores tendem a justificar o maior protagonismo dos meninos com base em argumentos que reforçam estereótipos de gênero. Geralmente, esses argumentos fazem referência a características que, supostamente, seriam típicas das meninas, como a passividade, a apatia, o capricho, a capacidade de adaptação às regras escolares, a maturidade, enquanto os meninos seriam mais irrequietos, desorganizados e propensos à bagunça.

Como já assinalado por alguns autores (Brito, 2009; Carvalho, 2003, 2004, 2009, 2011; Silva et al., 1999; Silva Neto, 2019), tais enunciados são baseados em relações de gênero estruturais da sociedade que, traduzidas em termos escolares, têm como resultado uma verdadeira política da desigualdade na sala de aula. Nessa perspectiva, o gênero passa a operar como um dispositivo político que articula dimensões de poder com base no sexo dos estudantes, num processo que institui traços de masculinidade e feminilidade a serem incorporados na adaptação à ordem escolar.

Outro resultado significativo é a evidente combinação da indisciplina com o insucesso escolar que afetou, exclusivamente, os estudantes do sexo masculino. Durante o estudo de campo, dez meninos foram considerados mais frequentes na indisciplina, sendo que oito deles passaram pela experiência da reprovação. Nenhum menino com bom comportamento foi reprovado nesse período, contra a reprovação de uma menina apenas, mas isso aconteceu devido a seu excesso de faltas. Isso revela a intransigência dos docentes com os estudantes que apresentam a dupla característica de indisciplinados contumazes e dificuldades para aprender, mesmo com aqueles que, em alguns momentos, se esforçam para participar das aulas, tanto quanto buscam subterfúgios para não atrapalharem o andamento delas, como explica Eduardo, considerado o estudante mais frequente na indisciplina, no 7º ano C, e que, igualmente, foi o mais rejeitado entre os colegas por essa mesma característica:

Pesquisador: Eduardo, você se considera um aluno disciplinado?

Eduardo: Em algumas aulas, sim.

Pesquisador: E por que, assim, em algumas aulas? O que acontece nessas aulas?

Eduardo: Tem aula que eu não sei a matéria, eu não aprendo e também não gosto. Pelo fato de eu não saber, eu não gosto da matéria.

Pesquisador: E aí você faz o quê?

Eduardo: Ah! Levanto, saio. Peço para ir ao banheiro, demoro.

Mesmo os estudantes reconhecidamente inteligentes, mas com histórico de indisciplina, perdiam o vínculo com os docentes, o que indica que o comportamento dos alunos vale mais do que boas notas (Carvalho, 2001). Para os professores, ser bom aluno está mais relacionado à obediência do que ao desempenho escolar, o que, nos termos de Gros (2018, p. 132) equivale a esperar que os alunos se constituam prisioneiros de si mesmos, já que “o consentimento é uma obediência livre, uma alienação voluntária, uma imposição plenamente aceita”. O aspecto do vínculo, que revela a qualidade da relação entre professor e aluno, é o que mais sinaliza a incompreensão do fenômeno da indisciplina, e uma das possíveis causas disso é a falta de formação específica. Nenhum dos 11 professores entrevistados participou de um curso que tivesse como tema a indisciplina na escola.

Todavia, a despeito de a indisciplina ser considerada um problema na escola, a mudança de profissão não era uma aspiração entre os professores, mesmo entre os iniciantes na profissão, o que contrasta com o encontrado na pesquisa de Favatto e Both (2019). O questionário semiestruturado de entrevista destinado aos 11 professores continha uma seção denominada perfil docente, com 7 perguntas que iam de informações mais elementares, como o nome do participante, a informações mais subjetivas, como a possibilidade de abandono da profissão. Assim, pudemos constatar que, de certa maneira, o movimento era inverso ao verificado na pesquisa retromencionada. No grupo dos 11 docentes entrevistados, havia 3 provenientes de outras profissões, como bancário, gerente comercial e contador, e 1 professor que conciliava a profissão docente com a de profissional de tecnologia da informação (TI). Esse professor foi o único que manifestou a vontade de abandonar a carreira do magistério, justificando que gostaria de se dedicar a uma única carreira profissional e faria isso quando a sua carreira na área de TI se consolidasse, proporcionando sua independência financeira.

A constatação de que, na sua maioria, os professores não vislumbravam a mudança de profissão, mesmo os iniciantes na carreira do magistério e aqueles que mais se ressentiam da conduta desviante dos alunos, confirma a nossa assertiva quanto ao baixo nível de indisciplina observado na sala de aula. Embora fosse muito presente, sobretudo nas aulas ministradas pelas professoras substitutas, esse tipo de evento não chegava a inviabilizar a aula, ou mesmo a desafiar mais gravemente a autoridade docente. Por conseguinte, não presenciamos atos de violência dos alunos contra os professores, tampouco entre os próprios alunos. Distúrbios como brigas, agressões físicas ou morais não foram verificados nos 16 meses de realização do estudo empírico.

O rompimento de vínculos era menos drástico e menos perceptível entre os estudantes indisciplinados e seus pares, mas também existia, e isso só pôde ser verificado com a aplicação do sociograma.14 Por meio desse instrumento, constatou-se a exclusão dos alunos bagunceiros quando os colegas de classe tinham de escolher alguém para realizar atividades em parceria ou em grupo, para estudar em casa ou mesmo para brincar ou conversar no recreio. No entanto, o vínculo era preservado quando o estudante conciliava as características de bom aluno e indisciplinado, como foi o caso de Rômulo, o único aluno entre os recorrentes na indisciplina que não foi mencionado pelos pares como bagunceiro. Isso indica que, entre os estudantes, as boas notas e o sucesso escolar valem mais do que o bom comportamento. Com os demais bagunceiros havia um nível de cordialidade, mas muito superficial. Quando se tratava de compor parcerias para a realização de atividades escolares, essa divisão ficava mais nítida. Mesmo assim, não constatamos um nível de exclusão tão acentuado como o encontrado por Abramovay et al. (2015), quando os estudantes declararam que não gostariam de ter os bagunceiros como colegas de classe.

É também relevante destacar que a condição de bom aluno não inspirava nenhuma contradição com a forma de masculinidade mais valorizada entre alunos e professores, como já constatado por Toledo e Carvalho (2018), de modo que a maioria dos meninos tinha bom comportamento. Por sua vez, é possível afirmar que a minoria tinha suas práticas de indisciplina marcadas pela noção de masculinidade de protesto (Connell, 2005), pois essas práticas se voltavam continuamente contra a ordem necessária ao trabalho pedagógico. Nos jogos de gênero estabelecidos no cotidiano da sala de aula, a desvantagem pendia sempre para o lado desses meninos, pois eles não sabiam corresponder à disciplina esperada. Já o adjetivo “boazinha” era o código que rendia às garotas boas fichas no jogo de conduta disciplinar da sala de aula, visto que, percebidas como disciplinadas, tinham mais chances de não serem reprovadas, mesmo quando tinham problemas de aprendizagem.

Constata-se também forte associação da indisciplina com classe social, uma vez que predominava a situação de pobreza no grupo dos alunos mais indisciplinados. Verificamos que, dos dez alunos que mais perturbavam a ordem na sala de aula, nove pertenciam ao grupo de famílias de menor renda no contexto da sala de aula. Seus pais/mães tinham ocupações de menor remuneração e maior condição de subalternidade, como vigilantes, diaristas, trabalhadores informais, motoristas etc., em contraste com a maioria de seus colegas de sala, cujos pais/mães tinham escolaridade média ou superior e tinham pequenos negócios ou empregos técnicos e administrativos.

Por sua vez, a análise da interface com cor/raça tornou-se restrita e complexa em função da quase inexistente presença de alunos negros15 na escola. Registramos a presença de apenas um estudante preto durante o período da pesquisa empírica. Esse garoto era um dos mais recorrentes na indisciplina, apresentava grandes dificuldades de aprendizagem e foi reprovado no 6º ano, em 2016. Acerca das conjecturas da ausência de pessoas negras na escola, é possível considerar a localização desse estabelecimento de ensino, situado em um bairro de classe média e frequentado por estudantes de outras localidades, o que acarretava gastos com transporte e/ou a disponibilidade de alguém da família para acompanhar a criança até a unidade escolar. Nesse caso, a assertiva de Góis (2008, p. 744) pode ser uma pista, visto que, “mesmo ao se tomar como unidade de análise apenas os pobres, os negros serão dentre estes ainda mais pauperizados do que os brancos”. Em segundo lugar, não se pode descartar a hipótese de o ambiente escolar ser hostil aos estudantes negros. Por mais que isso seja difícil de ser medido, é uma suposição que não pode ser descartada, pois a família daquele garoto negro pediu a transferência dele para outro estabelecimento de ensino em fevereiro de 2017.

Considerações finais

A constatação de que são os estudantes do sexo masculino que mais frequentemente protagonizam a indisciplina mais perturbadora na sala de aula e dão a ela a feição mais contestadora da autoridade docente é o ponto de partida da análise, mas isso não é tudo. Embora esses dois indicadores tenham se firmado como os mais explícitos nos ensaios e estudos que se propõem a desvendar as causas, os dispositivos e as consequências da indisciplina, as análises devem avançar para além da fronteira da percepção da diferença sexual, que é a sua demarcação mais próxima e também a mais facilmente perceptível. Assim, para melhor interpretar os significados do objeto indisciplina, é necessário partir das diferenças percebidas entre os sexos e ir além delas, uma vez que essas diferenças nada mais são do que formas primárias de dar significado às relações de poder (Scott, 1995). A partir desse processo de transformação da percepção da diferença sexual em compreensão de relações de gênero, com todos os seus significados e símbolos, é possível interpretar com maior exatidão processos e formas da estrutura escolar. Tal como averiguamos, esses processos e formas muitas vezes estabelecem hierarquias e desigualdades alinhadas em torno de lógicas institucionais e culturais que se afirmam por meio de práticas e enunciados que criam, convencionalmente, as noções de verdade sobre os bons alunos e suas condutas.

Nesse sentido, conclui-se que as noções de gênero e as percepções de masculinidade e feminilidade levam a associar a transgressão ou a passividade a características “identificadas” nos escolares, o que produz uma ordem de gênero no sentido de que os fatos que caracterizam as desigualdades na sala de aula não são aleatórios e formam um padrão que faz sentido quando visto como parte de arranjos mais gerais do gênero. Em outros termos, as compreensões de gênero e as formas incorporadas de masculinidade e feminilidade orientam o comportamento de meninos e meninas, tanto quanto interferem na percepção e na maneira como os docentes lidam com a indisciplina na sala de aula, os quais acabam por sustentar divisões binárias de gênero.

Como já examinado em outras pesquisas, apesar de todos os condicionantes que induzem a uma lógica binária de gênero, este trabalho confirma as assertivas de Connell e Pearse (2015) de que as crianças não são passivamente socializadas em regimes de gênero, uma vez que elas agem também segundo seus próprios termos. Nessa lógica, tal como indicamos em estudo anterior (Carvalho, 2011, p. 112), observamos crianças “atuando criativamente na construção e reconstrução de suas identidades de gênero, absorvendo, recusando, ressignificando e reconstruindo os símbolos e práticas plenos de conteúdos de gênero que as circundam”. Assim, a despeito da forte influência das práticas e das concepções sociais de gênero, das formas de masculinidade e feminilidade do quadro docente e do staff escolar, os alunos e alunas procuravam ocupar lugares de gênero que lhes pareciam mais adequados, agindo tanto na reprodução quanto na transformação das relações de gênero.

1 Toda vez que fizermos referência à quantidade dos sujeitos de pesquisa, faremos isso com base nos 11 docentes e nos 13 estudantes entrevistados.

2 Para assegurar o anonimato dos sujeitos de pesquisa, atribuímos a eles nomes fictícios.

3 Referido na perspectiva de Bernard Charlot (2000), diz respeito ao compromisso firmado entre professores e alunos, com vistas a harmonizar o clima da aula e democratizar a relação professor-aluno.

4 É comum na maioria dos estabelecimentos de ensino no Brasil os professores convocarem os pais, mães ou responsáveis pelos estudantes toda vez que estes cometem uma falta grave, ou quando passam dos limites na transgressão da ordem disciplinar.

5 Termo utilizado para identificar estudantes que, a partir da perspectiva dos professores, correspondem às expectativas escolares, são bem avaliados e apresentam maior probabilidade de ter uma trajetória escolar exitosa (Toledo & Carvalho, 2018).

6 Nas entrevistas, estudantes e professores tinham de indicar os bons alunos e também os mais frequentes na indisciplina.

7 A escolha do nome fictício desse garoto foi inspirada no personagem da mitologia grega. Orfeu era médico e conhecido como o poeta mais talentoso. Neste caso, não haveria melhor nome a atribuir, pois esse garoto exercia um verdadeiro fascínio sobre seus colegas e professores.

8 Nas escolas da rede municipal de São Paulo, quando um estudante não obtém notas suficientes para ser aprovado, os professores podem decidir por sua aprovação, em votação por maioria simples.

9 Referimo-nos às identidades nas perspectivas sociológicas de Mead (1934) e de Giddens e Sutton (2015, p. 223), de acordo com as quais “o eu não é uma parte congênita de nossa biologia, nem surge simplesmente com o desenvolvimento do cérebro humano, mas é formado na interação social com outros”.

10 Connell (1987) emprega o termo regime de gênero para descrever as nuances de gênero em uma escala menor, como uma escola específica.

11 Para Dorval do Nascimento (2010), o serviço de inspeção escolar foi difundido no Brasil no início da segunda década da Primeira República (1889-1930), com o objetivo de promover a reforma do ensino.

12 Empregamos aqui a noção de desempenho escolar designada pelo percurso ao longo da escolarização e seus resultados, considerando a conclusão, o abandono precoce, a conclusão tardia, entre outros.

13 Para Marchi (2010) e Sirota (1993), o ofício de aluno diz respeito à aprendizagem das regras do jogo escolar, conciliando conformismo e competência.

14 Baseado no método sociométrico de Krech et al. (1975), esse instrumento permite medir/avaliar as relações sociais entre os integrantes de um grupo que têm objetivos em comum e se influenciam mutuamente. A escala busca verificar o grau de preferência/rejeição entre os alunos.

15 Agrupamos como negros os estudantes que se autodeclararam pretos ou pardos.

Disponibilidade de dados

Os dados referentes às entrevistas realizadas para a pesquisa e questionários aplicados aos alunos estão protegidos por questões éticas. Mas poderão ser divulgados, desde que solicitados aos autores e adotados os procedimentos de preservação das identidades dos sujeitos.

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Recebido: 08 de Maio de 2022; Aceito: 05 de Outubro de 2022

Nota sobre autoria

Os autores contribuíram equanimemente para a escrita deste artigo, no qual apresentam parte dos resultados de uma pesquisa de doutoramento, sendo Cláudio M. da Silva Neto o orientando e Marília Carvalho a orientadora.

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