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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.52  São Paulo  2022  Epub 15-Mar-2023

https://doi.org/10.1590/198053149665 

EDUCAÇÃO BÁSICA, CULTURA, CURRÍCULO

EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PANDEMIA: ESTRATÉGIAS E DESAFIOS NO ENSINO FUNDAMENTAL

EDUCACIÓN ESPECIAL EN PANDEMIA: ESTRATEGIAS Y DESAFÍOS EN LA ESCUELA PRIMARIA

ÉDUCATION SPÉCIALISÉE ET PANDÉMIE: STRATÉGIES ET DEFIS DE L’ENSEIGNEMENT PRIMAIRE

Adriana PagaimeI 
http://orcid.org/0000-0001-8443-3126

Kate Mamhy Oliveira KumadaII 
http://orcid.org/0000-0002-5278-9782

Silvana Lucena dos Santos DragoIII 
http://orcid.org/0000-0003-3705-0194

Rosângela Gavioli PrietoIV 
http://orcid.org/0000-0003-4013-1163

Douglas Christian Ferrari de MeloV 
http://orcid.org/0000-0003-2761-0477

Amélia ArtesVI 
http://orcid.org/0000-0001-7296-9820

IFundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo (SP), Brasil; apagaime@fcc.org.br

IIUniversidade Federal do ABC (UFABC), Santo André (SP), Brasil; kate.pedagogia@gmail.com

IIIUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil; silvanaldrago@gmail.com

IVUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil; rosangel@usp.br

VUniversidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória (ES), Brasil; dochris.ferrari@gmail.com

VIFundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo (SP), Brasil; aartes@fcc.org.br


Resumo

O objetivo desta pesquisa foi analisar estratégias e desafios identificados no início da pandemia de covid-19 para a escolarização do público-alvo da educação especial, com foco na percepção de docentes do ensino fundamental das redes públicas. Os dados foram gerados a partir das respostas de 937 docentes de todo o Brasil a um questionário on-line, divulgado em plataforma acessível e traduzido em Libras. Dentre os resultados, observou-se que, apesar do investimento no fomento de tecnologias digitais antes da pandemia, o ensino remoto foi, predominantemente, conduzido pelo uso de material impresso, sendo o trabalho com esse alunado a distância apontado como o maior desafio. Espera-se com este estudo contribuir para o mapeamento das implicações do ensino remoto para a educação especial.

Palavras-Chave: INCLUSÃO ESCOLAR; PANDEMIA; ACESSIBILIDADE

Resumen

El objetivo de esta investigación fue analizar estrategias y desafíos identificados al inicio de la pandemia de covid-19 para la escolarización del público objetivo de educación especial, centrándose en la percepción de los docentes de escuela primaria pertenecientes a redes públicas. Los datos fueron generados a partir de la respuesta de 937 docentes de todo Brasil a un cuestionario en línea, publicado en una plataforma accesible y traducido a Libras. Entre los resultados, se observó que, a pesar de la inversión en la promoción de tecnologías digitales antes de la pandemia, la educación remota fue impulsada predominantemente por el uso de material impreso, y trabajar con esos estudiantes a distancia fue el mayor desafío. Se espera que este estudio contribuya a mapear las implicaciones de la educación remota para la educación especial.

Palabras-clave: INCLUSIÓN ESCOLAR; PANDEMIA; ACCESIBILIDAD

Résumé

L’objectif de cette recherche était d’analyser les stratégies et les défis, identifiés au début de la pandémie de covid-19, concernant la perception de enseignants sur la scolarisation des élèves de l’enseignement primaire spécialisé. Les données proviennent des réponses à un questionnaire en ligne publié sur une plateforme accessible et traduite en langue des signes (Libras), soumis à 937 enseignants dans l’ensemble du Brésil. Parmi les résultats, il a été observé que, malgré l’investissement dans la promotion des technologies numériques avant la pandémie, l’enseignement à distance s’est principalement appuyé sur du matériel imprimé, et que travailler avec ces élèves à distance a constitué le plus grand défi. Cette étude entend contribuer à la cartographie des implications de l’enseignement à distance pour l’éducation spécialisée.

Key words: INCLUSION SCOLAIRE; PANDÉMIE; ACCESSIBILITÉ

Abstract

This study analyzes the strategies and challenges identified in the beginning of the Covid-19 pandemic to the provision of schooling for special education students, particularly from the perspective of public primary education teachers. The data were generated by means of the responses of 937 teachers from across Brazil to an online questionnaire that was posted on an accessible platform and translated into Libras. Among the results, it was observed that despite pre-pandemic investments on digital technologies, remote learning was predominantly carried out using printed material, and teaching special education students was pointed out as the main challenge. It is expected that this study will contribute to mapping the implications of remote learning for special education.

Key words: INCLUSIVE EDUCATION; PANDEMIC; ACCESSIBILITY

Este artigo apresenta resultados da pesquisa intitulada “Inclusão escolar em tempos de pandemia”1 (Pagaime et al., 2020), desenvolvida em julho de 2020, durante os primeiros meses de suspensão das aulas presenciais, em função da pandemia causada pela covid-19 (World Health Organization [WHO], 2020).

Para conter os avanços da doença, a partir de fevereiro de 2020, o Brasil implementou diversas medidas sanitárias preventivas, dentre elas a quarentena e o isolamento social,2 causando a redução das atividades econômicas até a interrupção total de algumas práticas sociais e culturais (tais como eventos, atividades esportivas e religiosas) envolvendo alguma forma de aglomeração (Pletsch & Mendes, 2020). Semelhantemente, o ensino presencial de todo o território nacional, tanto na educação básica como na superior, foi flexibilizado, permitindo a suspensão da obrigatoriedade das aulas presenciais e do mínimo de dias letivos do ano de 2020, sendo mantido o total de horas-aula (Medida Provisória n. 934, 2020; Parecer n. 6, 2021).

Sabe-se que os impactos causados pelo vírus SARS-CoV-2 foram observados em escolas de todo o mundo, pois a configuração desse espaço foi concebida como de alto risco de transmissão. De acordo com Arruda (2020), apesar de a escola ser, majoritariamente, composta por grupos com menor propensão a sintomas graves da doença (crianças e jovens), sua rede de contato tem potencial para alcançar pessoas pertencentes aos grupos vulneráveis (profissionais e/ou familiares de forma geral). Por essas características, o autor registra que, em abril de 2020, quase 90% de estudantes de todo o mundo não estavam frequentando as aulas presenciais, sendo adotado pela maioria dos países o uso de tecnologias digitais para o ensino remoto (Arruda, 2020).3

Nesse período, Paulo et al. (2020) pontuam diversos desafios inerentes ao contexto brasileiro, pois muitos professores eram inexperientes com o uso de tecnologias. A maioria das escolas públicas não apresentava infraestrutura necessária e não houve tempo de reorganizar os currículos para a modalidade remota. Assim, a operacionalização dessa opção ocorreu com “inúmeras tribulações, dentre as quais, a falta de aparelhos e boa conexão por parte dos alunos e professores, ansiedade, acúmulo de trabalho, evasão, entre outros” (Paulo et al., 2020, p. 197).

Ao pensar no público-alvo da educação especial (PAEE), qual seja, estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades ou superdotação (AH/SD) (Lei n. 9.394, 1996), por estarem associados a um grupo vulnerável, outras barreiras foram impostas e/ou agravadas. Segundo Pletsch e Mendes (2020), entre os problemas enfrentados por esse grupo de estudantes, é possível destacar:

. . . a inacessibilidade da informação e da comunicação, especialmente para pessoas surdas, cegas e com deficiência intelectual, a não acessibilidade aos programas e às plataformas digitais para a participação dessa parcela da população nas aulas online, quando oferecidas. Além disso, a pandemia também revelou, de forma mais sistemática, a falta de preparo dos sistemas de saúde para entender as especificidades dessas pessoas. (p. 4).

Além disso, é válido pontuar ainda que, conforme pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas (FCC), em abril de 2020, em muitas localidades do país o ensino remoto não foi imediatamente implantado, deixando as comunidades escolares sem nenhuma atividade pedagógica durante os primeiros meses da pandemia. Assim, a complexidade desse cenário, bem como os desdo- bramentos com o ensino remoto, contribuiu para ampliar o risco de exclusão de alguns grupos de aprendizes, tais como imigrantes, minorias étnicas e as pessoas com deficiência, já em situação de desvantagem. Isso posto, tornou-se urgente a definição de estratégias e normativas para a continuidade do calendário escolar durante a pandemia.

Em julho de 2020, muito se discutia sobre os efeitos da suspensão das aulas, tanto na aprendizagem quanto na vida dos estudantes brasileiros. Porém, até então, não havia notícias de estudos voltados ao PAEE e, assim, esta pesquisa teve como participantes exclusivamente professoras e professores que atuavam com esse alunado, nas classes comuns ou no atendimento educacional especializado (AEE).

Nessa senda, o objetivo desta investigação foi analisar as estratégias propostas e os desafios enfrentados na escolarização do PAEE, nos primeiros quatro meses de suspensão das aulas presenciais, tendo como foco as percepções de docentes atuantes na educação básica das redes públicas estaduais e municipais. Tal recorte se justifica em virtude de, conforme o Censo da Educação Básica de 2020, 84% das matrículas da educação especial estarem concentradas nessas redes: respectivamente, 54% e 30% (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2021).

É válido pontuar que muitos artigos, livros e relatórios sobre a educação na pandemia foram divulgados, sobretudo em dossiês temáticos. Em uma breve revisão bibliográfica (Gil, 2002), feita em fevereiro de 2021 a partir de uma consulta ao Google Acadêmico, foram encontrados 105 artigos publicados em periódicos nacionais de 2020 até janeiro de 2021. No entanto, desse montante, apenas 22 abordaram direta ou indiretamente o PAEE, ou seja, em alguns o foco era o ensino remoto, trazendo menção ao alunado PAEE, mas sem uma discussão aprofundada a respeito. Dentre esses, 12 estudos se dedicaram à educação básica e 9 trouxeram contribuições para se pensar estratégias didáticas nesse período, foco do presente artigo.

Nesse contexto, observa-se a presença de estudos situados em localidades específicas, como a pesquisa de Oliveira et al. (2020), que aborda a educação do município de Fortaleza, no Ceará, sob a ótica de docentes do AEE. Semelhantemente, Martins et al. (2020) descrevem um projeto para a educação especial na perspectiva inclusiva adotado durante a pandemia, com estratégias específicas para esse público, realizado em Floriano, no Piauí. Já Nozu e Kassar (2020) se concentram nas estratégias educacionais utilizadas na região pantaneira da rede municipal de Corumbá, no Mato Grosso do Sul.

Há estudos que se detêm em um determinado público da educação especial, tais como as produções sobre o transtorno do espectro autista (TEA) no ensino fundamental (Souza & Dainez, 2020; Cardozo & Santos, 2020) e na educação infantil (Dias et al., 2021). Por sua vez, Shimazaki et al. (2020), bem como Souza e Vieira (2020), abordam o contexto educacional com estudantes surdos, e Pletsch e Mendes (2020) focalizam alunos com deficiência múltipla, a partir da perspectiva de professores.

Com base nesse levantamento, é possível notar carência de estudos que dimensionem o trabalho escolar junto a esse público durante a pandemia em âmbito nacional, papel desta pesquisa, a qual trata, principalmente, das ações que foram implementadas pelas redes de ensino. Assim, além desta seção introdutória, na sequência, serão apresentados os procedimentos metodológicos, os resultados e discussão e as considerações finais.

Procedimentos metodológicos

Este estudo, de natureza quanti-qualitativa (Ferraro, 2012; Gamboa, 2013), foi concebido a partir de um questionário eletrônico, desenvolvido na plataforma Survey Monkey,4 conforme as seguintes fases: a) elaboração e testagem piloto do questionário; b) análise dos dados coletados na testagem e ajuste do instrumento; c) tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras), pré-testagem do conteúdo e das condições de acessibilidade (contraste, tipo e tamanho da fonte); d) ajustes com base na testagem dos recursos de acessibilidade; e) aplicação; e f) processamento e análise dos dados.

Na testagem piloto, colaboraram 49 profissionais, sendo 44 docentes da educação básica e cinco especialistas da área da educação especial. Além disso, essa etapa contou com a contribuição de outros três profissionais cegos, usuários de leitores de tela, quatro com baixa visão (que avaliaram o contraste - cor de fundo e tipo de fonte), bem como docentes com deficiência física (sendo uma delas usuária de tecnologia de rastreamento facial). Por sua vez, a pré-testagem do conteúdo em Libras foi feita por sete docentes, sendo um surdo, cinco surdas e uma surdocega. Destaca-se ainda que um dos pesquisadores envolvidos no presente estudo é pessoa com deficiência por baixa visão.

O questionário on-line, composto por 26 questões fechadas e três abertas, foi publicizado, no período de 10 a 27 de julho de 2020, por meio das redes sociais, listas de e-mail e divulgação de instituições parceiras. Ademais, o WhatsApp foi outra importante ferramenta de divulgação.

Para participar da pesquisa, era necessário concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),5 bem como confirmar ser docente da educação básica que, no primeiro semestre de 2020, atuava com o PAEE, nas classes comuns ou no AEE.

Para garantir o anonimato dos participantes na identificação da professora ou professor, na apresentação dos dados, adotamos a inicial P (em alusão à participante) acompanhada da numeração correspondente à ordem da tabulação dos dados da pesquisa. Além disso, a origem docente é identificada como CC, para quem atua em classe comum, e AEE, para representar profissionais do atendimento educacional especializado, bem como M para quem é da rede municipal e E, para estadual. Por sua vez, a docência nos anos iniciais do ensino fundamental foi cunhada pela sigla EFI e nos anos finais como EFII.

A pesquisa alcançou 1.594 respondentes de todas as unidades da federação, com expressiva participação de docentes do estado de São Paulo (64%). Esses respondentes foram subdivididos em quatro grupos, tendo como referência a atuação docente: CC com alunos PAEE (67,5%); AEE (25,4%); escola ou classe bilíngue para surdos (2,4%); e escola ou classe especial (4,7%). Dentre o grupo de respondentes, destaca-se que 61 docentes se declararam como pessoas com deficiência e, portanto, justifica-se que pesquisas nesse âmbito considerem as diferentes características de seu público, permitindo que todos possam efetivamente participar e mostrar suas contribuições.

Os dados foram exportados do Survey Monkey e tratados por meio do software SPSS,6 em seguida tabulados e analisados com o apoio de planilhas Excel. A Tabela 1 apresenta o recorte deste artigo, a partir dos dados do EFI e EFII, com a distribuição de participantes que atuam na CC e no AEE.

Tabela 1 Distribuição de respondentes do EFI e EFII por rede de ensino e atuação (CC e AEE) 

Rede em que atua EFI - CC N EFI - CC % EFII - CC N EFII - CC % EFI - AEE N EFI - AEE % EFII - AEE N EFII - AEE % Total N Total %
Municipal 287 70,9 86 30,9 156 75,0 44 35,2 573 56,4
Estadual 73 18,0 169 60,8 46 22,1 76 60,8 364 35,8

Fonte: Dados da pesquisa.

Em coerência com os números de matrículas PAEE evidenciados pelo Censo da Educação Básica (Inep, 2021), nesta pesquisa a maior concentração (92,2%) de respondentes que atuam com esse grupo também adveio das redes públicas municipais e estaduais, com respectivamente 56,4% e 35,8%. Desse modo, o recorte estabelecido abrangeu a maioria dos respondentes, totalizando 937 docentes.

Os resultados concernentes à análise das estratégias propostas (incluindo o formato de ensino remoto adotado, as atividades e a presença de acessibilidade para o PAEE) e desafios enfrentados (desde contato com estudantes, a participação nas aulas, até a preocupação com a realização das tarefas em casa e a aprendizagem) na escolarização do PAEE são apresentados na sequência. Além da organização por redes de ensino, a discussão considera as respostas de docentes do EFI e EFII das CC, cotejando-as com participantes que atuam no AEE.

Estratégias e desafios de ensino remoto

Em julho de 2020, segundo as professoras e professores participantes, 94,9% das redes de ensino promoviam alguma ação de ensino remoto. É inegável que as tecnologias digitais têm sido adotadas em contextos escolares há algum tempo, sendo que iniciativas para fomentar uma educação digital podem ser observadas, por exemplo, desde a publicação do Guia de tecnologias educacionais (Ministério da Educação [MEC], 2009) até os cursos de formação continuada para professores nessa área (Santarosa et al., 2014). Apesar disso, conforme mostra a Tabela 2, em relação às estratégias utilizadas nos primeiros quatro meses de suspensão das aulas presenciais, o uso de material impresso ainda foi o principal recurso indicado por aproximadamente 70% dos docentes de ambas as redes, ultrapassando essa marca no EFII, tanto na CC quanto no AEE.

Tabela 2 Estratégias utilizadas pelas redes de ensino/atuação docente (%) 

Rede Estratégias de ensino remoto EFI (CC) EFII (CC) EFI (AEE) EFII (AEE)
Municipal TV 7,0 7,1 11,6 0,0
Estadual TV 47,9 47,8 47,3 39,5
Municipal Rádio 1,0 0,6 0,0 0,0
Estadual Rádio 1,4 0,0 1,8 1,3
Municipal Aulas gravadas 36,0 42,3 34,9 20,5
Estadual Aulas gravadas 46,6 52,2 42,0 32,9
Municipal Aulas ao vivo (on-line) 22,7 17,3 24,4 20,5
Estadual Aulas ao vivo (on-line) 34,2 41,3 34,9 35,5
Municipal Material impresso 73,8 73,1 61,6 79,5
Estadual Material impresso 61,6 78,3 67,5 76,3

Fonte: Dados da pesquisa.

Nota: Neste item era possível aos respondentes selecionar mais de uma alternativa.

Segundo Fiscarelli (2008, p. 17), desde a década de 1990, países da América Latina têm investido na incorporação de materiais didáticos pautados em “novas tecnologias”, entendidas como: “televisão, vídeo, computador, internet, games, multimídia, etc.”. Apesar disso, a autora denota em suas pesquisas que a maioria dos professores permanece apoiando suas aulas, principalmente, nas “velhas tecnologias”, tais como “o giz, a lousa e o livro didático” (Fiscarelli, 2008, p. 18).

Assim, a presente pesquisa evidencia a utilização de materiais impressos, seja no ensino presencial ou no remoto, respectivamente, adotados antes ou durante a pandemia. Essa realidade se acentua, conforme Bruns e Rausch (2020), em decorrência de muitos alunos não terem computador, ou equipamento compatível (como tablet ou celular) em casa ou com acesso à internet, como pôde ser evidenciado também em nossa pesquisa a partir dos seguintes depoimentos:

P21 - Tinha 36 [alunos] frequentes antes da pandemia e agora somente 15 com acesso à internet. Os demais estão sem aulas. Não há o que a escola fazer. Comunidade muito pobre e vulnerável. Os dois alunos autistas têm família engajada, participativa, que apoiam todas as iniciativas propostas. Os demais seguem como podem. Em algumas casas, o celular é dividido por 3 ou 4 e, às vezes, não há internet suficiente para todos dentro desse mesmo ambiente. (CC E EFI, grifos nossos).

P50 - . . . nas grandes cidades [ou em] regiões metropolitanas, acredito que a maioria dos alunos tem acesso, mas temos os alunos da zona rural e os de baixíssima renda onde tem um só aparelho para vários alunos, filhos. (AEE E EFII, grifos nossos).

P93 - [Lecionamos] com aulas disponíveis em um blog da escola e pelo aplicativo do Google Forms e para quem não consegue acesso, [oferecemos o material didático] impresso pela escola. (CC E EFII).

P19 - Ainda o material impresso é o mais acessível. Uma vez que com o material nas mãos eles podem fazer as atividades. (CC E EFI, grifos nossos).

Além dos desafios de acesso à internet pela maioria dos alunos de P21, a necessidade de dividir um único aparelho entre os filhos em idade escolar é pontuada nos relatos de P21 e P50 como empecilho para alunos com baixas condições socioeconômicas ou situados em regiões mais afastadas dos grandes centros acompanharem as aulas exclusivamente no formato virtual. Ademais, outros fatores podem comprometer as estratégias de ensino remoto adotadas, como destacam os excertos de P92 e P61, ao descreverem a dificuldade com trocas de número de celular ou a falta de condição para manter a internet do mesmo funcionando no período letivo.

P92 - . . . a dificuldade de contato com a família devido a troca constante de números de celular, falta de dinheiro para manter o celular funcionando e com internet, falta de disponibilidade da família em auxiliar em casa por acreditar que essa tarefa cabe à escola, as próprias necessidades dos alunos, a demora da rede de ensino em providenciar os materiais e meios necessários para que as aulas e atividades aconteçam, responsabilizando o professor e a escola para suprir a necessidade de internet do aluno, e para seu próprio trabalho de aulas EAD, demora nas decisões e orientações da rede para instituições de ensino, entre outros. (CC E EFI, grifos nossos).

P61 - . . . não possuem acesso à internet, . . . não possuem apoio algum e muitos os familiares são analfabetos ou têm pouca escolaridade o que prejudica muito seu aprendizado, já que o mesmo acontece de forma autônoma. (CC M EFII, grifos nossos).

Assim, essa realidade vivenciada por inúmeros estudantes justificou a adoção do material impresso como alternativa ou como meio de instrução “mais acessível”, como denotado nos excertos de P93 e P19. Apesar disso, permanecem outras problemáticas para condução do ensino remoto com o PAEE, como a falta de condições de familiares para auxiliar nas tarefas escolares, pois, muitas vezes, “são analfabetos ou têm pouca escolaridade” (P61). Ou ainda pela morosidade nas orientações e na adoção de medidas pelas redes escolares para suprir as necessidades do aluno (P92). Tais desdobramentos imprimem na fala de P92 o sentimento da responsabilização solitária das professoras e professores pelo processo de aprendizagem discente durante a pandemia.

Resultados similares são vislumbrados na pesquisa de Oliveira et al. (2020), cujas respondentes foram professoras do AEE da rede municipal de Fortaleza. Em seus depoimentos, as docentes declaram que, além das poucas orientações de gestores e falta de apoio de familiares na responsabilização pela educação de alunos e alunas, enfrentaram o desafio de precisarem usar os recursos próprios para garantir suas aulas durante a pandemia. E, nesse contexto, frequentemente, o próprio corpo docente também não tinha condições de acessar uma internet de qualidade ou equipamentos como computadores.

Assim, não surpreende que o uso de videoaulas gravadas tenha sido majoritariamente superior ao de videoaulas ao vivo (Tabela 2). Quando as redes de ensino são comparadas, a pesquisa indica que a estadual recorreu mais à modalidade remota, tanto nas aulas gravadas quanto em aulas síncronas.

As aulas gravadas foram mais utilizadas do que as aulas ao vivo, tanto na rede municipal quanto nos estados, exceto entre os docentes do EFII que atuam no AEE, que tiveram o mesmo percentual de respostas para ambas as estratégias na rede municipal (20,5%). Na rede estadual houve uma pequena diferença na utilização de aulas ao vivo (35,5%) e gravadas (32,9%). O maior uso de aulas ao vivo no AEE, em especial no EFII, pode sinalizar que tais profissionais tinham mais contato com esse alunado, por atuarem mais diretamente, conforme se constatou no discurso desse grupo.

De fato, o recurso de lives e aulas gravadas (sendo mais citada a plataforma do YouTube) foi estratégia recorrente no período de suspensão das aulas presenciais também em outros níveis e etapas da educação. Conforme pesquisa realizada com 144 discentes dos ensinos médio e superior, o uso de aulas gravadas quase triplicou nas salas de aula durante a pandemia e a adoção de lives que era inexistente passou a ser recorrente (Silva et al., 2020).

Por sua vez, apesar da baixa incidência na rede municipal, o uso da TV como estratégia para realização do ensino remoto foi mais citado pela rede estadual, chegando a superar o de aulas gravadas em vídeo e de aulas ao vivo entre respondentes do AEE dos EFI e EFII, bem como entre os que atuam em CC no EFI.

Quanto às aulas via rádio, embora represente um índice baixo, chama a atenção o fato de terem sido uma alternativa para quase 2% de docentes do AEE da rede estadual (EFI), mesmo sendo difícil imaginar sua acessibilidade para alguns grupos, sobretudo surdos e surdocegos. Ao mesmo tempo, dentre docentes do AEE que atuam na rede municipal, nenhum participante indicou essa alternativa.

Tal cenário desnuda a heterogeneidade de estratégias e propostas presentes no contexto escolar brasileiro, sem, contudo, deixar de considerar que cerca de 5,1% de respondentes ainda não tinham se organizado para oferta de qualquer estratégia de ensino remoto. No rastro dessa lógica, torna-se oportuno problematizar se as atividades pedagógicas previam a acessibilidade necessária a esse grupo de estudantes PAEE.

Acessibilidade no ensino remoto

Considerando que para participar das atividades escolares, sejam presenciais ou em sistema remoto, há estudantes que precisam de condições que garantam acesso e participação, esta pesquisa buscou identificar quais os recursos de acessibilidade foram providenciados no início do período de suspensão das aulas. Cabe evidenciar que, segundo o art. 3º da Lei Brasileira de Inclusão da pessoa com deficiência (LBI), acessibilidade significa:

I - possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. (Lei n. 13.146, 2015).

Nesse sentido, acessibilidade pressupõe não apenas permitir que pessoas com deficiência participem de atividades ou tenham acesso a serviços e informação, mas também que os recursos utilizados sejam capazes de superar as barreiras que impedem a sua participação social e educacional. Além de ser vista como um recurso capaz de promover alguma adaptação, a acessibilidade é condição necessária ao exercício de direitos e, no caso em questão, o direito à educação.

Tendo em vista que o material impresso foi o formato mais recorrente entre os respondentes da pesquisa, a Tabela 3 apresenta as condições de acessibilidade promovidas ou que acompanharam o referido material.

Tabela 3 Condições de acessibilidade em relação ao material impresso elaborado pelas redes de ensino (%) 

Rede Condições de acessibilidade no material impresso EFI (CC) EFII (CC) EFI (AEE) EFII (AEE)
Municipal Não se aplica 25,7 23,3 17,0 18,2
Estadual Não se aplica 29,2 19,2 17,8 18,7
Municipal Não está acessível 23,9 32,6 23,5 15,9
Estadual Não está acessível 20,8 22,2 15,6 9,3
Municipal Fonte ampliada 20,1 18,6 23,5 29,5
Estadual Fonte ampliada 20,8 19,8 17,8 26,7
Municipal Braille 2,1 1,2 3,3 6,8
Estadual Braille 2,8 1,8 0,0 4,0
Municipal Descrição de imagem 19,4 11,6 24,8 22,7
Estadual Descrição de imagem 19,4 25,1 20,0 22,7
Municipal Ilustração e/ou tradução em Libras 8,1 11,6 16,3 13,6
Estadual Ilustração e/ou tradução em Libras 4,2 16,8 11,1 12,0
Municipal Acessibilidade para deficiência intelectual (DI) 28,2 29,1 55,6 47,7
Estadual Acessibilidade para deficiência intelectual (DI) 27,8 37,1 48,9 56,0
Municipal Acessibilidade para TGD 30,3 30,2 51,0 34,1
Estadual Acessibilidade para TGD 15,3 24,6 35,6 29,3
Municipal Acessibilidade para AH/SD 3,2 1,2 10,5 0,0
Estadual Acessibilidade para AH/SD 1,4 4,8 11,1 6,7

Fonte: Dados da pesquisa.

Nota: Neste item era possível aos respondentes selecionar mais de uma alternativa.

Tomados os extremos percentuais como referências para a análise, as condições de acessibilidade vislumbradas nos materiais impressos distribuídos durante o ensino remoto têm destaque para estudantes com DI indicados por 27,8% (EFI - CC) a 56% (EFII - AEE) de docentes da rede estadual, e por 28,2% (EFI - CC) a 55,6% (EFI - AEE) da rede municipal, seguidos pelo grupo de aprendizes com TGD, representados por índices de 15,3% (EFI - CC) a 35,6% (EFI - AEE) da rede estadual e nos limiares de 30,2% (EFII - CC) a 51% (EFI - AEE) na rede municipal.

Na sequência, encontram-se aqueles com deficiência visual, para os quais a descrição de imagem foi garantida segundo 11,6% (EFII - CC) a 24,8% (EFI - AEE) da rede municipal, e 19,4% (EFI - CC) a 25,1% (EFII - CC) da rede estadual. A fonte ampliada foi indicada por 17,8% (EFI - AEE) a 26,7% (EFII - AEE) de docentes da rede estadual, e 18,6% (EFII - CC) a 29,5% (EFII - AEE) da rede municipal. Com isso, os grupos de estudantes com menor indicação de acessibilidade no material impresso foram os com deficiência visual que se apoiam no uso do braille e os com AH/SD.

É oportuno observar que os achados da Tabela 3 se alinham à proporção de matrículas de estudantes com tais características divulgadas pelo Censo da Educação Básica.7 Em outras palavras, os resultados demonstraram uma maior recorrência de adaptação do material impresso para estudantes com DI, grupo que também compreende a maior população do PAEE. No outro extremo, na mesma questão, os estudantes com AH/SD são menos citados em nossa pesquisa, assim como representam a minoria do grupo de referência.

Inicialmente, aventamos que haveria uma maior incidência no percentual de respondentes advindos do AEE indicando a realização de acessibilidade no material impresso fornecido, em razão da especialização ou habilitação na área (e, portanto, há uma expectativa de conhecimento para promover adaptações necessárias). Apesar disso se confirmar na maioria dos resultados da pesquisa, conforme Tabela 3, observa-se uma grande participação de docentes da CC na condução de estratégias didáticas acessíveis.

No rastro dessa análise, é válido salientar que, na rede estadual, a maior acessibilidade em braille foi indicada por 2,8% de docentes da CC EFI e nenhum do AEE. Já na CC EFII, a descrição de imagem foi declarada por 25,1% em contraponto com 22,7% do AEE, ao passo que a ilustração e/ou tradução em Libras, na mesma rede e etapa da educação, foi adotada por 16,8% na CC e 12% no AEE. Na rede municipal, apenas a acessibilidade ofertada por docentes da CC EFII para aprendizes com AH/SD superou a promovida pelo AEE, representando, respectivamente, 1,2% e zero.

Diante do exposto, embora a promoção de adaptações ou a utilização de recursos de acessibilidade nos materiais impressos tenha sido, geralmente, mais expressiva entre participantes do AEE, os dados da pesquisa revelam a presença significativa da oferta de acessibilidade por docentes da CC. Com isso, é possível denotar uma evolução na participação desses profissionais na efetivação de uma educação na perspectiva inclusiva. Esse avanço é constatado, visto que relatos de docentes da CC, antes da pandemia, eram caracterizados por sentimento de resistência à inclusão, motivados pelo argumento do despreparo para lidar com as especificidades engendradas nesse processo (Pletsch, 2009).

Outra marca importante das informações deflagradas nesta pesquisa consiste em cotejar os resultados entre as redes municipais e estaduais, o que se verifica na Tabela 4. Tendo em vista que as redes municipais utilizaram, majoritariamente, o material impresso, era esperado que os recursos de acessibilidade que acompanhavam as aulas remotas (ofertadas via televisão, rádio e aulas virtuais gravadas ou ao vivo) estivessem mais presentes nas redes estaduais. Assim, essa diferença pode ser encontrada em quase todos os quesitos, com exceção da oferta de audiodescrição no EFI AEE, que é maior na rede municipal (18,7%), em relação à estadual (8,7%).

Tabela 4 Recursos de acessibilidade providenciados para as aulas remotas on-line, gravadas, via TV ou rádio organizados pela sua rede/escola (%) 

Rede Recursos de acessibilidade providenciados nas aulas remotas (on-line, gravadas, via TV ou rádio) EFI (CC) EFII (CC) EFI (AEE) EFII (AEE)
Municipal Não se aplica 55,8 47,1 46,0 59,1
Estadual Não se aplica 40,3 28,7 26,1 37,0
Municipal Não há recursos de acessibilidade 32,2 36,5 22,0 15,9
Estadual Não há recursos de acessibilidade 19,4 19,8 32,6 16,4
Municipal Legenda 5,7 5,9 10,7 11,4
Estadual Legenda 9,7 15,0 10,9 15,1
Municipal Intérprete de Libras 7,1 12,9 18,0 6,8
Estadual Intérprete de Libras 27,8 44,3 39,1 38,4
Municipal Audiodescrição 6,4 7,1 18,7 15,9
Estadual Audiodescrição 16,7 16,2 8,7 17,8

Fonte: Dados da pesquisa.

Nota: Neste item era possível aos respondentes selecionar mais de uma alternativa.

Consoante à oferta de intérpretes de Libras nas aulas remotas oferecidas pela rede estadual, destaca-se sua presença informada por 27,8% (EFI) e 44,3% (EFII) de respondentes. Todavia, como ilustrado anteriormente, na Tabela 2, importa resgatar que cerca de 40% de docentes dessa rede indicaram que uma das estratégias mais utilizadas correspondeu às aulas remotas via televisão. Nesse sentido, estima-se que as redes estaduais aplicariam um esforço menor nessa estratégia de acessibilidade, tendo em vista a possibilidade de replicabilidade das aulas traduzidas para Libras a um quantitativo maior de alunado.

No tocante à alternativa “não se aplica”, esta tanto pode representar os alunos PAEE que não necessitam dos recursos elencados como pode assinalar para as redes que, na época, não haviam se organizado para o ensino remoto. Observa-se, ainda, que o menor investimento em acessibilidade (com a alternativa “não há recursos de acessibilidade”) aparece nas CC das redes municipais (32,2% no EFI e 36,5% no EFII). Inversamente, o maior índice de respostas apontando a ausência de acessibilidade nas aulas remotas está no AEE das redes estaduais, representado por 32,6% no EFI e 16,4% no EFII.

Em que pese a impossibilidade de organização prévia das redes de ensino às consequências da pandemia, é válido pontuar que as respostas desta pesquisa remetem a uma dificuldade de planejamento direcionada ao público da educação especial que não é exclusiva desse contexto. De acordo com os estudos de Ferreira e Carneiro (2016), a atuação pedagógica junto a esses estudantes já tem sido tradicionalmente representada por improvisações, inexistência de planejamento de ensino acessível e atividades não adaptadas, mesmo quando estas se fazem necessárias.

Outra dimensão explorada, de suma importância também durante a pandemia, tem relação com a responsabilidade da atuação de docentes da CC e do AEE, assim como o contato e a parceria no processo de escolarização do PAEE. Tendo em vista as especificidades escolares que abrangem o EFI e o EFII, interessa analisar separadamente os discursos da CC e do AEE sobre as atividades pedagógicas propostas no ensino remoto junto ao PAEE.

A esse respeito, as atividades pedagógicas não presenciais foram definidas pelo Conselho Nacional de Educação como:

. . . o conjunto de atividades realizadas com mediação tecnológica ou não, a fim de garantir atendimento escolar essencial durante o período de restrições para realização de atividades escolares sem a presença física de estudantes na unidade educacional da educação básica ou do ensino superior. (Parecer n. 5, 2020).

Nessa esteira, concernente às atividades propostas na CC, os respectivos docentes declararam as terem desenvolvido, contando com a orientação e suporte na adaptação e correção feita pela professora ou professor do AEE. Assim, por meio dos excertos abaixo, é possível conferir que houve comunicação entre a CC e o AEE, pois as professoras da CC eram capazes de narrar o trabalho desenvolvido no AEE durante esse período:

P226 - Na escola em que trabalho, estamos pensando nas atividades inclusivas, mas além disso temos a professora da sala de recursos multifuncionais que está adaptando e enviando por WhatsApp para as famílias. (CC M EFI, grifos nossos).

P18 - Sou professora regente [e] meus alunos têm professora de apoio que os acompanha diariamente nessa pandemia com videoconferência e participa com eles das aulas on-line diárias também. (CC E EFI, grifos nossos).

Por outro lado, docentes do AEE que atendem estudantes desses mesmos anos escolares chamam a atenção para os desafios de assegurar esse serviço especializado sob uma atuação bastante solitária, que se intensificou durante o contexto de pandemia:

P26 - . . . faço pequenos kits pensando na individualidade do aluno, assim o aluno fica mais feliz e sente mais interação. Pego plástico esterilizado e coloco atividades práticas pensando no que o aluno precisa estimular. (AEE E EFI).

P130 - Inicialmente fiz kits com atividades. Os pais buscaram na minha casa. Depois a escola aceitou imprimir e eu faço as atividades com 25 folhas, ajudo as cuidadoras a escolherem atividades e fico cobrando dos professores para que eles se adaptem às atividades. Apoiamos os pais através do WhatsApp, orientando e dando dicas. (AEE M EFI, grifos nossos).

P8 - O trabalho triplicou, porque temos que fazer as APNPs [Atividades Pedagógicas não Presenciais] de todas as áreas sem a ajuda do professor do regular. Sabendo também que não dominamos tais componentes curriculares. (AEE E EFI, grifos nossos).

A organização de kits mencionados por P26 e P130 foi estratégia frequente durante o ensino remoto, seja com kits pedagógicos com atividades e material escolar e/ou com merenda. O estudo de Nozu e Kassar (2020), por exemplo, apresenta dados da rede municipal de educação de Corumbá, situada em regiões do Pantanal de difícil acesso e sujeitas ao fluxo do rio Paraguai e de seus afluentes. Segundo os autores, nesse contexto, onde tradicionalmente o principal meio de comunicação é via rádio, pois não há uma boa cobertura de telefonia celular e internet, mesmo antes da pandemia alguns grupos de estudantes só acessavam os estudos por meio de “barcos escolas” e “tratores com carretas integradas” (Nozu & Kassar, 2020, p. 8). Assim, durante o ensino remoto, os kits foram essenciais para manutenção da escolarização desses aprendizes que tiveram os desafios potencializados pela pandemia, sendo ainda mais complexo para estudantes com defi- ciência, os quais vivenciam duplamente a exclusão “pelo lugar de origem e pela condição orgânica” (Nozu & Kassar, 2020, p. 13).

Na construção desses kits pedagógicos, observa-se o cuidado de P26 no uso de plásticos esterilizados e na escolha de atividades que respeitem a individualidade de cada aprendiz. Já no excerto de P8 a percepção mais marcante é da sobrecarga da professora de AEE a partir de um trabalho executado, muitas vezes, “sem a ajuda do professor do regular”.

Essa narrativa de intensificação do deslocamento da responsabilização pela educação do PAEE para docentes do AEE foi reforçada nos depoimentos de respondentes da CC, principalmente no EFII. Nesse grupo, a maioria indicou que as atividades diferenciadas e adaptadas são propostas pelo AEE, tal como pode ser acompanhado nos excertos de P35 e P148:

P35 - As adaptações das atividades não presenciais são feitas por professores auxiliares sob supervisão de uma coordenadora de Educação Especial. (CC E EFII).

P148 - O aluno tem acompanhamento individual com uma professora auxiliar da escola pelas redes sociais. (CC M EFII).

Sobre a atuação do AEE, Nascimento et al. (2020) reiteram que, apesar das restrições inerentes ao momento de urgência do ensino remoto, este trabalho docente é insubstituível para a manutenção do vínculo com o universo escolar, em especial no que se refere às mediações e ações pedagógicas.

Ademais, a presente pesquisa possibilitou delinear as principais dificuldades enfrentadas para atuar com o PAEE e, nesse sentido, as percepções docentes da CC e do AEE são bastante semelhantes, conforme se verifica na Tabela 5.

Tabela 5 Dificuldades enfrentadas por docentes para atuar com o PAEE, por rede, etapa e atuação (%) 

Rede Dificuldades enfrentadas para atuar com o PAEE EFI (CC) EFII (CC) EFI (AEE) EFII (AEE)
Municipal Trabalho conjunto entre professor da CC e da EE 31,1 24,4 48,0 45,5
Estadual Trabalho conjunto entre professor da CC e da EE 31,5 45,2 39,1 47,3
Municipal Trabalhar com esse grupo a distância 69,6 69,8 70,4 67,9
Estadual Trabalhar com esse grupo a distância 60,3 60,2 63,0 56,8
Municipal Estimular a participação deles no grupo 53,4 51,2 51,3 36,4
Estadual Estimular a participação deles no grupo 58,9 45,8 54,3 45,9
Municipal Desconhecer/ter pouco domínio dos recursos de acessibilidade das plataformas 25,8 30,2 19,7 18,2
Estadual Desconhecer/ter pouco domínio dos recursos de acessibilidade das plataformas 21,9 21,1 21,7 25,7
Municipal Atender às especificidades desses alunos 46,3 47,7 44,7 29,5
Estadual Atender às especificidades desses alunos 46,6 45,8 43,5 39,2
Municipal Contato com os alunos e/ou familiares 45,2 54,7 44,7 27,3
Estadual Contato com os alunos e/ou familiares 32,9 42,8 50,0 47,3

Fonte: Dados da pesquisa.

Nota: Neste item era possível aos respondentes selecionar mais de uma alternativa.

Diante da análise da Tabela 5, a maior dificuldade foi “trabalhar com esse grupo a distância”, apontado por aproximadamente 70% de respondentes das redes municipais e 60% das estaduais.

O desafio de estimular a participação do PAEE no grupo aparece em segundo lugar, próximo a 50% na maioria das etapas e atuação, com exceção de docentes das redes municipais que atuam no AEE EFII, para os quais essa dificuldade foi apontada por 36,4%.

A terceira dificuldade foi “atender às especificidades desses alunos”, que tanto nos municípios, quanto nos estados fica em torno de 46%, exceto no AEE EFII que foi indicado por 29,5% de docentes das redes municipais e 39,2% das estaduais.

Sobre as dificuldades apontadas nesta pesquisa, o estudo de Oliveira et al. (2020) corrobora esses achados ao revelar a baixa participação desse alunado ou a pouca interação deles nas atividades propostas pela escola durante a pandemia. O dado coaduna ainda com os resultados da Tabela 5, concernentes à evidência de que, na maioria dos grupos, aproxima-se de 50% a percepção de dificuldade docente para estabelecer contato com o PAEE e/ou seus familiares.

Semelhantemente, os depoimentos de P33 e P62 ilustram como a ausência de uma pessoa responsável para acompanhar as atividades remotas foi concebida, seja no AEE ou na CC, como a principal dificuldade enfrentada durante o ensino remoto.

P33 - Apesar de todo apoio da equipe escolar com o público-alvo da educação especial nossa maior dificuldade está sendo a falta de comprometimento dos pais ou até mesmo a falta de escolaridade dos mesmos, assim não conseguindo auxiliar seus próprios filhos com as atividades. (AEE E EFII, grifos nossos).

P71 - Infelizmente, no meu município, os pais com mais de uma criança priorizam o uso dos equipamentos para o filho sem deficiência. O estudante com deficiência, mais uma vez, sente, dessa vez, em casa, os efeitos da exclusão. (AEE M EFI).

P62 - O contato com os pais de alunos de inclusão [sic] é muito difícil, para muitos é trabalhoso ensinar em casa, haja vista que o retorno da aprendizagem deles é lenta. (CC M EFI, grifos nossos).

Sabe-se que há correlação entre a incidência de pessoas com deficiência e a vulnerabilidade socioeconômica, acentuada por questões como extrema pobreza, desnutrição e falta de saneamento básico (Barnes, 2010). Certamente, isso reflete, como já demonstrado anteriormente, a complexidade de ofertar infraestrutura mínima para as condições necessárias do ensino remoto, desde os equipamentos tecnológicos e acesso à rede de internet até o suporte pedagógico (haja vista a baixa escolaridade de grande parte dessas famílias e/ou sua pouca instrução para lidar com o PAEE). Desse modo, antes de tirar “uma conclusão precipitada de responsabilização das famílias pelo insucesso na participação dos estudantes”, é preciso modalizar essa culpabilização, analisando esses aspectos dentro de cada contexto social, desvencilhando a ideia exclusivamente pautada na falta de comprometimento (Oliveira et al., 2020, p. 43).

A esse respeito, é oportuno indicar que há relatos, embora pontuais, de aspectos positivos referentes ao aumento da participação de alguns familiares, como ilustra P34:

P34 - Os pais têm participado e apoiado mais os filhos nas atividades remotas do que no momento das aulas presenciais, também têm procurado se comunicar mais com os professores e a escola. (AEE E EFII, grifos nossos).

Por sua vez, outra dificuldade identificada na Tabela 5 diz respeito à alternativa “desconhecer/ter pouco domínio dos recursos de acessibilidade das plataformas”, pois a hipótese naquele momento era de que o modelo de aulas remotas, assim como a necessidade do uso de tecnologias digitais, seria um agravante na relação professor-aluno. Entretanto, esse aspecto foi assinalado por menos de 20% no caso de docentes do AEE EFI e EFII, nas redes municipais; 25,8% da CC EFI e 30,2% da CC EFII. Já nas redes estaduais, essa questão foi apontada também por cerca de 20%, com exceção do AEE EFII que chegou a 25,7%. Considerando que nessas redes a estratégia mais utilizada foi o material impresso, com o apoio do WhatsApp para comunicação, podemos inferir que esses resultados confirmam que as redes públicas utilizaram menos as plataformas digitais e seus possíveis recursos de acessibilidade.

Se, por um lado, as percepções docentes da CC e do AEE coincidem no que se refere às dificuldades de atuação com esse alunado, por outro, elas divergem quando o quesito é o “trabalho conjunto entre professor da CC e do AEE”. Nas redes municipais, dentre docentes da CC, o trabalho conjunto com o AEE foi indicado como uma dificuldade por 31,1% no EFI e 24,4% no EFII. Entre docentes do AEE, essa dificuldade foi verificada por 48% do EFI e 45,5% do EFII, corroborando a ideia de que esse grupo percebe sua atuação marcadamente solitária, tal como manifestada por P130 em excerto anteriormente discutido.

Nas redes estaduais, essa diferença de percepção também se apresentava, mas de forma mais equilibrada. No EFI essa dificuldade de atuação conjunta foi registrada por 31,5% de participantes oriundos da CC e por 39,1% do AEE; dentre os que atuam no EFII, essa dificuldade foi indicada por 45,2% da CC e 47,3% do AEE.

Apesar de o estabelecimento desse trabalho conjunto ter sido considerado um desafio, é válido ressaltar que houve evidências de parcerias no discurso docente da pesquisa, porém de forma menos expressiva, como os depoimentos a seguir:

P7 - Foram criados grupos WhatsApp das turmas e os professores enviam às atividades para as famílias. Em nossa rede fazemos um trabalho colaborativo com o professor regente. As atividades são as mesmas dos demais estudantes, porém pensamos em conjunto adaptações para os estudantes público-alvo da educação especial. (AEE M EFI, grifos nossos).

P135 - Ensino colaborativo. Trabalho em parceria com as professoras da sala regular e pensamos juntas nas atividades. Mas, a acessibilidade só acontece porque eu, professora de educação [especial], faço os recursos com dinheiro do meu salário. Não tenho apoio. (AEE M EFI, grifos nossos).

Desse modo, os excertos revelam experiências favoráveis de planejamento conjunto das atividades por meio de um “trabalho colaborativo” (P7), em que, segundo afirma, “pensamos juntas nas atividades” (P135). No entanto, chama a atenção o fato de que, nessas ocasiões, há ainda que se lidar com a falta de apoio das escolas/redes de ensino e com o custeio de recursos próprios para garantia da acessibilidade.

Para além das problemáticas estruturais, de comunicação e de adaptação a esse novo contexto, as professoras e professores também expressaram sua preocupação em relação ao processo de ensino e aprendizagem. Conforme ilustra o excerto de P30, pensar em atividades que considerem as características individuais do PAEE pode ser desafiador. Essa percepção é complementada por P108 que declara ser ainda mais nevrálgico quando a escola não conta com tradutores e intérpretes de Libras, professores de apoio e/ou com formação na área de educação especial.

P30 - É difícil oferecer o conteúdo abordado, mesmo com flexibilização, e as atividades que seriam necessárias para o desenvolvimento individual do estudante. (AEE M EFII, grifo nosso).

P108 - Se sabemos de toda sua dificuldade no aprendizado e de sua incapacidade em aprender e avançar, por quantos anos esse aluno poderá ficar retido na mesma série? É muito delicado essa situação e sabemos disso, a inclusão é muito bonita no papel, mas em nossas escolas sem professores formados na área, sem intérprete, sem professor de apoio, fica difícil ajudá-los. (CC E EFII, grifo nosso).

De fato, a fragilidade da formação inicial e continuada no campo da educação especial foi recorrente nesta pesquisa e denuncia o discurso capacitista8 que correlaciona a deficiência a uma suposta incapacidade de aprender e avançar (Pagaime & Melo, 2021). Esse cenário desvela barreiras atitudinais que precisam ser transpostas, entendendo esse conceito, em consonância com Castro e Almeida (2014, p. 179), para quem as barreiras atitudinais “[s]ão aquelas oriundas das atitudes das pessoas diante da deficiência como consequência da falta de informação e do preconceito, o que acaba resultando em discriminação e mais preconceito”.

Contudo essas adversidades não são exclusivas do período pandêmico; pois, ao analisar discursos como o de P178 e P84, denota-se que as dificuldades elencadas não estão associadas às especificidades do ensino remoto. São, na verdade, historicamente presentes no contexto da educação especial, com manutenção ou recrudescimento nesse período.

P178 - A escola tem um blog e não quis colocar um cantinho para atividades do AEE. Eu solicitei várias vezes; isso é exclusão. Alegam que os pais irão se confundir. (CC M EFI).

P84 - Tenho dificuldade para trabalhar com o público da educação especial. Assim como muitos, não tive uma base durante a formação. Então, preparo minhas aulas procurando identificar o que ele já sabe e atender ao que o aluno é capaz de aprender. As informações que chegam até nós são gerais. E, por isso, o sentimento de insegurança. (CC M EFII, grifos nossos).

A necessidade de formação para o atendimento dos estudantes PAEE esteve muito presente na pesquisa, mais enfaticamente dentre respondentes que atuam nas CC, os quais sentem necessidade de apoio para a “organização de estratégias, orientação e acompanhamento para o uso de recursos de acessibilidade na classe comum e/ou na escola, articulação com os outros professores, com a escola, a família, entre outras”, conforme já identificado por Oliveira e Prieto (2020, p. 345).

A falta de apoio e de formação para atuar com o PAEE foi objeto de diversos estudos anteriores à pandemia (Monteiro & Manzini, 2008; Pagnez et al., 2015; Otalara & Dall’acqua, 2016; Monico et al., 2018; Oliveira & Prieto, 2020; Oliveira et al., 2020). A literatura compila a percepção de docentes ao sentirem o despreparo para ministrar suas aulas, tendo em vista as diferenças dos grupos de estudantes, sejam elas cognitivas, sensoriais, físicas ou emocionais, e que interferem significativamente no processo de ensino e nos resultados de aprendizagem. Tais aspectos são confirmados nos excertos a seguir:

P44 - Acredito que deveriam nos dar formação específica para trabalhar melhor com estes alunos, este modo de inclusão, na verdade exclui. (CC E EFI, grifos nossos).

P52 - Nós recebemos orientações da [Secretaria]. Porém não é realizado, na minha opinião, um trabalho efetivo de orientação e treinamento técnico aos profissionais. Nem mesmo aos profissionais especializados que trabalham no [serviço especializado]. Eu recebi orientações delas no início do ano e me orientaram com atividades soltas, sem me passar a real situação do aluno. Algumas de minhas investigações sobre família e possíveis origens das dificuldades para identificar melhores abordagens foram inclusive pedidas para que eu não entrasse nesse mérito [investigação familiar]. Enfim, procurei um curso on-line e estou estudando métodos de alfabetização para crianças autistas, pois não recebi presencialmente qualquer informação para melhor trabalhar com esses alunos, que dirá ferramentas on-line de acessibilidade. (CC M EFI, grifos nossos).

P113 - A formação continuada para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do trabalho com este público não ocorre na rede em que atuo. (AEE M EFI, grifo nosso).

P46 - Existe a falta de formação específica para os professores licenciados nas séries finais do ensino fundamental. Como exemplo, os professores de matemática, muitos não conseguem realizar uma adaptação curricular adequada para os alunos com deficiência. (CC M EFII, grifo nosso).

Assim, seja na CC (conforme P44, P52 e P46) ou no AEE (P113), é flagrante o desconforto docente diante da falta de formação para atuar com o PAEE, situação que reforça a importância de se aprofundar a temática no currículo para as licenciaturas em geral, bem como no âmbito da formação em serviço que contemple uma prática continuada, reflexiva e coletiva:

O desenvolvimento de competências para a EI [educação inclusiva], ainda que possa ter uma fase de sensibilização na formação inicial, só poderá ser plenamente assumido ao longo de uma prática em serviço - isso também porque em EI o comprometimento com a educação de todos os alunos é de toda a escola. Parafraseando o provérbio africano “É preciso toda uma aldeia para educar uma criança”, diríamos que “é preciso toda uma escola para desenvolver um projeto de EI”. (Rodrigues, 2006, p. 307).

Diante do exposto, presume-se que investir em educação ainda é o caminho mais acertado, pois, nas palavras de Rodrigues (2006, p. 311), “se a EI [educação inclusiva] é cara, é melhor não querermos saber o preço da exclusão”.

Considerações finais

O presente estudo, situado no primeiro quadrimestre da suspensão das aulas presenciais, em virtude da pandemia de covid-19 no Brasil, demonstra que há destaques para as ações docentes a partir de trabalhos colaborativos entre CC e AEE, mesmo com as dificuldades enfrentadas pelas redes de ensino e escolas e diante da emergência colocada pela situação.

Apesar da massiva presença de tecnologias digitais no cotidiano contemporâneo, os resultados demonstraram que as redes públicas ainda apoiavam suas atividades remotas, junto ao PAEE, predominantemente no uso do material impresso, cujos recursos de acessibilidade ficavam, em geral, a cargo das professoras e dos professores.

Além disso, embora a atuação docente do AEE tenha sido significativa, observaram-se uma grande participação e senso de responsabilidade por parte de quem atua na CC, considerando um avanço nesse âmbito, provavelmente em função da política nacional de educação especial na perspectiva inclusiva (MEC, 2008).

No tocante aos desafios elencados, a análise apresentada corroborou a literatura ao desnudar fragilidades no atendimento de estudantes PAEE, evidenciando a falta de apoio às professoras e aos professores relativa à escassez de orientações e de recursos tecnológicos. Em concordância com Oliveira et al. (2020), tais elementos podem refletir-se em prejuízos irrecuperáveis do ponto de vista social e acentuar a exclusão desse alunado dos processos de ensino e aprendizagem dos conteúdos curriculares. Todavia faz-se mister reforçar que muitas das dificuldades escancaradas na pandemia têm raízes na história da educação especial.

Enquanto se nota uma preocupação docente com a participação desse grupo e dos avanços já citados, há a recorrência de expressões como “alunos de inclusão”, “alunos especiais”, “incapacidade de aprender e avançar” e “lentidão na aprendizagem”. Nessas ocasiões, as dificuldades são atribuídas à deficiência e, consequentemente, ao aluno, à sua família ou à sua condição de vulnerabilidade social, resultando na baixa expectativa em relação à aprendizagem do PAEE.

Essa visão que reduz a pessoa à deficiência e que ainda a constitui como sendo um grupo à parte remete ao paradigma da integração (Mendes, 2006) e à forte marca do modelo médico da deficiência, na contramão das políticas educacionais brasileiras e das conquistas dos movimentos em prol do modelo social de deficiência (Diniz, 2007), temáticas que merecem ser aprofundadas em futuras contribuições.

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Disponibilidade de dados Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

1A pesquisa contemplou docentes das redes pública e privada, de todas as etapas da educação básica. O relatório técnico com os resultados descritivos foi publicado no site da Fundação Carlos Chagas: https://www.fcc.org.br/inclusao-escolar-em-tempos-de-pandemia/. Este artigo analisa exclusivamente os resultados das redes públicas municipais e estaduais do ensino fundamental, anos iniciais e finais.

2De acordo com a Lei n. 13.979 (2020), o conceito de isolamento foi associado à separação de pessoas doentes ou contaminadas, bem como objetos afetados (como postagens, bagagens, meios de transportes). Já a quarentena foi entendida como a restrição de atividades ou separação de pessoas (e de objetos e animais vinculados) com suspeita de contaminação das demais.

3Apesar de, inicialmente, ter sido bastante ventilada como “educação a distância”, com o tempo, o uso da expressão “ensino remoto” (ou ensino remoto emergencial) tornou-se mais amplamente aceito no contexto educacional vivenciado durante a pandemia (Saraiva et al., 2020). Segundo Arruda (2020, p. 262), a educação ou ensino remoto é caracterizado por aulas “transmitidas em tempo instantâneo por sistemas de webconferências, as chamadas lives, que permitem que professores e alunos tenham condições de realizar interações e organizarem seus tempos de aprendizagem da forma mais próxima à educação presencial”.

4Software privado para coleta e armazenamento de dados.

5O TCLE também foi disponibilizado em Libras. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do ABC (UFABC). Parecer n. 4.040.480 - CAEE n. 31746620.0.0000.5594.

6IBM© SPSS© Statistics 22.0.

7De acordo com o Censo da Educação Básica de 2020, o total de matrículas no AEE era de 1.528.875, das quais 870.483 (56,9%) correpondiam a pessoas com deficiência intelectual, 246.769 (16,1%) com transtorno do espectro autista (TEA), 153.895 (10%) com deficiência física, 86.528 (5,7%) com deficiência múltipla, 76.454 (5%) com baixa visão, 39.442 (2,6%) com deficiência auditiva, 24.424 (1,6%) com AH/SD, 23.139 (1,5%) com surdez, 7.216 (0,5%) com cegueira e 525 (0,03%) com surdocegueira (Inep, 2021).

8Capacitismo: “forma como pessoas com deficiência são tratadas como ‘incapazes’, aproximando as demandas dos movimentos de pessoas com deficiência a outras discriminações sociais como o racismo, o sexismo e a homofobia” (Mello, 2016, p. 3272).

Recebido: 05 de Julho de 2022; Aceito: 31 de Outubro de 2022

Nota sobre autoria

Adriana Pagaime, Kate Mamhy Oliveira Kumada e Silvana Lucena dos Santos Drago participaram da revisão bibliográfica, análise dos dados, escrita e revisão final do texto. Rosângela Gavioli Prieto, Douglas Christian Ferrari de Melo e Amélia Artes participaram da revisão bibliográfica, análise dos dados e revisão final.

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