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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.53  São Paulo  2023  Epub 13-Sep-2023

https://doi.org/10.1590/198053149940 

EDUCAÇÃO SUPERIOR, PROFISSÕES, TRABALHO

DIVERSIDADE, ESTIGMATIZAÇÃO E PERTENCIMENTO NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO

DIVERSITY, STIGMATIZATION AND BELONGING IN THE UNIVERSITY CONTEXT

DIVERSIDAD, ESTIGMATIZACIÓN Y PERTENENCIA EN EL CONTEXTO UNIVERSITARIO

DIVERSITÉ, STIGMATISATION ET APPARTENANCE EN CONTEXTE UNIVERSITAIRE

Marina Carvalho FreitasI  , conceituação da pesquisa, coleta e análise de dados, elaboração do manuscrito, revisão final do artigo
http://orcid.org/0000-0001-5985-0550

Angelo Brigato ÉstherII  , conceituação da pesquisa, discussão dos resultados, elaboração do manuscrito, revisão final do artigo
http://orcid.org/0000-0001-9084-3746

Joelma Cristina SantosIII  , elaboração do manuscrito, revisão do artigo
http://orcid.org/0000-0002-1016-5314

IUniversidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora (MG), Brasil; marinacarvfreitas@gmail.com

IIUniversidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora (MG), Brasil; angelo.esther@ufjf.br

IIIUniversidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del Rei (MG), Brasil; joelma.santtos@gmail.com


Resumo

Esta pesquisa analisou o processo de estigmatização de estudantes vistos como outsiders na universidade pública e os modos como eles buscam reconhecimento e pertencimento nesse contexto. Para isso, raça, gênero e diversidade sexual foram considerados condições que, socialmente, ainda vulnerabilizam certos grupos. Por meio de entrevistas individuais e grupos focais, identificaram-se (re)construções identitárias resultantes da maior ou menor internalização de estigmas imputados, da forma como a pertença grupal se articula no meio acadêmico e do modo como a universidade se apresenta na trajetória dos estudantes. Considera-se que este estudo proporciona maior entendimento acerca do papel da instituição universitária para aqueles considerados outsiders e articula conceitos relevantes nesse campo.

Palavras-Chave: IDENTIDADE; DISCRIMINAÇÃO; UNIVERSIDADE

Abstract

This research analyzed the process of stigmatization of students seen as outsiders in public universities and the ways in which they seek recognition and belonging in this context. To this end, race, gender and sexual diversity were considered conditions that, socially, still make certain groups vulnerable. Through individual interviews and focus groups, we identified identity (re)constructions resulting from the greater or lesser internalization of imputed stigmas, the way group belonging is articulated in the academic environment and the way the university presents itself in the students’ trajectory. It is considered that this study provides a greater understanding of the role of the university institution for those considered outsiders and articulates relevant concepts in this field.

Key words: IDENTITY; DISCRIMINATION; UNIVERSITY

Resumen

Esta investigación analizó el proceso de estigmatización de estudiantes vistos como outsiders en la universidad pública y las formas como ellos buscan reconocimiento y pertenencia en este contexto. Para ello, raza, género y diversidad sexual fueron considerados condiciones que, socialmente, todavía hacen vulnerables a ciertos grupos. Por medio de entrevistas individuales y grupos focales, se identificaron (re)construcciones de identidad producto de la mayor o menor interiorización de estigmas imputados, de la forma como la pertenencia grupal se articula en el ámbito académico y del modo como la universidad se presenta en la trayectoria de los estudiantes. Se considera que este estudio proporciona mayor entendimiento sobre el papel de la institución universitaria para aquellos considerados outsiders y articula conceptos relevantes en este campo.

Palabras-clave: IDENTIDAD; DISCRIMINACIÓN; UNIVERSIDAD

Résumé

Cette recherche a analysé le processus de stigmatisation des étudiants considérés comme outsiders au sein des universités publiques et la manière dont ces derniers cherchent à être reconnus et à appartenir à ce contexte. Les critères de race, de genre et de diversité sexuelle ont été perçus comme des conditions qui, socialement, rendent toujours certains groupes vulnérables. À travers des entretiens individuels et des groupes de discussion on a pu identifier des (re)constructions identitaires en fonction du degré d’intériorisation des stigmates discriminants, de la manière dont l’appartenance à un groupe s’articule en milieu universitaire et comment l’université se présente dans la trajectoire des étudiants. Cette étude permet non seulement de mieux comprendre le rôle de l’institution universitaire pour ceux considérés comme des outsiders, mais aussi d’articuler des concepts pertinents au domaine.

Key words: IDENTITÉ; DISCRIMINATION; UNIVERSITÉ

O perfil dos estudantes das universidades públicas vem se modificando há alguns anos, especialmente no que diz respeito às dimensões de gênero, identidade de gênero, raça, classe e orientação sexual, efeito direto de políticas de ações afirmativas - resultado de décadas de mobilização de grupos e coletivos em busca do reconhecimento de suas identidades, direitos e demandas, nas esferas econômicas, sociais e culturais. O conceito de diversidade, embora amplamente utilizado, não tem uma definição única, consistindo em uma pluralidade de significados, debates e controvérsias. De modo geral, trata-se de um fenômeno social, determinado historicamente, que consiste na categorização dos indivíduos em grupos a partir de suas similaridades (raciais, de gênero, de classes econômicas, etc.) sendo, portanto, um conceito distinto de diferenças individuais (Carvalho-Freitas et al., 2017).

A diversidade está sempre ligada às diferentes pertenças grupais, acentuando suas conse- quências no que se refere às desigualdades sociais, destacando-se que, tanto nos documentos quanto nas práticas que constituem as políticas sociais, “a noção de desigualdade foi muitas vezes subsumida ao termo diversidade” (Vianna, 2015, p. 795). No entanto, no que concerne a esse aspecto, consideramos que diversidade e desigualdade não são termos sinônimos. Ao contrário, a ideia de diversidade pode escamotear a noção de desigualdade, enquanto for compreendida como diferenças entre indivíduos de forma naturalizada, mas que são resultado de processos históricos de discriminação e de preconceitos.

Tendo por referência as relações produzidas na sociedade e, consequentemente, nas universidades, a representação das diferenças sociais ou diversidade pode ser vista como um reflexo das relações de poder que estigmatizam pessoas e grupos sociais, negando a eles oportunidades iguais e conferindo-lhes uma identidade estigmatizada (Oliven, 2007). As universidades são, por um lado, espaços possíveis de discussão e reflexão (Silva, 2001), e, por outro, espaços de reprodução das relações de poder (Oliven, 2007).

Elias e Scotson (2000) utilizam os termos Estabelecidos e Outsiders para designar posições que indivíduos e grupos ocupam na sociedade. O termo “estabelecidos” refere-se aos grupos/indivíduos dominantes, os detentores de poder e prestígio em uma esfera social. Os outsiders, por outro lado, são os que se encontram fora dessa sociedade prestigiada, sendo atribuídas a eles características ou diferenças visando a estigmatizá-los como forma de manutenção das relações de poder.

A experiência e a literatura mostram que esse tipo de relação - estabelecido/outsider - está presente nas diversas esferas sociais, inclusive na universidade, a despeito de suas políticas de ações afirmativas para lidar com a questão da diversidade. No entanto, os esforços parecem insuficientes para dar conta das demandas e dos conflitos decorrentes, sobretudo no que diz respeito ao processo de construção da identidade. De modo geral, os outsiders tendem a ser estigmatizados de alguma forma, embora nem sempre tal situação seja visível. Vale destacar que indivíduos não são outsiders per se, em uma perspectiva que poderia ser considerada essencialista, mas, ao contrário, tal categorização se dá em um contexto de relações de poder.

Assim, o objetivo deste artigo é discutir por que meios (ou estratégias) ocorre o processo de estigmatização de indivíduos tidos como outsiders e, ao mesmo tempo, sua busca por reconhecimento e pertencimento. Na presente pesquisa, foram adotados como elementos “definidores” dos outsiders a raça, o gênero e a diversidade sexual. Tais critérios se referem a grupos estigmatizados, vulneráveis, que constituem, via de regra, minorias do ponto de vista político de participação, representatividade e atendimento de demandas.

Referencial teórico

Identidade

A identidade é um conceito esquivo, como diria Anselm Strauss (1999), na medida em que permite interpretações distintas sob perspectivas distintas. De modo geral, o conceito visa a responder à “clássica” pergunta: Quem é você?. A resposta não é simples, embora se possa começar pelo nome próprio, seguido de alguns atributos, como nacionalidade, preferências, características pes- soais e assim por diante. A rigor, na concepção de Ciampa (1991), nós somos o que fazemos, são nossas ações que nos definem.

No entanto, a identidade é algo ainda mais complexo, uma vez que envolve a relação indivíduo/sociedade, ou seja, a relação de indivíduos com outros indivíduos, os quais, em conjunto e em uma relação de interdependência, configuram a chamada sociedade (Elias, 1994). Por implicar relações sociais de interdependência entre indivíduos, a identidade compreende, necessariamente, uma dimensão histórica e, portanto, de relações de poder. Por essa razão, Castells (2001) entende que a construção de identidades “vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso” (p. 23).

A construção das relações de poder se dá na reiteração e repetição de normas no tempo, e, quanto mais um grupo é estabelecido em uma posição de poder, mais fácil e eficazmente conseguirá estigmatizar os que eles consideram como outsiders. O termo estigma, adotado ao longo do texto, refere-se a uma desqualificação de alguns indivíduos frente à sociedade, devido a características que os diferenciam dos demais (Goffman, 2008). A sociedade cria normas para categorizar as pessoas, elegendo alguns atributos como sendo esperados e “naturais” a todos; essas características acabam se tornando expectativas normativas que devem ser apresentadas por todas as pessoas. Quando um indivíduo apresenta um atributo ou uma marca que o diferencia dos demais, ele deixa de ser considerado uma pessoa comum, sendo reduzido a uma pessoa diminuída e, com isso, é depreciado frente aos demais (Goffman, 2008), constituindo-se a partir da posição que ocupa, o que se denomina de outsider (Elias & Scotson, 2000). Dessa forma, a atribuição de uma identidade estigmatizada ao grupo outsider faz com que ele passe a se sentir inferior ao grupo estabelecido, tendo suas identidades influenciadas e constituídas a partir dessas relações (Veiga, 2017).

Tal como Elias e Scotson (2000), Becker (2008) afirma que alguns grupos impõem suas normas, valores e regras como mais verdadeiros que os de outros grupos. Há uma relativização das normas sociais que passam a definir o que é correto ou não: comportamentos, situações, desvios e rótulos, construções políticas e sociais. Embora sejam construções sociais, tem-se uma tendência à naturalização de certos atributos, como raça, gênero e diversidade sexual, os quais, em sociedade, acabam por serem valorados. O estigma, portanto, assume um valor negativo, depreciativo. O mesmo movimento é observado quando o grupo estabelecido define quais comportamentos e identidades são socialmente aceitos e “bons”, ou seja, valorados positivamente. Seja no caso do estigma ou não, tais tipos se constituem em estereótipos, que são invocados no jogo de poder, embora não sem resistência, a despeito do desequilíbrio na balança de poder entre as partes.

É nesse sentido que se pode afirmar que as identidades de raça, gênero e de diversidade sexual são construções sociais. É essencial destacar que a ciência comprovou, há muito tempo, que a raça é uma concepção incapaz de explicar a diferença humana (Munanga, 2006). No entanto, em função de séculos de escravidão, essas construções históricas e culturais ainda povoam o imaginário social, fazendo com que grupos sejam estigmatizados até hoje.

Os registros do início dessa dominação foram datados na Europa, no século XV, devido à expansão do comércio internacional dos europeus, que ocorria pelo transporte marítimo e territorial (Batista & Mastrodi, 2018). A partir do momento em que os europeus alcançaram o continente africano e as Américas, eles passaram a traficar homens negros visando ao crescimento econômico (Wedderburn, 2007). A população negra, mesmo liberta em 1888, continuou sendo inferiorizada e marginalizada, pois permanecia refém de um sistema opressor que não a integrava na sociedade (Fernandes, 2008). Pelo fato de os negros serem excluídos de todos os lugares, não lhes restou nada além das terras quilombolas (Piza et al., 2017).

A utilização do termo gênero realça um conjunto de relações que pode incluir sexo, mas que não é determinado por ele. É uma categoria que se refere também às questões de identidade e subjetividade, que são construídas tendo como referência um determinado modelo de sociedade com padrões delimitados do que seja masculino e feminino (Cortina, 2015). Segundo Scott (2016), o termo gênero começou a ser utilizado como sinônimo de mulheres, bem como para designar as relações sociais entre os sexos - indicando as construções culturais, como os estereótipos de gênero.

Uma questão central na argumentação acerca de gênero é a desconstrução da oposição binária masculino-feminino. Nesse contexto dicotômico, os dois polos se relacionam a partir de uma lógica de dominação-submissão, em que sempre se opõem e se diferenciam. Tal dicotomia marca a superioridade de um em relação ao outro. No entanto, aprender a pensar dentro dessa lógica e romper com tais padrões culturais é uma tarefa árdua (Butler, 2003). Ainda segundo a autora, é preciso considerar que a noção de construção da identidade não pode ser confundida com outro tipo de naturalização, ou seja, a identidade construída culturalmente não pode levar à armadilha de considerar a identidade como destino, como se as regras e “leis” de uma cultura fossem determinantes inexoráveis da identidade, como no caso daqueles que atribuem à biologia tal determinação.

O termo diversidade sexual aqui refere-se à “legitimidade das múltiplas formas de expressão de identidades e práticas da orientação sexual” (Vianna, 2015, p. 796). O conceito pode ser pensado como um aspecto social das organizações que visam à ampliação dos direitos das pessoas que não se encaixam na matriz heterossexual, isto é, que não fazem parte do modelo socialmente construído que impõe a heterossexualidade como um padrão a ser seguido por todos (Butler, 2009). É importante destacar que a diversidade sexual e a de gênero, em determinados aspectos, se aproximam e, em outros, se afastam. Assim como nas questões de gênero, e fazendo uma articulação com estas, o direito social do grupo LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros, queers, interse- xuais, assexuais e outras orientações sexuais e identidades de gênero) é entendido como uma conquista advinda da luta para tornar seus direitos reconhecidos. Essa diferença, que é colocada entre homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, entre outros, foi construída e determinada socialmente por meio de práticas de controle que, explícita ou implicitamente, produziam políticas e relações estabelecidas no cotidiano das pessoas. Além disso, é marcada pela conservação de conceitos e ações que dizem de uma desigualdade social (Vianna, 2015).

Nesse sentido, a utilização do termo diversidade se refere a conceitos ligados à diferença, mas que mascaram a desigualdade (Vianna, 2015), bem como fazem parte do quadro complexo em que se situam as demandas LGBTQIA+, de gênero e raça. “O que importa aqui considerar é que - tanto na dinâmica do gênero como na dinâmica da sexualidade - as identidades são sempre construídas, elas não são dadas ou acabadas num determinado momento” (Louro, 1997, p. 27).

Do ponto de vista teórico, é possível traçar isoladamente o percurso histórico da construção social das identidades de raça, gênero e de diversidade sexual, mas, ao investigar as condições que atravessam experiências individuais e coletivas, é imprescindível articular identidades, e, para isso, a análise interseccional mostra-se fundamental. Para Crenshaw (2002), a interseccionalidade consiste na dinâmica entre dois ou mais eixos de subordinação instaurados pelo patriarcalismo, pelo racismo, pela opressão de classe e por outros sistemas discriminatórios que criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, pessoas negras, etc. Ao ser utilizada como uma ferramenta analítica, a interseccionalidade possibilita a apreensão de mais de uma forma de opressão simultânea, a fim de que os processos de discriminação não sejam compreendidos isoladamente, nem como uma soma de discriminações, mas como um complexo cruzamento de processos discriminatórios, com potencial para possibilitar a compreensão das condições específicas que se desdobram a partir deles (Kyrillos, 2020). Nesse sentido, consideram-se, conforme Bilge (2018), o caráter político da interseccionalidade e a sua capacidade crítica para uma mudança orientada à justiça social, visto que não é suficiente reconhecer e valorizar a diferença, mas também abordar as estruturas sociais e discutir a redistribuição de poder. No contexto brasileiro, um recurso utilizado, em busca de maior equidade no acesso à educação de nível superior e, consequentemente, a oportunidades de trabalho mais qualificadas e de maior remuneração, consistiu na implementação de políticas de ações afirmativas.

Políticas afirmativas

O direito à igualdade está determinado na Constituição Federal, no entanto, ao longo da história brasileira, as oportunidades de acesso à educação e ao trabalho sempre foram distintas entre os grupos sociais. Essas diferenças podem ser observadas nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021), que refletem o acesso de mulheres e pessoas negras ao trabalho. Mulheres, por exemplo, têm, historicamente, um nível de ocupação substancialmente inferior ao dos homens, atingindo 41,2%, em 2020 (IBGE, 2021). Um maior nível escolaridade das mulheres não foi o suficiente para equilibrar a situação delas em relação à dos homens, mas observa-se que, entre elas, a elevação da escolaridade constitui um fator importante para viabilizar a inserção no mercado de trabalho (IBGE, 2021). Em relação à cor/raça, identificou-se que a taxa de desocupa- ção de pessoas pretas e pardas é maior do que a de pessoas brancas. Em 2020, as taxas de desocupação foram de 15,9% para a população negra e de 11,1% para a população branca, dados que não podem ser justificados unicamente pelo maior nível de escolaridade das pessoas brancas, visto que, quando são comparadas pessoas com o mesmo nível de instrução, a taxa de desocupação é sempre maior para as pessoas pretas e pardas (IBGE, 2021).

No que se refere à população LGBTQIA+, ainda se observa uma carência de dados oficiais acerca do acesso às oportunidades de educação e trabalho. Conforme pesquisa nacional feita por amostragem pela organização Todxs, mais de um terço dos respondentes escondeu ou disfarçou ser LGBTQIA+ no ambiente de trabalho, o que pode envolver desde um desconforto pessoal até um medo de passar por situações de discriminação ou de ser demitido (Todxs, 2021). Percebe-se, portanto, que a heteronormatividade restringe as experiências de gênero e aparece como forma de manutenção das relações de poder e da hegemonia masculina (Knights & Tullberg, 2012), indicando possibilidades diferenciadas de acesso a bens e serviços. É nesse sentido que Oliven (2007) sustenta que ações afirmativas, por exemplo, são medidas públicas que visam a proteger e incluir grupos minorizados socialmente que tenham sido discriminados a priori, sendo a criação de cotas, por seu turno, uma necessidade fundada a partir de um histórico de discriminações.

Desde 2012, o ingresso nas universidades e instituições federais de ensino superior passou a ter o mínimo de 50% de suas vagas reservadas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Essas vagas são subdivididas, sendo metade para estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e a outra metade para estudantes com renda superior a esse valor. Nos dois casos, parte das cotas é destinada, especificamente, para pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas, em número proporcional ao dessa população na unidade da federação em que se situa a instituição (Lei n. 12.711, 2012).

Guimarães e Steil (2006) sugerem que a inclusão vai além do ingresso na universidade, visto que é colocada sobre o estudante a responsabilidade por seguir adiante e permanecer lá dentro - muitas vezes sem o amparo necessário de políticas institucionais, em um espaço permeado pelo racismo e por desigualdades sociais. Nesse sentido, a expansão do acesso às universidades não assegura por si só a democratização completa desse direito, uma vez que, em inúmeros casos, não há a permanência desses estudantes. Dessa forma, o ambiente universitário é um contexto que abarca, por um lado, um espaço de formação e disseminação de conhecimentos, debates e reflexões da sociedade no geral; e, por outro, reflete uma dinâmica para além de seus muros, sendo um ambiente marcado por relações de poder. Apesar das ações mais inclusivas, portanto, persistem os desafios.

Método

Para a realização deste estudo, foi realizada uma pesquisa qualitativa, a qual, de acordo com Minayo (1994), “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos” (p. 21). Os dados foram produzidos e analisados em 2019.

Os participantes deste estudo foram selecionados a partir do contato com coletivos universitários - grupos que se auto-organizam para discutir e atuar em relação a pautas de interesse dos estudantes. No caso, foram convidados, inicialmente, membros de coletivos de gênero (femininos), de pessoas negras e de pessoas do grupo da diversidade sexual (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais). Posteriormente, os próprios pesquisados indicaram outros possíveis participantes para a pesquisa. Apesar de estarem separados, teoricamente, em três grupos distintos, alguns indivíduos se inseriam em dois ou, mesmo, nos três grupos definidos, caracterizando a interseccionalidade.

Desse modo, 22 estudantes das áreas de ciências humanas, exatas e da saúde participaram do estudo, dos quais 15 foram entrevistados individualmente e de forma semiestruturada, sendo as entrevistas gravadas e transcritas. Nesse tipo de entrevista, o entrevistador permite a livre expressão do entrevistado, porém com uma ação de direcionar e explorar o problema de pesquisa que está em pauta, podendo o entrevistado se manifestar e relatar de que forma percebe sua realidade, além de poder reelaborar suas experiências e sinalizar o contexto que as produziu (Fontanella et al., 2006). No que se refere à quantidade de sujeitos entrevistados, posicionou-se em consonância com o argumento de Duarte (2002), para quem o número de entrevistas a serem feitas relaciona-se com a qualidade, profundidade, recorrência e divergência dos relatos apresentados, de modo que o processo de realização de novas entrevistas é finalizado ao se alcançar o chamado “ponto de saturação”, isto é, quando o conjunto das informações recolhidas se mostra consistente e possibilita o reconhecimento de padrões recorrentes.

Também foram realizados dois grupos focais (um encontro por grupo) compostos de estudantes dos três grupos pesquisados. Os entrevistados foram convidados individualmente para o grupo focal a fim de auxiliar no processo de integração dos novos participantes da pesquisa, visto que alguns disseram se sentir mais confortáveis tendo alguém conhecido no grupo. Do primeiro grupo focal participaram sete estudantes, dos quais quatro já haviam sido entrevistados e colaboraram indicando novos participantes para a pesquisa. Do segundo grupo focal participaram quatro estudantes, porém, dessa vez, todos novos na pesquisa. O uso de grupos focais partiu da consideração de que a interação dos pesquisados poderia gerar discussões enriquecedoras para a compressão das questões de pesquisa, entendendo, conforme Barbour (2009), que a postura do moderador deve ser de atenção e de encorajamento das trocas entre os participantes.

No conjunto de toda a pesquisa, participou, em relação ao gênero feminino, um total de doze mulheres, seis negras e seis brancas, sendo três homossexuais. No que se refere à raça/cor, participaram doze pessoas negras, seis homens e seis mulheres, sendo quatro homens e duas mulheres homossexuais. Em relação à diversidade sexual, participaram dez homossexuais, cinco negros e cinco brancos, sendo três mulheres e seis homens. Uma das pessoas participantes, Thalissa, preferiu não se identificar com nenhum dos gêneros. Ressalta-se, portanto, que duas participantes faziam parte dos três grupos da pesquisa: eram mulheres, negras e homossexuais. Vale destacar que todos os nomes atribuídos aos participantes no decorrer deste artigo são fictícios (muitos escolhidos pelos próprios pesquisados), a fim de preservar sua identidade.

Os dados produzidos nas entrevistas e nos grupos focais foram avaliados pelo método de análise de conteúdo do tipo temática, conforme Bardin (2011), sendo os registros agrupados por características (temas) em comum e passando por três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. O software NVivo, voltado à análise qualitativa de dados, foi utilizado nesse processo, sendo selecionados alguns recursos do programa que se mostraram mais adequados para essa etapa de análise, em consonância com a metodo- logia adotada.

Destaca-se que este estudo teve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição em que foi realizada. Todos os participantes da pesquisa receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foram orientados a respeito. Somente após concordância e assinatura do TCLE, os dados foram gerados e registrados em gravações, anotações e posteriores transcrições.

Resultados

A universidade como contexto e como agente

Mais do que apenas um contexto ou pano de fundo, como se não tivesse nenhum papel no processo de socialização dos membros da comunidade acadêmica, a universidade pode ser concebida como agente, na medida em que possui políticas e ações concretas que influenciam direta e indiretamente a vida de todos. A natureza educacional da instituição pressupõe, inclusive, a capacidade ou a busca de criar, desenvolver e descobrir maneiras de alcançar uma sociedade mais justa e mais inclusiva.

A universidade em que a pesquisa foi realizada é uma instituição pública federal, localizada em Minas Gerais e reconhecida nacionalmente, com cerca de 20 mil estudantes de graduação, além de estudantes de cursos de mestrado e doutorado. Oficialmente, a universidade busca exercer um papel que pressupõe o exercício de práticas de tolerância e de convivência respeitosa, bem como a garantia de que os conflitos existentes possam ser dirimidos por meio de mecanismos institucionais de forma legal e democrática. Uma de suas principais ações foi a criação de uma ouvidoria especializada em ações afirmativas, visando a combater discriminações e violências. A instituição também conta com uma diretoria responsável pela elaboração de propostas direcionadas a estudantes contemplados por ações afirmativas, para implantar ações que sensibilizem a comunidade acadêmica sobre questões relativas a raça/etnia, gênero, diversidade sexual, deficiência, vulnerabilidade socioeconômica e tradições culturais. A diretoria busca ainda articular os demais órgãos universitários, abrangendo discentes, docentes e técnicos administrativos, e promovendo discussões sobre temas relacionados a ações afirmativas. Essas características institucionais contribuíram para a escolha da instituição para o estudo.

Entretanto, a universidade não está isenta da ocorrência de práticas discriminatórias e de violência simbólica; ao contrário, ela também se constitui em um espaço de reprodução das relações de poder e de dominação:

A gente tem uma sociedade LGBTfóbica e a gente não está em uma bolha dentro da universidade. A LGBTfobia da nossa sociedade é refletida aqui… Esses casos de opressão de professor com aluno, e de professores LGBT sofrendo opressão, trabalhadores LGBT sofrendo opressão. (Victor).

Você pode observar também quando você vai no RU [Restaurante Universitário] e vê quem tá sentado sozinho, na sala de aula também, você percebe que, às vezes, você tem subsídio, tem intelecto para falar sobre um assunto e algum professor ou colega passa por cima só porque você é negro ou porque você parece… ou porque você é pobre ou alguma coisa assim. (Renato).

Victor e Renato assinalam a agressão implícita à subjetividade pelos comportamentos de inferiorizar e limitar as possibilidades das minorias ou de isolá-las e de ignorar o que elas têm a dizer. Já a agressão explícita também se faz presente no contexto universitário, como nos casos de assédio, tendo a intervenção da universidade um papel relevante no processo de legitimação de direitos, já que a forma como as intervenções se dão expressam perspectivas acerca do reconhecimento da diversidade e das suas demandas nesse meio. A universidade, na opinião dos outsiders, não tem punido práticas discriminatórias e de assédio em relação a grupos de gênero, raça/cor e orientação sexual. A condição de outsiders é mantida, tendo desdobramentos nas configurações e reconfigurações identitárias dessas pessoas, não sendo registrado, em nenhum depoimento a esta pesquisa, o relato de algum estudante que se sentisse plenamente pertencente. Como bem afirma Strauss (1999), a construção da identidade é uma experiência tanto transformadora quanto transtornadora. Conforme extrato de um dos grupos focais, os encaminhamentos da instituição universitária, nessas situações, têm sido vistos como pouco efetivos ou intempestivos:

E a demora para chegar a uma solução, ou a universidade tomar um posicionamento do que vai ser feito em relação àquilo e quantas pessoas precisam passar por aquela situação de medo e esse constrangimento, tudo junto, até ser solucionado. E, às vezes, ter que voltar para a sala de aula, você ainda ter que ter aquele convívio com aquele professor e sentir sempre essa… parece que você não tem um respaldo, alguma coisa que te impeça de… sabe, uma segurança de que aquilo aconteceu e que não vai voltar a acontecer. (Lucas).

Muito pode ser feito pelas instituições, como incentivo a denúncias, suporte social às vítimas, ações preventivas (palestras, atividades de sensibilização, etc.) e intervenções junto aos assediadores, visando a evitar a reincidência dessas situações. A universidade onde a pesquisa foi realizada tem buscado promover ações de sensibilização da comunidade acadêmica, pela divulgação, em banners e outdoors, de informações sobre grupos minorizados, além de possuir uma ouvidoria especializada. Tais iniciativas são vistas, por alguns entrevistados, como importantes para a conscientização, mas, para outros, são pouco efetivas para coibir os abusos:

O que me chamou muito a atenção - porque eu sempre passo pelo campus, seja no horário de aula ou na correria do dia a dia - são os banners enormes que eles trazem. De olhar e falar assim: “Nossa, então tem 30% dos alunos com o mesmo posicionamento que eu. Então, eu sou 30%, eu não sou 1%…” Em cima daquilo eu acho legal que a gente consegue adquirir força justamente pra tipo: “Nossa, então, eu sou pouco ainda, que tal eu tentar trabalhar mais isso dentro da universidade com meus amigos?”. (Lucas).

É cuidar da imagem para disfarçar aquilo que acontece, porque assim… esse tipo de atitude eu desprezo, honestamente, porque isso causa uma falsa impressão de que as coisas são… que a universidade se importa com essas questões, e aí cria um lugar de conforto e aí você não precisa agir de fato. Você não precisa lidar com as questões que estão ali estampadas na sua cara. Assim, me incomoda demais. (Marília).

Como visto, para Marília, mulher negra que faz parte do grupo de diversidade sexual, essas ações ocultam a raiz dos problemas e impedem que a demanda por intervenções efetivas se imponha, preservando a estruturação social tal como já estabelecida. Por outro lado, a universidade também se mostra, por outras perspectivas, como possibilidade de transformação social, chegando a abrir brechas possíveis para mudanças nas relações de poder. Nesse sentido, as políticas públicas educacionais de reserva de vagas para grupos específicos e o crescente número de pessoas em contexto de diversidade, dentro da instituição, são vistos positivamente, como no relato de Márcia: “Na verdade, quando eu entrei tinha cota, mas eu me sentia sozinha porque parecia que só tinha branco na universidade. Eu acho que o número de cotistas tem aumentado gradativamente no decorrer desses cinco anos e eu acho isso maravilhoso”.

Sentir-se pertencente é um objetivo traçado subjetivamente por muitos universitários, mas que acaba esbarrando em diversos obstáculos, como Márcia relata sobre não se sentir acolhida entre os universitários brancos. Entretanto, como pertencente a um grupo minorizado, ocupar tais espaços constitui um ato de resistência amplificado pela importância de garantir a representatividade em instituições aberta ou veladamente restritivas. A transformação vivida por esses estudantes na universidade também se manifesta em desejos de provocar transformações sociais mais amplas e profundas, como nas entrevistas de participantes que acreditam que a universidade deve promover ações para propiciar acesso à educação superior para outras pessoas com dificuldades de chegar até ela, conforme assinala Maitê:

Mas, se a universidade se colocasse à disposição dela também, sabe? “A gente vai ter um processo de seleção, você que é um aluno de licenciatura, venha, tente”, aí a universidade oferecer uma bolsa para oferecer um vestibular social dentro da universidade, sabe? Porque os terceirizados, onde estão os filhos dos terceirizados? Eles vão ter a oportunidade de estudar aqui? (Maitê).

Apesar dos entraves, para os outsiders, a universidade tem possibilitado o usufruto dos seus espaços, físicos e simbólicos, para transformação e reconstrução da identidade dos universitários:

Eu vejo que a universidade me ajudou no sentido de que eu fui obrigada, de alguma forma, a construir a minha identidade nesse sentido, sabe? A pesquisar sobre essas coisas. Eu acho que isso foi importante pra mim. E eu comecei a participar também de eventos, não de coletivos, mas de eventos sobre questões raciais, sobre questões de gênero, debates aqui na universidade, que me ajudaram a me construir enquanto mulher, enquanto mulher negra… Eu só sou isso por conta desse espaço que eu estou. (Márcia).

A influência da própria dinâmica da universidade, para além da formação profissional, levou Márcia a perceber a necessidade de se autoconhecer, assim como ocorre na transformação colocada por Ciampa (1996).

Observa-se, por um lado, a universidade como um local de conservação das relações entre outsiders e estabelecidos, em que as configurações de poder ainda reproduzem formas de inferiorização e de estigmatização, mantendo a vigência de certos estereótipos diante de identidades legitimadoras e dificultando avanços na dimensão social. Por outro lado, a universidade também é um lugar de transformação das relações de poder e de possibilidade de (re)construção identitária. Antes voltada apenas para a formação da elite social (brancos, maioria homens e heterossexuais), a universidade pública, principalmente, vem se transformando em um espaço para os diversos grupos sociais.

As formas e estratégias de estigmatização dos denominados outsiders

Entre os grupos e indivíduos investigados, a estigmatização se mostrou um processo muito saliente. Esse tipo de relação de poder permeia toda a dinâmica social e se expressa na universidade por meio de diversas estratégias, sejam discursivas, sejam ações concretas, as quais visam a garantir a relação de poder dominante, por vezes de forma consciente e deliberada, por vezes de forma não consciente. Por envolver, sobremaneira, uma naturalização de uma suposta inferioridade congênita herdada, ou culturalmente desenvolvida por determinados grupos e indivíduos, conforme analisado a seguir, em duas subcategorias temáticas.

a) Atribuição de fragilidade e aversão ao comportamento não normativo

É elemento central, no estabelecimento da inferioridade, a suposição - ou mesmo a atribuição consciente - de que certos atributos denotam tal inferioridade, ou seja, por se tratar de visões e concepções naturalizadas histórica e institucionalmente, é assumida uma posição essencialista acerca da identidade do outro. No caso estudado, nem sempre o estigma é explicitamente afirmado, sendo observável por meio de comportamentos por parte daqueles tidos como “estabelecidos”, em especial no que se refere às expectativas acerca do desempenho e da capacidade:

A minha experiência é que, nos primeiros períodos, eu sentia que os professores tinham um tratamento diferente. Talvez esperando menos, sabe? Talvez esperando que as minhas notas fossem ser piores, talvez esperando que meu rendimento fosse ser pior. E até os meus colegas de sala mesmo, talvez esperando que eu fosse ter um rendimento abaixo do deles. (Lebron).

Em uma perspectiva interseccional, no caso do grupo da diversidade sexual, associado ao estigma da incapacidade e da inferioridade, há também uma aversão relacionada a comportamentos que se desviam da normatividade, acentuada por uma atribuição de promiscuidade, na maioria dos casos, como um desvio de caráter dessas pessoas:

As pessoas carregam o estereótipo de que todo gay, ele é promíscuo. E, na faculdade mesmo, meus amigos… Meus amigos não, agora eu não converso com essas pessoas… Meio que a gente carrega esse estereótipo da promiscuidade. Isso é muito ruim porque eu não sou assim. (Thalissa).

Também há estereótipos depreciativos de padrões estéticos desse grupo, acompanhados de piadas e deboches, que buscam limitar as formas de expressão dessas pessoas e enquadrá-las, a todo custo, em padrões idealizados, como relatado por Thalissa:

Sei lá, uma entrevista de emprego ou de estágio. Eu não iria assim, como eu estou hoje: suave, com uma meia colorida, com uma roupa colorida. Eu iria mais normativo, porque o medo de não ser aceito ainda é um pouco internalizado em mim. (Thalissa).

Ademais, também existem estereótipos sobre uma suposta relação causal entre orientação sexual e identificação com o gênero oposto, o que é relatado na literatura acadêmica da área e também foi observado nesta pesquisa. Os estereótipos acerca dessas questões - como o fato de um homem ter orientação sexual homoafetiva “fazer” com que ele se identifique com o gênero feminino - demonstra esse equívoco de interpretação social. Simões (2014) afirma que, desde 1980, esses estereótipos relacionados ao gênero, como mulher feminina e emotiva, homem viril e forte, vêm sendo desconstruídos. O fato de um homem ter a orientação homoafetiva, por exemplo, não significa que ele deseja ser uma mulher ou utilizar vestimentas femininas, ou, ainda, ser tratado por pronome feminino. Alguns relatos, nesta pesquisa, corroboram esses argumentos:

As meninas do meu trabalho, por saberem que eu sou gay, acharam que necessariamente eu quero ser tratado pelo pronome feminino. Tipo: “Ai, amiga! Você tá linda!”, falando se referindo a mim. Não! (Lucas).

Como observado nos relatos apresentados, os estereótipos estão predominantemente atrelados a valores negativos. Para Baccega (1998), a rejeição ao outro (que é visto de forma diminuída) é uma das consequências dos estereótipos que atravessam gerações sem que haja reflexão dos sujeitos sobre suas ações. Preencher, com inúmeros significados, realidades das quais não temos conhecimento e atribuir valores a determinadas características, diminuindo outras, perpetua estigmas e desigualdades sociais, inferiorizando muitos comparativamente a outros, o que podemos visualizar na relação entre estabelecidos e outsiders (Elias & Scotson, 2000).

b) Invisibilidade, vulnerabilidade ao assédio e pressuposição de risco social

A atribuição de estigmas ocorre ao longo do processo de socialização, sendo o contexto educacional um espaço em que as opressões vão, lentamente, delimitando o lugar social ocupado pelos grupos minorizados. Isso acaba formando, até mesmo, um exército de “invisíveis”, quando as pessoas ocupam as posições que a sociedade espera delas:

Outra coisa que me incomoda muito é olhar à minha volta e ver um pátio majoritariamente composto por pessoas brancas, uma vez que a sociedade brasileira é composta por 53% de pessoas negrasentão, assim, era, no mínimo, pra ter um número igualitário. No mínimo, né? Mas, estruturalmente, isso é impossível. E eu percebo que quando eu olho, sei lá, na salinha de limpeza, a maioria das pessoas que está ali são negras. (Luiz).

A naturalização cotidiana de colocar grupos de indivíduos para ocupar posições subalternas relaciona-se a um processo de constituição social ideológica que se impõe para direcionar esses grupos para a subalternidade (Cardoso, 2005). Em outras palavras, a sociedade ainda relaciona profissões e posições a determinados perfis ou atributos de seus sujeitos:

Em alguns hospitais aqui de . . . sempre me confundiam com enfermeiro, com técnico em enfermagem, com o povo da limpeza. E com jaleco. Eu estava com jaleco e com um bordado bem grande escrito “Medicina”, sabe? Eu ficava meio chateado, assim. (Inácio).

Embora ainda constituam uma minoria numérica dentro de grande parte das universidades, o incômodo gerado pela presença de outsiders entre estabelecidos conduz a uma estereotipação profissional que pode aparecer associada a assédio moral (e sexual). No caso das mulheres, os estereótipos ainda as colocam em uma posição de menor poder, de subordinação, favorecendo comportamentos de abuso, dissimulados em afeto e intimidade por parte dos homens, conforme extrato de um grupo focal:

Eu tive um professor que não é do . . . que, assim, eu chegava cedo na sala para poder sentar o mais longe possível dele. Porque ele era desses assim que ia te cumprimentar, colocava a mão no seu ombro e ia descendo a mão nas suas costas. (Marília).

Ressalta-se que o assédio se faz presente nas falas e consiste em práticas abusivas e repetitivas que impactam a dignidade e a integridade da vítima, podendo se manifestar por meio de “brincadeiras”, piadas ou comentários mal-intencionados, gestos obscenos, atitudes grosseiras ou de recriminação, exclusão, desprezo, entre outros (Silva, 2011). No caso das mulheres negras, foi observada uma dupla estigmatização no que se refere à possibilidade de relacionamentos afetivos: elas são vistas, por um lado, como objeto sexual, e, por outro, são preteridas para relacionamentos, como demonstrado neste relato, em que é possível notar nuances de teorias de branqueamento e eugenia; isto é, a crença na superioridade de uma raça sobre outra que contribui para que mulheres negras sejam preteridas, já que muitos homens negros acabam optando por se relacionar com mulheres brancas:

É muito recorrente, pra mulher negra, não ser levada a sério em um relacionamento afetivo. Só pra ficar. Só pra poder ser um caso especial pra uma pessoa, mas só pra aquele momento… Porque os homens negros, quando eles ascendem socialmente ou têm uma posição um pouco maior, eles preterem as mulheres negras e ficam com as mulheres brancas… Porque isso faz com que, na percepção dos homens negros, é que por eles ascenderem eles agora estão se embranquecendo. (Márcia).

Às vezes, eu tenho que corrigir minha própria família em momentos racistas. Por exemplo, minha primeira namorada… Minha família sendo uma família de pessoas negras. Eu tenho vários momentos em que eu acho que minha família foi racista com ela. Em relação ao cabelo dela, em relação ao tom de pele dela, por ela ser, entre aspas, “muito negra”. Eu acho que a minha família tirava um sarro às vezes, inclusive comigo. (Lebron).

Especialmente no caso das pessoas negras, a pressuposição de uma natureza inferiorizada, ou mesmo desvirtuada, é expressa na forma de suspeição, ou seja, de que se trata de “fora da lei” ou “suspeitos”, a ponto de essa visibilidade ser vista como ameaça:

Já aconteceu de um segurança apontar arma pro pai de uma amiga nossa porque ele tava dentro do próprio carro, só que ele tava usando uma touca e tinha um berimbau do lado dele. Aí o cara achou que ele tava armado, sabe? Já fui constrangido por um segurança e um policial dentro do campus, saindo da aula à noite… O cara viu e aí ele veio pra cima da gente e, tipo assim, queria meu endereço. O policial pedindo meu endereço. Falou que ia na faculdade buscar meu endereço, que não sei o quê, sabe? (Luiz).

Vale ressaltar que, embora o preconceito seja, muitas vezes, considerado sutil, quando ele se concretiza na vivência das pessoas, coloca a segurança delas em risco. Nas situações relatadas, houve a pressuposição de que alguém que estava ali não deveria estar (outsider), em razão do estereótipo pejorativo dominante: negro com touca em um carro parado “só pode estar armado”, “é no mínimo suspeito”, segundo a representação do policial, o que denota a naturalização acrítica do estereótipo, ou, como demonstra Almeida (2020), o racismo institucional e estrutural observado no país. Nesses casos, as possibilidades de defesa dos grupos tidos como outsiders ficam muito limitadas, cabendo-lhes o lugar de submissão para preservação da integridade física e/ou psicológica. O segurança, baseado no estereótipo, acaba desempenhando o papel de empreendedor moral (Becker, 2008) que visa a impor a regra - uma relação de poder -, ainda que sem evidência concreta alguma de que isso seja necessário.

A busca pelo reconhecimento e pertencimento

A construção da identidade se dá em um contexto de relações de poder, implicando, por assim dizer, ganhos e perdas. Ela ocorre por meio dos processos de socialização (Dubar, 1997) que vão, na relação do sujeito com o meio e com a instituição, mostrando quais são as “regras do jogo”, os valores, as possibilidades de ser parte e manter a singularidade e a autenticidade. Para aqueles aqui considerados outsiders, trata-se de uma luta por reconhecimento (Honneth, 2009), em que dúvidas, angústias e ansiedade emergem, trazendo forte desgaste emocional. Dentre os depoimentos, foi possível identificar algumas formas pelas quais o reconhecimento e o pertencimento são buscados. O papel do “outro” na relação é fundamental, seja no processo de estigmatização, seja no processo de reconhecimento. Nesse caso, há uma busca por acolhimento e por “iguais”.

No começo da faculdade… eu querendo enturmar… E, tipo, no começo, eu sentia essa necessidade de ser aceito pelo grupo hétero. Tipo: “será que vão me achar inferior?” Ou será que não vão me achar legal por ser gay? E houve algumas resistências. Mas, por sorte, desde o início também, eu fui acompanhado por pessoas que até eram héteros e que não tinham esse tipo de pensamento. (Lucas).

O depoimento de Lucas é emblemático, pois demonstra a discriminação estrutural presente na sociedade, observada na instituição, especialmente quando afirma que “por sorte…, eu fui acompanhado por pessoas que até eram héteros e que não tinham esse tipo de pensamento” (grifos nossos), ou seja, ele aponta para uma situação excepcional, individual, e que isso foi obra da sorte. De um lado, a acolhida por determinados indivíduos proporcionou um acolhimento menos traumático, por assim dizer. De outro lado, a dimensão da sensação de “sorte” reforça o quanto o indivíduo está à mercê de uma situação angustiante e incerta.

Quando acolhidos, os estudantes se sentem estimulados de tal forma que se torna uma experiência marcante, de empoderamento e quase inacreditável, sobretudo quando lhes parece ser uma situação única ou rara, como no depoimento a seguir de um participante negro:

No período passado, a professora de . . . chegou pra mim e falou assim: “Olha, eu espero grandes coisas de você, porque os professores que deram aula pra você falavam muito bem de você”, aquilo pra mim foi uma coisa incrível. Pra mim, foi incrível, porque talvez fosse a primeira pessoa que eu reparasse que esperava de mim algo a mais. (Lebron).

A entrada na universidade indicava, de certa forma, uma ruptura com a trajetória possível dentro do grupo ao qual estavam vinculados, transmitindo uma mensagem implícita de que poderiam ser construídos destinos diferentes do que era socialmente esperado de mulheres, pessoas negras e/ou pertencentes ao grupo da diversidade sexual. Nesse processo de busca por pertencimento e reconhecimento, o relato de Luana, a seguir, ilustra uma situação semelhante à investigação realizada por Elias e Scotson (2000), em que a distinção entre “quem estava no local primeiro” e indivíduos novos era, por si só, capaz de fazer com o que o grupo mais antigo estigmatizasse o grupo mais novo:

Quando eu entrei, a maioria das pessoas já sabia que se conhecia. Todos tinham estudado nas mesmas escolas, nos mesmos colégios famosos da cidade e eram todos conhecidos, assim, desde a infância. Todos eram filhos de algum empresário, ou alguma coisa nesse sentido, assim… Existia uma distinção em sala de aula, assim, a turma da galera que já se conhecia e a turma da galera que chegou depois. Tanto que a maioria dos meus amigos de graduação são todos de outras cidades. Porque estavam nas mesmas situações que eu. (Luana).

O fato de serem mais coesos e pertencerem àquele espaço há mais tempo fazia com que se sentissem estabelecidos e, assim, excluíssem os novos integrantes. É importante colocar que a relação que começava a se estabelecer entre eles não se dava “apenas” pela exclusão, mas por se colocarem como sujeitos melhores e de maior valor social, diminuindo os atributos que os recém-chegados possuíam e fazendo com que se tornassem outsiders (Elias & Scotson, 2000).

O desejo de pertencer e de ser aceito é identificado como importante para os diferentes grupos investigados, principalmente no início do curso, conforme extrato de um grupo focal:

Você quer ser aceito porque você não acha que esse lugar é para você. Tipo, você sendo um dos poucos negros da turma, você vai naturalizar que você precisa agir como uma pessoa branca e rica, sabe? E aí demora um tempo para você sair daquele grupo, olhar de fora e pensar “não faz nem sentido eu querer estar dentro. Então, está tudo bem eu ficar aqui do lado de fora”. (Maitê).

Maitê relata o desgaste emocional causado pelo esforço feito para se “encaixar” entre os estabelecidos, bem como o amadurecimento pessoal que a levou a relativizar as perdas e os ganhos decorrentes desse processo de busca por pertencimento. As dificuldades dos outsiders em se sentirem aceitos nas relações intergrupais acabam acarretando a criação de grupos de minorias, a fim de resistir ao isolamento e à exclusão vivenciada e enfrentá-los, como relatado por Luiz: “Aí, os círculos acabam empretecendo um pouco, você se sente mais acolhido, de fato, com outras pessoas negras, porque elas não vão fazer isso com você. A maioria delas, pelo menos”.

Nesse processo de socialização e busca de pertença, a relação com os professores também foi mencionada pelos entrevistados como tendo um papel essencial na legitimação ou não das possibilidades das minorias. A despeito do papel relevante na formação universitária, o posicionamento de certos docentes perante os outsiders pode, contrariamente ao que seria esperado para a constituição de um pensamento crítico, reproduzir discursos pautados no preconceito em relação a grupos minorizados (como na fala de Cláudia), bem como desconsiderar desigualdades sociais referentes ao acesso a direitos sociais básicos (como relatado por Thalissa):

Os professores fazem comentários em relação ao racismo, homofobia e ninguém fala nada, sabe? Os alunos não têm coragem de falar que estão se sentindo mal com a situação, porque existe esse medo de se eu falar o professor vai me marcar e eu não vou conseguir avançar no curso. (Cláudia).

Eu acho que a gente tem a nossa obrigação enquanto estudante, mas os professores não ponderam essa diferença que existe de tempo, e até de estrutura de vida mesmo. Igual, por exemplo, a minha realidade é muito diferente da de um aluno branco, sabe? . . . Só que eu também preciso chegar na minha casa, e, se eu moro longe, se eu preciso de quatro passagens pra chegar em casa, o meu tempo vai ser muito mais reduzido. E aí os professores não conseguem entender isso, sabe? Alguns não conseguem entender que os alunos tiveram trajetórias de vida diferentes. (Thalissa).

Parece existir uma necessidade de pertencimento das pessoas que chegam à universidade e que, historicamente, tiveram muito mais dificuldades para ocupar esses espaços. Essas relações entre grupos culturais, raciais ou economicamente distintos são marcadas por relações de poder, e, apesar da competência intuída pelo fato de terem entrado em uma universidade pública, somam-se estigmas que mantêm grupos minorizados em desvantagem. Allport (1954) defendia que o contato intergrupal em condições especiais de status igual, objetivos comuns, não competição entre os grupos e sanção legal (em casos de problemas no contato) minimizariam o preconceito. Essa proposição tem sido referendada por muitos pesquisadores, como Pettigrew e Tropp (2006), que têm mostrado que não são necessários todos esses elementos para a diminuição do preconceito. Entretanto, o que se identificou nesta pesquisa é que estar na universidade não assegura status igual entre esses grupos. Além disso, o fato de fazerem uma formação juntos não garante que tenham objetivos comuns e que cooperem uns com os outros.

Ao que parece, para as pessoas estigmatizas, a despeito de ocuparem certos espaços ou “pertencerem” a certas esferas de sociabilidade, a situação parece muito próxima daquilo que Collins (2016) define como o outsider within, ou seja, o indivíduo pode estar dentro sem efetivamente pertencer. Um outsider dentro, em outras palavras.

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo principal analisar por quais meios tem se dado o processo de estigmatização de estudantes considerados outsiders dentro do contexto de uma universidade federal, assim como os recursos que eles utilizam em busca de reconhecimento e pertencimento. Nesta pesquisa, raça, gênero e diversidade sexual foram adotados como elementos “definidores” dos outsiders, considerando que as repercussões psicossociais de suas pertenças grupais ainda fazem com que eles ocupem a posição de minorias, em meio às relações de poder estabelecidos-outsiders. A maior ou menor internalização dos estigmas imputados, a maneira como a pertença grupal foi acontecendo e o modo como a universidade se colocou na trajetória acadêmica dos estudantes pes- quisados assinalam como a forma que estes elementos - raça, gênero e diversidade sexual - são percebidos socialmente coloca esses indivíduos em situação de vulnerabilidade social.

No contexto em que a pesquisa foi realizada, a universidade pode ser vista tanto como cenário quanto como agente nesse processo, ou seja, como se não tivesse um papel específico no processo de socialização dos membros da comunidade acadêmica, mas sem desconsiderar as políticas e ações concretas que influenciam direta e indiretamente a vida de todos esses membros. Por um lado, a instituição universitária representa um espaço de reflexão e de posicionamento crítico, que viabiliza a ressignificação de valores sociais e a transformação das pessoas. Por outro, também contribui, por sua própria função social, para a construção de uma sociedade mais justa e mais inclusiva, estabelecendo medidas que visam à integração, à convivência respeitosa e à resolução de conflitos via mecanismos institucionais, legais e democráticos, como a adoção de políticas afirmativas, por exemplo.

É nesse cenário que os estudantes outsiders buscam formas de serem reconhecidos e de pertencerem a esse ambiente, em um processo de afirmação e apropriação de direitos que foram explicitamente negados ao longo do tempo e que continuam sendo implicitamente violados. As possibilidades de ser parte e, ao mesmo tempo, de se permitir expressar sua singularidade (sem “disfarçar” uma orientação sexual diferente do padrão heteronormativo ou sem sentir a “obrigação” de alisar o cabelo crespo, por exemplo) constituem formas não apenas de demonstrar resistência, mas de afirmar, com a própria presença, que a universidade é realmente para todos. Essa afirmação de direitos caracteriza o posicionamento dos estudantes, mas não ocorre sem desgaste emocional, visto que se dá em um contexto de relações de poder estabelecidos-outsiders, que ainda acarretam danos aos estigmatizados.

Nesta pesquisa, a combinação de entrevistas e grupos focais para geração de dados proporcionou um alcance maior de informações e de compreensão, uma vez que, nas entrevistas, alguns participantes se sentiram mais confortáveis para trazer questões singulares por ter aquele espaço direcionado apenas para eles. Por sua vez, da interação nos grupos focais emergiram diversos elementos que não haviam sido relatados individualmente. No que tange às interseccionalidades, percebeu-se que as relações de poder estabelecidos-outsiders se expandem, e, por isso, embora essas discussões já venham sendo realizadas por inúmeros pesquisadores, é fundamental o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e a desconstrução de elementos sócio-históricos que levaram à superioridade de alguns grupos e à inferiorização e invisibilidade de outros.

Entende-se que as contribuições deste estudo se deram, principalmente, na ampliação do conhecimento sobre os processos de estigmatização e de busca por pertencimento de estudantes inseridos no contexto da diversidade, por meio de uma maior compreensão do papel da universidade para aqueles vistos como outsiders. Além disso, esta pesquisa buscou articular os conceitos de identidade, diversidade, relações de poder e universidade, considerando que ainda não há um debate acadêmico suficientemente amplo sobre essa articulação. Dessa forma, ressalta-se a necessidade de que sejam desenvolvidas outras investigações que visem a acompanhar as mudanças sociais que vêm ocorrendo a partir do maior acesso de grupos minorizados ao ensino superior público brasileiro.

Disponibilidade de dados

Os dados utilizados para elaboração do artigo estão disponíveis sob demanda aos autores.

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Recebido: 30 de Novembro de 2022; Aceito: 21 de Junho de 2023

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