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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.53  São Paulo  2023  Epub 02-Nov-2023

https://doi.org/10.1590/198053149934 

EDUCAÇÃO BÁSICA, CULTURA, CURRÍCULO

“NÃO É UMA CAIXA!”: TRANSFORMAÇÕES DOS SENTIDOS ATRIBUÍDOS A UMA CAIXA DE PAPELÃO

“¡NO ES UNA CAJA!”: TRANSFORMACIONES DE LOS SENTIDOS ATRIBUIDOS A UNA CAJA DE CARTÓN

«CECI N’EST PAS UNE BOÎTE!»: TRANSFORMATIONS DES SIGNIFICATIONS ATTRIBUÉES À UNE BOÎTE EN CARTON

Jacqueline da Silva GonçalvesI 
http://orcid.org/0000-0003-3382-3209

Elenice de Brito Teixeira SilvaII 
http://orcid.org/0000-0001-8145-6664

Vanessa Ferraz de Almeida NevesIII 
http://orcid.org/0000-0003-4094-3639

IUniversidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Belo Horizonte (MG), Brasil;

IIUniversidade do Estado da Bahia (UNEB), Guanambi (BA), Brasil;

IIIUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil;


Resumo

Este artigo tem como objetivo argumentar que a brincadeira é uma atividade de produção de subjetividades, significações, narrativas e, portanto, de consciência humana em condições histórica e culturalmente situadas. A partir da teoria histórico-cultural e da etnografia em educação, discutimos que a brincadeira é um ato de criação de possibilidades, tanto de participação no grupo social como de produção de sentidos para o que acontece na vida coletiva, por meio da análise de criação de sentidos para uma caixa de papelão no evento “Não é uma caixa!”. Concluímos que a brincadeira cria contradições entre os campos perceptivo, narrativo e imaginário, ampliando as possibilidades de ação, linguagem e relações sociais, o que impulsiona o desenvolvimento cultural das crianças.

Palavras-Chave: BRINCADEIRA; IMAGINAÇÃO; TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL; ETNOGRAFIA

Resumen

Este artículo tiene como objetivo argumentar que el juego es una actividad de producción de subjetividades, significados, narrativas y, por tanto, conciencia humana en condiciones histórica y culturalmente situadas. A partir de la teoría histórico-cultural y de la etnografía en educación, discutimos que el juego es un acto de creación de posibilidades, tanto de participación en el grupo social como de producción de significados para lo que sucede en la vida colectiva, a través del análisis de la creación de significados para un caja de cartón en el evento “¡Não é uma caixa!” [“¡No es una caja!”]. Concluimos que el juego crea contradicciones entre los campos perceptivo, narrativo e imaginario, ampliando las posibilidades de acción, lenguaje y relaciones sociales, lo que impulsa el desarrollo cultural de los niños.

Palabras-clave: JUEGO; IMAGINACIÓN; TEORÍA HISTÓRICA Y CULTURAL; ETNOGRAFÍA

Résumé

L’objectif de cet article est de démontrer que, dans des conditions historiques et culturelles données, les jeux produisent des subjectivités, des significations, des récits et, par conséquent, une conscience humaine. À partir de la théorie historico-culturelle et de l’ethnographie de l’éducation, nous considérons que les jeux sont un acte de création de possibilités, non seulement de participation dans le groupe social mais aussi de production des significations pour tout ce qui se passe dans la vie collective. En partant de l’événement intitulé «Não é uma caixa!» [«Ceci n’est pas une boîte!»], la recherche vise à analyser la création de significations pour une boîte en carton. Nous concluons que les jeux créent des contradictions dans les domaines perceptif, narratif et imaginaire qui élargissent les possibilités d’action, de langage et de relations sociales, favorisant ainsi le développement culturel des enfants.

Key words: JEUX; IMAGINATION; THÉORIE HISTORIQUE ET CULTURELLE; ETHNOGRAPHIE

Abstract

This article argues that play is an activity that produces subjectivities, meanings, narratives, and, therefore, human consciousness in historically and culturally situated conditions. From the historical-cultural theory and ethnography in education, we argue that play is an act of creating possibilities, both for participation in the social group and for the production of meanings for what happens in collective life, through the analysis of creation meanings for a cardboard box in the event “Não é uma caixa!” [“Not a box!”]. We conclude that play creates contradictions between the perceptive, narrative, and imaginary fields, expanding the possibilities of action, language, and social relations, which drives the cultural development of children.

Key words: PLAY; IMAGINATION; HISTORICAL-CULTURAL THEORY; ETHNOGRAPHY

Em uma tarde quente de fevereiro, em uma Escola Municipal de Educação Infan- til de Belo Horizonte (Emei Tupi), a professora Rita e as crianças de sua turma finalizaram uma roda de conversa. A professora, na sequência, entregou várias caixas grandes de papelão para as crianças. Larissa (2a 8m)1 e Simone (2a 9m) levaram uma das caixas para um canto da sala.2 Ao longo de 18 minutos, por meio da atividade de brincar, as duas meninas atribuíram diferentes sentidos à caixa (banheira, cesto, tambor, proteção contra o lobo mau e piscina de bolinhas) e construíram uma narrativa envolvendo atos de cuidar (construção de papéis de mãe e filha, lavar os cabelos uma da outra, abraçar e proteger). O que impulsionou o envolvimento das duas meninas nessa brincadeira por um longo período? Como essa brincadeira se desenrolou? Quais sentidos as crianças atribuíram à caixa? Qual a origem desses sentidos? Essas questões são exploradas neste artigo, dando visibilidade à [ação/imaginação], como unidade de análise da atividade de brincar (Silva, 2021) no desenvolvimento cultural das crianças (Vigotski, 2021).

Assim como no livro Não é uma caixa3 (Portis, 2006), a caixa de papelão se tornou um objeto pivô para a brincadeira (Vigotski, 2021), separando o significado do objeto e possibilitando que novos sentidos fossem criados pelas duas meninas. Mais além, os diferentes sentidos atribuídos à caixa permitiram a criação, por meio da [ação/imaginação], de uma narrativa cujo tema se relaciona com os cuidados na relação entre mãe e filha, como veremos nas próximas seções deste artigo.

No campo da sociologia da infância, a brincadeira constitui as culturas de pares e é compreendida como o modo privilegiado de a criança se apropriar, (re)interpretar e (re)produzir novas/velhas versões para o mundo (Corsaro, 2003; Borba, 2009). Nessa perspectiva teórica, a criança é concebida como um ator social que age e participa da própria socialização. É ressaltada a capacidade de interpretação e transformação das crianças diante da herança cultural do contexto no qual estão inseridas. Com base na abordagem etnográfica, o estudo das culturas da infância, com ênfase na brincadeira, permite compreender os processos de reprodução interpretativa e as formas de inserção no mundo. Sarmento (2005, p. 26) alerta que “as culturas da infância só fazem sentido se efetivamente se considerar a construção social da infância, isto é, se analisarmos as condições sociais que as crianças vivem e interagem”.

Na produção científica contemporânea, há estudos que compreendem a brincadeira como a forma de a criança agir no mundo (Bragagnolo et al., 2013; Rivero & Rocha, 2017), como uma atividade rica de possibilidades para o desenvolvimento das crianças (Marcolino & Mello, 2015) na relação com outras pessoas e a materialidade, sendo que, por meio dessas ações, haveria a possibilidade de criação de formas de estar no mundo (Góes, 2000; Rivero & Rocha, 2017) e compartilhamento de significados sociais (Teixeira, 2013). Ou seja, trata-se de um duplo processo pelo qual a criança se insere na cultura da qual faz parte e a constitui (Brougère, 2010). A atividade de brincar é constituída pela imaginação, uma vez que as crianças, ao se engajarem na atividade de faz de conta, criam situações imaginárias novas e complexas (Marcolino, 2013).

Identificamos, ainda, estudos que focalizam o processo de aprendizagem das crianças nos momentos de brincadeira, enfatizando quando e como a relação entre brincar e aprender acontece nos currículos voltados para a educação infantil (Fleer, 2019; Inhelder et al., 1972; Lillard, 2007). Outros estudos salientam, de forma processual e dialógica, como a brincadeira evolui ao longo do desenvolvimento da criança (Oliveira, 1996; Carvalho & Pedrosa, 2002; Carvalho & Rubiano, 2004). Há, também, uma linha investigativa que destaca a relação entre brincadeira e narrativa, buscando compreender os atos de significação na produção imaginária e o que as crianças vivenciam nessa produção (Ratner & Bruner, 1978; Bruner & Sherwood, 1976; Bruner, 1983, 1990; Kishimoto, 2007). Ao estabelecerem conexão entre brincadeira e narratividade, tais estudos argumentam que a brincadeira pode ser considerada um relato de ações das crianças nas situações imaginárias (Reys, 2010; López, 2018; Montes, 2020), estabelecendo estreita relação com a apropriação das linguagens em uma cultura.

De modo geral, a revisão da produção acadêmica evidencia uma ênfase na brincadeira de crianças com mais de três anos e, sobretudo, no enfoque da relação entre brincadeira e aprendizagem escolar. Há a necessidade de estudos que demonstrem a historicidade da brincadeira, ou seja, sua gênese, transformações e sua concretude nas práticas sociais nas quais as crianças estão inseridas (Silva, 2021). Torna-se fundamental aprofundarmos o argumento de que a brincadeira é atividade de produção de subjetividades, significações, narrativas e, portanto, de consciência humana em condições históricas e culturalmente situadas. Esse é o objetivo do presente artigo.

Analisamos a brincadeira como atividade humana (Vigostki, 2021) que impulsiona o desenvolvimento das crianças, como processo complexo e dialético, um “caminho pelo qual o social se torna individual” (Veresov & Fleer, 2016, p. 327, tradução nossa). Assim, as vivências das crianças em situações sociais de desenvolvimento podem ensejar a transformação das funções psicológicas elementares e superiores, bem como a transformação do próprio contexto no qual as crianças estão inseridas. As vivências envolvem contradições e tensões no processo de desenvolvimento do ser humano, uma vez que “existem em forma de drama, eventos dramáticos, colisões e confrontos entre as pessoas” (Veresov & Fleer, 2016, p. 327, tradução nossa).

Nesse sentido, argumentamos que a brincadeira é um processo de (re)construção permanente da significação da atividade de brincar pelas crianças (Silva, 2021). Ou seja, brincar é atividade de produção de significações e, portanto, da consciência humana, sendo fonte do desenvolvimento cultural humano (Vigotski, 1933/2009). A atividade de brincar institui a ação no meio social e a criação de sentidos para o que acontece. A partir desse pressuposto, argumentamos que a brincadeira é constituída pela unidade [ação/imaginação] e permite criar modos de participação das crianças em um grupo social por meio das linguagens em uso nas situações imaginárias (Silva, 2021).

Ao tratarmos a [ação/imaginação] como unidade de análise da brincadeira, consideramos que essa atividade forma um todo indivisível entre a criança e o meio social. Há, assim, uma trama de afetações que envolve as sequências interacionais e as linguagens em uso, integrando o complexo sistema de funções psicológicas superiores, como a percepção, a fala, o pensamento, a memória e a imaginação. Na próxima seção, evidenciaremos os processos de imaginação e criação nesse sistema interfuncional do desenvolvimento cultural humano.

Imaginação e criação

O conceito de imaginação fundamenta-se na capacidade de combinação do nosso cérebro, ou seja, a imaginação é a base de toda atividade criadora e manifesta-se em todos os campos da vida cultural. Como argumenta Vigotski (2018, p. 16), “tudo o que nos cerca e foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia”. Nesse sentido, Pino (2006, p. 48) argumenta que a produção imaginária reafirma a “capacidade criadora dos seres humanos, adquirida no processo evolutivo, que lhes permite assumir o rumo da própria evolução. Ela constitui um dos pilares do processo de humanização”.

Uma dimensão essencial no processo de humanização refere-se às relações entre a construção de novas situações no campo imaginário, o desenvolvimento da fala e as emoções. Vigotski considera que:

O processo de desenvolvimento da imaginação infantil, assim como de outras funções psíquicas superiores, está seriamente ligado à fala4 da criança, à forma psicológica principal de sua comunicação com aqueles que a rodeiam, isto é, a forma fundamental de atividade coletiva social da consciência infantil. . . . O motor principal da imaginação é o afeto. (Vigotski, 1932/1999, pp. 123-124).

Dessa maneira, a imaginação é atividade psíquica complexa, formação específica humana, intrinsecamente relacionada à atividade criadora conectada com as outras funções psicológicas superiores. Para Vigotski (1933/2009), a imaginação é uma atividade humana influenciada pela cultura, pela fala, pelo afeto e pelo pensamento.

De acordo com Cruz (2011), a imaginação é a capacidade de produzir imagens mentais, e argumenta que, para Vigotski, os processos imaginários envolvidos na atividade de brincar demonstram como a criança pode vivenciar situações que não seriam possíveis na realidade, libertando-se das “amarras situacionais” (Vigotski, 2021, p. 222). Ao brincar, a criança coloca a imaginação em ação, bem como a ação impulsiona a imaginação. Nessa atividade, a criança tem a possibilidade de reelaborar criativamente impressões vivenciadas, produzindo realidades imaginárias que atendam aos seus anseios (Vigotski, 2018).

Argumentamos que a brincadeira é um ato de criação de possibilidades de participação no grupo social e de sentidos para o que acontece na vida coletiva (Silva, 2021). Tal compreensão demanda abordagens de pesquisa que apreendam a historicidade e os atravessamentos entre a [ação/imaginação] das crianças e os contextos e práticas sociais das quais participam, como será discutido na próxima seção.

Abordagem teórico-metodológica

Este trabalho está inserido em um programa de pesquisa5 que acompanha, por meio de uma abordagem etnográfica, o mesmo grupo de 12 bebês ao longo de seis anos na Emei Tupi, em Belo Horizonte, Minas Gerais. No início de 2017, primeiro ano da pesquisa, os bebês tinham entre sete e dez meses de idade. Ao longo dos três primeiros anos da produção do material empírico, as crianças foram atendidas em tempo integral, entre 7h e 17h, havendo um grupo de 13 professoras e 2 auxiliares que foram responsáveis pelo cuidado e educação desse grupo. Dos duzentos dias letivos de cada ano, observamos 42% em 2017, 35% em 2018 e 45% em 2019. Produzimos 897 horas de filmagens, além de fotografias, notas de campo e entrevistas.

O grupo de pesquisa é composto por professoras e estudantes da graduação e da pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais. Temos como objetivo geral a compreensão do processo de desenvolvimento cultural dos bebês em um contexto coletivo de cuidado e educação. Cada pesquisadora, em particular, investiga diferentes dimensões desse processo, tais como imitação, brincadeira, letramentos, processo de inserção, a questão do tempo e as relações de amizade. Essas temáticas de pesquisa estão interconectadas, pois a construção do material empírico origina-se do mesmo banco de dados, de discussões no grupo de pesquisa e do interesse de cada pesquisadora. O que difere é que algumas pesquisadoras do grupo, em virtude da pandemia, não estiveram em campo realizando as videogravações e os diários de campo. Cabe retomarmos que a pesquisa em tela objetiva compreender os processos de imaginação e criação na atividade de brincar das crianças no período de 2017 a 2019, dando continuidade a um trabalho anterior de doutoramento que buscou analisar as brincadeiras como atos de criação, nos anos 2017 e 2018, com as mesmas crianças.

Ao longo da produção do material empírico, em cada ano, havia quatro pesquisadoras responsáveis pelo acompanhamento das crianças. Em alguns dias, houve duas pesquisadoras juntas na Emei Tupi (uma fazendo anotações e outra realizando as filmagens). Assim, é possível que uma pesquisadora analise o material empírico produzido pelo grupo de pesquisa, e não apenas por ela mesma.

A produção do material empírico, que hoje constitui o banco de dados da pesquisa, seguiu os princípios da etnografia em educação em diálogo com a psicologia histórico-cultural. Tais princípios têm sido amplamente discutidos (Corsaro, 1985; Green et al., 2005; Zanella et al., 2007) e serão aqui apenas mencionados. São eles: (i) longa permanência em campo de forma contínua e comprometida; (ii) as relações entre as partes e o todo; (iii) as relações entre o local e o global; (iv) a busca pela perspectiva das pessoas pesquisadas; (v) análise microgenética; (vi) lógica abdutiva de investigação. Cumpre destacar que a ética no processo de investigação se baseou em um respeito incondicional à alteridade e à inteireza dos(as) bebês e das suas professoras (Silva & Neves, 2023), considerando a aceitação das crianças e das professoras, conforme gestos e expressões, respeitando o seu desejo/gesto/expressão em participar ou não das filmagens.

A escolha do evento envolveu a história da brincadeira na turma, pois Silva (2021) pesquisou a brincadeira nos anos de 2017 e 2018, em que ela analisou os atos de criação divididos entre rotinas culturais (brincadeira de roda, aniversários, esconde-esconde) e práticas coletivas de cuidado (mãe-filha, alimentação, amamentação). Em 2019, percebemos a presença de material não estruturado na prática pedagógica da professora Rita.

O evento que abre este artigo tornou-se um evento âncora - anchor event, nos termos de Agar (1994, 2006) -, ou seja, um evento que surpreendeu a pesquisadora que estava filmando a turma nesse dia, levando-a a se perguntar sobre o que estava acontecendo com aquelas duas meninas e de que modo aquele evento se relacionava com o conjunto das práticas sociais do grupo. Cabe destacarmos que as videogravações foram realizadas em período anterior à pandemia. Partindo desse evento âncora, houve um processo de imersão no banco de dados com o objetivo de responder às seguintes questões: O que impulsionou o envolvimento das duas meninas nessa brincadeira por um longo período? Como essa brincadeira se desenrolou? Quais sentidos as crianças atribuíram à caixa? Qual a gênese desses sentidos? A imersão no banco de dados envolveu cinco momentos: i) assistir às filmagens dos três anos da pesquisa de campo; ii) realizar o mapeamento dos eventos que envolveram caixas e cestos nos anos pesquisados; iii) seleção dos eventos; iv) transcrição dos eventos; v) análise microgenética dos eventos selecionados. Ressaltamos que a análise microgenética buscou evidenciar as sequências interativas, as minúcias indiciais, o processo de construção histórica (Góes, 2000) e, ainda, as análises semânticas, ou seja, dos sentidos e significados construídos (Góes & Cruz, 2006) nessa atividade das crianças.

Evento “Não é uma caixa!”

O evento “Não é uma caixa!” ocorreu em fevereiro de 2019. A turma era composta por 16 crianças, todas com mais de 2 anos de idade. A sala de atividades era ampla, sendo composta por um tatame azul no chão, um quadro branco pendurado na parede e duas mesas. A professora Rita e a auxiliar Fabiana estavam na sala junto com as crianças. A professora Rita, na roda de conversa, levou um “saco surpresa” para que as crianças descobrissem o que estava dentro - bolinhas de papel. A seguir, ela propôs que as crianças fizessem bolinhas de papel e as jogassem dentro de uma caixa de papelão. As crianças e a professora sorriam e demonstravam prazer com a atividade. Como o dia estava quente, as crianças estavam descalças.

Após essa atividade, a professora Rita disponibilizou diversas caixas de papelão para as crianças, junto com as bolinhas de papel, e colocou para tocar, no aparelho de som, um CD com músicas infantis, enquanto a auxiliar levava uma criança de cada vez para tomar banho. Larissa, criança branca com 2 anos e 8 meses, e Simone, criança negra com 2 anos e 9 meses, transformaram a caixa por meio de suas ações e falas, atribuindo diferentes sentidos a esse artefato cultural, conforme sintetizado na Figura 1.

Fonte: Elaboração das autoras com base no banco de dados da pesquisa (2019).

Figura 1 Processos de significação ao longo da brincadeira 

Ao longo de 18 minutos, as crianças atribuíram diferentes sentidos para a caixa: banheira, cesto, tambor, proteção contra o lobo e piscina de bolinhas. A transformação do artefato cultural caixa foi possível por meio da [ação/imaginação], envolvendo afetos, cognição social situada, linguagens em uso e culturas (Silva, 2021). Interpretamos esses sentidos a partir dos significados sociais que construímos para as ações e linguagens das crianças, associadas aos usos funcionais desses artefatos nas práticas sociais do grupo desde 2017. Esse processo de transformação apoiou-se, bem como se sustentou, em uma narrativa relacionada aos cuidados na relação mãe e filha. Os diferentes sentidos foram construídos ao longo dos anos em que essa turma esteve junta na Emei Tupi, como evidenciado na Figura 2, a seguir. Essa figura localiza o evento “Não é uma caixa!” na história da turma e apoia nosso argumento de que a brincadeira é uma atividade construída nas condições históricas e culturais específicas de cada contexto.

Fonte: Elaboração das autoras com base no banco de dados da pesquisa (2019).

Figura 2 Construção do evento “Não é uma caixa!” ao longo de três anos 

As rotinas culturais do grupo que envolveram o uso da piscina de bolinha, as bolinhas de papel, a literatura e as rotinas de evitação do lobo, do cesto para guardar brinquedos e das práticas sociais de cuidado coletivas constituem vivências das crianças nas atividades de brincadeira da turma entre 2017 e 2019. Tais vivências são ampliadas por outros conteúdos culturais individuais das dinâmicas familiares, como os papéis sociais de mãe e filha e a profissão da mãe. Ou seja, a brincadeira em um contexto coletivo opera transições dialéticas entre contextos institucionais, práticas sociais, entre a imaginação individual e coletiva, entre ação percebida e os sentidos das ações e papéis, por meio da função simbólica ou semiótica.

Para Vigotski (2021), na estrutura da brincadeira, existem regras que devem ser seguidas, uma vez que, desse modo, a satisfação é maior que os impulsos imediatos das crianças. O argumento está baseado na filosofia de Spinoza, segundo a qual “um afeto não pode ser refreado nem anulado senão por um afeto contrário e mais forte que o afeto a ser refreado” (como citado por Vigotski, 2021, p. 229). Destacamos ainda que a brincadeira opera com um plano afetivo duplo. Por exemplo, Simone chora com medo do lobo, mas se envolve alegremente na brincadeira com a caixa.

A brincadeira é a criação de uma situação imaginária que emerge do real, construída com as emoções advindas dessas situações por meio de um enredo (Leandro, 2017), um roteiro (Garvey, 2015) ou um drama com grandes catarses. Os objetos pivôs escolhidos pelas crianças suscitam emoções e apoiam a criação de narrativas que são próprias dos afetos dessas crianças. À medida que essa narrativa foi sendo construída, ao longo desse evento de 18 minutos, houve a possibilidade de vivenciar afetos relacionados às atuações de mãe e filha, ao lavar os cabelos, ao envolver em um abraço com a toalha (imaginária), ao proteger uma à outra do lobo, ao se aproximarem e se afastarem ao longo da brincadeira. O sincronismo das duas crianças demonstra como a narrativa foi-se constituindo e como os papéis das duas crianças foram sendo apresentados.

Nas próximas seções, analisaremos os diferentes sentidos atribuídos à caixa, a narrativa construída e suas relações com a Emei Tupi, contexto histórico e cultural construído ao longo dos anos por essas crianças e suas professoras.

Não é uma caixa: É uma banheira!

Larissa e Simone levaram a caixa para um canto da sala. Simone estava dentro da caixa e Larissa entrou dizendo: “É minha banheira”. Simone saiu da banheira e disse: “Vou lavar sua cabeça”. Iniciaram-se ações e gestos de lavar o cabelo da colega. Um chuveiro imaginário foi aberto a partir de um movimento giratório da mão de Simone na porta da sala, e uma bolinha de papel se transformou em xampu, a partir do momento em que Larissa disse “panha aqui, panha pa genteee!” e entregou a bolinha para Simone. Após 56 segundos, Larissa disse “mamãe”, introduzindo o tema da narrativa que atravessará todo o evento. Ao mesmo tempo, Simone e Larissa observaram a professora Rita ajudar Lúcia e Ivan a dividirem uma caixa. Ivan tentou sentar sobre a caixa onde Lúcia se escondia. A professora disse: “Cuidado/cuidado/para não machucar”.

O banho continuou, e, após enxugar Larissa com uma toalha imaginária, foi a vez de Simone entrar na banheira e ter seu cabelo lavado pela colega. Após 30 segundos, Laís se aproximou e observou as duas meninas. O banho continuou, e Simone disse “mãe/toalha/toalha”. Nesse primeiro momento, as ações, expressões faciais e falas das duas meninas evidenciaram que a caixa se transformou em uma banheira. Mais além, uma banheira que apoiava uma mãe a lavar os cabelos da filha.

Na sequência, as duas meninas sorriram, colocaram o chinelo na caixa e a balançaram. O gesto de balançar para mover algo que estava dentro da caixa remetia às significações acerca dos cestos de brinquedos das salas de atividades ao longo dos três anos (Figura 2). Percebe-se que as linguagens construídas e mobilizadas produzem significações para as ações sociais que asseguram o envolvimento das duas meninas na atividade de brincar.

A mãe de Larissa, em entrevista, nos informou que é cabeleireira e trabalha em um salão de beleza. Em 2017 e 2018, identificamos que os cuidados com os cabelos, enquanto conteúdo cultural da vivência de Larissa no âmbito familiar, afetavam e impulsionavam muitas interações com outras crianças e artefatos culturais na Emei Tupi, além de ser um conteúdo inserido por ela nas situações imaginárias. Construir sentidos de pente, escova, xampu, secador com peças de montar e frascos vazios, bem como fazer de conta que escovava, lavava, secava cabelos das bonecas, colegas e professoras foram algumas das situações construídas pela [ação/imaginação] de Larissa. Por diversas vezes, em 2018, Simone foi a parceria dessas situações.

Ao longo dos três anos, foi perceptível, também, que a mãe de Simone utilizou vários acessórios em seus cabelos, tais como laços, turbantes, arcos e prendedores diversos. Tais enfeites marcaram um pertencimento racial e cultural de Simone em relação à turma, despertando o interesse das outras crianças por esses artefatos. Além disso, fomos informadas de que, em seu contexto familiar, a irmã mais velha de Simone (com 15 anos) costumava dispender muito tempo arrumando os próprios cabelos.

No contexto institucional, as práticas sociais de cuidar dos cabelos fazem parte do imaginário do grupo desde o berçário, enquanto rotina coletiva. Em 2017, havia um varal na parede para guardar acessórios para os cabelos e registramos momentos de pentear e prender os cabelos das meninas, sobretudo, na própria sala de atividades. Em 2018, havia frascos de xampu vazios nos cestos de brinquedos e também uma banheira rosa que, em diversos eventos, compôs enredos imaginários de dar banho em bonecas e cuidados de higiene e beleza na própria pia da sala ou no solário/parque. Há eventos em que as professoras nomeiam a ação das crianças em caixas, identificando-as como um local de banho, como sendo uma banheira, introduzindo o símbolo de lugar.

Portanto, ao longo dos três anos, havia uma materialidade presente que apoiou vivências com conteúdos culturais associados a essa prática. Dessa forma, o imaginário coletivo apoia a atividade imaginária das crianças (Fleer & Peers, 2012), em consonância com as vivências culturais no âmbito familiar das duas meninas. Há um processo de compartilhamento de práticas sociais, como as de cuidado, de rotinas culturais, de materialidades e de relações com adultos e entre as próprias crianças que fazem emergir conteúdos culturais que são percebidos, vivenciados e recriados na brincadeira. Por outro lado, as vivências das crianças em outros contextos sociais diversificam e ampliam os conteúdos da brincadeira das crianças em um novo contexto coletivo. Na relação das crianças com a caixa, por exemplo, é possível compreender como os papéis sociais de mãe e filha, as rotinas coletivas de cuidado e as fontes materiais e simbólicas presentes na sala (as histórias que têm o lobo como personagem) são recombinadas pela [ação/imaginação] das crianças. É essa unidade que cria um conjunto de símbolos para as ações, uma linguagem compartilhada, a necessidade de comunicação das intenções e uma narrativa singular que sustenta a parceria na brincadeira.

Não é uma caixa, olha o lobo!

Larissa e Simone continuaram a brincadeira com a caixa de papelão. Após o banho na banheira, Larissa ajudou Simone a sair da caixa. Simone saiu e disse para Larissa “lobo/o lobo”, olhando para a porta de vidro. Larissa e Simone carregaram a caixa pela sala e retornaram ao mesmo local onde estavam antes, próximas à porta de vidro. Simone olhou, novamente, para fora da sala e repetiu “olha o lobo!”, ao que Larissa respondeu “Vamo/mata ele/vão?”. Ela se abaixou, pegou o chinelo rosa dentro da caixa e bateu com o chinelo na porta de vidro. Simone se afastou da porta, com expressões corporais de medo do lobo, Larissa jogou o chinelo rosa dentro da caixa, olhou para Simone e as duas sorriram.

O medo do lobo emergiu na brincadeira de Larissa e Simone, bem como a proteção da mãe/Larissa em relação à filha/Simone, dando visibilidade aos afetos que sustentam toda a imaginação. Nesse sentido, Vigotski (2003, p. 155) argumenta que, “no jogo, na mentira ou nas histórias, a criança encontra uma fonte inesgotável de vivências e, dessa forma, a fantasia abre novas portas para que nossas necessidades e aspirações adquiram vida”.

O compartilhamento de fontes simbólicas por meio da literatura é algo que merece destaque aqui, por representar um modo narrativo de organização de experiências sociais em que se tem um enredo, os agentes da ação, as ações e as suas consequências. Outros autores já analisaram a relação entre o pensamento narrativo e a brincadeira (Bruner, 1990; Kishimoto, 2007), bem como entre o enredo literário e a origem e transformação da imaginação das crianças na brincadeira (Fleer, 2017). Na brincadeira com a caixa, vimos que a inserção de um personagem, o lobo, presente nas histórias contadas pelas professoras em 2017 e 2018, na materialidade dos livros de literatura e no jogo e outras brincadeiras cantadas (como, por exemplo, a brincadeira cantada “vamos passear no bosque, enquanto seu lobo não vem”) cria um campo simbólico de defesa e perseguição ao lobo já presente no imaginário coletivo da turma. Não se trata, portanto, na brincadeira, de percepções de características isoladas, mas de um modo de generalização do significado das ações que conferem sentido ao artefato (Vigotski, 1933/2009).

A caixa, nesse momento, serviu de cesto para guardar o instrumento de “matar o lobo”, o que alterou a percepção das meninas, levando-as a balançarem a caixa, transformando o significado da caixa-banheira para caixa-cesto. Assim, a [ação/imaginação] cria uma forma de relação com a caixa marcada pelo sentido atribuído à caixa e também por suas características. A [ação/imaginação] é apoiada tanto pelos sentidos atribuídos quanto pela materialidade do próprio artefato: não seria possível guardar o chinelo e as bolinhas se elas estivessem brincando com outra coisa (uma bola, por exemplo). A concretude do artefato com o qual se brinca também é importante, bem como o significado social da caixa como suporte para guardar. A [ação/imaginação] das crianças cria um drama entre as propriedades materiais percebidas e os significados sociais da caixa e as narrativas partilhadas sobre ela, instaurando um ato dramático de produção de sentidos. É esse agir no campo simbólico que possibilita a criação de uma narrativa de cuidado da mãe com a filha (a mãe que dá banho, lava os cabelos e a protege do lobo) que reconfigura as relações das meninas com o próprio artefato como símbolo em um grupo cultural, com o contexto da brincadeira e com as pessoas presentes.

Não é uma caixa, é um cesto!

Ao balançarem a caixa contendo as bolinhas de papel e os chinelos, Simone e Larissa realizam um movimento parecido como se estivessem balançando os cestos de brinquedos que estiveram presentes na turma ao longo de 2017 e 2018. O olhar das duas crianças, ao fazerem juntas o movimento de balançar a caixa-cesto, demonstra entusiasmo com o deslocamento e com o som que os objetos produzem ao serem movimentados na caixa. O movimento remete também às vivências com as professoras do berçário que, ao longo de 2017, colocavam as crianças dentro desses cestos e as balançavam.

Na sala de atividades, em 2018, havia quatro cestos verdes com brinquedos que ficavam dispostos na parede e que, após serem esvaziados diariamente, as crianças utilizavam como carrinhos. Ao agirem com a caixa como se fosse cesto para guardar coisas, movê-la pela sala, balançá-la de um lado para outro, as duas meninas ampliavam o significado do artefato em si, criando outras formas de relação com esse artefato e com o contexto social naquele momento. Caixa e cesto têm significados sociais próximos (guardar coisas) e, com a ação de balançar, a imaginação e a memória remetem a eventos em que as crianças entravam no cesto e eram balançadas pelas professoras.

Vigotski (1933/2009) considerou a criação, por meio da atividade de brincar, como uma das formas de transição do pensamento perceptivo para o pensamento ideativo, ou seja, uma forma de pensamento pelas ideias e sentidos construídos sobre os objetos que, nesse caso, é possível pela [ação/imaginação]. Tal constatação nos faz observar que a atividade criadora, ou seja, a imaginação, constitui o desenvolvimento cultural das crianças na brincadeira, ao possibilitar formas de domínio das ações e intenções. Nesse caso, não é apenas a percepção, mas a [ação/imaginação] que guia a atividade de produção de significação, de imagens mentais e símbolos sociais que representam objetos.

Não é uma caixa: Olha o lobo, mamãe!

Na sequência da brincadeira, Simone apontou novamente para a porta de vidro, avisando a Larissa que o Lobo continuava do lado de fora. Larissa pegou o chinelo rosa e repetiu a ação de bater na porta de vidro, com o intuito de espantar o lobo, perguntando “que/foi/filha?” e arrastando a caixa em direção a Simone. Simone chamou Larissa (“Mamãe/mamãe”) e caminhou para o outro lado da sala, sentando-se embaixo de uma prateleira. Larissa caminhou em sua direção e também se sentou embaixo da prateleira.

Nesse momento, Larissa e Simone retomaram a narrativa “mãe e filha”, entrelaçando-a com o medo do lobo que estava do lado de fora da sala. Por meio da [ação/imaginação] de que há um lobo presente na narrativa imaginada, as crianças estabeleceram um campo de sentidos de proteção por meio da caixa, embaixo da prateleira. A localização da caixa na posição em frente ao corpo conduz à associação do significado de proteção e também de uma rotina cultural de aproximação e evitação (Corsaro, 2009) que vimos ser estabelecida em outros eventos ao longo de 2018. Por meio do uso da casinha, do nicho no armário, de cestos, dos colchonetes e da mesa da sala de atividades ou mesmo do afastamento corporal nas rotinas de pega-pega (Silva, 2021), as crianças compartilharam diversas rotinas, com as professoras e entre elas, de escapar do lobo, representado por outras crianças.

Argumentamos que, pela [ação/imaginação], as crianças recuperam vivências e as reelaboram em outros contextos e com outras materialidades, em um processo de recombinação e de novos atos de significação. A atividade de brincar, portanto, integra outras funções culturais, como a memória, o pensamento, a percepção, a fala, a imaginação, em um sistema funcional. A atividade de brincar guia o processo de significação e produção simbólica e, portanto, o desenvolvimento da consciência e subjetividade humana.

Não é uma caixa, é um tambor!

Em seguida, Larissa e Simone viraram a caixa, de ponta cabeça, fazendo com que os chinelos e as bolinhas de papel caíssem. As duas bateram no fundo da caixa, transformando-a em um tambor. Nesse momento do evento, o gesto de bater com as mãos sobre a caixa e produzir sons é representativo dos sentidos de tambor construídos nas práticas coletivas ao longo do tempo. Desde 2017, as professoras utilizaram diferentes suportes para produzir sons e acompanhar cantigas e outras rotinas culturais, incluindo o próprio tambor de brinquedo (Figura 2). Há, no evento, a apropriação do significado de bater sobre uma superfície com as duas palmas da mão para produção de som e música no grupo e, ao mesmo tempo, dos sentidos das ações umas das outras com aquele artefato. O giro da caixa e o gesto de bater em seu fundo possibilitaram a continuidade da situação imaginária em outros campos semânticos - como o tambor que produz som.

O gesto das duas meninas e as expressões miméticas são ações simbólicas que representam e explicam algo para alguém, específicas dos humanos (Vigotski, 2021). O gesto, enquanto meio semiótico, é a base de nossa capacidade humana de compartilhar intenções, de nos dirigirmos uns aos outros como parceiros de interação e de construirmos intersubjetividades (Fichtner, 2010). No evento “Não é uma caixa!”, torna-se visível que as expressões miméticas das meninas são construídas em uma situação concreta e, além disso, são interpretadas por elas para serem incorporadas, pela imitação, na situação que vai sendo transformada pelos atos de significação que possibilitam a ação comum. Ou seja, na brincadeira com um artefato cultural (a caixa), os gestos e expressões das crianças possuem estruturas de signo, pois têm a caixa como referente simbólico, mas integrando as ações umas das outras em um ato de colaboração e reciprocidade.

A [ação/imaginação] das crianças possibilita a atividade criadora de sentidos e de campos interativos dialógicos (Rossetti-Ferreira et al., 2004), nos quais as ações de Larissa e Simone são partilhadas e interdependentes, ou seja, são renegociadas e redefinidas dialogicamente, como, por exemplo, quando uma começa a bater com as mãos na caixa após a outra. O campo interativo dialógico, desse modo, reorganiza as ações umas das outras e todo o sistema de funções psicológicas, uma vez que a [ação/imaginação] abre outras possibilidades para a caixa, ressignificada agora como um tambor. Ao mesmo tempo, a brincadeira de produzir som de tambor possibilita a permanência e transformações de rotinas culturais do grupo, como a bandinha, que insere a materialidade sonora desde 2017 (Figura 2), demonstrando, por meio da [ação/imaginação], uma memória que é construída ao longo do tempo.

Não é uma caixa, é uma piscina de bolinhas, é uma banheira! E o lobo?

Dando continuidade à brincadeira, Larissa disse a Simone: “Olha/a/piscina/de/bolinhas/que/a/mamãe/tousse/para/você!”, ao que Simone respondeu: “O/lobo/mau!”. Larissa empurrou a caixa para frente, jogando novamente os objetos para fora dela. Assim que todos os objetos caíram, Larissa pediu a Simone: “Panha/comigo!”. Simone ajudou a pegar os objetos e colocá-los de volta dentro da caixa. Larissa arrastou a caixa e retornou para debaixo da prateleira. Simone acompanhou Larissa repetindo: “O/lobo/o lobo/mau!”. Outras duas crianças, Maria (2a 10m) e Carlos (2a 8m), se aproximaram. Maria colocou dois chinelos dentro da caixa de papelão, e, junto com Larissa, entraram na caixa. Simone massageou suas cabeças. As três crianças sorriram.

Após sair da caixa, Larissa ajudou Simone a entrar na banheira e disse: “Agora/eu/vô/tomar/banho”. Larissa pegou uma bolinha de papel e deu duas batidinhas na cabeça de Simone. Simone apontou para o outro lado da sala e disse: “O/lobo!”. Maria continuou observando Larissa e Simone sentadas embaixo da prateleira. Larissa disse a Simone: “Vamo/sai/do banheiro!”, ao que Simone repetiu: “O/lobo/mamãe!”. Larissa, Simone e Maria carregaram a caixa, andaram pela sala e retornaram para debaixo da prateleira. Maria recolheu algumas bolinhas de papel que estavam no chão e as colocou dentro da caixa.

Nesse momento, Larissa introduziu a significação da caixa como piscina de bolinha, presente de uma mãe para sua filha. As meninas, a partir da ação e da fala de Maria, retomaram a caixa como banheira, mas também como proteção contra o lobo. É perceptível que a narrativa “mãe e filha” sustenta a atividade de brincar das duas meninas.

Na continuidade da brincadeira, Larissa repetiu: “Pixina/de/bolinha!”. Simone e Larissa entraram na caixa-piscina de bolinhas. Maria disse “eu/quero/entra/no/banheiro!”, mas não obteve resposta das colegas. Larissa e Simone olharam para cima, e Larissa disse “tá/chovendo/tá chovendo!”, ao que Simone repetiu “tá/chovendo”. Elas colocaram as duas mãos sobre a cabeça, parecendo se proteger da chuva.

A continuidade do evento demonstra que as ações de Larissa e Simone de empurrar a caixa, derrubar os objetos que estavam dentro, assim como a ação de Maria de colocar bolinhas de papel dentro da caixa, constroem sentidos de uma piscina de bolinhas. Contudo, Maria não parece compartilhar o sentido de piscina de bolinhas e retoma o campo semântico relacionado ao banheiro.

A piscina de bolinhas, artefato presente em 2017, teve uma história fundamental na constituição das vivências no currículo do berçário dessa turma (Cortezzi et al., 2020). Assim, a memória dessas vivências na piscina de bolinhas do berçário possibilitou a proposição dessa brincadeira por Larissa e Simone.

Não é uma caixa: O lobo volta!

Ao final do evento, Larissa e Simone continuaram brincando com a caixa. Larissa virou novamente a caixa, deixando todos os objetos caírem no chão. Henrique se aproximou e, na sequência, Larissa disse: “É o lobo!”. Henrique continuou olhando para ela. Larissa carregou a caixa para o outro lado da sala, sentou-se dentro da caixa e chamou por Simone, que estava dançando ao som da música colocada pela professora Rita. Simone retornou para perto da colega e, vendo Carlos, apontou para ele dizendo: “É o lobo!”. Carlos esboçava movimentos com as mãos simulando pegar Simone. O som da sala tocou a cantiga “Carneirinho, carneirão”, e Simone voltou a dançar. Larissa saiu da caixa e, com Henrique (2a 10m) e Carlos, pulou com Simone.

A [ação/imaginação], nessa rotina cultural estabelecida por Simone e Larissa em relação a Carlos e Henrique, a quem atribuíram o papel de lobo, estabelece a dialética criança-meio, linguagens e culturas. O contexto cultural da sala, com seus cantos, materiais e sonoridades (boneca, caixa, pessoas, música) e as afecções que ampliam ou reduzem a capacidade de agir (Spinoza, 1677/2017, p. 177) estão imbricados nas ações e linguagens que tornam visíveis o conteúdo cultural da brincadeira. Consideramos os movimentos de aproximação e afastamento enquanto rotina cultural, uma vez que a convivência coletiva em um contexto de cuidado e educação possibilitou o compartilhamento de fontes simbólicas (sobretudo do cancioneiro infantil e literatura) sobre medo e perigo que constituem as afecções para agirem como se evitassem algo.

A permanência de histórias de lobo e de brincadeira do folclore popular que envolve a evitação-aproximação de animais como o lobo, durante os anos de 2017 e 2018, institui o imaginário coletivo que possibilita a criação de situações imaginárias concretizadas em ações como aproximar e afastar. Assim, destacamos a dimensão dessa rotina que se refere a um processo de construção de um entendimento comum acerca dos gestos de afastamento e aproximação, como a posição corporal de desviar e o olhar que convoca, que atuam como mediadores semióticos e apoiam a ação de outras crianças.

Portanto, as rotinas culturais em um grupo que compartilha o contexto coletivo de cuidado e educação são ressignificadas na brincadeira em um processo de permanência e apropriação. Na pesquisa com bebês e crianças de até três anos, observamos que as dimensões estruturais, como contextualização, embelezamento e o enquadre aos elementos materiais (Corsaro, 2011), embora sejam relevantes para a manutenção da situação imaginária, não sustentam, por si, o campo interativo dialógico. A [ação/imaginação] é a unidade de análise do desenvolvimento cultural no grupo, uma vez que criam sínteses entre as estruturas sociais, as culturas, as linguagens que expressam significações de afastamento e aproximação e os artefatos que ampliam outros conteúdos culturais das rotinas e das práticas sociais e familiares. Ou seja, a brincadeira reorganiza os afetos na narrativa. Os sentimentos de medo e afastamento do lobo, por exemplo, são tensionados pelo cuidado e proteção da mãe, da ideia de ir para casa, além das estratégias de bater no lobo com gesto de bater a sandália com força sobre a superfície.

Aproximações e distanciamentos na construção da brincadeira

Nesta seção, analisaremos uma dimensão importante ainda não explorada desse evento. Ao longo dos 20 minutos de duração da brincadeira, houve momentos em que Simone se distanciou de Larissa. Tal distanciamento aconteceu por diversas razões. Inicialmente, ao escutar uma criança da turma chorando, Simone correu para debaixo de uma prateleira e chamou por Larissa, “mamãe/mamãe”, ao que Larissa respondeu prontamente trazendo uma “pixina de bolinhas” para a filha. Ao escutar as cantigas colocadas pela professora Rita, Simone se afastou novamente de Larissa para dançar. Larissa, de dentro da caixa, chamou pela colega: “Si/mo/ne, Si/mo/ne/vem/cá!”. Larissa se balançou na caixa, jogando o corpo para trás e perdendo o equilíbrio. Simone correu para ajudar Larissa e, logo a seguir, voltou a dançar. Um minuto depois, Simone se aproximou novamente de Larissa, e, juntas, apontaram Carlos e Henrique como o lobo. Em seguida, as duas meninas, com Henrique e Carlos, pularam pela sala ao som das cantigas. Simone encontrou uma boneca negra em uma das caixas e a ninou, buscando a caixa que ela e Larissa estavam brincando. Simone colocou, delicadamente, a boneca dentro da caixa que, nesse momento, iria transformar-se em um berço. Contudo, a professora Rita chamou a turma para ir ao pátio.

É perceptível que os movimentos de distanciamento e aproximação entre as duas meninas não impediram a continuidade da situação imaginária. Ao contrário, o distanciamento provocou Larissa e Simone a construírem a aproximação. Simone chama Larissa de mãe, o que a provoca a trazer um presente para a filha. Larissa chama Simone, e a colega corre para ajudá-la, mantendo a narrativa do cuidado uma com a outra. Em um terceiro movimento de aproximação, as duas crianças nomeiam os colegas como lobos, sustentando a narrativa de proteção contra o perigo.

Argumentamos que o compartilhamento dos sentidos criados pela [ação/imaginação] na brincadeira com a caixa é possível pelas linguagens em uso nas práticas sociais que estabelecem um campo interativo dialógico. A narrativa, enquanto modo compartilhado dos sentidos das vivências, contribui para sustentar as ações das duas meninas e sua participação no evento.

Por fim, argumentamos que a imaginação integra o sistema funcional e, enquanto atividade que permite criar sentidos, guia o desenvolvimento cultural das crianças, uma vez que estabelece unidade afeto-linguagens (narrativas) e práticas culturais e cria semioses, formas de comunicação humanas e campos de interação dialógicos que possibilitam as relações sociais.

Algumas considerações

A fantasia e a realidade são duas nuances de possibilidades humanas, nas quais encontramos as vivências que nos constituem como sujeitos. Larissa e Simone, por meio da [ação/imaginação], atribuíram novos sentidos para a caixa de papelão: i) banheira (como parte da rotina da instituição educativa e do contexto familiar); ii) cesto (ou os cestos em que os brinquedos ficavam guardados na sala de aula); iii) tambor (sempre presente nas cantigas e atividades musicais na turma); iv) piscina de bolinhas (constituindo as vivências no currículo do berçário em 2017). Atravessando esses sentidos, uma narrativa de cuidado e proteção foi construída.

Argumentamos que o evento “Não é uma caixa!” foi sustentado pela história da turma ao longo dos três anos em que estiveram juntos. Os sentidos atribuídos à caixa e a narrativa construída têm uma gênese em processos de criação para o que aconteceu na vida coletiva em entrelaçamento com as dimensões individuais e afetivas das crianças. O que impulsionou as crianças a agirem no campo imaginário foram conteúdos culturais que as afetaram e, ao mesmo tempo, as relações e parcerias estabelecidas ao longo do tempo de convivência no grupo. É por essa razão que esse evento foi sustentado por 20 minutos, mesmo com os movimentos de distanciamento entre as duas meninas. Ou seja, foi possível que as duas crianças se aproximassem novamente em um processo apoiado em rotinas culturais da turma em três anos de convivência.

Enfatizamos os processos de criação de linguagens para comunicar intenções e sustentar a situação imaginária, bem como a criação narrativa interligada a atos de cuidado. Os sentidos atribuídos à caixa são sintetizados na narrativa de proteção, cuidado e relações sociais entre mãe e filha. A centralidade do cuidado na brincadeira das crianças já fora observada em outros trabalhos (Silva, 2021), o que sinaliza que a brincadeira é atividade de criação de relações humanas dialógicas, de busca do outro e de produção de ações delimitadas pela posição, papel e compreensão desse outro. Não se trata, dessa forma, de uma exploração do mundo físico e material simplesmente, mas de produção cultural e simbólica mediada semioticamente pelo imaginário coletivo.

É fundamental a análise da transformação dos significados de um artefato cultural pelas crianças, e de como isso evoca narrativas que circulam sobre caixa, papéis de mãe e filha e práticas de cuidado e, ao mesmo tempo, desencadeia a narração para a compreensão da relação entre brincadeira e narrativa. Transformar o significado da caixa exige enquadramento cultural da ação simbólica por meio da linguagem (Bruner, 2008). No evento, observamos como as crianças precisam situar-se e situar umas às outras no campo simbólico das ações com uso da fala e outras linguagens gestuais e expressivas para convidar, nomear, insistir, introduzir o conteúdo narrativo da ação e atribuir um papel. Nesse sentido, a brincadeira é ato e drama de ingresso nas culturas; uma atividade narrativa que converte as vivências das crianças em instrumento de produção de significações e lhes dá historicidade (Bruner, 2008). A cada transformação do artefato cultural, houve formas específicas de comunicação, orientação e ação esperada do outro. A narrativa permitiu às crianças a condução da situação imaginária na brincadeira, sendo possível às outras pessoas interpretarem o que estava acontecendo ali. A brincadeira com a caixa revela como as crianças bem pequenas se apropriam dos conteúdos das práticas sociais das quais participam, constituindo narrativas e modos de referir-se às suas ações, de compreender as ações e intenções dos outros com base em referentes sociais, de ajustar seus desejos e ações aos de outras pessoas.

O conceito de vivência (perejivanie) nos permite compreender a importância da relação subjetiva entre criança e meio social, dando visibilidade às circunstâncias e aos modelos particulares de educação. As rotinas culturais coletivas do grupo, como o uso da piscina de bolinhas, de tambor e de caixas, além das rotinas de cuidado na Emei, como banho, constituem conteúdos culturais para os quais as crianças buscam construir sentidos na brincadeira.

Há, nesse evento, uma síntese no ato de brincar de vivências anteriores e da situação concreta estabelecida com a materialidade e pessoas presentes no contexto da brincadeira. Isso ratifica a noção de unidade de análise teórica e metodológica da atividade de brincar que temos defendido como sendo a [ação/imaginação]. Assim, a análise do evento “Não é uma caixa!” nos apresenta as situações imaginárias das crianças, com as linguagens em uso e os sentidos e significados atribuídos à caixa de papelão, em uma situação social de desenvolvimento.

Se a brincadeira é forma de ingresso nos significados sociais, conforme outros autores defendem (Bruner, 2008), a brincadeira das crianças de 0 a 3 anos se volta para a significação da ética das relações humanas, para as ações entre as pessoas e os efeitos dessas ações, como nossas pesquisas em contextos coletivos de cuidado e educação têm evidenciado (Silva, 2021; Cortezzi, 2020; Oliveira, 2018). Isso traz implicações éticas, políticas, estéticas e pedagógicas para a organização de ambientes sociais de desenvolvimento fundadas em uma ética do cuidado que possibilite ampliar as vivências de cuidado que as crianças constituem nos ambientes familiares. Essa ampliação dos conteúdos culturais em um contexto coletivo implica construção, permanência e replanejamento de contextos de brincadeira (espaço, tempo, materiais, transições e relações) que possibilitem o compartilhamento de fontes materiais e simbólicas ao longo do tempo. Implica ainda a posição das adultas do grupo como organizadoras desses contextos e, ao mesmo tempo, como observadoras atentas e interlocutoras ativas que apoiem a atividade imaginária, oferecendo materiais e recursos simbólicos.

O que analisamos no evento “Não é uma caixa!” são possibilidades de [ação/imaginação] de crianças em uma situação social de desenvolvimento, todas as transformações descritas (banheira, cesto, tambor, piscina de bolinhas e proteção contra o lobo) são sentidos atribuídos pelas crianças Larissa e Simone.

Concluímos, finalmente, que a brincadeira representa a base para a construção da interação entre as crianças, de campos dialógicos e de reciprocidade que constituem a intersubjetividade e a novidade de cada um no mundo. A brincadeira é o lugar do inesperado, do imprevisto e, portanto, da possibilidade de abertura às experiências sociais diversas em vivências singulares. As contradições que as crianças operam na situação imaginária, incluindo as sínteses entre as histórias de seus grupos sociais, suas famílias e a sua própria, reforçam nossa defesa do direito de todas as crianças partilharem contextos coletivos de cuidado, educação e práticas sociais com outras, contra qualquer tentativa de fechar e designar o espaço de produção da infância.

Disponibilidade de dados

Os dados do texto da pesquisa encontram-se disponíveis no artigo para os leitores, bem como no banco de dados da pesquisa sob responsabilidade da coordenação do grupo de pesquisa.

1 A idade das crianças é representada por “a” (anos) e “m” (meses) relativos à data do evento.

2 Os nomes da escola, das professoras e das crianças são fictícios.

3 O livro Não é uma caixa (Portis, 2006) se baseia nas possibilidades de brincadeiras com um artefato presente em várias culturas: a caixa de papelão. A narrativa é carregada de possibilidades imaginativas para os(as) leitores(as), pois a caixa se transforma em carro, casa, foguete, entre outras possibilidades.

4 Concordamos com Prestes (2010) ao dizer que, nesse caso, a melhor tradução do termo russo retch é fala, e não linguagem.

5 Este artigo faz parte de uma pesquisa de doutorado, em andamento, e que compõe o programa de pesquisa com aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (Coep) n. 6262316.9.00005149.

Agradecimentos

Expressamos nossa gratidão à Emei Tupi, suas diretoras, coordenadoras, professoras, crianças e famílias. Agradecemos também aos grupos Estudos em Cultura, Educação e Infância - EnlaCEI (https://enlacei.com.br) - e Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula - Gepsa (https://gepsa.com.br). Por fim, registramos nossos agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) pelo apoio financeiro.

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Recebido: 29 de Novembro de 2022; Aceito: 09 de Agosto de 2023

Nota sobre autoria

As três autoras são pesquisadoras pertencentes ao Grupo de Estudos em Cultura, Educação e Infância (EnlaCEI/UFMG), e todas elas contribuíram igualmente nas transcrições das filmagens, análises e escrita do artigo.

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