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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.53  São Paulo  2023  Epub 18-Ago-2023

https://doi.org/10.1590/198053149857 

FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE

O ESPAÇO FORMATIVO COMPARTILHADO: PERSPECTIVAS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

EL ESPACIO FORMATIVO COMPARTIDO: PERSPECTIVAS PARA LA FORMACIÓN DE PROFESORES

ESPACE DE FORMATION PARTAGÉ: PERSPECTIVES POUR LA FORMATION DES ENSEIGNANTS

Cristiane de AlmeidaI 
http://orcid.org/0000-0003-1359-1471

Anemari Roesler Luersen Vieira LopesII 
http://orcid.org/0000-0002-4636-9618

IUniversidade Federal de Santa Maria (UFMS), Santa Maria (RS), Brasil; cristianehdealmeida@gmail.com

IIUniversidade Federal de Santa Maria (UFMS), Santa Maria (RS), Brasil; anemari.lopes@gmail.com


Resumo

Este trabalho, que é resultado de uma tese de doutorado, tem por objetivo compreender como um espaço formativo compartilhado pode promover mudanças de qualidade das ações de ensino. Para isso, constituímos um espaço formativo compartilhado com uma professora, em uma escola estadual localizada em um bairro periférico, para organização do ensino de ciências da natureza para os anos iniciais do ensino fundamental. Os resultados apontaram ações orientadas por objetivos intencionais e conscientes, realizadas em uma unidade dinâmica e de modo compartilhado, como desencadeadoras de aprendizagens e de novas ações para a atividade de ensino. A constituição de espaços compartilhados, organizados nessa perspectiva, possibilita o desenvolvimento psíquico de docentes e mudanças na qualidade do ensino.

Palavras-Chave: ATIVIDADE DE ENSINO; AÇÕES FORMADORAS; FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES; TEORIA DA ATIVIDADE

Resumen

Este trabajo, que es el resultado de una tesis doctoral, tiene como objetivo comprender cómo un espacio de formación compartido puede promover cambios en la calidad de las acciones docentes. Para ello, constituimos un espacio de formación compartido con una profesora, en una escuela del Estado, ubicada en un barrio periférico, para organizar la enseñanza de las ciencias naturales en los años iniciales de la escuela primaria. Los resultados apuntaron a acciones guiadas por objetivos intencionales y conscientes, realizadas en unidad dinámica y de forma compartida, como desencadenantes de aprendizajes y nuevas acciones para la actividad docente. La constitución de espacios compartidos, organizados en esta perspectiva, posibilita el desarrollo psíquico de los docentes y cambios en la calidad de la enseñanza.

Palabras-clave: ACTIVIDAD DOCENTE; ACCIONES FORMATIVAS; FORMACIÓN CONTINUA DE PROFESORES; TEORÍA DE LA ACTIVIDAD

Résumé

Ce travail, issu d’une thèse de doctorat, vise à comprendre comment un espace de formation partagé peut promouvoir des modifications de qualité dans les actions d’enseignement. A ce fin, nous avons mis en place un espace de formation partagé avec une enseignante, dans une école publique d’un quartier périphérique, afin d’organiser l’enseignement des sciences naturelles pour les premières années d’école primaire. Les résultats ont montré que quand les actions sont guidées par des objectifs intentionnels conscients et s’inscrivent dans une unité dynamique de manière partagée, elles sont des déclencheurs d’apprentissage et de nouvelles actions pour l’activité d’enseignement. La mise en place d’espaces partagés, organisés dans cette perspective, favorise le développement psychique des enseignant.e.s et provoque des améliorations en termes de qualité de l’enseignement.

Key words: ACTIVITÉ D’ENSEIGNEMENT; ACTIONS DE FORMATION; FORMATION CONTINUE DES ENSEIGNANT.E.S; THÉORIE DE L’ACTIVITÉ

Abstract

This work, which is the result of a doctoral thesis, aims to understand how a shared training space can promote changes in the quality of teaching actions. For this, we constituted a training space shared with a teacher, in a state school, located in a peripheral neighborhood, to organize the teaching of natural sciences for the initial years of elementary school. The results pointed to actions guided by intentional and conscious objectives, carried out in a dynamic unit and in a shared way, as triggering learning and new actions for the teaching activity. The constitution of shared spaces, organized in this perspective, enables the psychic development of teachers and changes in the quality of teaching.

Key words: TEACHING ACTIVITY; TRAINING ACTIONS; CONTINUOUS TEACHER TRAINING; THEORY OF ACTIVITY

A atividade pedagógica, que compreendemos como a unidade entre a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem, é o objeto central da educação escolar, que contribui para o desenvolvimento das máximas capacidades superiores dos sujeitos. Ao nos referirmos à educação escolar, não podemos deixar de refletir sobre a formação de professores, dada a importância da atuação desses profissionais para a sociedade e para o desenvolvimento dos alunos. Tanto a formação inicial quanto a formação continuada se configuram como base para a atividade de ensino, com vistas a melhorar as ações do docente.

Partimos do pressuposto de que ao docente cabe a responsabilidade de organizar o ensino de modo que possibilite a aprendizagem dos conhecimentos culturais e o desenvolvimento dos alunos. Dessa maneira, consideramos a organização do ensino realizada de modo intencional como ponto inicial da atividade pedagógica e a tomamos como parte principal do processo formativo docente. Entendemos que a organização do ensino envolve: estudos, planejamentos, pesquisas, interações, produção de materiais didáticos, enfim, ações que venham a contribuir para a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem.

Nesse contexto, este trabalho, que é resultado da pesquisa de doutorado da primeira autora (Almeida, 2021) orientada pela segunda, desenvolvido sob a luz da teoria histórico-cultural (THC), mais especificamente da teoria da atividade (TA) com base em Leontiev (1978, 1983), teve por perspectiva a constituição de um espaço formativo compartilhado (EFC) no ambiente escolar, para organizar o ensino de ciências da natureza para os anos iniciais do ensino fundamental (EF) de modo intencional. O EFC é um espaço de interação entre sujeitos, que se fundamenta na premissa de que o aprendizado ocorre no ato de compartilhar com sujeitos de diferentes conhecimentos.

Desse modo, nosso olhar está direcionado a compreender o EFC como possível desencadeador de mudança de qualidade das ações de ensino. Detemos como premissa que um espaço compartilhado se constitui como formativo para o docente quando, no movimento da organização e do desenvolvimento de ações de ensino, ele as realiza tanto como atividade de ensino quanto como atividade de aprendizagem. Definimos como espaço compartilhado aquele que se dá na interação entre os sujeitos que dele participam, na partilha de ações de ensino. De acordo com Leontiev (1978), a atividade proporciona o desenvolvimento psíquico dos sujeitos e, nessa perspectiva, atividades compartilhadas podem levar a novas aprendizagens, possibilitando mudanças na qualidade do ensino. O compartilhamento implica que todos os envolvidos façam parte do processo interativo, envolvendo-se no desenvolvimento das ações e tomando decisões de modo a colaborar com o grupo.

Expomos neste trabalho algumas discussões e reflexões em relação à pesquisa realizada, que nos ajudaram a atender a um de nossos objetivos, qual seja, compreender como um EFC pode promover mudanças de qualidade das ações de ensino. Buscamos, a partir dos materiais produzidos na pesquisa empírica, juntamente com a teoria que nos embasa, tecer considerações sobre a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem em um EFC. Para isso, partimos de uma breve apresentação dos pressupostos teóricos que orientaram a pesquisa, seguida dos caminhos metodológicos, a discussão dos resultados e alguns apontamentos finais.

A teoria da atividade e o espaço formativo compartilhado

Os trabalhos sobre a TA foram a principal contribuição de Alexei Nikolaevich Leontiev (1903-1979) para a THC. A base dessa teoria está na relação de interdependência que se estabelece entre a atividade humana e o desenvolvimento humano. Para o autor, o desenvolvimento do homem se dá pela atividade que ele realiza de forma ativa. O sujeito em atividade transforma os objetos e, ao mesmo tempo, se transforma ao fazê-lo. De acordo com o autor,

. . . não chamamos todos os processos de atividade. Por esse termo designamos apenas aqueles processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele. Por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se dirige, coincidindo sempre com o objeto que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo. (Leontiev, 2014, p. 68).

Assim, o trabalho é assumido como atividade quando o objeto coincide com o motivo da atividade. Leontiev (1978) afirma que nem toda ação é uma atividade para o sujeito que a realiza; pois, na perspectiva do autor, o conceito de atividade tem um significado diferente em relação à ação. Essa ação só se constitui como uma atividade quando o motivo que leva o indivíduo a agir diz respeito ao conteúdo dessa ação, isto é, ao seu objeto e aquilo que o constitui. O objeto da ação pode ser compreendido como sendo a finalidade da ação. Por exemplo, nem sempre o trabalho do docente se constitui uma atividade, pois o motivo precisa coincidir com o objeto da atividade de ensino, que é possibilitar a atividade de aprendizagem para seus alunos. Quando se constitui como atividade para o sujeito, acontece o seu desenvolvimento psíquico.

Desse modo, quando o motivo com o qual o docente realiza o seu trabalho não coincide com o objeto que é a atividade de ensino, como, por exemplo, somente para receber um salário, a ação pode se constituir como um trabalho alienado. E, de acordo com os trabalhos de Leontiev, a alienação não gera desenvolvimento psíquico do sujeito, uma vez que ele não detém a consciência do seu papel social. Mas se o motivo do trabalho mudar, ainda que parcialmente, no decorrer do processo, ele pode vir a se desenvolver. A interação com o outro pode promover a mudança de motivos e, assim, proporcionar desenvolvimento psíquico.

A estrutura da atividade, segundo Leontiev (1978), é constituída por: necessidade, objeto, motivo, ações, objetivos, operações e condições. De acordo com o autor, uma necessidade é um requisito para qualquer atividade, mas ela não consegue se realizar senão, no objeto da ação, quando se objetiva nele. Leontiev assim se referiu à necessidade:

A primeira condição de toda a actividade é uma necessidade. Todavia, em si, a necessidade não pode determinar a orientação concreta de uma actividade, pois é apenas no objecto da actividade que ela encontra sua determinação: deve, por assim dizer, encontrar-se nele. Uma vez que a necessidade encontra a sua determinação no objecto (se objectiva nele), o dito objecto torna-se motivo da actividade, aquilo que o estimula. (Leontiev, 1978, pp. 107-108).

Ainda conforme o autor, quando o motivo é impulsionado por uma necessidade que consegue ser objetivada no objeto, o sujeito está em atividade, ou seja, quando o motivo que o impele coincide com o objetivo para o qual suas ações se dirigem (o objeto). Leontiev (1978) explica esse processo com o exemplo da leitura de um livro por um aluno para realizar um exame: o aluno foi informado que o exame havia sido cancelado; nesse caso, se ele parar de realizar a leitura, e o motivo que o levou a ler o livro foi somente para adquirir nota para ser aprovado, se configurando em memorização para realizar o exame, o aluno realizou apenas uma ação (e não uma atividade) para a preparação para o exame, pois a sua necessidade era a de ser aprovado no exame. O autor esclarece que “os processos de memorização não são, propriamente falando, uma actividade, pois não realizam, regra geral, qualquer relação autônoma com o mundo e não respondem a qualquer exigência particular” (p. 296). Ou seja, a memorização não gera desenvolvimento das capacidades superiores, o sujeito que apenas realiza uma ação de memorizar, que pode reduzir-se a uma função psicológica elementar, e não se apropria do conhecimento, dificilmente consegue estabelecer relações desse conteúdo com o seu cotidiano e acaba levado ao esquecimento. Da mesma forma, se o professor realiza seu trabalho impulsionado apenas por uma necessidade financeira e não por aquela que objetiva a atividade de ensino (visando a que seu aluno se aproprie de conhecimentos), ele desenvolverá uma ação e não uma atividade.

Mas, se o aluno continuar a leitura com o motivo de se apropriar de conhecimentos do conteúdo do livro, o caso constituirá uma atividade, visto que o conteúdo do livro estimulou por si mesmo o processo, ou seja, o motivo se modificou no decorrer do processo. Em outras palavras, a apropriação do conteúdo passou a satisfazer “diretamente uma necessidade particular do aluno, a necessidade de saber, compreender, de elucidar aquilo de que falava o livro” (Leontiev, 1978, p. 297). Desse modo, o aluno se objetiva no objeto (o conteúdo do livro), e o motivo coincide com ele, levando ao desenvolvimento psíquico superior por meio de um conhecimento mais elaborado.

O motivo é o que dirige a atividade, o que a estimula e a impulsiona. O objeto é o que diferencia uma atividade de outra, ele confere à atividade uma determinada direção. Nessa perspectiva, o conceito de atividade está necessariamente relacionado ao conceito de motivo (Leontiev, 1978).

Já a ação é independente da atividade, mesmo que ela seja subordinada ao objetivo da atividade, “uma acção é um processo cujo motivo não coincide com o seu objecto” (Leontiev, 1978, p. 297), por isso uma mesma ação pode fazer parte de diferentes atividades. A ação possui seu aspecto intencional, a finalidade, mas também possui seu aspecto operacional, relacionado às condições. A atividade constitui-se de um conjunto de ações articuladas por uma necessidade. Mas as ações podem vir a se transformar em atividade, pois, segundo o autor (p. 69), “há uma relação particular entre atividade e ação. O motivo da atividade, sendo substituída, pode passar para o objeto (o alvo) da ação, com o resultado de uma ação transformada em uma atividade”. O que vai determinar a transformação da ação em atividade é a qualidade dos motivos que envolvem o sujeito.

Para Leontiev (1978), os motivos podem aparecer para o sujeito como: “motivos compreendidos” e “motivos eficientes” (p. 299). A ação pode se tornar atividade para o sujeito quando o motivo que de início era compreendido se transforma em motivo eficiente, que conduz o sujeito para o objetivo da atividade. Podemos considerar um motivo apenas compreendido, por exemplo, se um docente participa de um processo de formação continuada apenas para obtenção de um certificado. Mas se, no decorrer do processo, o docente percebe a importância da formação para a sua atividade de ensino, começa a interagir, a querer saber mais sobre o conteúdo proposto, apropria-se de conhecimentos, então, o motivo se modifica, as necessidades passam para um nível mais alto de compreensão, mudando a qualidade do motivo de compreendido para eficiente, pois se trata de um processo de desenvolvimento psíquico.

Portanto, quando o motivo não coincide com o objeto, o processo é denominado de ação, conforme explicado anteriormente. As ações são componentes fundamentais na atividade, estão subordinadas à representação do resultado que deverá ser alcançado, isto é, o objetivo. Uma mesma ação pode fazer parte de diferentes atividades ou passar de uma atividade a outra, tendo uma independência relativa. A ação que o sujeito realiza responde a uma tarefa, o objetivo dado ante condições determinadas, e é por isso que a ação apresenta qualidades próprias, que são as formas e métodos pelas quais elas se realizam. As formas de realização da ação são denominadas de operações.

Por operação, entendemos o modo de execução de uma ação. A operação é o conteúdo indispensável de toda a ação e pode realizar-se por meio de operações diferentes, e, inversamente, ações diferentes podem ser realizadas pelas mesmas operações. Isto explica-se pelo fato de que, enquanto uma ação é determinada pelo seu fim, uma operação depende das condições em que é dado este fim. (Leontiev, 1978, pp. 303-304).

As operações são modos como se executam determinada ação, sendo que uma mesma ação pode ser executada por diferentes operações, que dependem das condições. As condições são o conjunto de situações no qual o sujeito realiza a atividade. Leontiev (1978) usa como exemplo a calculadora, pois nela existem operações de cálculos já conhecidas, cristalizadas, assim, a maioria das operações dentro da atividade humana é resultado do ensino e do domínio de formas e meios de ações socialmente elaboradas.

Longarezi e Franco (2013, p. 92) descrevem, de forma sintetizada, a estrutura da atividade com base em Leontiev:

A atividade, originária de uma necessidade, é dirigida a um determinado objeto (que consiste no seu conteúdo); depende dos motivos - o que move o sujeito -; e é constituída por ações - que, por sua vez, dependem dos objetivos -; e são dirigidas por operações - que são os meios ou procedimentos para realizar a ação.

Leontiev (1978) define que as necessidades e os motivos compreendem a orientação da atividade, enquanto as ações e operações definem a sua execução. Ou seja, a atividade concretiza-se na relação ativa do sujeito com o objeto, por meio de ações e operações, originadas por necessidades e dirigidas por motivos. Assim, a atividade depende do motivo; as ações, dos objetivos e as operações, das condições.

Com base no exposto até o momento sobre a estrutura da atividade, apresentamos um esquema (Figura 1) na tentativa de sintetizar a nossa compreensão da dinâmica que estrutura os elementos que a compõem.

Fonte: Elaboração das autoras com base em Leontiev (1978).

Figura 1 Estrutura da atividade 

Na concepção de Leontiev (1978), a atividade não é estática, ela pode mudar de função na estrutura da atividade; quando o motivo muda, a atividade pode transformar-se em ações e as ações, em atividades, conforme o exemplo já citado sobre o processo de formação continuada de professores. Os componentes estruturais da atividade podem modificar sua função e deles também depende a qualidade da atividade.

Trazendo essa discussão para a educação, corroborando com Araujo e Moraes (2017), entendemos a educação escolar como a forma educacional mais desenvolvida da sociedade e, nela, a atividade pedagógica como objeto central da pesquisa em educação. De acordo com as autoras, “o estudo da Atividade Pedagógica dá-se por meio da análise de suas diferentes manifestações ou temáticas”, por exemplo: “os modelos didáticos de ensino, a formação de professores, as situações de aprendizagem, os conteúdos curriculares” (p. 54), em que estão contidas as suas relações objetivas e os nexos causais que organizam e orientam sua existência. Segundo Rigon et al. (2010, p. 24),

. . . o objeto da atividade pedagógica é a transformação dos indivíduos no processo de apropriação dos conhecimentos e saberes; por meio dessa atividade-teórica e prática é que se materializa a necessidade humana de se apropriar dos bens culturais como forma de constituição humana.

Os autores ressaltam ainda que uma das funções do docente é a organização do ensino, que faz parte da atividade pedagógica, ou seja, faz parte da atividade principal do docente: a atividade de ensino. No contexto de nossa investigação, a constituição de um EFC, na escola, visou a atender a organização do ensino, na perspectiva de que se estruturasse como uma atividade para os sujeitos que dele participam e se relacionasse à atividade de ensino. Dessa maneira, os docentes atuam como sujeitos ativos de seu próprio processo de aprendizagem.

Na Figura 2, apresentamos um esquema que representa a nossa compreensão de como se estrutura uma atividade em um EFC. Apreendemos como significado social de um EFC a aprendizagem docente com vistas à atividade de ensino.

Fonte: Elaboração das autoras.

Figura 2 Estrutura da atividade em um espaço formativo compartilhado 

Entendemos que o EFC, na perspectiva da TA, deve compor um movimento que se estruture como atividade para o(s) docente(s). Cabe ressaltarmos que não se trata de um espaço físico ou geográfico, mas de um espaço de interação entre sujeitos, que se fundamenta na premissa de que se aprende no ato de compartilhar com sujeito(s) de diferentes conhecimentos. De modo geral, o movimento da atividade em um EFC parte de uma necessidade do sujeito e tem como motivo contribuir com a atividade de ensino por meio da atividade de aprendizagem docente, sendo o objeto a organização do ensino. As ações de estudar, planejar, compartilhar, etc., desenvolvidas na organização do ensino, são premissas fundamentais para realizar a atividade orientada por objetivos. Nessa perspectiva, consideramos o EFC como formativo para o(s) docente(s), pois, por meio da organização do ensino de modo intencional, o docente, ao desenvolver as ações, as realiza tanto como atividade de ensino quanto como atividade de aprendizagem.

O pressuposto de ser compartilhado materializa-se na produção conjunta de ações de ensino, com base em relações entre os conhecimentos científicos e os meios para organizar esse ensino. Segundo Lopes (2009, p. 15),

Entendendo que compartilhar é partilhar com o outro, no sentido de trocar e, também, de se apropriar tanto das ações quanto dos sentidos e significados que assumem, acreditamos que essa condição gera um movimento de interdependência entre a diversidade dos conhecimentos dos sujeitos envolvidos e as ações docentes, as quais mudam qualitativamente a partir dessa interação.

O compartilhamento que envolve discussões, estudos e planejamentos de ações com sujeito mais experiente, na área de conhecimento estudada, possibilita interações importantes para a formação do docente, proporcionando que ele desenvolva a sua psique. Essa perspectiva orienta nossa pesquisa, cujos encaminhamentos metodológicos são apresentados a seguir.

Caminhos metodológicos

Para contribuir na compreensão do fenômeno de estudo e, assim, nos auxiliar na dimensão executora da pesquisa, adotamos como dimensão orientadora a THC, mais especificamente a TA. A THC e a TA compreendem o indivíduo como um ser histórico e social, que se modifica conforme as relações, com outros sujeitos e de trabalho, que estabelece na vida, permitindo o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Esse aporte teórico nos permite olhar para a formação docente e entender que tal processo acontece gradativamente, na interação com o outro, na apropriação de novos conhecimentos. Na perspectiva de Vigotski (1994, 2008), o sujeito aprende na relação com sujeitos mais experientes, sendo esse um processo contínuo que precisa estar sempre em movimento.

Visando a atender às necessidades formativas de uma Professora1 e a uma de nossas questões de pesquisa - Como um espaço formativo compartilhado pode desencadear mudanças de qualidade das ações de ensino? -, constituímos o EFC com uma Professora dos anos iniciais do EF, no ambiente escolar em que ela atuava, para organizar o ensino de ciências da natureza, com um destaque especial aos conteúdos relacionados à química (referente à formação da pesquisadora), para as turmas em que a Professora pedagoga era regente (primeiro e quarto anos do EF).

Os alunos que a Professora atendia eram filhos de famílias de classe baixa e situação econômica precária. A escola estadual em que foi desenvolvido este trabalho estava localizada em um bairro periférico do município de Santa Maria-RS. Era constituída por 32 professores e 340 alunos. Possuía, além das salas de aula, refeitório, biblioteca, sala de vídeo, sala dos professores, ginásio e praça de lazer. Não possuía laboratório de ciências, sala de informática com internet, revistas atualizadas para pesquisas e sala de estudos para os professores. As condições físicas da escola - que estão diretamente relacionadas a investimentos públicos - não eram muito favoráveis: a instalação elétrica apresentava problemas e, muitas vezes, as conexões elétricas não funcionavam; as salas não dispunham de ar-condicionado ou ventiladores, o que as deixava muito abafadas no verão; as fechaduras estavam danificadas; a pintura das paredes estava desgastada; a conexão da internet não era boa; a segurança interna era frágil, o que preocupava gestores e professores por se tratar de um bairro em que aconteciam muitas ocorrências em relação à violência.

Em relação ao trabalho realizado com a Professora no ambiente escolar, destacamos que, embora em um EFC que envolva mais sujeitos haja maiores possibilidades de interações, o compartilhar entre dois sujeitos com diferentes conhecimentos, sendo um deles mais experiente no conteúdo/tema de estudo, também proporciona aprendizagens eficazes. Ou seja, não estamos desconsiderando possibilidades com o envolvimento de mais sujeitos, mas reiteramos que o compartilhar de ações de ensino, na perspectiva formativa, pode acontecer entre duas ou mais pessoas.

Ao pensarmos no EFC para os professores dos anos iniciais do EF, considerando os professores unidocentes, graduados em Licenciatura em Pedagogia, compreendemos, com base em buscas realizadas no portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de teses de doutorado da área de ciências da natureza nos anos iniciais do EF (Almeida, 2021), os limites que esses educadores enfrentam para trabalhar com os conhecimentos científicos das cinco áreas do conhecimento que constam da Base Nacional Comum Curricular (Ministério da Educação, 2017). Desse modo, o EFC poderá contribuir para sanar as dificuldades que perpassam a organização do ensino e para melhorar a qualidade das ações de ensino.

Para apreensão da realidade estudada, utilizamos alguns instrumentos que permitiram a produção de nossos materiais empíricos, que consistiram em: a) construção de um diário de registro da Pesquisadora; b) relatos escritos pela Professora que aconteceram em duas etapas: a primeira, no início da pesquisa (relato escrito inicial) e a segunda, no final da pesquisa (relato escrito final); e c) encontros na escola entre a Professora e a Pesquisadora gravados em áudio - as gravações ocorreram durante o EFC, em um total de 22 encontros.

Ao pensarmos no EFC como uma atividade para a Professora, compreendemos que ele se deu por meio de diferentes ações realizadas para atender às suas necessidades, tendo em vista a aprendizagem de seus alunos. No entanto esse movimento não aconteceu de forma rápida e por meio de “receitas prontas”, mas como construção compartilhada entre Pesquisadora e Professora de conhecimentos e modos de organizar o ensino.

Para atender aos objetivos propostos em nossa pesquisa, organizamos os materiais empíricos produzidos em episódios e cenas. De acordo com Moura (2000), a análise por episódios permite não apenas a organização dos materiais produzidos, mas, sobretudo, um modo de exposição que recompõe o fenômeno na sua totalidade, em uma nova síntese, explicitando o movimento lógico-histórico da pesquisa e dos modos de ação para a compreensão teórica do objeto, de modo a compreender o fenômeno em seu processo de mudança.

Os episódios podem organizar-se por meio de cenas que buscam revelar determinações essenciais para a compreensão do fenômeno além da aparência. Segundo Moura (2000, p. 60), “os episódios são reveladores sobre a natureza e qualidade das ações. Quanto à natureza, podemos destacar: se trata de conceito, de modos de ação, de valores, de conhecimento estratégico . . . ou se é apenas conhecimento prático”. Ainda nos dizeres do autor, os episódios podem ser frases escritas ou faladas que constituem cenas que os definem. Nas cenas descritas, para preservar a identidade do sujeito de pesquisa, foi atribuído o nome “Professora”, também utilizado no decorrer do texto para citar o sujeito da pesquisa.

Destacamos que, no contexto de nossa investigação, a constituição do EFC contribuiu na organização do ensino de ciências da natureza para os anos iniciais do EF, mas também pode ser constituído em outras áreas de conhecimento e para toda a educação básica.

A organização do ensino faz parte da atividade de ensino do docente. É ele que escolhe a forma de trabalhar os conteúdos e os instrumentos a serem utilizados; essas ações/decisões são determinantes para o desencadeamento da atividade de aprendizagem dos alunos. A organização do ensino pode proporcionar a consciência em relação ao que ensinar e como ensinar, quando intenciona que os alunos se apropriem da cultura humana, estudando conhecimentos científicos de modo a contribuir para estabelecerem as relações com o cotidiano e, assim, poderem transformá-lo.

Percepções da professora sobre o espaço formativo compartilhado

Considerando a organização do ensino, apresentamos quatro cenas de nossa investigação que nos ajudaram a atender ao objetivo deste trabalho. Elas fazem parte do episódio que chamamos de “O Espaço Formativo Compartilhado como promotor de mudança de qualidade das ações” (Almeida, 2021, p. 207) e envolvem discussões e reflexões em relação à organização do ensino de ciências da natureza que ocorreu no EFC.

A cena 1 refere-se a uma reflexão da Professora, registrada em áudio, no EFC sobre a importância das ações de estudos compartilhados. A Professora aborda estudos científicos de ciências da natureza articulados ao planejamento de ações de ensino.

Cena 1. Professora: Precisa de muito mais tempo de formação nessa área para que nós, pedagogos, também consigamos desenvolver esse ensino de ciências da natureza com qualidade . . . . Uma vez já tinha participado de um projeto com acadêmicas de ciências da natureza da universidade, elas vinham na sala de aula trabalhar com os alunos, mas diferente desse nosso trabalho, pois temos um espaço para estudar e planejar, ficando evidente que eu tinha essa deficiência em trabalhar com as ciências da natureza nos anos iniciais. E se você não tem esse apoio com um docente da área fica mais difícil buscarmos esses conhecimentos sozinhos. (Professora: gravação do encontro 21º no EFC).

Nesse contexto, a Professora atribui importância ao estudo, mas está se referindo a um modo específico de estudar, em que haja a possibilidade de interação entre sujeitos com diferentes conhecimentos, envolvendo estudos de conhecimentos científicos da área de ciências da natureza. Embora a Professora seja formada em pedagogia, com mestrado e amplo domínio de conhecimentos relacionados à educação, bem como da sala de aula, ela sente a necessidade de formação nessa área, pois faltam conhecimentos científicos para ensiná-la. Como nossos estudos eram mais especificamente sobre a área de ciências da natureza, a Pesquisadora foi quem assumiu o papel de sujeito mais experiente na área de estudo (por ser a área de formação da Pesquisadora). Sendo que, na perspectiva de Vigotski (2008), o sujeito aprende na relação com sujeitos mais experientes. A cena 1 revela indícios de aprendizagem da Professora em relação a ensinar ciências da natureza nos anos iniciais, demonstrando o sentido pessoal atribuído ao estudo compartilhado, o de ensinar com qualidade, mas não se referindo a qualquer estudo, como já destacado. Assim, podemos considerar que o docente se desenvolve no ato de compartilhar conhecimentos. Mas o compartilhamento na perspectiva adotada precisa envolver estudos de conhecimentos científicos.

É importante ressaltarmos que não podemos arbitrariamente atribuir a falta de conhecimentos científicos da área à negligência do docente. Muitas vezes as condições objetivas2 não são favoráveis à busca de novos conhecimentos, o que evidenciamos quando a Professora destaca que é difícil buscar sozinha os conhecimentos científicos de ciências da natureza, por falta de recursos. Corroboramos com as palavras de Maldaner (2000, p. 395), quando afirma que

. . . os professores precisam receber apoios concretos próprios de um exercício profissional: alocação de tempo, nova organização de horários, organização de salas-ambiente, material de ensino, participação em congressos, assinatura de revistas e acesso a novas bibliografias, interação com outros pesquisadores educacionais.

Portanto, sem esses recursos citados pelo autor e outros recursos, como a possibilidade de participar de um EFC, realmente fica difícil a busca por novos conhecimentos das áreas, principalmente quando falamos de um docente que é unidocente. Ou seja, as condições objetivas e as condições subjetivas3 influenciam na mudança da qualidade do ensino, que está diretamente relacionada à apropriação de conhecimentos.

A cena 2 está relacionada aos estudos e planejamentos compartilhados como processo formativo para a Professora. Trata-se de um recorte do relato escrito final da Professora, que se refere à reflexão sobre algumas ações realizadas no EFC.

Cena 2. Professora: Realizar estudos individualmente, muitas vezes, desperta dúvidas que ficam latentes e que, somente compartilhando com quem está envolvido com o conteúdo em questão, poderão ser esclarecidas . . . . Ter o vínculo com a academia traz a segurança para aprofundar os estudos . . . .

Participar da organização de ensino com uma pesquisadora/doutoranda foi uma grande oportunidade para minha formação como professora de anos iniciais. Os estudos envolviam a organização das aulas que seriam desenvolvidas com a turma. . . (Professora: relato escrito final).

A Professora destaca nessa cena o quanto foi relevante para a sua formação ter o vínculo com a universidade. Esse é um importante meio de formação continuada para os professores, que possibilita ações compartilhadas e acompanhamento, pois, em grande parte das formações, os docentes não têm apoio e ficam sem saber a quem recorrer em caso de dúvidas. Nem sempre as suas necessidades formativas são atendidas, conforme pesquisas realizadas no portal da Capes de teses de doutorado envolvendo a área de ciências da natureza nos anos iniciais (Almeida, 2021). De acordo com Lopes (2019, p. 114), “muitos cursos, programas, projetos ou ações, brilhantemente organizados por grandes conhecedores da área da educação, não conseguiram avanços quando apresentados para os professores como algo imposto”, sendo importante considerar o contexto de trabalho e as necessidades formativas dos professores.

O vínculo entre escola e universidade, como prática social, possibilita a melhora na qualidade do ensino, visto que, como destaca a Professora, proporciona aprendizagem para a atividade de ensino e segurança. Esses motivos também são atribuídos por ela para a participação do EFC, conforme cena 3, reflexão registrada em áudio.

Cena 3. Professora: Esse nosso estudo é importante para que eu me sinta mais segura na sala de aula para trabalhar ciências da natureza e melhor planejar minhas aulas. Acho que a validade de estar contigo nesta pesquisa é de saber que eu estou ampliando meus conhecimentos, que vou saber onde buscar essas informações para conseguir também na sala de aula trabalhar de uma forma mais tranquila, mais esclarecedor para mim e para os alunos. (Professora: gravação do encontro 11º no EFC).

Cabe ressaltarmos que o vínculo escola e universidade é importante, porém não nos referimos a qualquer vínculo, pois tradicionalmente a presença da universidade na escola, em especial de pesquisas de cunho acadêmico, faz-se somente por meio de coleta de dados para identificação de problemas que levam à culpabilidade do docente ou da escola. Como apresentamos, a Professora atribuiu a presença da universidade na escola relacionada à contribuição na formação do docente. Além disso, esclarecemos que, ao trazer a relevância para a educação básica do vínculo entre escola e universidade, não desconsideramos a necessidade de o Estado cumprir com a responsabilidade de oferecer formação continuada para os seus professores e, principalmente, condições objetivas para que eles possam buscá-la.

As ações realizadas de modo compartilhado têm mais chances de possibilitar aprendizagens eficazes para a docência, como também ressaltou a Professora na cena 2. Isso porque, além de atender às necessidades formativas de professores, tanto das lacunas na formação inicial quanto das atuais, dá liberdade para construírem seus conhecimentos com autonomia. Conforme aborda Nóvoa (1992, p. 25), “a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas e autoformação participada”. Desse modo, defendemos que a integração universidade e escola deve ser estabelecida desde que os docentes tenham autonomia, participando ativamente de seu processo formativo.

Consideramos importante, para orientar a organização do ensino, os pressupostos teórico-metodológicos estarem relacionados à intencionalidade na organização do ensino, conforme apresentamos na cena 4. Essa cena traz um recorte do relato escrito final da Professora, que se refere à reflexão sobre a organização do ensino no EFC.

Cena 4. Professora: . . . os encontros eram bastante debatidos e trocávamos muitas ideias . . . . O assunto que escolhemos para desenvolver foi um que fazia parte da vivência dos alunos naquela comunidade. As aulas também eram organizadas com base nos referenciais teóricos da THC, TA e AOE. Assim, tivemos muitas propostas lúdicas para os momentos de ensino, buscando aproximar o máximo da realidade dos alunos, criando atividades de ensino que proporcionassem entender e explicar a realidade, visando a solução do problema apresentado. (Professora: Relato escrito final).

Na cena 4, a Professora discorre sobre as bases teórico-metodológicos da THC, TA e AOE que orientaram as ações, contribuindo para os estudos e planejamentos das aulas. Em cada ação eram levados em conta elementos que fazem parte dessas bases teóricas, que vieram a proporcionar uma organização do ensino voltada para a apropriação de conhecimentos por meio de atividades lúdicas e atividades relacionadas com a vivência dos alunos. Outra questão levantada pela Professora, na cena 4, diz respeito aos momentos de reflexões das ações de ensino, os quais possibilitaram novas ideias e criação de novas ações. Desse modo, podemos inferir que os pressupostos teórico-metodológicos contribuem para a avaliação das ações de ensino. Assim, um dos sentidos que a Professora atribuiu aos pressupostos teórico-metodológicos pode ser indícios de orientadores das reflexões e da avaliação. Dessa maneira, a organização do ensino intencionalmente estruturada com ações compartilhadas oferece condições que podem promover a aprendizagem dos sujeitos que dele participam.

A análise dos dados apresentados por meio das cenas nos permitiu tecer algumas considerações, especificamente sobre o EFC. Na cena 1 identificamos que as ações de planejar e estudar com um sujeito mais experiente na área foram consideradas como formadoras pela Professora por proporcionarem aprendizagens em relação ao ensino de ciências da natureza nos anos iniciais. Na cena 2, a Professora considerou o vínculo com a academia como formador ao destacar a possibilidade de aprofundar os estudos com ações compartilhadas. Na cena 3, a Professora destacou que o EFC contribuiu para melhorar a qualidade do ensino considerando-o como formador, pois proporciona aprendizagens voltadas para a atividade de ensino. A cena 4 destaca a importância das bases teórico-metodológicas no EFC; a Professora as considerou como formativas pois contribuem para estudos, planejamentos e avaliação das ações realizadas.

Desse modo, o EFC, conduzido como atividade, teve como motivo contribuir com a atividade de ensino por meio da atividade de aprendizagem da Professora, tomando como objeto a organização do ensino de ciências da natureza. Para tanto foram realizadas ações com objetivos que viessem a atender às necessidades formativas e os motivos da Professora em participar desta pesquisa. Segundo Leontiev (1983), a atividade é composta por ações subordinadas a um objetivo. Conforme o autor, as ações fazem parte da estrutura da atividade, como um meio de realizá-la e, consequentemente, de satisfazer o motivo que leva o sujeito a agir. Ou seja, o que caracteriza as ações é o fato de elas serem sempre orientadas para um objetivo.

Nesse sentido, os relatos da Professora revelam que ela se apropriou de conhecimentos por meio das ações desencadeadas. Mas quais foram as ações que possibilitaram tais aprendizagens? Sobre isso, tratamos no próximo item.

As ações do espaço formativo compartilhado

Na estrutura da atividade, de acordo com Leontiev (1978), como já abordamos anteriormente, as ações são componentes fundamentais para realizar uma atividade. Nesse contexto, compreendemos o quanto as ações desenvolvidas em um EFC podem ser reveladoras da mudança de ações de ensino, desencadeada por ações formadoras.

Desse modo, podemos inferir que as ações desenvolvidas no EFC foram orientadas por objetivos que possibilitaram atender ao nosso objetivo de investigação: “compreender como um EFC pode promover mudanças de qualidade das ações de ensino”. Mas não se trata de qualquer tipo de ação, por isso as consideramos como ações formadoras. Compreendemos os objetivos que orientaram as nossas ações como uma unidade dinâmica para a formação de professores, em especial os que ensinam ciências da natureza. Esse dinamismo está representado na Figura 3.

Fonte: Elaboração das autoras.

Figura 3 Objetivos orientadores das ações potencialmente formadoras no espaço formativo compartilhado 

Os materiais produzidos e organizados em nosso estudo permitem identificar que as ações potencialmente formadoras foram orientadas por cinco objetivos estabelecidos pela atividade. Conforme a Figura 3, temos ações com objetivos de:

  1. Conhecer os documentos oficiais que regem o currículo da escola;

  2. Compreender bases teórico-metodológicas que orientam as ações;

  3. Apropriar-se de conceitos científicos de ciências da natureza;

  4. Compartilhar ações com sujeito(s) mais experiente(s);

  5. Articular ações de estudo com ações de ensino.

À vista disso, para cada objetivo temos ações que se complementam no desenvolvimento da atividade. Cabe ressaltar que essas ações se desenvolveram no EFC que leva em consideração o que Leontiev (1978) entende por estrutura da atividade, envolvendo necessidade, objeto, motivo, ações, objetivos e operações, representados na estrutura da Figura 1. Conforme o autor, a ação é independente da atividade, por isso uma mesma ação pode fazer parte de diferentes atividades. E as ações podem vir a transformar-se em atividades no processo, na medida em que ganham um motivo próprio pelo sujeito. Os materiais produzidos trouxeram indícios de que as ações se constituíram atividade pela Professora, uma vez que desencadearam novas aprendizagens. A seguir, apresentamos as ações realizadas para cada um dos cinco objetivos estabelecidos.

1. Conhecer os documentos oficiais que regem o currículo da escola

As ações orientadas ao conhecimento dos documentos que regem o currículo da escola foram: estudar os documentos do currículo escolar, identificar conhecimentos a serem trabalhados com os alunos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e discutir sobre seu conteúdo. Essas foram as primeiras ações realizadas no EFC por se tratar de documentos que fazem parte do currículo escolar, portanto importantes para conhecimento dos professores e para a organização do ensino.

A área de ciências da natureza abrange uma quantidade considerável de conteúdos científicos, assim, para orientação do docente, na BNCC (Ministério da Educação, 2017) encontra-se uma seleção de objetos de conhecimentos e suas habilidades, distribuídos por período de escolaridade. Ressaltamos que nem todos os conteúdos que trabalhamos constam na BNCC. Foram levados em consideração, para os nossos planejamentos, outros documentos que orientam o currículo da escola, assim como o contexto dos alunos, a cultura e o nível de desenvolvimento em que eles se encontravam.

2. Compreender bases teórico-metodológicas que orientam as ações

As ações orientadas à compreensão das bases teórico-metodológicas foram: discutir e ler sobre THC, TA e Atividade Orientadora de Ensino4 (AOE) e pesquisar trabalhos que envolvem situações desencadeadoras de aprendizagem. Essas ações direcionaram o nosso planejamento de ações de ensino e se justificaram por contribuírem significativamente na organização do ensino de ciências da natureza e no processo de aprendizagem da Professora.

O conhecimento e o trabalho com propostas teórico-metodológicas permitem ao docente estabelecer a relação teoria e prática, auxiliando no trabalho pedagógico. É importante ressaltarmos que o trabalho com metodologias de ensino possibilita levar em consideração o contexto sociocultural, bem como o nível de desenvolvimento dos alunos. As propostas metodológicas são abertas para organizar o ensino conforme a realidade da escola e dos sujeitos envolvidos. Assim, o conhecimento de propostas teórico-metodológicas permite desenvolver ações de ensino que possibilitam tanto a aprendizagem dos alunos quanto a dos professores, por meio dos caminhos percorridos no planejamento e no desenvolvimento de novas ações de ensino.

3. Apropriar-se de conceitos científicos de ciências da natureza

As ações orientadas à apropriação de conceitos científicos de ciências da natureza foram: estudar e discutir artigos e livros relacionados a conceitos científicos de ciências da natureza; e pesquisar sobre conhecimentos de ciências de natureza. Essas ações são desenvolvidas pela necessidade de compreensão dos conceitos de ciências da natureza para organizar ações de ensino dessa área, de modo que contribuam para o desenvolvimento psíquico dos alunos e para que o docente passe a dominar o seu objeto de trabalho e, com isso, se sinta mais seguro para ensinar.

4. Compartilhar ações com sujeito(s) mais experiente(s)

As ações orientadas ao compartilhamento no EFC foram: estudar, ler, discutir - textos, artigos e livros sobre documentos oficiais, conceitos científicos de ciências da natureza e outras áreas de conhecimento, AOE, experimentos de ciências da natureza; pesquisar - artigos científicos de ciências da natureza, experimentos de ciências da natureza, tarefas para os alunos, vídeos no YouTube sobre produção de materiais e conteúdos didáticos sobre ciências da natureza para os alunos; planejar - produzir materiais didáticos (histórias, cenários, cartazes, experimentos de ciências da natureza, vídeos, registros); produzir artigo científico para evento da área de educação; desenvolver experimentos de ciências da natureza para fins de estudos e ensino; visitar local de vivência dos alunos; desenvolver ações com os alunos; e avaliar experiências anteriores e de vivência atual da Professora em relação a ações desenvolvidas em sala de aula.

As ações desenvolvidas de modo compartilhado se justificam por acreditarmos, assim como Vigotski (2008), que o processo de aprendizagem se dá nas interações com outro(s) sujeito(s) de diferente(s) conhecimento(s). Nesse movimento, o compartilhamento levou à criação de novas necessidades e, assim, à organização de novas ações de ensino.

5. Articular ações de estudo com ações de ensino

A articulação entre as ações de estudo e as ações de ensino envolveram: estudar - ler textos sobre conceitos científicos de ciências da natureza e discutir/planejar ações para trabalhar com os alunos com base em estudos; e relatar sobre experiências vivenciadas em sala de aula e relacioná-las com conceitos científicos de estudos. Salientamos que essas ações realizadas de modo compartilhado podem contribuir para o desenvolvimento psíquico dos sujeitos envolvidos.

As ações potencialmente formadoras elencadas, referenciadas pela THC, possibilitaram atender a algumas das necessidades formativas da Professora, por meio da aprendizagem de conhecimentos científicos de ciências da natureza e de modos de organizar o ensino dessa área. Os cinco objetivos que orientaram as ações, em uma unidade dinâmica, resultaram na mudança de qualidade das ações de ensino, impulsionada pelos sentidos por ela atribuídos ao realizar as ações, que coincidiram com o significado social da atividade de ensino - a aprendizagem dos alunos.

Os resultados ainda apontam que um espaço voltado à formação, organizado na perspectiva de compartilhamento, possibilita que os envolvidos se coloquem em atividade, proporcionando novas aprendizagens e mudanças na qualidade de suas ações referentes ao ensino, particularmente nesse caso de ciências da natureza. Assim, podemos configurar o EFC como formação continuada para os sujeitos que dele participam.

Considerações finais

Ao findar desta investigação, com base nos estudos teóricos que sustentam a empiria e na realidade vivenciada juntamente com uma Professora dos anos iniciais no EFC, comprovou-se a tese de que a constituição de um EFC envolvendo ações relacionadas a objetivos intencionais e conscientes pode: compreender bases teórico-metodológicas que orientam as ações; apropriar-se de conceitos científicos de ciências da natureza; compartilhar ações com sujeito(s) mais experiente(s); articular ações de estudo com ações de ensino; e, em uma unidade dinâmica, permite aprendizagens no ato de compartilhar e o desenvolvimento de novas ações para o ensino, de qualidade nova.

Os indícios de aprendizagens revelados nesta investigação derivam do EFC cujas ações relacionadas aos objetivos intencionais e conscientes, que consideramos como ações formadoras para organizar o ensino, incluíram: estudar, planejar, discutir, desenvolver e avaliar ações de ensino. Desse modo, podemos inferir que a constituição de espaços compartilhados, organizados nessa perspectiva, contribui para a formação de professores, levando a novas percepções, o que permite despertar outros olhares, criando novas necessidades para a atividade pedagógica e possibilitando o desenvolvimento psíquico dos sujeitos envolvidos.

A despeito da formação de professores, esta pesquisa nos coloca no movimento de pensar propostas relacionadas à constituição de espaços formativos compartilhados em parceria entre universidades e escolas de educação básica. Essa parceria pode ser organizada tanto para a formação continuada de professores em serviço quanto para professores em formação inicial (na sua relação da teoria com a prática, importante no processo de formação inicial) em um processo contínuo que precisa estar sempre em movimento. Cabe ressaltarmos que, embora este artigo, fruto de uma pesquisa de doutorado, tenha trazido a especificidade do docente dos anos iniciais, há de se considerar que os aspectos apresentados podem subsidiar reflexões e processos formativos de professores das cinco áreas de conhecimento da BNCC (Ministério da Educação, 2017) em outros níveis de ensino.

Dentre as questões que nos inquietam está: como pensar a materialidade desta pesquisa para a escola pública brasileira? É importante que, em um primeiro momento, escolas e instituições escolares se organizem de modo a proporcionar espaços compartilhados de estudos e planejamentos entre os professores e, dentro do possível, busquem parcerias com as universidades. E que a mantenedora da escola dê prioridade para a formação continuada dos professores da rede, seja por meio de assessoria pedagógica contínua de um profissional mais experiente em espaços compartilhados, seja por meio de cursos de longa duração e de possibilidades de debate envolvendo diferentes sujeitos, que possibilitem contribuir com a atividade de ensino e a continuidade do processo formativo compartilhado. Há de se considerar ainda que as políticas públicas deveriam estar voltadas a esses espaços de formação continuada, atendendo-os como uma necessidade dos professores e, portanto, como parte do seu trabalho, o que implica ter horas destinadas para isso.

Disponibilidade de dados

Os dados subjacentes ao texto da pesquisa estão informados no artigo.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela bolsa concedida, que possibilitou a realização da pesquisa de doutorado e resultou neste artigo.

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1No decorrer do texto, sempre que a palavra “Professora” aparecer com a letra inicial em maiúscula, estaremos nos referindo ao sujeito que participou desta pesquisa.

2Referimo-nos às condições de trabalho do docente (tempo para planejamento de aulas, materiais didáticos, participação na organização do planejamento escolar, remuneração, estrutura da escola), com base em Basso (1998).

3Referimo-nos à formação do docente (formação inicial e formação continuada), com base em Basso (1998).

4A Atividade Orientadora de Ensino (AOE) é uma proposta metodológica de ensino com base em Moura (1997, 2000).

Nota sobre autoria Este artigo é resultado da tese de doutorado de Cristiane de Almeida, que foi responsável pela realização da pesquisa e da primeira escrita deste artigo. Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes orientou a pesquisa e participou da revisão e de contribuições para este artigo.

Recebido: 20 de Outubro de 2022; Aceito: 22 de Março de 2023

TRANSLATED BY

Tairine Rodrigues SanguebucheIII

III

Freelancer; Santa Maria (RS), Brazil; tairine_sanguebuche@outlook.com

Note on authorship

This article is the result of the doctoral thesis by Cristiane de Almeida, who was responsible for carrying out the research and the first writing of this article. Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes guided the research and participated in the review and contributions to this article.

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