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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.53  São Paulo  2023  Epub 13-Sep-2023

https://doi.org/10.1590/1980531410118 

FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE

GÊNERO E ENSINO SECUNDÁRIO: EXPERIÊNCIAS E ESTRATÉGIAS DOS PROFESSORES

GÉNERO Y EDUCACIÓN SECUNDARIA: EXPERIENCIAS Y ESTRATEGIAS DE LOS PROFESORES

GENRE ET ENSEIGNEMENT SECONDAIRE: EXPÉRIENCES ET STRATÉGIES DES ENSEIGNANTS

Maria Helena SantosI  , Conceptualização, investigação, metodologia, Supervisão, Validação, Rascunho original escrito, Revisão escrita e edição
http://orcid.org/0000-0001-7708-4634

António Manuel MarquesII  , Validação, Revisão escrita e edição
http://orcid.org/0000-0002-0200-8976

Catarina DelgadoIII  , Rascunho original escrito
http://orcid.org/0000-0002-2280-0207

IIscte - Instituto Universitário de Lisboa, CIS-Iscte, Lisboa, Portugal; helena.santos@iscte-iul.pt

IIEscola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal (ESS/IPS) e Centro de Investigação Interdisciplinar Aplicada em Saúde (CIIAS), Setúbal, Portugal; antonio.marques@ess.ips.pt

IIIIscte - Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, Portugal; maria_catarina_delgado@iscte-iul.pt


Resumo

Este estudo analisou os possíveis efeitos negativos associados aos homens docentes do ensino secundário português, bem como as suas estratégias para se integrarem em uma profissão em que as mulheres são maioritárias. Foram realizadas 16 entrevistas individuais semiestruturadas com 8 professores e 8 professoras, e os seus conteúdos foram submetidos a uma análise temática. A análise evidencia que os homens, nesse contexto, experienciam consequências distintas daquelas que as mulheres em situações similares vivenciam, assinalando-se, ainda, vantagens pela pertença à minoria. As experiências dos homens e as perceções das mulheres sugerem a existência de pressão para que os homens evidenciem, enquanto professores, os traços da masculinidade hegemônica.

Palavras-Chave: ENSINO SECUNDÁRIO; TOKENISM; RELAÇÕES DE GÊNERO; MASCULINIDADE

Resumen

Este estudio analizó los posibles efectos negativos asociados a los hombres profesores de la educación secundaria portuguesa, así como sus estrategias para integrarse en una profesión en la que las mujeres son mayoría. Fueron realizadas 16 entrevistas individuales semiestructuradas con 8 profesores y 8 profesoras, y sus contenidos fueron sometidos a un análisis temático. El análisis muestra que los hombres, en este contexto, experimentan consecuencias diferentes de aquellas que las mujeres en situaciones similares experimentan, destacando también las ventajas de pertenecer a la minoría. Las experiencias de los hombres y las percepciones de las mujeres sugieren la existencia de presiones para que los hombres demuestren, como docentes, los rasgos de la masculinidad hegemónica.

Palabras-clave: EDUCACIÓN SECUNDARIA; TOKENISMO; RELACIONES DE GÉNERO; MASCULINIDAD

Résumé

Cette étude a analysé les effets négatifs possiblement associés aux enseignants hommes dans l’enseignement secondaire portugais, ainsi que leurs stratégies d’intégration dans une profession majoritairement féminine. 16 entretiens individuels semi-directifs ont été menés auprès de 8 enseignants et de 8 enseignantes et leur contenu a été soumis à une analyse thématique. L’analyse montre que, dans un même contexte, les conséquences sur les hommes diffèrent de celles vécues par les femmes et, qu’en outre, appartenir à la minorité présente certains avantages. Les expériences des hommes et les perceptions des femmes suggèrent qu’il existe une pression pour que les hommes, en tant qu’enseignants, revêtent les traits de la masculinité hégémonique.

Key words: ENSEIGNEMENT SECONDAIRE; TOKENISM; RELATIONS DE GENRE; MASCULINITÉ

Abstract

The main objective of this study was to analyse the eventual negative effects associated with male teachers in Portuguese secondary education as well as their strategies for integrating into a profession where women are in the majority. We carried out sixteen individual semi-structured interviews with eight male and eight female teachers and with the contents then submitted to thematic analysis. The analytical findings demonstrate how men, in this context, experience different consequences from those experienced by women facing similar situations while also identifying advantages accruing due to membership of the minority. The experiences of men and the perceptions of women suggest the existence of pressure for men to portray, as teachers, the traits of hegemonic masculinity.

Key words: SECONDARY EDUCATION; TOKENISM; GENDER RELATIONS; MASCULINITY

Introdução

O ensino é um dos contextos profissionais em que as conceções de sexo e de gênero estão enraizadas (Bailey & Graves, 2016; Moreau, 2015; Sabbe & Aelterman, 2007; Sargent, 2000; Simmie, 2023) e no qual se mantém predomínio numérico das mulheres (Cognard-Black, 2004; Drudy, 2008; Pruit, 2015; Sabbe & Aelterman, 2007), nomeadamente na educação pré-escolar (Cortez, 2015; Santos et al., 2022; Sullivan et al., 2020), no ensino básico (Rabelo, 2016; Santos & Amâncio, 2018) e no ensino secundário (Organisation for Economic Co-operation and Development [OECD], 2022).

A feminização do ensino teria resultado dos processos de urbanização, do desenvolvimento socioeconômico, da divisão sexual do trabalho, das conceções de feminilidade e de masculinidade, do posicionamento social das mulheres e do valor atribuído às crianças e aos cuidados de que estas carecem (Drudy, 2008). Outros fatores explicativos para a sub-representação dos homens e, logo, o predomínio das mulheres no setor do ensino são a baixa remuneração e o baixo estatuto associado às e aos profissionais (Allegretto & Mishel, 2016; Ashcraft & Sevier, 2006; Sargent, 2000) e a sua forte associação ao domínio do cuidado e à feminilidade, e, por isso, atribuído especialmente às mulheres e pouco atrativo para os homens (Hedlin & Åberg, 2019; OECD, 2022; Pruit, 2015; Rabelo, 2016; Santos & Amâncio, 2018).

Também em Portugal, o setor do ensino, sobretudo nos níveis anteriores ao ensino superior, tem mantido o predomínio numérico das mulheres (Pordata, 2022), pelo que este se pode assumir como contexto adequado para analisar as experiências dos homens numa profissão socialmente atípica, em termos de gênero (Cognard‐Black, 2004; Simmie, 2023). Porém não localizamos estudos que adotem a perspetiva de gênero para aprofundar o conhecimento sobre as experiências dos professores portugueses no ensino secundário. Com efeito, em Portugal, desde 1972, os homens têm constituído uma minoria nesse ciclo de ensino, embora menos notória do que nos ciclos precedentes (Santos & Amâncio, 2018; Santos et al., 2022), como se apresenta na Tabela 1.

Tabela 1 Número e percentagem de professores no 3º ciclo e no ensino secundário 

Ano Total Número homens Percentagem homens
1972 16.209 7.600 46,9
1977 30.782 13.573 44,1
1982 35.914 15.634 43,5
1987 50.788 19.411 38,2
1992 * * *
1997 81.338 24.950 36,8
2002 87.636 25.244 28,8
2007 88.280 26.101 29,6
2012 83.525 24.412 29,2
2017 75.567 21.330 28,2
2021 78.523 22.312 28,4

Fonte: Pordata (2022).

* Sem dados.

A Tabela 1 evidencia que o aumento do número total de docentes nesse nível de ensino é notório, particularmente entre os anos de 1972 e 1977, resultado do maior investimento na educação em Portugal, após a Revolução de Abril de 1974 (Loura, 2020). Os valores apresentados também demonstram que, em 1972, a percentagem de professores e de professoras era quase igualitária. Desde 1977, acentuou-se, drasticamente, a percentagem minoritária de professores no ensino secundário, pelo que tal contexto se constitui como um contexto ideal para estudar as dinâmicas de gênero associadas a uma profissão específica.

Tokenism - A relevância da proporção numérica

Rosabeth Moss Kanter (1977, 1993) foi pioneira no estudo da teoria do tokenism, através do estudo das dinâmicas de grupo e das desigualdades entre homens e mulheres em contextos organizacionais. A sua teoria tem sustentado várias pesquisas orientadas para a análise dos efeitos do equilíbrio e da distorção numéricos nas relações e entre grupos constituídos, especialmente, com base no gênero (Santos & Amâncio, 2014).

No seu estudo, realizado nos Estados Unidos da América, Kanter analisou as dinâmicas organizacionais num contexto marcado pela sub-representação de um grupo (as mulheres) em relação a outro (os homens), compreendendo, dessa forma, como a interação entre ambos era afetada pelo desequilíbrio numérico muito acentuado e a que tipo de consequências as mulheres estavam sujeitas, enquanto membros do grupo sub-representado. A autora concluiu que a proporção numérica dos grupos é um fator fundamental na vida social, e que esta tem efeitos nas interações estabelecidas entre os membros de cada um deles (Kanter, 1977, 1993).

Kanter (1993) começou por definir quatro tipos de grupos existentes em contexto organizacional, categorizando-os pela proporção numérica da sua composição: i) os “grupos uniformes”, homogéneos, são constituídos por apenas uma categoria socialmente significativa, numa proporção de 100:0; ii) os “grupos distorcidos”, compostos de uma proporção de cerca de 85:15, nos quais existe o predomínio de uma categoria, sendo nestes que se verifica o “fenômeno do tokenism”. A autora designou os membros dos grupos maioritários como “dominantes”, pois controlam o grupo e a sua cultura, e os indivíduos da categoria minoritária, como “tokens”, “solitários” ou “solos”, caso sejam um único indivíduo. Os tokens são assim designados por serem tratados como representativos da sua categoria social, como “exemplos” ou “símbolos”, mais do que como indivíduos; iii) os “grupos inclinados” têm uma proporção de 65:35, com distribuições e efeitos menos extremos nas interações, porque existe maior equilíbrio numérico entre a maioria (dominantes) e a minoria (dominados). Os indivíduos minoritários são aliados, podendo criar coligações e afetar a cultura do grupo, tornando-se diferenciados uns dos outros; e iv) os “grupos equilibrados” são compostos de uma proporção que varia entre os 60:40 e os 50:50, refletindo a cultura e a interação esse equilí- brio numérico.

De acordo com a autora, nos contextos em que exista equilíbrio numérico dos grupos, as dinâmicas organizacionais deverão ser mais positivas. Centrando-se num contexto de grupos distorcidos, Kanter (1977, 1993) concluiu que, em comparação com o grupo dos dominantes, os tokens estarão em desvantagem e serão sujeitos a três consequências negativas: i) elevada visibilidade, levando a pressões para evidenciarem bom desempenho, na tentativa de corresponderem às expectativas do grupo dos dominantes, o que poderá provocar o aumento ou a diminuição do seu desempenho; ii) contraste ou polarização das diferenças relativamente aos dominantes, o que, pela sua situação minoritária, poderá levar ao seu isolamento ou acomodação ou, ainda, a tentativas para se integrarem no grupo dominante; e iii) assimilação dos estereótipos atribuídos ao seu grupo social pelos membros do grupo dominante, de modo a corresponder às suas expectativas, podendo evitar a livre expressão e, assim, levar à sua marginalização.

Tokenism em uma perspetiva de gênero

Uma corrente de investigação criticou a perspetiva de Kanter ao defender que uma análise baseada na proporção numérica e neutra, em termos de gênero, é insuficiente para compreender plenamente o “fenômeno do tokenism” (Budig, 2002; Ott, 1989; Williams, 1992; Yoder & Sinnett, 1985; Yoder, 1991, 1994; Zimmer, 1988). Já em 1975, Laws (1975) defendia que só os tokens “duplamente desviantes”, ou seja, os membros de grupos proporcionalmente sub-representados no contexto e de estatuto socialmente baixo, como é o caso das mulheres em profissões dominadas por homens, vivenciarão consequências negativas nas organizações. Assim, essa autora acrescentou o contexto social normativo aos fatores numéricos, e, seguindo a sua perspetiva, os homens, genericamente, com um estatuto social elevado, não deveriam experienciar as consequências do tokenism, mesmo quando sub-representados, por não serem, enquanto grupo, duplamente desviantes.

No que concerne aos estudos subsequentes à investigação de Kanter (1977, 1993), a investigação de Yoder e Sinnett (1985) corroborou a teoria do “duplo desvio” de Laws (1975), demonstrando que, ao contrário das mulheres tokens, os homens tokens não experienciam os efeitos negativos da elevada visibilidade, do contraste/polarização ou da assimilação de papéis de gênero estereotípicos, sugerindo, assim, que os números, por si só, não explicam as consequências negativas do tokenism.Zimmer (1988) demonstrou, ainda, que os homens tokens numa profissão feminina (por exemplo, enfermagem) têm mais benefícios, como, por exemplo, serem alvo de maior consideração e destaque do que as mulheres tokens em profissões masculinas. Yoder (1991), por seu lado, afirmou que Kanter confundiu quatro fatores: o desequilíbrio numérico, o estatuto de gênero, a inapropriação profissional e a intrusividade. Essa autora constatou que o gênero do token afeta o seu estatuto, não experienciando os homens tokens as mesmas consequências negativas que as mulheres, pelo seu estatuto social mais elevado. Yoder (1991) defendeu, assim, que as conclusões de Kanter são apenas generalizáveis a mulheres tokens integradas em profissões dominadas pelos homens.

Budig (2002) argumentou que os homens tokens experimentam alguns efeitos do tokenism, mas, ao contrário do que sucede com as mulheres tokens, não sofrem um impacto negativo em nível profissional, sendo ainda mais provável que sejam beneficiados com promoções na carreira. Acrescentou que a típica divisão sexual do trabalho e das ocupações faz com que as mulheres tenham mais responsabilidades domésticas e para com os filhos e filhas, o que conduz a que não sejam percecionadas como “trabalhadoras ideais”, já que as organizações valorizam colaboradores com menos obrigações não laborais, ou seja, os homens.

Uma das várias críticas à teorização de Kanter é a de que a proporção numérica, apesar de relevante, não é o único fator explicativo do “fenômeno do tokenism” nas organizações, devendo, por isso, ser integrados nas análises os fatores sociais (por exemplo, diferenças no tratamento de mulheres e homens e de negros/as e brancos/as, etc.), ideológicos, culturais e psicológicos. Essa perspetiva assenta-se na ideia de que as consequências negativas identificadas por Kanter não se verificam em todos os grupos sociais (Santos & Amâncio, 2014; Santos et al., 2015), pois a divisão do trabalho tende a beneficiar os homens e as organizações e a valorizar mais as qualidades associadas à masculinidade, em detrimento das relacionadas com a feminilidade (Acker, 1990; Maume, 1999).

As estruturas e dinâmicas organizacionais não são neutras, em termos de gênero; são “genderizadas” (Acker, 1990). Sob esse pressuposto, Williams (1992, 1995) realizou um estudo sobre homens sub-representados em profissões tradicionalmente femininas: enfermeiros, professores do ensino básico, bibliotecários e assistentes sociais. Ela concluiu que as mulheres e os homens com profissões ou ocupações “atípicas”, em termos de gênero, sofrem discriminação, mas as suas conse- quências e os tipos são diferentes em cada um dos sexos. Os homens tokens são tratados pelas mulheres, geralmente, de forma diferente, mas positiva, tendo, por exemplo, vantagens na promoção e na contratação em profissões em que são minoritários. Nessas situações, é comum que os homens sejam beneficiados por uma “escada rolante de vidro” (glass escalator) que os faz ascender a posições superiores e a ter remunerações mais elevadas. Pelo contrário, as mulheres tokens deparam-se, muitas vezes, com um “teto de vidro” (glass ceiling), o qual lhes dificulta o acesso a posições hierárquicas elevadas e as faz ser objeto de marginalização (Williams, 1992). Além disso, os estudos referidos mostraram que as principais dificuldades e situações de discriminação negativa vivenciadas pelas mulheres tokens se evidenciam no local do trabalho; os maiores obstáculos vivenciados pelos homens tokens são externos à sua profissão, pois têm origem fora da organização. Esses homens deparam-se, sobretudo, com os efeitos de estereótipos negativos, normalmente associados à sua masculinidade, expressos por pessoas externas ao contexto de trabalho, sendo essa a principal fonte da sua discriminação negativa.

Outro efeito da influência das relações de gênero na dinâmica do tokenism relaciona-se com a receção nas profissões de elementos do grupo minoritário. As mulheres em situação de maioria, na tentativa de aumentar o estatuto das suas profissões, tendem a receber bem os homens, fazendo com que eles se sintam integrados (Heikes, 1991; Santos & Amâncio, 2018, 2019; Santos et al., 2022). Pelo contrário, nas profissões masculinas, o processo de entrada e de integração das mulheres não se revela tão positivo, pois a sua entrada é, muitas vezes, percecionada como uma ameaça para o estatuto dessas profissões (Marques, 2011; Santos et al., 2016).

Homens em profissões atípicas: O caso do ensino

Os homens que escolhem ser professores nos níveis de escolaridade anteriores ao ensino superior vivenciam, frequentemente, dificuldade em negociar a sua identidade profissional com a sua identidade enquanto homens, já que são socialmente encaradas como contraditórias (Rabelo, 2016, 2019; Sabbe & Aelterman, 2007; Sargent, 2000). Os professores da educação pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico são, frequentemente, percecionados como mais femininos, homossexuais e/ou potencialmente pedófilos (Ashcraft & Sevier, 2006; Pruit, 2015; Rabelo, 2021; Santos & Amâncio, 2018; Santos et al., 2022). Essas atribuições sociais podem levar à necessidade de mudarem a sua forma de ensinar e de agir (Hedlin & Åberg, 2019; Sargent, 2000), afastando-se dos domínios associados à feminilidade para afirmarem e confirmarem a sua masculinidade (Ashcraft & Sevier, 2006; Sabbe & Aelterman, 2007; Rabelo, 2019; Santos et al., 2022). Assim, para evidenciarem os traços estereotipicamente associados aos homens e a conformidade com a masculinidade tradicional, os professores e os educadores tendem a manter mais distanciamento em relação a alunos e alunas, a evitar o envolvimento emocional com as crianças, a controlar as suas expressões afetivas e a exacerbar traços de autoritarismo (Ashcraft & Sevier, 2006; Pruit, 2015; Santos & Amâncio, 2018).

Além disso, as expectativas sociais relativas às professoras e aos professores diferem. Os professores são associados à disciplina, à liderança e à autoridade, esperando-se, assim, que sejam mais objetivos e tenham interesse pelo que, estereotipicamente, está associado ao seu sexo (Drudy, 2008; Hedlin & Åberg, 2019; Santos & Amâncio, 2018). Quanto às professoras, é socialmente expectável que demonstrem compreensão, afetos e atenção para com alunos e alunas (Drudy, 2008; Hedlin & Åberg, 2019). A divisão das responsabilidades na escola pode ter efeitos diretos do gênero, por exemplo, através de mais envolvimento dos homens na gestão das situações de indisciplina dos alunos e das alunas, da sua ligação às turmas ditas “mais problemáticas”, bem como às áreas relacionadas com as tecnologias e com a força física (Colombo & Barabanti, 2020; Santos & Amâncio, 2018).

Cognard-Black (2004) testou a teoria do tokenism numa perspetiva de gênero, centrando-se nos homens com profissões ditas femininas, especificamente nos professores do ensino básico. Esse estudo não corroborou a proposta de Kanter, uma vez que não evidenciou que os professores do ensino básico, apesar de estarem num ambiente numericamente dominado por mulheres, experienciassem as desvantagens do tokenism. Em vez disso, esse estudo apoiou a perspetiva de Williams (1992, 1995) ao identificar a existência da “escada rolante de vidro”, a qual facilita que os professores do ensino básico ascendam a posições superiores mais rapidamente do que as professoras, experienciando, frequentemente, privilégios. Cognard-Black (2004) concluiu que o ensino e as experiências dos professores e professoras, enquanto profissionais, estão mais relacionadas com o gênero do que com a proporção numérica, uma vez que os professores do ensino básico são beneficiados pelo seu estatuto de homem, sendo mais provável que sejam promovidos, recompensados e privilegiados, em comparação com as professoras.

Seguindo a teoria do tokenism também numa perspetiva de gênero, Santos e Amâncio (2018) realizaram um estudo centrado nas experiências dos professores do 1º ciclo do ensino básico. Nesse estudo, por fazerem parte de um grupo minoritário, os professores eram, de facto, mais visíveis do que as professoras (grupo maioritário), mas tal não os fazia sentir pressionados para um melhor desempenho e para provar suas competências junto das colegas. Além disso, a polarização das diferenças existente não levava ao isolamento social, nem criava obstáculos aos professores; pelo contrário, eram, frequentemente, discriminados positivamente, levando-os a alcançar posições superiores mais rapidamente. As autoras verificaram, ainda, que a assimilação de papéis estereotípicos masculinos acabou por beneficiá-los. Ademais, a entrada de mais professores nesse grau de ensino foi percebida pelas professoras como acrescentando valor à profissão, uma vez que poderia incrementar o seu prestígio.

Em suma, esses resultados contradizem a teoria de Kanter (1977, 1993), demonstrando que pelo menos os professores do 1º ciclo do ensino básico não experienciam as dinâmicas negativas do tokenism. As autoras concluíram que, em concordância com a perspetiva de Williams (1992, 1995) e do modelo da assimetria simbólica de gênero (Amâncio, 1992), apesar de os homens serem uma pequena minoria no 1º ciclo do ensino básico, não perdem as vantagens sociais que os beneficiam; pelo contrário, parecem ganhar diversos privilégios. Dessa forma, o tokenism parece limitar-se a manter a ordem social do gênero (Santos & Amâncio, 2018).

Também numa perspetiva de gênero, Santos et al. (2022) pretenderam verificar se os homens envolvidos na educação pré-escolar experienciavam as consequências negativas do tokenism identificadas por Kanter (1977, 1993). Esse estudo mostrou que os educadores de infância são, de facto, mais visíveis nesse contexto profissional, sentindo algumas pressões para mostrarem um bom desempenho, mas apenas no início da sua carreira, devido à falta de experiência e conhecimento, e não ao seu estatuto de tokens. Esses educadores sentiram que, apesar de existir uma polarização das diferenças entre eles e as educadoras, ela não levava ao seu isolamento, nem obstaculizava a sua carreira profissional, sendo-lhes associadas características geradoras de vantagens. Contudo, experienciaram algumas situações negativas relacionadas com o toque físico e a aproximação com as crianças, muito devido ao caso de pedofilia da Casa Pia.1 Tal levou à adoção de comportamentos de autodefesa de sua parte, de modo a evitarem situações de desconfiança provenientes, principalmente, de pais, mães e encarregados e encarregadas de educação.

Santos et al. (2022) concluíram que, para além dessa contingência específica, os homens educadores de infância não experienciavam, genericamente, as consequências negativas identificadas por Kanter (1977, 1993). Todavia, os autores sublinham, como observação relevante, que mulheres entrevistadas expressaram nitidamente a atribuição dos traços estereotípicos da masculinidade aos seus colegas, sob a forma de expectativas que naturalizam as diferenças, as quais são captadas pelos homens, circunscrevendo-os, assim, na rigidez dos significados de “ser homem”.

Em síntese, estudos realizados no contexto do ensino têm evidenciado que os homens, enquanto tokens, experienciam o fenômeno do tokenism de uma forma distinta das mulheres e que tendem a usufruir de algumas vantagens que derivam do posicionamento social superior.

Como referido antes, nos grupos distorcidos, os tokens experienciam as consequências negativas do “fenômeno do tokenism”, ou seja, a visibilidade, a polarização e a assimilação (Kanter, 1977, 1993). Todavia, para a autora, em contextos em que exista um maior equilíbrio numérico entre os grupos, existiria menos discriminação, as dinâmicas organizacionais seriam mais positivas, e o “fenômeno do tokenism” seria menos evidente. Por outro lado, alguns estudos (Rabelo, 2016; Santos & Amâncio, 2018, 2019; Santos et al., 2022; Taylor, 2010; Williams, 1992, 1995) têm salientado que, quando o grupo minoritário é constituído por homens, e porque pertencem também a um grupo socialmente dominante, estes não são discriminados (ou o são num grau muito ténue) pela sua condição de tokens.

Assim, com este estudo pretendemos observar se, num contexto que pode considerar-se próximo de “grupo inclinado” (Kanter, 1977, 1993), a minoria constituída por homens experiencia as consequências negativas do “fenômeno do tokenism” identificadas pela autora, bem como as perspetivas das mulheres da mesma profissão a esse propósito. Partimos da teoria do tokenism (Kanter, 1977, 1993), adotando uma perspetiva de gênero, procurando, especificamente: i) analisar as experiências/vivências dos professores do ensino secundário para identificar e caracterizar os possíveis obstáculos e dificuldades sentidos por eles; ii) identificar as estratégias adotadas pelos professores para gerirem a situação de desequilíbrio de gênero em que se encontram; e iii) analisar as perspetivas das professoras do mesmo nível de ensino acerca da presença de homens na sua profissão.

Metodologia

Participantes

Foram realizadas 16 entrevistas individuais semiestruturadas com docentes portugueses a lecionar em 12 escolas do ensino secundário: 8 homens e 8 mulheres. Com idades compreendidas entre os 36 e 59 anos (M=47,56; DP=6,92), os professores tinham, em média, 48,86 anos (DP=7,09), e as professoras, 47,75 anos (DP=7,13). Os/as participantes tinham entre 13 e 36 anos de carreira nesse ciclo de ensino. Nas 12 escolas envolvidas, situadas nos distritos de Évora, Setúbal e Portalegre, a percentagem de professores variava entre 22% e 33%, pelo que, pela categorização realizada por Kanter (1977, 1993), podem ser consideradas, por aproximação, como contextos de “grupos inclinados”.

Procedimento

A angariação de docentes do ensino secundário para participarem do estudo iniciou-se entre os nossos contactos pessoais, através de e-mail, Facebook e telefone, tendo-lhes sido proposta a realização de uma entrevista e apresentado o âmbito em que esta se enquadrava. Foram agendadas as entrevistas com professores e professoras, consoante as suas disponibilidades. Posteriormente, recorremos à técnica da “bola de neve” para identificar e contactar mais participantes. Foi também criado um cartaz para incentivar a participação no estudo, para usar nas redes sociais, dirigido sobretudo a homens, pela maior dificuldade na sua mobilização.

Devido à situação pandémica, as entrevistas foram realizadas on-line, através das plataformas Zoom, Microsoft Teams e Google Meet, entre 27 de novembro de 2020 e 11 de fevereiro de 2021, tendo a sua duração variado entre 28 minutos e uma hora e dois minutos. Todas as entrevistas foram transcritas e analisadas na íntegra.

Previamente, foi enviado um formulário de consentimento informado, no qual apresentámos os objetivos do estudo, garantíamos o anonimato dos/as participantes e a confidencialidade dos elementos recolhidos. Nesse documento, o qual foi assinado por todos os participantes, foi também solicitada autorização para a gravação da entrevista, a fim de permitir a sua transcrição fidedigna.

Com o parecer positivo da Comissão de Ética da instituição de duas das autoras (133/2020), iniciamos o processo de recolha de dados.

Instrumentos

Os dados foram recolhidos através da realização de entrevistas individuais semiestruturadas, seguindo um guião orientado para a consecução dos objetivos do estudo e sustentado pela revisão da literatura, o qual incluiu algumas questões necessárias para a caracterização sociodemográfica dos/as participantes (por exemplo, sexo, idade, anos de experiência profissional). Foram construídas duas versões do referido guião, uma para professores, e outra para professoras, tendo em comum as três áreas seguintes: a) a fase de ingresso na profissão; b) o desequilíbrio numérico de gênero no ensino secundário; c) as vivências do contexto profissional atual, explorando possíveis efeitos do tokenism.

Análise de dados

As transcrições de todas as entrevistas constituíram o corpus submetido a uma análise temática, sob a perspetiva de Braun e Clarke (2006). Essa opção deliberada justifica-se pela adequação aos objetivos do estudo, nomeadamente por permitir resumir os elementos discursivos recolhidos e, simultaneamente, descrevê-los de modo aprofundado, e, ainda, realçar similitudes e dissensos. Na condução da análise, seguimos as seis etapas preconizadas pelas autoras referidas, tendo sido realizado um tipo de análise que elas apelidam de mista (Braun & Clarke, 2006). Iniciamos com uma análise dedutiva, orientada pelos três temas organizadores das entrevistas, por sua vez sustentados pela revisão de literatura, ou seja, a visibilidade, a polarização e a assimilação, mas admitindo a possibilidade de serem identificados outros temas ou subtemas pertinentes, assumindo-se, assim, um posicionamento analítico indutivo.

Resultados

A nossa análise suscitou a identificação dos seis temas apresentados na Tabela 2 e designados da seguinte forma: i) juízos assimétricos sobre a escolha da profissão; ii) genderização da profissão; iii) relevância da presença de mais homens na profissão; iv) in/visibilidade dos professores homens; v) da não polarização à polarização benéfica; e vi) assimilação dos papéis estereotípicos masculinos.

Tabela 2 Temas e subtemas 

Temas Subtemas
Juízos assimétricos sobre a escolha da profissão No ensino como oportunidade momentânea
Nas reações por parte de pessoas próximas
Genderização da profissão Uma profissão associada às mulheres
Uma profissão pouco atrativa para os homens
Relevância da presença de mais homens na profissão
In/visibilidade dos professores homens Visibilidade dos homens
Pressão para um bom desempenho
Sucessos e erros dos homens
Da não polarização à polarização benéfica Tratamentos genderizados vs. tratamentos neutros
Integração e valorização dos homens no contexto profissional
Gestão da condição de minoria por parte dos professores homens
Assimilação dos papéis estereotípicos masculinos Vantagens em ser homem no ensino secundário
Expectativas estereotípicas associadas aos homens
Pressão para o exercício de cargos de direção
Evidência dos traços da feminilidade nos professores

Fonte: Elaboração dos autores.

Juízos assimétricos sobre a escolha da profissão

Esse tema centra-se na escolha da profissão, englobando dois subtemas: i) ensino como oportunidade momentânea; e ii) reações por parte de pessoas próximas. Em ambos os subtemas, identificam-se diferenças entre as perceções das mulheres e dos homens.

Relativamente ao primeiro subtema, as mulheres referem, predominantemente, que expressaram, desde muito cedo, o desejo de ser professoras, tendo sido muito influenciadas por pessoas próximas, como tias, mães e/ou professoras. Os homens tendem a acentuar que optaram pela profissão mais tarde, e, frequentemente, como uma oportunidade momentânea e temporária, como evidenciam os seguintes excertos:

Eu desde pequena que disse que ia ser professora, sempre soube que era isso que queria ser, desde que nasci, praticamente. Fui muito influenciada pela minha mãe, que era professora . . . , nunca pensei ser outra coisa. (E3, mulher).

Eu sou professor por obra do acaso. . . . Eu resolvi ir trabalhar, comecei no call center . . . e começo a tirar a formação de formadores e a dar formação e começo a gostar . . . , começo a pensar que o ensino poderia ser uma opção . . . , via o ensino como uma opção para ganhar dinheiro . . . , mas sempre a pensar que não seria algo que queria para a vida, seria uma opção temporária . . . , mas acabei por entrar, comecei a gostar e fiquei até hoje. (E16, homem).

Quanto ao subtema “reações por parte de pessoas próximas” aquando da entrada na profissão, a maioria dos homens refere que as primeiras reações foram de surpresa, tendo ouvido alguns comentários menos agradáveis acerca da sua opção profissional, em particular por ser socialmente associada às mulheres e pouco valorizada. As mulheres afirmam que, em geral, todas as pessoas reagiram bem e se mostraram felizes pela sua escolha:

Na fase em que somos pré-adultos, alguns amigos fizeram alguns comentários menos simpá- ticos . . . , comentaram várias vezes “vais para professor? Isso é para mulheres...”. A verdade é que a profissão de docente continua associada às mulheres, e ainda há a ideia de “não há nada para fazer, vais dar aulas”, ainda há algum preconceito . . . , e a profissão de docente não é valorizada. (E4, homem).

Por parte da minha família, não causou grandes reações, todos aceitaram bem e ficaram contentes por estar a seguir e a lutar pelos meus sonhos. Os meus amigos reagiram todos de forma muito positiva. (E6, mulher).

Genderização da profissão

Esse tema engloba as ideias relativas às disparidades nas proporções de mulheres e de homens na carreira docente do ensino secundário, sendo que todos os entrevistados e todas as entrevistadas sabem que o número de professoras tem sido e continua a ser muito superior. Esse tema é também composto de dois subtemas: i) uma profissão associada às mulheres; e ii) uma profissão pouco atrativa para os homens.

Relativamente ao primeiro subtema, é referido pelos/as participantes que o principal fator explicativo para a existência de menos professores do que professoras no ensino secundário é o facto de a profissão estar, histórica e socialmente, mais associada às mulheres, por exigir caraterísticas que lhes são, estereotipicamente, atribuídas, nomeadamente traços como “mais maternal”, “relacional” e “cuidadora”, o que afastaria os homens, por não possuírem, do ponto de vista das construções sociais, esses traços estereotípicos:

Pode ser explicado por o ensino estar muito associado ao cuidar, a uma maior sensibilidade, e isso são características, são traços mais associados às mulheres. (E9, homem).

Penso que as mulheres estão mais “talhadas” para a profissão, talvez por representarem um pouco a figura maternal. As mulheres têm mais vocação para o ensino, são mais sensíveis, têm mais o lado maternal, e penso que seja por isso que há mais mulheres professoras no ensino secundário e no ensino em geral. (E13, mulher).

Ainda associamos que as mulheres são mais voltadas para a educação . . . para cuidar dos filhos, as mulheres com mais paciência para as crianças e para os adolescentes, e tudo isto afasta os homens. (E2, homem).

O segundo subtema mostra que, para os/as participantes, o setor do ensino não atrai os homens por ser pouco valorizado socialmente, com baixa taxa de empregabilidade e mal remunerado, pelo que os homens tendem a preferir empregos mais vantajosos nesses dois domínios. É também apontado que os homens se sentem, frequentemente, mais aliciados para o exercício de profissões em áreas percecionadas como mais masculinas, como a engenharia e as tecnologias:

A carreira de docente não é muito atrativa, não é bem remunerada, e facilmente os homens conseguem encontrar outras saídas profissionais mais vantajosas em termos económicos. . . . Os homens optam mais por cursos de engenharias . . . , muitas vezes, por áreas mais bem remuneradas, e o ensino torna-se pouco atrativo. (E6, mulher).

Eu penso que as engenharias atraem muito os homens e canalizam as suas aspirações e concedem-lhes carreiras mais atrativas, em termos económicos, e, muitas vezes, os homens procuram esse lado. (E4, homem).

Relevância da presença de mais homens na profissão

O terceiro tema identificado agrega as ideias acerca do valor atribuído pelas entrevistadas e pelos entrevistados à entrada dos homens no ensino secundário.

É saliente que as entrevistadas consideram importante a entrada de mais homens no ensino secundário, referindo que tal iria contribuir para melhorar o ambiente escolar, tornando-o mais descontraído, e, simultaneamente, mudaria as dinâmicas, porque os homens trariam novas formas de trabalhar e fariam uso da autoridade, socialmente associada ao ser masculino. As entrevistadas expressam que a presença dos professores melhoraria as relações escolares, tornando-as menos conflituosas, e que eles constituiriam “role models” para os rapazes, nomeadamente para que percebessem o ensino como uma saída profissional também para o sexo masculino. Além disso, as entrevistadas destacam que a entrada de mais homens é importante porque aumentaria a sua valorização social:

Eu penso que seria importante para melhorar o próprio clima escolar, a dinâmica das relações entre professores e professoras. Seria bom para os alunos também terem mais exemplos de homens. Se entrassem mais homens professores no ensino, mudaria a própria dinâmica da escola e da profissão, acho que, se entrassem, começavam a olhar para a profissão de professor até com outros olhos, acho que a sociedade começava a valorizá-la mais. (E8, mulher).

O facto de existirem mais homens funcionaria quase como um modelo para os alunos e abria os horizontes sobre o que é ser professor e como a profissão pode ser para qualquer um. . . . A entrada de mais homens poderia até contribuir para uma maior valorização da profissão, porque a profissão deixaria de estar relacionada apenas ao ideal de professora-mulher. (E11, mulher).

Penso que a entrada de mais homens professores traria menos stress . . . , os homens conseguem transmitir uma vida mais calma a nível escolar . . . , também acabariam por impor mais respeito. . . . A entrada de mais homens professores poderia também trazer uma maior tranquilidade para nós, professoras, pelo lado mais descontraído dos homens, melhoraria o ambiente escolar, em termos de relação entre professores e professoras. (E3, mulher).

É também notório que os homens entrevistados não consideram que a entrada de mais homens no ensino secundário seja muito importante, referindo que, mais do que ser homem ou mulher, é crucial que um docente seja competente, profissional e empenhado:

Não considero que seja uma questão relevante para o ensino, o importante é o que traz enquanto docente, e não se é professor ou professora. (E9, homem).

Eu distingo os meus colegas enquanto bons e maus profissionais, se é competente ou não é competente, não por serem homens ou mulheres. Não me faz qualquer sentido achar que a entrada de mais homens é algo importante, não vejo isso em termos de sexo. (E16, homem).

In/visibilidade dos professores homens

Esse tema engloba três subtemas: i) visibilidade dos homens; ii) pressão para um bom desempenho; e iii) sucessos e erros dos homens.

Parece ser consensual entre os/as participantes que, no contexto do ensino secundário, os homens não são mais visíveis do que as mulheres, sendo defendido que a visibilidade de cada profissional advém da personalidade e da competência, sem qualquer efeito de gênero:

Acho que ninguém é mais visível por ser homem ou por ser mulher. Na minha profissão, eu acho que a personalidade e construção de um percurso profissional coeso vale mais do que o gênero. (E7, mulher).

Se alguém tem mais atenção ou é mais visível . . . é pelo que é como pessoa, pela personalidade . . . ninguém é mais notado por ser homem ou por ser mulher. (E15, homem).

Não sinto que alguém esteja mais visível ou seja foco de uma maior atenção, e, se alguém for mais foco de atenção ou mais visível, não será por ser um homem ou por ser uma mulher, mas sim porque se destaca de forma positiva ou de forma negativa. (E13, mulher).

O segundo subtema sugere que os homens não sentiriam pressão para um bom desempenho e/ou para evidenciar as suas competências. Os entrevistados referem que a pressão sentida é gerada pela necessidade intrínseca de sucesso, e não por seus pares, uma perspetiva corroborada pelas entrevistadas:

Não, nunca fui pressionado nesse sentido. A não ser a pressão interna que sentia no início, porque queria ser bom professor, mas nunca me senti pressionado por ninguém para mostrar que sou bom a ensinar, que sou bom professor, que sou bom naquilo que faço, isso nunca o senti. (E9, homem).

Não, não há essa pressão para mostrar um bom desempenho. Eu acho que, como em quase todas as profissões, os homens não têm que provar nada a ninguém. Nós, mulheres, é que, muitas vezes, sentimos mais inseguranças e a necessidade de provar que somos boas no que fazemos, de provar que somos competentes. (E8, mulher).

No último subtema, as entrevistadas defendem que os sucessos e os erros dos professores não são mais notados do que os das professoras, mas consideram que o sucesso deles é, frequentemente, mais destacado e objeto de mais reconhecimento. As professoras entendem que o sucesso é mais facilmente alcançado pelos homens do que pelas mulheres, porque elas têm muito menos disponibilidade para se dedicar à profissão. Os entrevistados, por sua vez, afirmam que os seus erros e os seus sucessos não são mais salientes do que os das suas colegas, que o reconhecimento de qualquer docente corresponde ao profissionalismo e à competência individuais, sem qualquer influência de gênero:

Os erros dos professores não são mais notados. Agora, se um professor tiver sucesso, eu penso que talvez possa ser mais elogiado, talvez se possa dar mais destaque a esse sucesso, talvez pelo estatuto maior que o homem tem na sociedade, que é mais valorizado. Se uma mulher tiver sucesso, parece que esse sucesso é sempre associado a outras causas, parece que nunca reconhecem tanto como mérito próprio da professora, dizem “ela teve sucesso, porque...”, enquanto aos homens elogia-se e dá-se os parabéns. (E7, mulher).

Não, não sinto isso, é mais pela própria pessoa, pela sua personalidade . . . , e não noto diferenças entre sexos. . . . Ainda que eu erre ou ainda que tenha sucesso, em nenhum momento é mais notado só por ser um homem, não é mais notado do que se for uma mulher, porque, se uma mulher errar, vai ser igual. (E16, homem).

Da não polarização à polarização benéfica

O quinto tema agrega as ideias associadas à polarização das diferenças entre os professores e as professoras no ensino secundário e integra três subtemas: i) tratamentos genderizados vs. tratamentos neutros; ii) integração e valorização dos homens no contexto profissional; e iii) gestão da condição de minoria por parte dos professores homens.

No primeiro subtema, as entrevistadas salientam que, por vezes, os homens são beneficiados por vantagens, já que são, frequentemente, mais estimados pelas professoras, pois estas procuram que eles se sintam bem-vindos e bem recebidos. Os entrevistados referem que os professores e as professoras são tratados de forma igual e que os possíveis tratamentos diferenciados não são ditados pelo sexo, mas pela personalidade de cada um/a:

Eu acho que eles acabam por ser tratados de forma diferente por serem homens, mas não de modo negativo, antes, pelo contrário, eles acabam por ser muito bem tratados, eles acabam por ser muito bem recebidos, as mulheres gostam de os ter lá, são mais “apaparicados”, porque são poucos. (E7, mulher).

Eu não sou tratado de forma diferente por ser um homem. . . . O que poderá levar uma pessoa a ser tratada de forma diferente . . . será a personalidade dessa pessoa, a forma como essa pessoa se relaciona, como se dá a conhecer, como interage, e não por ser homem. (E4, homem).

Nesse subtema, sobressaem as opiniões dos entrevistados de que não são excluídos e/ou discriminados negativamente. Pelo contrário, os professores defendem estar bem integrados no contexto, nas dinâmicas escolares, incluindo os grupos informais, e que são valorizados profissionalmente:

Nunca senti que fôssemos excluídos e muito menos discriminados. . . . Se for para combinar um almoço, elas não nos deixam de fora, se for para discutir assuntos relacionados com os alunos, com a disciplina, com algum projeto, estamos todos juntos e falamos homens e mulheres. Até os grupos que se formam na sala de professores são mistos, não há uma tentativa de as mulheres nos excluírem. . . . Mais do que resistir à nossa entrada, elas integram-nos. (E9, homem).

Nós, mulheres, aceitamos muito bem a entrada de homens professores, eles até são mais bem tratados, porque nós até facilitamos o processo e estamos sempre disponíveis para promover uma adaptação mais fácil e para integrá-los no ambiente escolar. (E11, mulher).

O último subtema agrega os posicionamentos dos entrevistados e entrevistadas acerca do modo como os professores gerem a sua situação de minoria. A nossa análise sugere que os homens não sentem necessidade de adotar estratégias específicas, já que as professoras facilitam a sua entrada e valorizam-na, criando-se um ambiente coeso, flexível e igualitário, em termos de dinâmicas e de relações de gênero:

Pode parecer estranho, mas é muito fácil de gerir. Eu nunca tive qualquer tipo de problemas. . . . Por isso, é muito fácil ser professor e pertencer a um mundo que é associado às mulheres, nunca senti qualquer dificuldade neste aspeto ou algum preconceito, sempre me senti muito bem. (E12, homem).

Eles gerem com a maior das facilidades, eles têm mais colegas mulheres do que homens, mas eles não se sentem diferentes de nós profissionalmente por serem homens, ou por estarem em menor número. (E11, mulher).

Eu penso que gerem bem, não acho que haja estratégias para gerir a situação, é um ambiente em que não existe preconceitos de gênero. . . . Nós, mulheres, até os integramos bem, nós gostamos que entrem no ensino, que entrem para as nossas escolas, trazem coisas novas . . . , e eles também acabam por sentir isto, acabam por se sentir bem-vindos e integrados. (E1, mulher).

Assimilação dos papéis estereotípicos masculinos

O sexto tema identificado associa as ideias relacionadas com a assimilação, pelos homens, dos estereótipos sociais masculinos e engloba quatro subtemas: i) vantagens em ser homem no ensino secundário; ii) expectativas estereotípicas associadas aos homens; iii) pressão para o exercício de cargos de direção; e iv) evidência dos traços da feminilidade nos professores.

O primeiro subtema ilustra que a maioria dos entrevistados e entrevistadas referiu, inicialmente, não existirem vantagens ou desvantagens associadas ao gênero no ensino, mas identificou várias vantagens de que os homens usufruem, como: serem valorizados e bem recebidos pelas colegas; conseguirem impor mais respeito e autoridade, nomeadamente junto dos alunos, devido ao seu estatuto social do ser masculino; e, ainda, serem mais frequentemente convidados para cargos superiores ou de topo. Duas professoras identificaram uma desvantagem “externa” que os homens experienciam por estarem numa profissão associada às mulheres e que se materializa na desvalorização do homem devido à sua profissão:

São professores, tal como nós somos professoras, acho que isso é o que é ser um homem no ensino secundário. . . . Se têm vantagens . . . , talvez tenham a de conseguirem, mais facilmente, manter o respeito, porque a figura masculina acaba por transmitir mais a autoridade e o respeito do que a feminina. Têm a vantagem de se sentirem “bem-vindos” e recebidos. (E13, mulher).

Estarem num mundo de mulheres acaba por ser uma vantagem por conseguirem dominar facilmente, conseguem chegar a uma reunião e facilmente assumir o papel de líder e colocar ordem na sala. . . . Desvantagens, eu acho que não há nenhuma. (E7, mulher).

O que eu acho é que ainda continua a fazer diferença a voz grossa do homem, principalmente, em turmas mais problemáticas ou mais indisciplinadas, e tende a ter mais efeito se for um homem a trabalhar com turmas problemáticas, as coisas tendem a correr melhor. (E14, homem).

Não acho que haja vantagens ou desvantagens associadas a ser um homem professor no ensino secundário. Sinto . . . que podemos ter vantagem por ser tão poucos no contexto, porque, na verdade, sentimo-nos bem recebidos e integramo-nos, e há essa tentativa por parte das professoras, sentimo-nos ouvidos e valorizados. (E10, homem).

Os conteúdos do segundo subtema revelam que, genericamente, os entrevistados e entrevistadas alegam que as características profissionais e pessoais desejáveis são comuns aos professores e professoras. Apesar disso, são enumeradas expectativas atribuídas aos professores homens: menos sensíveis e afetuosos, mais objetivos, autoritários, práticos, focados na profissão e, normalmente, mais respeitados por alunos e alunas. A maioria dos entrevistados e entrevistadas afirma, contudo, que não lhes é exigida a demonstração dessas características, pois existiria liberdade e abertura para agirem de acordo com o que são:

Os homens são mais pragmáticos, mais objetivos e racionais, e acaba por se esperar isso deles, eles acabam por ser assim. . . . Eu acho que esperam que tragam esta praticidade, que não estejam tão ligados a questões de foro emocional, que não sejam mesquinhos, que não levantem problemas de relacionamento. . . . Uma reunião só com mulheres tende a ser mais dispersiva, os homens são muito focados. . . . Os homens têm mais este papel autoritário, de conseguirem facilmente liderar uma reunião e tomar as rédeas da situação do que uma mulher, mas é natural deles, nós não fazemos para que eles sejam assim. (E7, mulher).

Talvez achem que, na relação com os alunos, somos mais autoritários e que não sejamos tão carinhosos como elas, porque elas têm um lado muito maternal. . . . E elas sabem que nós somos mais práticos . . . , elas pensam sempre muito com o coração, e nós, como mais racionais que somos, é para nós mais fácil decidir . . . as minhas colegas esperam isto, mas nem sempre nós somos assim, e elas não tentam que nós vamos ao encontro disso, apenas esperam, mas eu não sinto que tenho de evidenciar isso ou ser assim. (E15, homem).

Outro subtema mostra que a maioria dos entrevistados refere já ter sentido pressão para assumir um cargo de direção, o que parece não ocorrer com as entrevistadas, tendo também expressada a ausência de ambição para assumir tal cargo por preferirem a lecionação:

É mais fácil para nós [homens] tornarmo-nos diretores, isto porque, como somos homens, somos mais associados a bons líderes e gestores, e isso leva a que os convites para este cargo sejam feitos, principalmente, aos homens e que seja aos homens que se diga “então, não concorres para diretor?”, ou, “então, não queres ser diretor? Acho que deverias arriscar”. (E14, homem).

E nunca senti esta pressão. Os homens são capazes de sentir mais esta pressão, acho que, se eles sentem alguma pressão no ensino, . . . até porque eles têm mais disponibilidade que as mulheres e têm mais pulso firme para lidar com situações mais complicadas. (E8, mulher).

Eu tenho o maior respeito por esse cargo, contudo, o que eu gosto mesmo é de ensinar. . . . Cargos de gestão nunca me atraíram minimamente, nunca mesmo. . . . Eu nunca me senti pressionada para tal. (E5, mulher).

O último subtema sugere um consenso entre as entrevistadas e os entrevistados quanto à não assunção pelos homens de posturas ditas “femininas” por exercerem a sua atividade num mundo de mulheres. Porém alguns dos entrevistados referem que, em algumas situações, a profissão exige uma maior sensibilidade e preocupação, e que, por vezes, por se relacionarem com jovens, há a necessidade de evidenciarem traços da dimensão relacional, socialmente atribuídos às mulheres. Por seu lado, as perceções das mulheres dividem-se: a maioria afirma que os homens não tendem a salientar a sua masculinidade, nem a assumir posturas mais femininas, mas algumas referem que eles tendem a afastar-se de traços mais femininos, o que nem sempre conseguem fazer:

Bem, eu acho que não assumo posturas tradicionalmente femininas, contudo, nós professores tendemos a evidenciar algum carinho, um lado emocional que é mais característico das mulheres, porque nós . . . estamos a lidar com adolescentes que, muitas vezes, ainda são muito crianças, portanto, acho que é normal evidenciar este lado e mostrar mais carinho. Tendemos a adotar uma postura próxima dos alunos e, de forma . . . natural, evidenciamos esse lado mais afetuoso. (E2, homem).

Eu acho que eles tendem a afastar-se um pouco . . . , no sentido de não serem tão afáveis, tão próximos dos alunos, de serem menos maternais . . . , mas é engraçado que acho que nem sempre conseguem. . . . Por exemplo, entram muito nas coscuvilhices das mulheres . . . os homens dizem sempre que não são coscuvilheiros, mas são. . . . Tendem a tentar mostrar a sua masculinidade, e a afastar-se de traços tradicionalmente femininos, mas nem sempre o conseguem. (E1, mulher).

Discussão

Esta pesquisa foi orientada pela teorização de Rosabeth Kanter (1977, 1993) acerca das vivências dos elementos de grupos tokens. Neste caso, os homens que lecionam no ensino secundário. Em Portugal (Pordata, 2022), como, tendencialmente, na maioria dos países (Bailey & Graves, 2016; OECD, 2022), os homens constituem uma minoria e exercem a sua profissão num universo numericamente dominado por mulheres e socialmente associado a elas (Santos & Amâncio, 2018). Por isso, nesse contexto privilegiado, definimos como principal objetivo observar a emergência de alguma das consequências negativas do tokenism identificadas por Kanter (1977, 1993): a elevada visibilidade do grupo dominado, a polarização das suas diferenças e a sua assimilação dos papéis estereotípicos masculinos. Considerámos também como objetivo identificar as possíveis estratégias de inclusão dos homens numa situação específica de “grupo inclinado” (Kanter, 1977, 1993), valorizando, igualmente, as perspetivas das mulheres, enquanto membros do grupo dominante.

A maior visibilidade é uma das consequências negativas para pessoas em situação de tokens (Kanter, 1977, 1993). Com base na nossa análise das experiências narradas, a pertença à minoria parece não ter efeitos significativos para os homens, quanto a esse domínio, sendo unânime a ideia de que a maior ou a menor visibilidade das pessoas não é influenciada pelo seu sexo ou gênero, mas antes pela sua personalidade e competência. Ainda no domínio da visibilidade, os homens expressam não sentir pressão para um melhor desempenho, nem a necessidade de provar as competências às suas colegas, na linha do que verificaram Santos e Amâncio (2018), num estudo com professores do ensino básico. As entrevistadas, por seu lado, salientam que os erros dos professores não são mais notados do que os delas, mas os seus sucessos tendem a ser mais enaltecidos e reconhecidos como mérito próprio, ao contrário do que ocorre com elas. Assim, também nesse contexto profissional, as competências ou o mérito parecem ser percecionados como algo intrínseco aos homens (Amâncio & Oliveira, 2006).

As entrevistadas consideram ainda que, aos homens, é mais fácil atingir o sucesso, pois a sua maior disponibilidade conduz a mais investimento na profissão e à atribuição de mais valor à carreira (Santos et al., 2015). Esses juízos não são corroborados pelos entrevistados, pois consideram que o reconhecimento profissional não se relaciona com o sexo ou o gênero, mas sim com a competência de cada pessoa, negando, assim, que os seus erros e os seus sucessos são mais notados do que os dos seus pares femininos, exaltando a igualdade de gênero no seu contexto profissional.

A polarização das diferenças entre os membros dos grupos dominante e dominado, realizada pelo primeiro, é outra das consequências negativas vivenciadas pelos tokens (Kanter, 1977, 1993). As nossas análises evidenciam que, genericamente, os homens defendem a não existência de tratamentos diferenciados entre sexos, mas as entrevistadas salientam que os homens, por serem minoritários, são beneficiados pela diferenciação positiva, pois são muito bem recebidos e estimados pelas professoras, assemelhando-se aos resultados dos estudos de Williams (1992, 1995), Rabelo (2016, 2019) e Santos e Amâncio (2018).

Nas suas narrativas, os homens enaltecem as suas colegas pela facilitação do processo da sua integração na profissão e na escola e assinalam a inexistência de tentativas de marginalização ou de discriminação negativa. Os professores destacam, como ilustração, que as suas opiniões são solicitadas e apreciadas e que a sua inclusão nos grupos ocorre nos projetos e atividades escolares, bem como nos convívios informais entre professores e professoras, fazendo-os sentirem-se valorizados e integrados.

Pelas nossas análises, os homens não seriam prejudicados por pertencerem ao grupo minoritário; pelo contrário, o investimento das mulheres na sua integração profissional e pessoal dar-lhe-ia benefícios e vantagens. Essa observação corrobora o estudo de Heikes (1991), no qual se concluiu que, nas profissões numericamente dominadas por mulheres, estas, com o intuito de conseguirem aumentar o estatuto da profissão, são muito recetivas ao acolhimento dos homens. Contrariamente, em contextos profissionais dominados por homens, a entrada e a integração das mulheres poderiam ser percebidas como uma ameaça ao estatuto da profissão, levando a que, frequentemente, as mulheres não sejam bem recebidas (Marques, 2011; Ott, 1989; Santos et al., 2015, 2016).

A assimilação dos papéis estereotípicos, no caso, masculinos, é a última consequência negativa da situação de tokens (Kanter, 1977, 1993), a qual constitui um dos temas da nossa análise.

Inicialmente, como referimos quanto à visibilidade, todos os entrevistados e todas as entrevistadas mencionaram a relação igualitária e não discriminatória, em termos de gênero, no seu contexto de trabalho. Nas nossas análises, contudo, identificamos discursos que salientam as diferenças entre os sexos, com recurso aos traços estereotípicos de cada um deles.

Nas ideias expostas pelas entrevistadas, os homens, enquanto professores, são descritos como mais práticos e objetivos, menos sensíveis e afetuosos e, ainda, com mais capacidades de liderança e mais eficácia na resolução de conflitos, pelo que impõem mais respeito e autoridade. Às mulheres, como professoras, são associados pelos entrevistados traços afetivos relacionados com a sensibilidade e mais “maternais”.

Os entrevistados e entrevistadas procuram atenuar o grau de pressão dessas figuras estereotípicas sobre os comportamentos dos homens, salientando a liberdade individual para a correspondência ou afastamento delas. Todavia, a veemência, a clareza e o consenso das descrições realizadas acerca dos seus colegas homens, bem como o pleno conhecimento destes sobre as expectativas que sobre eles pendem, levam-nos a valorizar a sua sobreposição com os traços que, social e tradicionalmente, definem o ser masculino (Amâncio, 1992; Santos & Amâncio, 2019; Simmie, 2023), um fenômeno igualmente observado por Colombo e Barabanti (2020).

Na nossa interpretação, tal evidencia que as representações de gênero presentes no contexto profissional assentam na afirmação da existência de traços e de aptidões próprias dos homens, no caso, enquanto professores, cumprindo-se um dos processos interativos que contribuem para a manutenção das divisões de gênero na cultura organizacional, como preconiza Acker (1990). É de sublinhar que as reações das pessoas próximas à decisão de enveredar por essa carreira espelham igualmente as representações estereotípicas acerca da profissão, as quais se enraízam na rigidez dos traços próprios e desejáveis nas mulheres e nos homens.

Afirmamos, por isso, que os homens, nesse contexto profissional, serão objeto de pressão para evidenciarem os traços principais da masculinidade hegemônica (Connell, 1995), confirmando que, enquanto grupo minoritário, espera-se a sua assimilação dos papéis estereotípicos do seu sexo, como prevê a teorização de Kanter (1977, 1993), a qual pode contribuir para o fenômeno do “aprisionamento dos papéis”.

Através de processos que, na nossa análise, estabelecem uma relação com as três consequências negativas da inclusão num grupo de tokens (Kanter, 1977, 1993), os homens referem-se à pressão para assumir cargos de direção na escola, o que é confirmado pelas mulheres. Na nossa interpretação, esse fenômeno deriva da sua especial visibilidade, da polarização das suas diferenças, a qual lhes é favorável, e da assimilação da sua distintividade enquanto homens. Assim, ainda que, genericamente, os/as professores/as não tenham expressado especial motivação e ambição para serem dirigentes, são eles, enquanto elementos do grupo minoritário, que recebem convites e incitamento nesse sentido, pela atribuição de capacidades de liderança e de gestão, para além da maior disponibilidade, o que reforça e ilustra, julgamos, a valorização dos traços da masculinidade para liderarem as organizações, os quais lhes são, socialmente, atribuídos (Collinson & Hearn, 1996), e, logo, os estereótipos de gênero relativos aos homens.

As nossas observações condizem com os resultados dos estudos de Ashcraft e Sevier (2006) e Drudy (2008), os quais demonstraram a maior probabilidade de os homens serem promovidos para cargos de topo, chegando mesmo a ser pressionados a assumi-los. Tal situação pode relacionar-se diretamente com os privilégios associados ao estatuto social atribuído aos homens (Cognard-Black, 2004; Moreau, 2015; Rabelo, 2016; Santos & Amâncio, 2018), do qual emerge o fenômeno da “escada rolante de vidro”, cunhado por Williams (1992), tendo como resultado o elevado número de homens que, apesar da sua situação de tokens, ocupa cargos nas direções escolares (Ashcraft & Sevier, 2006; Drudy, 2008).

No que concerne às estratégias adotadas pelos homens para gerirem a situação de desequilíbrio de gênero na profissão, e procurando responder ao nosso segundo objetivo, as nossas análises levam-nos a afirmar que eles não sentiriam necessidade de as adotar. Com efeito, eles sublinham a grande facilidade de gestão do desequilíbrio numérico, o qual, nas suas palavras, não suscita a desigualdade de gênero; pelo contrário, é criado um ambiente coeso e de igualdade entre homens e mulheres, razão para que se sintam perfeitamente aceitos e integrados. Para as entrevistadas, o contributo dos homens para a criação de um clima interpessoal e organizacional menos confli- tuoso, por efeito dos seus traços de masculinidade, também facilita e se torna uma mais-valia nos processos de integração.

Concluímos, globalmente, que, no contexto do ensino secundário, a proporção minoritária de professores faz evidenciar alguns efeitos negativos do tokenism, ainda que em modos substancialmente diferentes quando as mulheres se encontram nessa situação. A visibilidade, no caso vantajosa, a acentuação das diferenças baseadas no gênero, com conotações socialmente positivas, e a atribuição de traços estereotípicos dos homens resultam num cenário que, supostamente, é favorável aos homens. Fica, todavia, a interrogação acerca dos possíveis esforços dos homens para corresponderem às expectativas estabelecidas no contexto profissional, nomeadamente, através dos juízos e das ações das professoras, bem como os fatores subjacentes, os quais não são independentes de uma ordem de gênero geradora de assimetrias e socialmente prevalecente.

Disponibilidade de dados

Os dados não podem ser disponibilizados publicamente, pois asseguramos aos/às participantes o anonimato e confidencialidade dos dados, conforme os procedimentos éticos do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa.

Agradecimentos

Esta investigação foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) -, I.P., ao abrigo da Norma Transitória - DL n. 57/2016/CP n. 1359/CT0023 - fornecida à primeira autora (Maria Helena Santos).

Referências

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1No chamado “Processo Casa Pia”, foram identificados abusos em instituições educativas protagonizados apenas por homens (Santos et al., 2022, p. 12).

Recebido: 01 de Março de 2023; Aceito: 03 de Maio de 2023

Translated by: Kevin RoseIV

IV

Freelancer; Coimbra, Portugal; karose44@gmail.com

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