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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.53  São Paulo  2023  Epub 29-Sep-2023

https://doi.org/10.1590/1980531410407 

RESENHAS

O ENSINO DA FILOSOFIA E O FAZER FILOSOFIA NA ESCOLA

Luiz Alberto Ribeiro RodriguesI 
http://orcid.org/0000-0002-3151-1685

IUniversidade de Pernambuco (UPE), Recife (PE), Brasil; luiz.rodrigues@upe.br

Matos, J. C.. 2021. Filosofia da perguntação (Coleção Filosofias no Chão da Escola, 4). Editora Café com Sociologia,


Imagem: Freepik

Nessa obra, o leitor é instigado a vivenciar um espaço de prosa interessada, regada por atenção, escuta e falas, do professor Junot Matos, que reflete sobre sua experiência docente desde o antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) - criado em 1970 pelo governo federal -, até hoje, como docente de pós-graduação, percebendo fazer-se professor, para tratar de algo precioso aos professores de todas as áreas: uma filosofia do ensino de filosofia em conexão com o chão da escola.

No diálogo proposto, o texto assume uma clara posição política em torno do significado do ensino da filosofia na formação humana, afirmando sua posição em defesa da escola pública, em uma clara afirmação da responsabilidade social e do compromisso com os empobrecidos.

Denuncia a ingerência neoliberal no currículo da educação básica e as falácias construídas a partir disso, que transformaram a educação em mercadoria, a formação em empreendedorismo e o projeto de vida limitado a itinerários e formação geral.

Deve-se recordar que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, patrocinada por institutos e escolas privadas, deixou de fora um amplo debate desenvolvido por educadores e especialistas em currículo, de modo especial do campo da filosofia, para impor à sociedade um modelo de ensino centrado no controle externo e técnico da aprendizagem, que fortalece a desigualdade social brasileira (Rodrigues, 2018). O processo que deu origem à BNCC do ensino médio foi marcado pelo autoritarismo e pela negação da participação popular, ignorando as propostas de educadores e especialistas para essa etapa da educação básica, os quais construíram três versões do documento que vieram a ser rejeitadas.

A perspectiva anunciada por Junot afirma que a filosofia tem uma relação profunda com a educação, na medida em que ambas asseveram o direito de homens e mulheres de afirmar a própria humanização, com a função de aguçar o dizer “de si, entenderem os fenômenos que lhe cercam, os tempos e espaços que lhe albergam . . . questionar idéias construídas em torno dos conceitos de homem, mulher e mundo” (Matos, 2021, p. 22). O autor aponta desafios ao ensino da filosofia e da filosofia no espaço escolar, indicando que não se deve parar de perguntar e acostumar-se apenas a responder, mas sim construir novas indagações e questionar ideias consolidadas.

A pergunta, característica fundamental das filosofias, é definida como uma indagação que estimula um conjunto de reflexões e novas perguntas que corroborem possíveis respostas. O texto exemplifica como o ensino da filosofia pode ser ampliado. Utilizando-se de uma pergunta clássica da filosofia, por exemplo, “o que é o homem?”, o autor evidencia lacunas históricas da filosofia ocidental, que apenas apresenta concepções parciais e genéricas sobre o homem e a mulher, considerando que essa prática é apenas uma abstração limitada que não explora as singularidades e as complexidades de cada um em sua existência.

Em uma análise crítica sobre as falácias difundidas na defesa da educação domiciliar (homeschooling), sobretudo quanto à afirmação de êxito do ensino remoto e do potencial pedagógico da tecnologia educacional, Matos sustenta que a educação, em sua plenitude, não pode resumir-se à transmissão de informações nem considerar a pessoa isoladamente. Ao contrário, o processo formativo refere-se essencialmente à sua relação com os semelhantes e com suas diferenças, e, nesse sentido, pode-se afirmar que a educação exige necessariamente a vivência.

Com esses argumentos, pode-se considerar que a imposição do homeschooling representa um grande risco à educação pública, um ataque ao direito à educação como uma das garantias fundamentais da pessoa humana. Entre outros aspectos, o homeschooling desconsidera a diversidade requerida nos processos pedagógicos em diferentes realidades sociais, fragiliza a condição docente e, dessa forma, insiste o texto, não se apresenta como alternativa viável para a maior parte do povo brasileiro, pois nem de longe dá conta das demandas requeridas pela educação em todo o país.

Mas a questão central do livro é mesmo a pergunta, o ser/fazer das filosofias no chão da escola, a pergunta enquanto uma prática educativa na perspectiva da educação libertadora. Mas, afinal, de onde procedem as perguntas? Quais as razões das perguntas? Bem recorda o autor que o ato de perguntar está ligado à curiosidade, ao espanto, à inconformidade e, quem sabe, até mesmo ao instinto de sobrevivência. É, nesse sentido, uma experiência singular de cada indivíduo.

O professor Junot defende uma perspectiva da pergunta como um ato dialógico, como ação, e então introduz a expressão pergunta-ação, entendendo que ela se configura como um movimento em uma dinâmica de intervenção, um passo adiante no entendimento da realidade.

A compreensão em torno da pergunta-ação parece guardar, de alguma forma, uma semelhança com o método da pesquisa-ação, que, em uma dimensão de investigação mais estruturada, tem um estreito diálogo com pessoas que interagem com o fenômeno investigado. Esse modo de pesquisa nasce de perguntas, inquietudes sobre a realidade vivenciada. A partir do diálogo crítico com interessados, tomam-se decisões em torno de uma ação ou intervenção na realidade, seguidas de reflexões sobre o processo e a repercussão decorrida da ação (Thiollent, 2018).

Esse modo de pesquisa, de relação direta com a ação, tem origem na obra de Paulo Freire e fundamenta-se na centralidade da emancipação dos sujeitos. O diálogo é, sim, uma parte significativa do progresso histórico e o caminho necessário para nos tornarmos seres humanos. Assume-se, no diálogo, uma postura necessária para que os indivíduos se transformem cada vez mais em seres criticamente comunicativos.

Essa tônica, defendida por Junot Matos, em práticas dialógicas de educação, possibilita uma relação aberta entre sujeitos do conhecimento, que sabem algo sobre o objeto e têm curiosidade de saber ainda mais. Desse modo, a pergunta considera duas significativas dimensões do conhecimento: o que sei a respeito do objeto e a consciência de que preciso aprender mais sobre ele.

O texto traz uma provocação aos professores de filosofia: o desafio de ensinar a perguntar, “suscitar questionamento dos estudantes[, e não] oferecer sentenças prontas e respostas dispersas” (Matos, 2021, p. 78). A pergunta é posta insistentemente pelo autor como uma estratégia da atividade do ensino, considerando o estudante um sujeito ativo no processo de aprendizagem. A prática da pergunta no ensino pode elevar o pensamento crítico e diminuir a ideia de que o ensino é apenas uma questão de método e técnica.

Matos defende que a pergunta originada na curiosidade coloca em pauta questões fundamentais para o entendimento de si, do mundo e do outro. Há alguma relação da pergunta com a resposta? Quem pergunta já sabe a resposta? De algum modo, diz o autor, o problema da pergunta hospeda-se no fenômeno identificado como objeto da indagação.

Trata-se de um texto endereçado a todos os professores e educadores, não só aos professores de filosofia. Matos, ao priorizar um processo caracterizado como perguntação como estratégia de ensino da filosofia, não invalida qualquer outra forma de abordagem dos conteúdos formais. Ele entende que trabalhar o legado da tradição filosófica pela perguntação pode ser um momento pulsante e agradável para os estudantes; pois, na prática, trata-se de analisar eventos passados de olho no chão da vida do tempo presente. Propõe, desse modo, uma filosofia no chão da escola, uma dialogicidade para refletir sobre o sentido primeiro da vida educacional, pensando possibilidades, uma sociedade diferente para se viver, “um futuro que não se coloca como hipótese, mas como diuturna construção” (Matos, 2021, p. 104).

Referências

Matos, J. C. (2021). Filosofia da perguntação (Coleção Filosofias no Chão da Escola, 4). Editora Café com Sociologia. [ Links ]

Rodrigues, L. A. R. (2018). A BNCC no contexto da contrarreforma da educação no Brasil. Interfaces da Educação, 9(27), 576-579. [ Links ]

Thiollent, M. (2018). Metodologia da pesquisa-ação. Cortez. [ Links ]

Recebido: 15 de Julho de 2023; Aceito: 07 de Agosto de 2023

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