Com o advento da internet, facilitou-se o acesso a textos constituídos por diversos recursos semióticos, o que tem favorecido o desenvolvimento de práticas educativas que contemplem diferentes gêneros textuais. Essa questão, além de exigir novas metodologias de ensino, tem requerido novas habilidades pedagógicas dos professores. Assim, no presente artigo, elegemos a fotografia como nosso objeto de estudo; é um gênero bastante recorrente no convívio social, mas relativamente pouco estudado no contexto escolar.
Essa proposta está fundamentada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Ministério da Educação, 2018), que recomenda a inclusão de semioses múltiplas nas atividades de leitura, escrita e interpretação dos alunos, que, por conviverem com esses textos, precisam desenvolver sua capacidade de analisar criticamente o que leem e escrevem.
Tendo isso como parâmetro, no presente estudo, buscamos criar propostas para a análise de fotografias em sala de aula usando a perspectiva dos multiletramentos (Rojo, 2012). Assim, objetivamos não apenas evidenciar como as semioses são determinantes na recepção e interpretação dos textos fotográficos, mas também demonstrar como estes veiculam significados que se associam ao universo cultural de seus produtores, fomentando debates sociais e ideológicos.
A análise multissemiótica é sugerida pela BNCC em conjunto com outras três habilidades de língua portuguesa pertencentes aos currículos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, que compreendem os seguintes eixos: o eixo da leitura, o eixo da produção textual, o eixo da oralidade e o eixo da análise linguística/semiótica. Especificamente sobre o quarto eixo, o documento afirma que se refere às estratégias “para [a] análise e avaliação consciente durante os processos de leitura e produção de textos (orais, escritos e multissemióticos) [e] para as materialidades dos textos que são responsáveis por seus efeitos de sentido” (Ministério da Educação, 2018, p. 78). Assim, para textos multissemióticos, como as fotografias, tal análise incidirá sobre as “formas de composição e estilo de cada uma das linguagens que as integram, como plano/ângulo/lado, figura/fundo, profundidade e foco, cor e intensidade em imagens visuais estáticas” (Ministério da Educação, 2018, p. 79). Nesse sentido, o suporte metodológico está relacionado às categorias de modalização, como a contextualização, a saturação de cor, a iluminação e a diferenciação de cores, elaboradas por Kress e Leeuwen em seu trabalho Reading images: The grammar of visual design (1996/2006).
Assim, este artigo está dividido da seguinte forma: na primeira seção, aborda-se a correlação entre multiletramentos e textos multissemióticos; utilizamos, na segunda seção, a fotografia (Martins, 2013) como exemplo de tais textos para apoiar o uso da análise multissemiótica em sala de aula, com base em quatro recursos/marcadores visuais selecionados. Em seguida, analisamos três fotografias selecionadas a partir da plataforma Unsplash. Essa análise aborda questões que podem ser problematizadas em sala de aula considerando os contextos de produção, circulação e recepção das produções fotográficas, bem como os recursos semióticos que indicam seu sentido e integram o processo enunciativo em que tais fotografias estão inseridas. Por fim, apresentamos as considerações finais deste trabalho.
Multiletramentos e textos multissemióticos
Dada a diversidade cultural característica de uma sociedade cada vez mais globalizada e consciente da natureza multimodal dos textos que circulam nesse contexto, em 1996 o New London Group (NLG) criou um manifesto que aborda uma pedagogia de multiletramentos. Esse documento destaca o papel da escola na necessidade de promover novos letramentos que contemplem não apenas a pluralidade cultural, mas também a multimodalidade dos textos. Essa necessidade foi exacerbada pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação digital (TICD) (Rojo, 2012).
Nesse contexto, o avanço e a popularização do acesso às TICD mudaram a forma como a sociedade se comunica, produz e lê textos. A utilização de programas de edição e produção de textos tem facilitado a combinação de palavras, imagens, sons e movimentos, o que vem provocando uma maior hibridização das produções que circulam nas diversas esferas da sociedade. Assim, a multissemiose tornou-se uma característica cada vez mais presente em textos de diversos gêneros, incluindo fotografias, comerciais, vídeos, vlogs, hipercontatos e animações, contribuindo para a construção de mensagens pretendidas e auxiliando na produção de sentidos. Além disso, todos os elementos constitutivos desses textos são portadores de sentido com significados culturais e ideológicos próprios, impulsionando a motivação para sua seleção.
Além disso, a comunicação passou a ocorrer por meio de novos gêneros textuais, muitas vezes inerentes ao meio digital, que oferecem acesso à combinação de diferentes semioses e exigem, tanto do leitor quanto do produtor de tais textos, novas habilidades para a mobilização e manuseio dessas ferramentas. Esses novos gêneros, em sua maioria, são textos multissemióticos, ou seja, textos que articulam diferentes elementos semióticos, como linguagem verbal, imagens, sons, movimento e links. Embora essas transições tenham afetado tanto os textos impressos quanto os digitais, estes últimos têm mostrado uma tendência ainda maior de apresentar uma articulação entre diferentes modos e semioses porque as ferramentas oferecidas por tais suportes permitem e facilitam essa combinação.
Assim, os produtores/escritores conseguem mesclar diversas linguagens que contribuem coletivamente para a construção de sua mensagem e para a produção de sentidos, os quais são atribuídos por meio de escolhas semióticas nos contextos de produção e recepção cultural em que um texto se insere. Portanto é importante ler atentamente todos os elementos que foram selecionados para compor um texto, sejam eles verbais ou não verbais, pois todos terão algum significado. Com base nessa perspectiva, a BNCC (Ministério da Educação, 2018, p. 73) sugere que a leitura é
. . . tomada em um sentido mais amplo, dizendo respeito não somente ao texto escrito, mas também a imagens estáticas (foto, pintura, desenho, esquema, gráfico, diagrama) ou em movimento (filmes, vídeos etc.) e ao som (música), que acompanha e cossignifica em muitos gêneros digitais.
Nesse sentido, crianças e adolescentes obtêm alto domínio das tecnologias digitais, utilizando-as para diversos fins. No entanto cabe à escola contribuir para o desenvolvimento do uso crítico e reflexivo dessas tecnologias, promovendo leituras e produções que envolvam os contextos e situações sociais de sua produção textual e que reflitam os efeitos de sentido produzidos por meio das escolhas semióticas. Além disso, as instituições de ensino devem estimular os alunos a explorar o potencial dessas ferramentas para o desenvolvimento cognitivo e intelectual, para o aprendizado e para a busca do conhecimento, pois a internet é uma grande vitrine de pesquisas e informações e pode se tornar uma aliada para a formação nesses assuntos.
Portanto, segundo Rojo (2012) e diante das questões supracitadas, cabe à escola cumprir a missão da alfabetização garantindo a multiletralidade dos alunos, uma vez que essas mudanças - em grande parte causadas pelo desenvolvimento das TICD - transformaram a alfabetização em multiletramentos. Assim, para que os alunos façam pleno uso da linguagem, “são necessárias novas ferramentas - além daquelas para escrita manual (papel, pena, lápis, caneta, giz e quadro branco) e texto impresso (tipografia, imprensa) - de áudio, vídeo, processamento de imagens, [bem como] edição e diagramação [ferramentas]” (Rojo, 2012, p. 21). Não basta, portanto, desenvolver habilidades de leitura e produção apenas para textos verbais orais ou escritos; tais habilidades também devem ser cultivadas para imagens estáticas e em movimento, gestos, cores, expressões, símbolos, efeitos sonoros, etc.
Especificamente, a Base Nacional Comum Curricular (2018) destaca a necessidade de as escolas focarem tanto os textos orais e escritos quanto os textos multissemióticos para desenvolver a “compreensão dos efeitos de sentido causados pelo uso de recursos linguísticos e multissemióticos em textos pertencentes a diferentes gêneros” (Ministério da Educação, 2018, p. 73). Como já mencionamos, a maioria dos alunos tem acesso às tecnologias digitais e participa da web como produtores e também como receptores de textos. No entanto, o desafio da escola é mediar o uso crítico dessas práticas no que diz respeito às questões éticas e culturais relevantes, bem como aos efeitos de sentidos que a articulação entre diferentes modos e semioses promoverá.
Lendo fotografias: Um processo de produção de sentidos
A análise multissemiótica pertence ao eixo da análise linguística/semiótica e é realizada de forma consciente durante a produção e leitura de textos multissemióticos (Ministério da Edu- cação, 2018). Assim, esta seção aborda especificamente a análise que é realizada durante a leitura de imagens estáticas, como fotografias. Isso se justifica pois, seguindo Nascimento et al. (2012, p. 532), abrange
. . . o crescente espaço que as imagens vêm ocupando, em comparação com a linguagem verbal, nos mais diversos textos de nosso dia a dia, o que evidencia a importância dos diversos recursos de sentido empregados em imagens, tais como enquadramento, seleção de cores e distribuição dos elementos na página/tela.
Assim, é relevante analisar as diferentes semioses que se visualizam nos arranjos finais de uma fotografia, como iluminação, cor, ângulo, perspectiva e contraste, que incluem a presença de modos verbais escritos, se a fotografia possui signos, outdoors ou qualquer outra forma verbal em seu arranjo. Desse modo, independentemente de seu arranjo final, uma fotografia produz sentidos quando é recebida por alguém; sentidos que reproduzem fatores da realidade cultural de seus produtores e interlocutores. Isso porque, como afirma Martins (2013, p. 19),
Com a evolução dos tempos a fotografia passou a ter um papel muito importante porque, para além de informar, reforçava a visão da realidade social. A câmara capta o momento num determinado espaço e as interpretações ficam à mercê de cada um. Contudo, observar e fazer uma leitura de uma fotografia implica conhecer o mundo e a realidade que nos rodeia.
Dessa maneira, para a compreensão da mensagem, é necessário, ainda, analisar os contextos de produção e de recepção desses textos, pois eles, evidentemente, possuem diferentes objetivos dentro das práticas sociais. Isso se deve, sobretudo, ao fato de que o próprio gênero fotografia é classificado em tipos; assim, a fotografia documental é realizada de forma distinta da fotografia comercial/publicitária, de moda, artística, etc. Esse ponto, por si só, evidencia as diferentes formas de produção da semiose na fotografia documental: “Todos os documentos que nos são exigidos pelas instituições de poder só são validados por [estas] fotos, o que significa que somos oficialmente identificados pela imagem que o câmera nos dá de nós mesmos” (Machado, 1984, p. 20).
De outra forma, a fotografia documental visa a chamar a atenção para questões socioculturais de uma região, estado ou país. A maior parte das fotos históricas de que se tem conhecimento pertence a esse tipo documental, pois não são raras as fotografias de guerras, de destruição, de esperança, de despedida ou de quaisquer outros momentos que inspiram uma reflexão crítica por parte de seu leitor, mesmo aqueles corriqueiros, pois o fotodocumentarismo “pode também ser utilizado pelos fotógrafos para descrever o cotidiano, retratar as experiências da vida comum ou documentar algo que está desaparecendo. Muitas vezes, os fotodocumentaristas estão simplesmente buscando novas formas de ver e retratar o mundo” (Lombardi, 2008, pp. 43-44).
Já a fotografia publicitária exige o máximo de iluminação e brilho em sua execução, pois é um apelo comercial que busca chamar a atenção do consumidor para os detalhes do produto ou serviço apresentado. Assim, quanto maior for a iluminação, mais convidativo será o objeto publicitário a ser divulgado. Machado (1984, p. 30) destaca a possibilidade de manipulação da verdade e a capacidade de abstração nessa arte fotográfica:
Ninguém conhece melhor esta técnica de transfigurar o referente para aumentar o poder de convicção da sua imagem do que os fotógrafos que trabalham na publicidade. . . . Os apetitosos pêssegos que convidam à mordida são feitos com pó de arroz, as maçãs com rouge; os legumes são polidos com vaselina, enquanto a coxa de frango assada é dourada em calda de açúcar.
Assim, as semioses produzidas irão dialogar com a mensagem que é projetada pelos fotógrafos, que consideram essas finalidades enunciativas. Além da parte expressa, visualmente explícita, há o contexto da recepção e seus sujeitos, as dimensões dos tempos/espaços e os saberes e valores desses sujeitos. Como a fotografia expressa e produz significados e suscita questionamentos, sempre haverá uma possibilidade de interpretação. Dubois (2012) considera, assim, a fotografia como um enunciado fotográfico, quer em função da sua procedimentalidade, quer em função da sua indissociabilidade da sua enunciação total. Trata-se de uma experiência imagética, um objeto totalmente pragmático que mostra como este “ambiente mecânico-óptico-químico supostamente objetivo, do qual já foi dito muitas vezes no plano filosófico que se realiza ‘na ausência do homem’, ontologicamente implica a questão do sujeito, e mais especialmente do sujeito em processo” (p. 15). Aqui, é relevante considerar dois momentos imbricados: a) o enunciado fotográfico no ato/evento em que a fotografia ocorre e b) o enunciado fotográfico no ato/evento da leitura, ou seja, no ato do consumo (recepção/leitura) de uma imagem. Nesse processo, interagem três sujeitos: a) o fotógrafo - autor do depoimento; b) o sujeito fotografado - o objeto do discurso do fotógrafo; e c) o leitor da imagem - o leitor previsto, projetado.
Todo enunciado carrega um sentido, o que o torna um projeto discursivo que busca cumprir um propósito, cujo enunciador sempre faz escolhas discursivas que revelam juízos de valor sobre o objeto fotografado e deixam pistas para uma interpretação direta. A partir das combinações de recursos semióticos, um enunciado fotográfico cria um efeito de sentido: o autor-fotógrafo situa-se como alguém que capta determinada situação/objeto em determinado momento e cria, via perspectiva/protagonismo a partir de técnicas de luz, sombras, enquadramento, etc., situação/objeto de discurso que compõe um todo enunciativo-discursivo (fotografia).
Para ilustrar essa discussão, referimo-nos às fotografias enunciadas de um dos mais reconhecidos fotógrafos brasileiros, Sebastião Salgado, cuja obra, além de ser referência mundial em produções no campo das artes, pode ser lida como denúncia social. Uma de suas coleções de fotografias é inteiramente composta de representações em preto e branco, cores que auxiliam nos sentimentos de tristeza e de apelo que são evidenciados pelas pessoas ou pelos lugares representados, mostrando, recorrentemente, a miséria, a fome e a falta de condições básicas no Brasil.
Portanto não somente as cores, como outras tantas semioses que fazem parte da modalização, atuam na produção de sentidos. Dessa maneira, a modalidade representa as escolhas de composição da imagem e reflete os ideais do autor quanto à mensagem que deve ser recebida pelo leitor, ou seja, são recursos utilizados a fim de garantir os propósitos comunicativos do texto imagético, variando de menor a maior grau de credibilidade. Esses recursos são chamados de marcadores de modalidade e, de acordo com Kress e Leeuwen (1996/2006), são caracterizados por: a) representação; b) contextualização; c) saturação de cor; d) modulação de cores; e) diferenciação de cores; f) profundidade; g) iluminação; e h) brilho. No que concerne à análise das fotografias selecionadas, trataremos de quatro desses marcadores/recursos, a saber, a contextualização, a saturação de cor, a iluminação e a diferenciação de cores:
i. Contextualização: refere-se à presença ou não de fundo (background), ou seja, “a escala que vai da ausência de fundo ao fundo mais articulado e detalhado” (Kress & Leeuwen, 1996/2006, p. 161, tradução nossa). De acordo com os autores, quanto maior o nível de detalhamento do fundo, maior o grau de contextualização da imagem ou daqueles que estão sendo representados. Um grau médio de contextualização pode acontecer pela superexposição de brilho ou por penumbra, quando se veem alguns detalhes compreensíveis, algumas marcas, enquanto o nível mais baixo se refere à falta total de visualizações, “o fundo pode apenas mostrar um padrão irregular de luz e sombra, ou um campo de cor não modulada, ou preto ou branco” (p. 161).
ii. Saturação de cores: saturação total de cores até a ausência de cor, isto é, vai da “escala das manifestações mais intensamente saturadas ou ‘puras’ de uma cor até suas manifestações mais suaves, mais ‘pálidas’ ou ‘pastéis’, ou opacas e escuras e, em última análise, para completar a dessaturação, ao preto e branco” (Kress & Leeuwen, 1996/2006, p. 233, tradução nossa). Dessa forma, a diferença de saturação traz, ainda, impactos sensoriais: as cores mais saturadas são vibrantes e exuberantes, podendo até ser exageradas, enquanto a ausência de saturação pode dar um ar mais frio, reprimido ou neutro.
iii. Iluminação: “uma escala que vai da representação mais completa do jogo de luz e sombra à sua ausência” (Kress & Leeuwen, 1996/2006, p. 162, tradução nossa). Assim, os participantes que são representados nas imagens recebem diferentes tipos de iluminação, a depender, ainda, de sua fonte de origem. De acordo com Kress e Leeuwen (1996/2006), a iluminação correta pode causar determinados contornos de sombra nos objetos e pessoas que estão nas imagens.
iv. Diferenciação de cores: as cores podem partir de uma mesma paleta monocromática ou podem se apresentar com grandes variações que partem das cores primárias. As cores possuem potencial efeito sensorial e, por si sós, dentro de uma mesma cultura, representam diferentes sentidos.
Explorar os recursos destacados constitui uma estratégia didática relevante para uma leitura crítica de produções imagéticas. Segundo Machado (2000, p. 5),
A fotografia é a base tecnológica, conceitual e ideológica de todas as mídias contemporâneas e, por essa razão, compreendê-la, defini-la é um pouco também compreender e definir as estratégias semióticas, os modelos de construção e percepção, as estruturas de sustentação de toda a produção contemporânea de signos visuais e auditivos, sobretudo daquela que se faz através de mediação técnica.
Nesse sentido, as práticas de ensino devem abordar as questões técnicas, conceituais e ideológicas que circunscrevem o gênero fotografia. Explorar essas questões pode representar uma estratégia para a formação de leitores que entendam que a fotografia é “um leque praticamente infinito de possibilidades de intervenção, tanto no plano de produção . . . quanto nos planos de circulação e consumo social de uma fotografia” (Müller-Pohle, 1985, como citado em Machado, 2000, p. 16).
Além disso, Canelo (2014, pp. 109-110) enfatiza que
. . . o significado que atribuímos (e não que “encontramos”) nas imagens é, via de regra, instável. No entanto, um espectador informado fará sempre uma ativação mais rica do seu olhar pela forma como contextualiza uma imagem através da informação ou conhecimento que já possui. Além disso, é comum que uma imagem adquira autonomia; que se torne uma realidade em si mesma - como um ícone de uma determinada época, de um tipo social, de uma ideia. Embora comece por articular o original que representa, pode ganhar um significado para além desta ligação. A gravura do rosto de Che Guevara em preto sobre fundo vermelho, por exemplo, significa muito mais do que a representação do sujeito histórico ou individual. Mas, apesar dessa capacidade de autonomia, uma imagem não surge sozinha, naturalmente. Há sempre um olho humano por trás da máquina; sempre há intenções, desejos e motivações pessoais orientando a captura de um momento.
Assim, definir a fotografia como gênero implica considerar as condições de produção, circulação e recepção de uma fotografia, bem como suas características composicionais, conteúdo temático e finalidades enunciativas. Além disso, é importante considerar o suporte textual e os efeitos de sentidos que são suscitados pela figuração de uma fotografia no contexto da enunciação.
Discutindo o processo de produção de significados, Rose (2007) destaca que as imagens não são neutras nem inocentes, pois implicam os significados culturais, as práticas sociais e as relações de poder relativamente ao que é retratado ou invisibilizado ou percebido/interpretado por um público. A autora sugere que esses significados/sentidos podem ser analisados a partir de três locais: o lugar da produção de uma imagem, o lugar da imagem em si e o(s) lugar(es) onde ela é vista por diversos públicos. Isso abrange o contexto de produção (escolhas feitas pelos produtores), o próprio produto (a organização composicional) e os sujeitos-espectadores (suas formas de conceber o mundo e relacioná-lo à produção imagética). Além disso, a autora destaca três modalidades analíticas relacionadas: tecnológica (recursos técnicos/tecnológicos utilizados para a produção), composicional (estratégias formais, por exemplo conteúdo, cor e organização espacial) e social (conjunto de políticas econômicas e sociais, instituições e práticas que cercam uma imagem e através das quais é vista e utilizada).
Complementando o exposto, Canelo (2014, p. 110) propõe que a leitura de uma fotografia envolve várias questões:
Primeiro, tirar uma foto é selecionar uma foto. Quem tira, em que espaço e com que intenções são peças relevantes na leitura. Assim como a coisa em si importa, o objeto fotografado: os detalhes, o enquadramento, a pose do sujeito, bem como o olhar do sujeito na frente da câmera; igualmente importante é a perspetiva do fotógrafo, assim como os outros elementos que contribuem para a composição, como as estratégias visuais, nas quais podemos incluir elementos tão básicos como o uso da cor ou da luz. Além desses elementos, que afetam as estratégias de representação, não devemos deixar de buscar as questões colocadas pela imagem.
Claramente, a trajetória interpretativa das fotografias é notavelmente complexa, pois há várias questões envolvidas. Segundo Silva (2010), é importante fornecer a contextualização de uma obra, apresentar um depoimento fotográfico selecionado para leitura e abordar a configuração do público social da interação relevante (fotógrafos, personagens fotografados e leitores de fotografia), assim como o enquadramento discursivo-axiológico do enunciado fotográfico.
Embora a interpretação não dependa de métodos predefinidos, traçar estratégias para direcionar a leitura de fotografias em sala de aula pode favorecer um processo mais sistemático para uma abordagem discursiva da produção imagética. Como sugere Brait (2004, p. 47),
. . . o enquadramento, o dimensionamento da luz e outros recursos da linguagem fotográfica funcionam discursivamente, ou seja, não possuem um valor em si mesmos como signos de um sistema de comunicação e significação, mas indicam as escolhas de um sujeito, levando em conta o discurso a ser construído e os efeitos de sentido que devem ser produzidos no enunciado.
Para ilustrar as questões apresentadas anteriormente, foram selecionadas três fotografias para análise, como será visto a seguir.
Metodologia e análise
Com o propósito de apresentar uma possível análise multissemiótica e fornecer subsídios para o encaminhamento de práticas pedagógicas para a leitura de fotografias em sala de aula, foram selecionadas três imagens, retiradas da plataforma Unsplash. Além disso, é importante ressaltar que essas imagens são de domínio público, o que autoriza sua utilização para os fins desta análise.
Cabe afirmar, além disso, que a discussão em pauta é direcionada ao arranjo final das fotografias, portanto com estas já editadas e pós-produzidas. Apesar disso, compreende-se que o trabalho com esse gênero também pode ser realizado a partir de suas diferentes etapas, isto é, captura e edição, quando há a proposta de produção desses textos no espaço escolar. Tendo isso posto, segue-se a análise.
A Figura 1 retrata uma família composta de cinco pessoas: supostamente, mãe e quatro crianças (sendo três olhando diretamente para a câmera e uma ao fundo). Pelo cenário, pode-se inferir que o local da foto é o espaço de produção/trabalho dessa família. A data de publicação da fotografia é 15 de maio de 2017, e as palavras-chave associadas a essa fotografia que foram anexadas por Zeyn Afuang, responsável pela imagem, são: “fotos de família”, “família vietnamita”, “trabalho”. De um modo geral, em uma análise preliminar, observa-se se tratar de uma família, em baixa situação econômica, seja pelo espaço físico e vestimentas retratados, seja pela falta de instrumento apropriado para o transporte dos frutos. A fotografia permite uma problematização do trabalho infantil, ou seja, o fato de as crianças estarem realizando trabalho braçal para auxiliar a mãe. Tais questões referem-se à própria condição de produção da imagem: temos uma fotografia captada não só para retratar a realidade das famílias dessa região como também para auxiliar na reflexão sobre os espaços e condições em que vivem. As semioses exploradas a seguir também atuam nesse contexto de recepção da fotografia.
Partindo para as semioses, merecem destaque a contextualização e a iluminação. A contextualização é observada a partir de uma escala que vai da presença até a completa ausência de fundo/background (Kress & Leeuwen, 1996/2006); assim, pode-se dizer que há um grau baixo de contextualização da imagem citada, pois o fundo é construído a partir da sombra do cômodo retratado, em que não há iluminação. Dessa forma, a proposta destaca as participantes do sexo feminino.
A iluminação também é verificada com base em uma escala parecida, que vai da máxima presença até a ausência de luz (Kress & Leeuwen, 1996/2006). Na Figura 1, observa-se a presença de iluminação apenas no local em que se encontram as mulheres à frente, enquanto o resto do cômodo está em uma penumbra. Compreende-se que a luz tem sua origem na porta ou na janela que dá para o cômodo. A partir disso, emerge a seguinte indagação, que, inclusive, pode ser feita em sala de aula: por que a fotografia foi tirada nesse ambiente sem a devida iluminação? Para responder a essa questão, é necessário retomar ambas as semioses, a contextualização e a iluminação, visto que aqui são combinadas em uma totalidade constitutiva de sentido.
De acordo com Kress e Leeuwen (1996/2006), a forma como a iluminação é utilizada em imagens representa diferentes sentidos, podendo, muitas vezes, ser usada para formar sombras e contornos nos “objetos” apresentados. Nesse caso, a iluminação garante um destaque à família representada, que assume o foco da imagem. Diferentemente do propósito enunciativo de registro memorialístico, próprio do gênero fotografia, aqui a discussão pode se direcionar para temáticas ligadas às questões sociais, tais como: trabalho infantil, condição feminina de mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade social, efetividade de políticas públicas voltadas às infâncias, direito fundamental à moradia, etc. Além disso, outras indagações podem ser feitas, tais como condições de habitabilidade (acesso à energia elétrica, água encanada, etc.).
De acordo com Barbosa (2007), a fotografia possui a potencialidade de ampliação do universo cognitivo dos sujeitos que se habituam a observar fotografias de forma mais detalhada, estejam elas tanto em um contexto informativo quanto artístico. Para a autora, “a fotografia, então, iria além da função estética e seria objeto de informação, acervo e patrimônio histórico e cultural de uma sociedade” (2007, p. 1).
Análises como essa permitem inferir que a escolha do registro de determinada imagem é influenciada, sobremaneira, por uma carga de subjetividade daquele que a produz: “Toda fotografia tem sua origem a partir do desejo de um indivíduo, que se viu motivado a congelar em imagem um aspecto dado do real, em determinado lugar e época” (Kossoy, 2001, p. 36). Assim, ainda que pareça uma mera fotografia, que foca uma determinada realidade ou acontecimento, essa produção emerge de um propósito e de escolhas de seu autor. Se, no entanto, essa questão sucumbe ao autor, ela também é influenciada pelo espectador, pela bagagem cultural e pela sensibilidade do sujeito que interage com a fotografia, ou seja, os sentidos são produzidos a partir da perspectiva daquele que vê/lê.
A Figura 2, foto publicada em 21 de setembro de 2020, retrata a situação de um trabalhador. A fotografia, feita sob responsabilidade de Jon Tyson, pode ser descrita com as seguintes palavras-chave: “sem-teto”, “cadeira de rodas”, “veículo”, “transporte”.
Sobre o contexto físico da foto, não há mais informações. Entretanto pode-se inferir que se trata de um espaço público ou qualquer ambiente externo, uma vez que portas de vidro podem ser vistas ao fundo da imagem. Para aprofundar a análise dessa mensagem, importa destacar as seguintes semioses: iluminação e diferenciação de cores. A iluminação contribui para a construção de sentidos, uma vez que a claridade permite destacar uma pessoa deitada no chão e uma cadeira de rodas, com um fundo desfocado.
A foto foi tirada em uma posição parcialmente diagonal, o que permite perceber os apetrechos (bolsas/malas) do personagem representado. As escolhas feitas pelo produtor são notada- mente relevantes para o processo de produção de sentidos. Diferentemente das escolhas realizadas - peças de vestuário sujas - na fotografia em pauta, a manta se apresenta com aparência de limpeza. A iluminação permite perceber que, no “saco de couro preto”, que aparece no meio da foto, há uma barraca de acampamento, o que se articula ao descritor “sem-teto”.
Além disso, as cores - voltadas para a cor laranja - diferem de cores normalmente utilizadas para esse tipo de produção, uma vez que são escolhidos tons terrosos, cinzentos e pretos.
Na análise da Figura 2, é possível problematizar questões ligadas às condições da população em situação de rua e de pessoas com deficiências, aos usos dos espaços públicos e ao acesso às garantias mínimas de direitos previstos pelas legislações. Além disso, alguns questionamentos podem ser propostos: o que a presença da cadeira de rodas sugere? Por quais motivos a pessoa estaria no local retratado? Normalmente, fotografias de moradores em situação de rua são retratadas com a utilização de espaços insalubres e com aparências deploráveis. Por que será que a situação descrita foi diferente? Na imagem, há um saco com uma barraca; o que isso pode indicar?
A interpretação aqui realizada não consegue determinar o exato sentido pensado pelo fotógrafo no momento de captura da fotografia, mas, sim, busca levantar possíveis leituras das semioses observadas e como estas podem ser levadas à sala de aula para a reflexão das estruturas sociais vigentes. De acordo com Nascimento et al. (2012, p. 547), essa análise não se aplica somente às fotografias, como também ao trabalho com qualquer texto imagético, pois o processo de conscientização realizado durante a leitura desses textos “se aplica tanto à análise de textos de amplo alcance, tais como panfletos de campanhas políticas . . . ou notícias de popularização científica, quanto a textos de audiência mais restrita, tais como fotos em álbuns de família ou fotos em redes sociais virtuais”, visto que esses textos multissemióticos citados possuem semioses/elementos que são “ferramentas poderosas de significação e de construção da realidade”.
Complementando o exposto, Barbosa (2007, p. 6) pontua que:
A fotografia traz consigo uma pluralidade de significados, e disso nascem diferentes interpretações. A estas interpretações deve-se atentar para elementos internos e externos à imagem. Elementos que dizem respeito ao produtor da imagem, como sua motivação para a captura da imagem, sua bagagem cultural, o contexto social e histórico no qual ele está inserido, bem como às técnicas utilizadas e a tecnologia disponível no momento. Outros elementos estão ligados ao receptor, seu contexto social e cultural, sua sensibilidade, sua habilidade de analisar fotografias de forma coerente a partir da prática e convívio com estudo de imagens.
Assim, no contexto do processo de ensino e aprendizagem, é relevante inserir práticas de leitura de fotografias, de modo a permitir oportunidades para que os discentes possam se deslocar da percepção para a interpretação. A percepção reside na captação da imagem por meio dos sentidos, da observação de formas, cores e conteúdo, enquanto a interpretação é de natureza analítica, uma vez que o conteúdo imagético é problematizado, traduzido, contextualizado, ou seja, os aspectos técnicos e conceituais são considerados no/para o processo de produção de sentidos. Nesse processo, as questões culturais, concepções, histórias de vida e as subjetividades influenciarão as análises e o percurso interpretativo dos registros fotográficos. Ler uma fotografia implica uma série de conhecimentos (técnicos, linguístico-semióticos, culturais, históricos, etc.).
A Figura 3 traz fotografia publicada na plataforma por Muhammad-taha Ibrahim, em 27 de novembro de 2018, com as seguintes palavras-chave: “criança”, “monocromático”, “lavanderia”, “retrato”. Nessa cena, pode-se observar a imagem de uma criança sorrindo, cujo rosto está parcialmente coberto por uma peça de tecido estampado, o que provoca um efeito de sombra do lado esquerdo do personagem representado. Para Barbosa (2007), apesar da semelhança e aparência fidedigna de uma fotografia em relação à sua situação registrada, um registro nunca pode ser uma cópia fiel de sua situação: “A fotografia em si já possui uma existência singular, novas dimensões e novas características que a distanciam em forma, no tempo e no espaço do objeto fotografado” (p. 22).
Aqui, a Figura 3 está em preto e branco, o que indica que a fotógrafa optou pela dessaturação total da imagem (Kress & Leeuwen, 1996/2006). Nessa escala que mistura tons de cinza, preto e branco, o destaque entre os elementos que compõem a cena é o contraste que surge dessa variação, sem saturação de cor e nem brilho/aumento de luz. A ausência de cores nesse estilo de foto é bastante comum, pois é possível conseguir, dessa forma, um efeito sensorial que evoca emoções. Segundo Vitor (2012), a escolha pelo preto e branco provoca um efeito que chama a atenção para a representação de ideias, que difere da forma natural de ver a realidade. Essa escolha sugere um poder de envolvimento com a situação representada, pois o uso de cores diversificadas pode comprometer a informação que se pretende propor, por dispersar a atenção daquele que observa a imagem, diluindo a essência da mensagem.
O cenário escolhido para esse registro apresenta características de uma cultura típica de determinadas comunidades em que se secam peças do vestuário em varal colocado no quintal de casa. Ao fundo, observa-se uma casa que parece estar situada em um ambiente rural ou que dispõe de uma área sem construção, em que se nota a presença de plantas. O contexto pode sugerir um trabalho doméstico, uma vez que a casa ao fundo da imagem parece ser ampla, o que pode indiciar uma residência de empregadores.
Como o fundo não é apresentado em detalhes, mas possui alguns elementos que o impedem de ser um fundo totalmente branco ou preto, a contextualização (Kress & Leeuwen, 1996/2006) dessa fotografia é média. No entanto, essa leitura exige conhecimento técnico do leitor-espectador. Para Machado (2000, p. 10),
A fotografia só existe quando há uma intenção explícita de produzi-la, por parte de um ou mais operadores e detentores do know how específico, e quando se dispõe de um imenso aparato técnico para produzi-la (câmera, lente, filme, iluminação, fotômetro embutido ou separado da câmera, sala escura de revelação, banhos químicos, cronômetros diversos para marcação de tempo, etc.), aparato esse desenvolvido depois de vários séculos de pesquisa científica e produzido em escala industrial por um segmento específico do mercado.
No contexto escolar, o propósito não é formar profissionais em fotografia, mas formar leitores que possam compreender que as escolhas realizadas pelos profissionais são indiciadoras de sentido.
Na Figura 3, é possível propor discussões relacionadas ao trabalho doméstico infantil, ao acesso à educação como um direito, à garantia de oportunidades à população negra, etc. É interessante levar discussões a respeito das escolhas feitas pelo fotógrafo: quais são as intencionalidades discursivas do fotógrafo ao deixar a imagem em preto e branco? Qual seria a motivação de escolha de uma criança da cor negra? Quais sentimentos e reflexões ela buscou a partir dessa escolha? Por que a criança teve parte de seu rosto coberto por uma peça de tecido? Quais as mensagens que podem ser construídas a partir dessa composição? É possível refletir sobre questões acerca de classe social, visto que o cenário pode ser um indicativo de uma condição econômica desfavorecida; de raça, dado que o participante representado é não branco, e o mundo é perpassado por questões que implicam as relações étnico-raciais.
Por fim, é necessário destacar que as imagens aqui analisadas apresentam grandes potencialidades tanto no que diz respeito à análise multissemiótica de sua composição quanto às discussões que podem ser abordadas por meio desse material. Vale lembrar também que os documentos oficiais, como a BNCC, indicam o trabalho com gêneros multimodais:
Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de escolhas e formatação de imagens (enquadramento, ângulo/vetor, cor, brilho, contraste), de sua sequenciação (disposição e transição, movimentos de câmera, remix) e da performance - movimentos do corpo, gestos, ocupação do espaço cênico e elementos sonoros (entonação, trilha sonora, sampleamento etc.) que nela se relacionam. (Ministério da Educação, 2018, p. 73).
Além disso, o documento chama a atenção para a necessidade de a escola trabalhar os Temas Contemporâneos Transversais (TCT), ou seja, temas que apresentam relevância social e que devem ser trabalhados de modo a desenvolver uma formação mais consciente e crítica dos discentes, tratando de assuntos como saúde, vida familiar e social, direitos da criança e do adolescente, educação alimentar e nutricional, entre outros. Assim, além de promover a leitura e análise crítica de textos compostos de elementos que vão além do verbal, as fotografias ainda contribuem para a discussão de temáticas importantes para o desenvolvimento da cidadania dos alunos.
Considerações finais
Com base em nossas discussões ao longo deste artigo, é cada vez mais importante e necessário que as escolas sistematizem seu trabalho com textos multimodais e multissemióticos, uma vez que a circulação desses textos aumentou exponencialmente nos últimos anos. Portanto não basta mais que as escolas ofereçam uma formação baseada apenas na leitura e produção de textos verbais e/ou impressos, pois a hibridização dos gêneros textuais e o surgimento de novos gêneros nas mídias digitais ressignificaram as interações sociais, exigindo novas leituras e habilidades de produção textual.
Assim, é essencial traçar novas estratégias pedagógicas que possam dar conta das novas demandas de leitura e produção de textos. O professor pode, então, desenvolver trabalhos com gêneros que não exijam o uso de tantas ferramentas ou um domínio avançado das tecnologias digitais, como no caso da análise fotográfica aqui sugerida. No entanto, embora a proposta apresentada tenha contemplado um gênero textual de ampla circulação social, nem sempre esse gênero foi objeto de uma abordagem didática que desse conta adequadamente da complexidade da produção fotográfica.
Avaliar as fotografias sob as perspectivas do gênero textual e de uma proposta teórica interacionista de linguagem pressupõe que se considerem o contexto de produção e circulação, a recepção dos discursos e como os interlocutores dialogam com outros textos. Explorar a fotografia como recurso didático implica, assim, considerar os recursos semióticos que compõem sua produção e contribuem para a construção de sua finalidade enunciativa.
Além disso, discussões importantes sobre o conteúdo temático explorado pelas fotografias e suas dimensões culturais e ideológicas podem ser fomentadas nas aulas. Considerar a fotografia em sala de aula, dessa forma, possibilita a articulação com os contextos sociais dos alunos, auxiliando na sua formação cidadã. Nesse sentido, esperamos que este estudo possa contribuir para a discussão sobre o tema, seja para suscitar práticas educativas mais alinhadas com as demandas da sociedade da informação, seja para aprofundar os estudos sobre as produções multissemióticas e seus modos de organização e funcionamento.
Com base nas questões abordadas neste artigo, reiteramos que o trabalho com fotografia em sala de aula deve incluir dimensões que ultrapassem o explícito (pessoa ou objeto fotografado), pois as escolhas discursivas de um fotógrafo fornecem pistas interpretativas, revelam juízos de valor sobre um objeto fotografado e impelem o sujeito-leitor a uma atitude responsiva. Ler uma fotografia como enunciado implica considerar seu diálogo com outros textos, as pistas semióticas deixadas por seu produtor para a construção do projeto discursivo, a recepção por seus leitores, o suporte em que circula essa produção e seu conteúdo temático.
Nossa análise se baseia na seleção de categorias analíticas que ilustram o processo de constituição semiótica nas fotografias escolhidas para problematizar a organização composicional desse gênero textual, demonstrando, assim, que as escolhas feitas por um fotógrafo não são neutras. Em outras palavras, mostramos como as fotografias integram um contexto discursivo e não podem ser lidas de forma dissociada desse contexto, ou seja, o conhecimento de mundo do leitor é relevante para o processo de produção de sentidos.