ESPAÇO PLURAL
IFundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo (SP), Brasil; lsouza@fcc.org.br
APRESENTAÇÃO
Reunimos nesta publicação do Espaço Plural um conjunto de textos de pesquisadores brasileiros e franceses em homenagem à socióloga do trabalho e da educação Lucie Tanguy. As mensagens, memórias e análises em referência aos trabalhos acadêmicos dessa autora foram construídas a muitas mãos: são dez pesquisadores brasileiros e cinco pesquisadores franceses, que estabeleceram interlocuções importantes com Lucie Tanguy durante sua trajetória profissional no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) da França.
Participaram dessa homenagem as pesquisadoras e pesquisadores: Aparecida Neri de Souza (Universidade Estadual de Campinas - Unicamp), Carmem Sylvia Vidigal de Moraes (Univer- sidade de São Paulo - USP), Carolina Catini (Unicamp), Liliana R. P. Segnini (Unicamp), Liliane Bordignon de Souza (Fundação Carlos Chagas - FCC), Maria Amália de Almeida Cunha (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG), Maria Rosa Lombardi (FCC), Ricardo Colturato Festi (Universidade de Brasília - UnB), Sebastião Lopes de Oliveira Neto (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas - IIEP), Selma Borghi Venco (Unicamp), Françoise Ropé (Université de Picardie Jules Verne - UPJV), Nicolas Divert (Université Lumière Lyon 2), Polymnia Zagefka (Université Sorbonne Nouvelle Paris 3), Prisca Kergoat (Université Toulouse Jean Jaurès - UT2J) e Régine Bercot (Université Paris 8 Vincennes Saint-Denis).
Os leitores encontrarão nos textos referências importantes à obra de Lucie Tanguy, bem como informações sobre sua história de vida, construída na efervescência das transformações políticas e culturais francesas, entre as décadas de 1930 e 2020. A publicação demonstra que a autora continua oferecendo contribuições fundamentais para a sociologia do trabalho e educação pelo rigor e atualidade de suas análises e pelas contribuições advindas das pesquisas realizadas por seus interlocutores no Brasil e na França.
Lucie Tanguy, presente!
ESPAÇO PLURAL
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE LUCIE TANGUY
IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas (SP), Brasil; anerisouza@uol.com.br
IIFundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo (SP), Brasil; lsouza@fcc.org.br
A socióloga francesa do trabalho e da educação, Lucie Tanguy, nasceu em 1937, na Bretanha, França. Pertencente às classes trabalhadoras, construiu uma trajetória de formação profissional bastante imprevisível e corajosa, combinando formação e trabalho até alcançar, em 1967, o posto de pesquisadora do prestigiado Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).
Lucie Tanguy graduou-se em sociologia, na Sorbonne, na década de 1960. Realizou pesquisas com Pierre Bourdieu na Argélia, na condição de assistente, e, retornando a Paris, desenvolveu estudos sob a condução de Raymond Aron, Jean-Claude Passeron, Alain Touraine, entre outros sociólogos franceses. Foi sob a orientação de Viviane Isambert-Jamati que passou a atuar como investigadora das intersecções entre trabalho e educação na sociedade francesa, tendo contribuído de modo significativo para ambas as áreas de pesquisa. Com isso, estabeleceu diálogos teóricos consistentes com as obras de Pierre Naville, oferecendo ao campo da educação estudos importantes sobre a qualificação para o trabalho.
Essa pesquisadora construiu sua trajetória no CNRS, conduzindo projetos de pesquisa, acordos de cooperação internacional, orientando estudantes de doutorado e supervisionando pós-doutorado em diferentes grupos e laboratórios. Ao final de sua carreira, no referido centro, era investigadora emérita associada ao grupo de pesquisa Genre, Travail, Mobilités (GTM), mantendo ativo seu coletivo de estudos sobre trabalho e educação. Foi uma das “sociólogas incomuns” dessas instituições, que pesquisavam, sobretudo, o trabalho, estabelecendo relações com os processos educacionais, aproximando dois campos de pesquisa que, muitas vezes, apareciam (e ainda aparecem) dissociados nas análises sociológicas.
Além de inveterada pesquisadora, Lucie era militante política. Participou ativamente da luta pela libertação da Argélia; do movimento estudantil de maio de 1968; de diferentes greves de professores e estudantes; e, mais recentemente, aderiu aos movimentos sociais franceses antifascistas e aos “coletes amarelos”. Manifestava-se procurando colocar a pesquisa a serviço dos trabalha- dores e trabalhadoras, sem se desobrigar do rigor científico.
No Brasil, a socióloga desenvolveu parcerias de pesquisa durante 23 anos com cientistas sociais brasileiros. Foi responsável pela coordenação do primeiro acordo de cooperação científica, iniciado em 2000, entre o Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris - Genre, Travail, Mobilités (Cresppa-GTM) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Diferenciação Sociocultural (Gepedisc), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/Unicamp), o qual foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária e Científica com o Brasil (Cofecub). Lucie Tanguy, Liliana R. P. Segnini (FE/Unicamp) e Lucília Machado (Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais - FaE/UFMG) coordenaram o referido acordo entre 2000 e 2004 e, além disso, subsidiaram o desenvolvimento dos acordos posteriores, dos quais o último se encerrou em 2023.
No quadro dos projetos de cooperação internacional, foram formados doutores e pós-doutores, assim como foram realizadas diferentes missões de pesquisa de brasileiros e franceses, esforços que resultaram em relevantes publicações nas áreas da sociologia da educação e do trabalho. Foram anos de reflexões coletivas, nas quais havia interesse e escuta atenta aos problemas em estudo e à realidade brasileira, sempre cultivando uma postura descolonizadora. O rigor científico, a criatividade sociológica e a solidariedade eram características evidentes da socióloga, que inspiravam seus interlocutores e produziam verdadeiros artesanatos intelectuais. Dentre os pesquisadores brasileiros formados por Lucie Tanguy estão Aparecida Neri de Souza (FE/Unicamp), Selma B. Venco (FE/Unicamp), Maria Amália A. Cunha (FaE/UFMG), Maria Rosa Lombardi (FCC), Débora Mazza (FE/Unicamp), Ricardo C. Festi (Departamento de Sociologia da Universidade de Brasí- lia - SOL/UnB), Bárbara Castro (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH/Unicamp), Carmem Sylvia Vidigal de Moraes (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FE/USP), Carolina R. Catini (FE/Unicamp) e Liliane Bordignon de Souza (FCC).
A socióloga deixou uma vasta obra, bastante diversificada, com nove livros publicados, bem como uma quantidade significativa de capítulos de livros e artigos. Dentre seus livros, foram traduzidos para o português dois deles - Saberes e competências (1998), escrito em parceria com Françoise Ropé, e Sociologia do trabalho na França (2017). Nas análises de Lucie Tanguy, o interlocutor é convidado a submeter a sociologia à análise sociológica, em um movimento dialético, provocando os pesquisadores e suas propostas analíticas.
A produção intelectual dessa incansável estudiosa, a ser traduzida para o português, deve ser compreendida em articulação com as transformações na realidade social francesa e sem perder de vista seu forte compromisso com a luta pela transformação radical da sociedade. Lucie faleceu em 22 de fevereiro de 2024 e deixa um legado aos pesquisadores franceses e brasileiros que, por meio de sua obra, permanecerá presente a estimular novas parcerias e pesquisas.
Publicações recomendadas de Lucie Tanguy
Ropé, F., & Tanguy, L. (1998). Saberes e competências: O uso de tais noções na escola e na empresa (P. C. Ramos, Trad.). Papirus.
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Tanguy, L. (1983). Les savoirs enseignés aux futurs ouvriers. Sociologie du travail, 25(3), 336-354. https://www.persee.fr/doc/sotra_0038-0296_1983_num_25_3_1938
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Tanguy, L. (1983). Savoirs et rapports sociaux dans l’enseignement secondaire en France. Revue Française de Sociologie, 24(2), 227-254. https://www.persee.fr/doc/rfsoc_0035-2969_1983_num_24_2_6953
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Tanguy, L. (1991). L’enseignement professionnel en France: Des ouvriers aux techniciens. PUF.
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Tanguy, L. (1998). La formation, une activité sociale en voie de définition? In G. Friedmann, & P. Naville, Traité de sociologie du travail (pp. 185-212). De Boeck Supérieur.
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Tanguy, L. (1999). Do sistema educativo ao emprego. Formação: Um bem universal? Educação e Sociedade, 20(67), 48-69. https://doi.org/10.1590/S0101-73301999000200003
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Tanguy, L. (2000). Note de synthèse [Histoire et sociologie de l’enseignement technique et professionnel en France: Un siècle en perspective]. Revue Française de Pédagogie, (131), 97-127. https://www.persee.fr/doc/rfp_0556-7807_2000_num_131_1_1048
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Tanguy, L (2001). De la evaluación de los puestos de trabajo a la de las cualidades de los trabajadores: Definiciones y usos de la noción de competencias. In E. de la Garza Toledo, & J. C. Neffa (Coords.), El futuro del trabajo - el trabajo del futuro (pp. 111-128). Clacso.
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Tanguy, L. (2001). Un mouvement social pour la formation permanente en France (1945-1970). Education permanente: La formation permanente entre travail et citoyenneté, (149), 11-28.
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Tanguy, L. (2001). Les promoteurs de la formation en entreprise (1945-1971). Travail et Emploi, (86), 27-48.
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Tanguy, L. (2002). La construction de la catégorie de “formation” en France (1945-1970). In G. Moreau (Coord.), Les patrons, l’État et la formation des jeunes (pp. 81-93). La Dispute.
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Tanguy, L. (2002). La mise en équivalence de la formation avec l’emploi dans les IVe et Ve Plans (1962-1970). Revue Française de Sociologie, 43(4), 685-709. https://www.persee.fr/doc/rfsoc_0035-2969_2002_num_43_4_5537
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Tanguy, L. (2002). Um movimento social para a formação permanente na França, 1945-1970. Pro-Posições, 13(1), 18-33. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643966/11422
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Tanguy, L. (2005). De l’éducation à la formation: quelles réformes? Education et Sociétés, (16), 99-122. https://shs.cairn.info/revue-education-et-societes-2005-2-page-99?lang=fr
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Tanguy, L. (2014). La sociologie du travail en France: Enquête sur le travail des sociologues, 1950-1990. La Découverte.
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Tanguy, L. (2016). Enseigner l’esprit d’entreprise à l’école. Le tournant politique des années 1980-2000 en France. La Dispute.
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Tanguy, L. (2017). A sociologia do trabalho na França: Pesquisa sobre o trabalho dos sociólogos (1950-1990) (E. dos S. Abreu, Trad.). Edusp.
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Tanguy, L., Brucy, G., Caillaud, P., & Quenson, E. (2007). Former pour réformer: Retour sur la formation permanente en France (1945-2004). La Découverte.
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ESPAÇO PLURAL
TRABALHO E EDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO COM LUCIE TANGUY
IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas (SP), Brasil; anerisouza@uol.com.br
Lucie Tanguy, diretora de pesquisa emérita no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), pesquisadora no Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris (Cresppa), equipe Genre, Travail, Mobilités (GTM), influenciou a sociologia francesa, em especial a sociologia do trabalho e da educação, assim como pesquisas de sociólogos e sociólogas brasileiras. Eu e colegas que participamos desta homenagem tivemos o privilégio de tê-la como interlocutora.
Este texto pretende apresentar o diálogo que estabeleci com Lucie Tanguy em duas décadas, desde meu pós-doutoramento nos anos de 2001 e 2002, no Laboratoire Travail et Mobilités (TM), naquela ocasião localizado na Université Paris X Nanterre, na Maison Max Weber. Meu pós-doutorado se inscrevia em um acordo de cooperação científica internacional entre o Comité Français d’Évalution de la Coopération Universitaite avec le Brésil (Cofecub) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), coordenado por Lucie Tanguy e Liliana Segnini, minha orientadora no doutorado. O projeto de pesquisa do acordo (2000/2004) tinha como título Mudanças na organização do trabalho, relações profissionais e formação e se organizava em torno de quatro eixos: a) mudanças na organização do trabalho nas empresas industriais e de serviços; b) mudanças na divisão sexual do trabalho; c) mudanças nas relações profissionais; e d) educação e formação como fator de mudanças na organização do trabalho e dos trabalhadores. Minha pesquisa de pós-doutoramento - As reformas na educação profissional no Brasil - se inscrevia nesse quarto eixo e tinha como propósito analisar as relações entre as reformas educacionais no Brasil e o trabalho docente em escolas técnicas públicas do estado de São Paulo, assim como a relação entre o papel dos organismos internacionais reguladores e financiadores das políticas públicas e as políticas de educação e formação profissional no Brasil.
Durante meu pós-doutoramento convivi com um grupo de pesquisa radiante com jovens doutorandos, pós-doutorandos e pesquisadores; tínhamos duas reuniões semanais - uma para discutir pesquisas em curso ou concluídas e outra para deliberar sobre questões administrativas, políticas e científicas do laboratório. Essa segunda reunião, em parte conduzida por Lucie Tanguy, se caracterizava por debates acalorados e muitas vezes tensos sobre pautas de pesquisa e o programa de doutoramento sob responsabilidade do laboratório. Aprendi com Lucie Tanguy que a aparente rudeza do debate acadêmico na sociologia francesa expressava adesões não só a campos científicos distintos, mas também a projetos societários em disputa.
Nosso primeiro diálogo se estabeleceu entre sua pesquisa sobre L´Enseignement professionnel em France. Des ouvriers aux techniciens [O ensino profissional na França. Dos operários aos técnicos], publicada em 1991, e minha pesquisa sobre o trabalho docente nas escolas técnicas em São Paulo. O livro de Lucie Tanguy era resultado de uma investigação realizada em colaboração com Catherine Agulhon e Arlette Poloni (1989). A pesquisa de Lucie Tanguy e a minha se inseriam nas fronteiras entre duas atividades sociais: a educação e o trabalho. De forma geral, observávamos que, tanto no Brasil como na França, essas duas dimensões eram analisadas separadamente pelos sociólogos do trabalho, de um lado, e da educação, de outro. Lucie Tanguy se compreendia como uma socióloga inscrita nas fronteiras, e tal compreensão exigia uma reflexão sociológica em termos de relações e não de campos de conhecimento. Desde aquele momento, Lucie Tanguy ressaltava que a análise do real objetivado e dos sentidos a ele atribuído pelos sujeitos exigia do pesquisador ou da pesquisadora uma posição metodológica que recusa generalizações ou binarismos. Ou seja, ela me instigava a refletir sobre as ferramentas metodológicas, sobre as noções, categorias, conceitos, palavras e expressões utilizados, pois eles não só nomeiam como também constituem a realidade social. Segundo Lucie Tanguy, não são somente os objetos de estudo que caracterizam o trabalho de um sociólogo ou uma socióloga, mas a concepção teórico-metodológica que se tem da sociologia que o/a define como tal. Nessa direção, ela sempre articulou a pesquisa às perspectivas de transformação social. Assim, seus temas de investigação estiveram vinculados a essa preocupação sociológica.
Nessa perspectiva, fui fortemente confrontada por Lucie Tanguy sobre as teorias da reprodução na sociologia da educação francesa e brasileira. Ela advertia-me sobre a ausência de conflitos e resistências dentro e em torno da educação escolar nas teorias da reprodução. A escola é instrumento de socialização na hierarquia social, entretanto também possui uma dimensão política de acesso ao conhecimento. Ela buscava desconstruir minhas evidências mais imediatas pela sua exigência teórica e metodológica comprometida com um projeto intelectual de compreensão do mundo contemporâneo.
Tínhamos, Lucie Tanguy e eu, um forte interesse pela formação de trabalhadores e trabalhadoras, mas as duas configurações sociais - França e Brasil - apresentavam mais diferenças que similitudes. Na França, a formação se inscrevia nas lutas por direitos vinculados ao trabalho e era responsabilidade do Estado. No Brasil, a educação profissional fora relegada ao patronato por Getúlio Vargas e só nas últimas décadas do século XX o Estado a tomou como responsabilidade. Na França havia uma forte depreciação da educação profissional, esta era destinada às classes sociais mais desfavorecidas. No Brasil, no final de década de 1990, estava em curso uma reforma da educação profissional sob o argumento de que as escolas técnicas eram frequentadas pelas classes médias e era necessário destiná-las às classes mais desfavorecidas. Longas conversas sobre a história da formação profissional no Brasil e o modo como se organizam as políticas que, ao estabelecerem correspondências entre educação e trabalho, procuram naturalizar essas relações, fazendo com que elas se apresentem subordinadas. A igualdade de acesso à educação é um direito de trabalhadores e trabalhadoras em direção à emancipação intelectual.
Lucie Tanguy me advertia sobre a relevância em articular história e sociologia. Interrogar os sentidos e as mudanças de sentido das políticas públicas, das relações entre trabalho e educação, dos projetos em disputa, assim como compreender quem os disputa. Recorria a Marc Bloch para dizer que a ignorância sobre a história impacta não somente o conhecimento como também a ação coletiva. Com ela aprendi sobre a relevância do documento histórico na pesquisa sociológica como possibilidade de dar visibilidade aos projetos em disputa e suas justificações.
Foram inúmeras as questões que envolveram nossas longas conversas sobre os rumos de minha pesquisa. Destaco mais uma que influenciou fortemente a pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio de um projeto temático, sobre Trabalho e formação profissional no campo da cultura: professores, músicos e bailarinos, que também resultou num acordo de cooperação científica, agora entre a Fapesp e o CNRS, também coordenado por Lucie Tanguy e Liliana Segnini. Nesse projeto, buscávamos articular um debate entre a sociologia do trabalho e das profissões - havia uma certa resistência, na sociologia brasileira, à sociologia das profissões, acusada de adesão metodológica ao funcionalismo. Lucie Tanguy apresentou-me Pierre Tripier (que escrevera junto com Claude Dubar o livro sobre sociologia das profissões), assim como Jean-Michel Chapoulie (que organizara os textos de Everett C. Hughes) para enfrentar a discussão sobre as profissões no contexto das relações de poder e dos processos sociais.
O segundo projeto de cooperação científica entre Fapesp e CNRS, citado acima, foi seguido de mais dois acordos Capes/Cofecub, os quais foram coordenados por mim, por Daniele Linhart e por Régine Bercot. Lucie Tanguy e Liliana Segnini se aposentaram, mas continuavam a compor a equipe de pesquisadoras nos acordos. Lucie Tanguy, pesquisadora emérita no CNRS, continuou fortemente presente no diálogo científico com os pesquisadores e pesquisadoras brasileiros/as, aqui no Brasil e lá na França. No calor do debate acadêmico e científico, construímos laços afetivos, as longas conversas continuaram entre almoços e jantares, aos quais convidava outros pesquisadores para conversarmos sobre pesquisas. Posso dizer que fazíamos seminários de pesquisa na casa dela, com excelentes vinhos e comida feita por seu marido, Yannou, um físico que também disputava as conversas em torno de objetos sociológicos. Não é trivial, no mundo acadêmico, a generosidade de uma pesquisadora reconhecida nacional e internacionalmente por construir um projeto científico e político de formação de uma sociologia que recusa as fronteiras entre as duas esferas das atividades sociais - a educação e o trabalho - e que articulava história e sociologia.
Ela recebeu todos(as) os(as) pesquisadores(as) e doutorandos(as) com a mesma generosidade e cobranças intelectuais. Muitos(as) de nós ainda guardam os inúmeros post-its com observações, referências, críticas que nos fazia ao longo das conversas e seminários. A convivência, por vezes penosa, mas sempre estimulante, com Lucie Tanguy deixou marcas profundas, aprendemos com ela que trabalho intelectual é tout court trabalho.
A socióloga Lucie Tanguy era plural; para ela a sociologia é uma ciência que permite, através do conhecimento sobre o mundo em sua diversidade, contribuir para as transformações sociais e para produzir valores sociais, tais como justiça, igualdade e solidariedade. Para ela a realidade não se confunde com as formas objetivamente atualizadas, pois o real inclui também o não real. Para entender o real é preciso confrontá-lo com as possibilidades contidas nas observações das situações, e nessa direção Lucie Tanguy define a sociologia como sociologia das possibilidades.
Concluo, tal como Simone Weil, que o conhecimento e a ação não se separam, trata-se de coerência intelectual.
O segredo da condição humana é que não há equilíbrio entre o homem e as forças da natureza circundantes . . . só há equilíbrio na ação pela qual o homem recria sua própria vida no trabalho. A grandeza do homem é sempre recriar sua vida. Recriar o que lhe é dado. Forjar aquilo mesmo que sofre. Pelo trabalho, ele produz sua própria existência natural. (Weil, 1993, p. 201).
Referências
Agulhon, C., Poloni, A., & Tanguy, L. (1988). Des ouvriers de métiers aux diplomés du technique supérieur: Le renouvelement d´une catégorie d´enseignants en lycée professionnels. Groupe de Sociologie du Travail, CNRS, Université Paris VII.
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Chapoulie, J.-M. (Org.). (1996). Everett C. Hughes - Le regard sociologique - essais choisis. EHESS.
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Dubar, C., & Tripier, P. (1998). Sociologie des professions. Armand Colin.
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Tanguy, L. (1991). L´Enseignement professionnel en France. Des ouvriers aux techniciens. PUF.
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Weil, S. (1993). A gravidade e a graça. Martins Fontes.
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SOCIÓLOGA E HISTORIADORA DAS RELAÇÕES EDUCAÇÃO E TRABALHO
IFaculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP) / Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), São Paulo (SP), Brasil; moraescs@usp.br
IIDiretor do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), Coordenador do GT Reestruturação Produtiva na Executiva da CUT Nacional (1991-1997), São Paulo (SP), Brasil; diretoriaiiep@gmail.com
Falar do convívio com Lucie é revisitar muitas lembranças, o que nos leva a não obedecer, algumas vezes, a cronologia exata dos acontecimentos, a mesclar os tempos e seus ritmos. E nos leva também a problematizar a separação usual entre atividades de pesquisa/produção de conhecimento e as denominadas atividades de cultura/extensão universitárias, isto é, entre elaboração teórica e intervenção social. Escrito a quatro mãos, representativas do trabalho conjunto da universidade e do movimento operário e sindical, o relato enfatiza, na presença de Tanguy entre nós, a imbricação dos trabalhos militante e acadêmico.
O nosso contato com Lucie, então professora da Universidade Paris X Nanterre (França) e diretora de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), iniciou-se em 1994 e foi permanente por mais de uma década, sendo que, por três vezes (1996, 2001 e 2002), ela veio ao Brasil participar de encontros de trabalho na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em outras universidades do país, por meio de projetos financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Mas sua participação como pesquisadora não se deu apenas no âmbito da academia. Além dos Seminários Internacionais organizados pelo Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), entidade mantida por militantes do Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica SP, e pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Educação da FE/USP, com apoio do Centro Interamericano para el Desarrollo del Conocimiento en la Formación Profesional da Organização Internacional do Trabalho (OIT/Cinterfor), ela realizou, naquele momento de grande disputa com o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, atividades com os representantes de administrações públicas estaduais e municipais; instituições de formação, particularmente aquelas originárias do movimento popular e sindical, em São Paulo e outros estados, como a gestão de Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, e a de João Paulo, na prefeitura de Recife. Importante mencionar a realização, em 2002, do Jornadas Lucie Tanguy, seminário promovido pelo IIEP e GP/FE/USP (apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo [Fapesp]) e dirigido a movimentos sociais e sindicais, professores de ensino médio e profissional, da educação de jovens e adultos (EJA), e pesquisadores da área.
Os estudos e pesquisas de Tanguy, formada na tradição do grande sociólogo marxista Pierre Naville, com o objetivo de apreender as relações entre trabalho e educação, a conformação do ensino técnico e da educação de adultos na França, tornaram-se referência obrigatória tanto no terreno da análise sociológica quanto histórica e nos ajudaram a repensar as experiências de educação profissional no Brasil. Entre seus inúmeros trabalhos, foi autora de um dos primeiros e mais importantes estudos que analisam criticamente o uso do “modelo das competências” nas escolas e nas empresas, e, ao lado de Marcel David e Isambert-Jamati, Tanguy pode ser considerada uma das principais estudiosas de questões relativas à gênese e ao desenvolvimento do ensino de adultos em seu país. A coletânea Les chantiers de la formation permanente (1945-1971), de 1999, e a publicação Les Instituts du Travail. La formation syndicale à l’université de 1955 à nos jours, de 2006, vieram a ser contribuição relevante para a elaboração do projeto de Universidade do Trabalho, pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
A presença estimulante de Tanguy e sua rica produção contribuíram para capacitar muitos de nós da academia e dos movimentos sociais a intervir, aqui no Brasil, no debate nacional sobre questões teóricas relacionadas, por exemplo, às noções de qualificação e ao modelo das competências, a fertilizar os projetos resistentes de educação desenvolvidos pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT) (Projeto Integrar) e pelos sindicatos da corrente CUT pela Base (Educação de Trabalhadores por Trabalhadores) e a promover outras importantes iniciativas que propiciaram as bases programáticas de políticas públicas de educação, no Ministério da Educação e no Ministério do Trabalho, voltadas para o ensino médio e técnico, a formação e a certificação profissional de trabalhadores, no primeiro governo Lula (2003-2006).
Referências
Tanguy, L., Brucy, G., & Troger, V. et al. (1999). Les chantiers de la formation permanente (1945-1971). Harmattan.
[ Links ]
Tanguy, L. (2006). Les instituts du travail. La formation syndicale à l’université de 1955 à nos jours. Presse Universitaire de Rennes.
[ Links ]
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NAS FRONTEIRAS DA SOCIOLOGIA CRÍTICA DO TRABALHO E DA EDUCAÇÃO
IGrupo de Estudos e Pesquisas Educação e Crítica Social (Gepecs) e Departamento de Ciências Sociais na Educação (Decise) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/Unicamp), Campinas (SP), Brasil; ccatini@unicamp.br
Será válido transmitir as lições de sua experiência, se for feita uma análise reflexiva e não um testemunho.
Lucie Tanguy
Em muitas ocasiões, Lucie Tanguy definiu seu papel como o de um passeur: seja no sentido de quem “tenta transmitir as lições de sua experiência” de pesquisa, em uma profissão “que deve combinar exigências contrárias: as relativas à autonomia de pensamento e as relacionadas ao compromisso com a sociedade de seu tempo” (Lembré et al., 2020), seja no sentido dos esportes coletivos, para ser “aquele que passa a bola para outro jogador da mesma equipe mais bem colocado para fazer um gol” (Tanguy, 2012).
Estamos preparadas para receber o passe? Em uma homenagem (ou “femenagem”) à Lucie Tanguy, vale a pena não apenas falar da generosidade de quem não quis posicionar-se como artilheira, mas também elucidar as dificuldades de fazer da pesquisa uma atividade social e coletiva, segundo as análises reflexivas que a socióloga fez de seu próprio trabalho.
Enquanto pesquisava e escrevia sobre a sociologia do trabalho na França (Tanguy, 2011), Tanguy chegou a duvidar de sua “legitimidade para tanto”, uma vez que não pertencia “ao núcleo dos sociólogos do trabalho oficiais”, tendo passado boa parte de seu tempo a estudar “objetos que se situam na fronteira de esferas institucionalmente separadas: educação e trabalho” (Tanguy, 2012, p. 34). O pouco prestígio conferido aos estudos da formação para o trabalho provém dessa cisão, de modo que, em sua avaliação, boa parte de suas investigações não haviam despertado “interesse para os sociólogos da educação por causa de seu desconhecimento da educação profissional, nem para os sociólogos do trabalho que não levam em conta a formação inicial dos trabalhadores” (Lembré et al., 2020). Não obstante, foi justamente essa “posição de investigadora inscrita nas fronteiras” (Tanguy, 2012, p. 35) que a obrigou a enfrentar e superar a separação entre os “campos”. Com isso, “ela ‘levantou o véu’ da produção do conhecimento”, analisando a genealogia e as consequências de um processo de “domesticação da sociologia”, como sintetiza Liliana Segnini (2012, p. 131).
Ao analisar as condições de produção e circulação da sociologia do trabalho francesa de 1950 a 1990, Lucie Tanguy deslocou o olhar investigativo dos resultados (textos e livros) para o processo de trabalho do sociólogo, desmistificando a sociologia, produto do trabalho agenciado pelo financiamento e condicionado por diretrizes impostas pelo Estado e pelas empresas, e não fruto do livre pensamento e ou da genialidade de alguns poucos (homens, diga-se de passagem). Do alinhamento à ideologia do progresso e, portanto, da acumulação capitalista, no pós-guerra, chegando ao deslocamento da sociologia do trabalho para a sociologia da empresa ocorrida a partir dos anos 1980, quando se abre a era das “parcerias privadas”, a sociologia do trabalho seria marcada, no entremeio desses tempos, “por uma luta pela liderança intelectual entre concorrentes no mercado das ideias” (Maugeri, 2012).
Se o amoldamento empresarial da sociologia do trabalho - que se pretendia crítica - já havia se dado no fim do século XX, ela se firma, no período subsequente, pela dominação empresarial da formação para o trabalho. Quando Tanguy investiga o ensino do empreendedorismo na escola, a pedagogia já está tomada pela noção de que a empresa não somente é “produtora de patrimônio intelectual”, mas também “‘incubadora’ de inovação, criação e mudanças radicais na ordem social e econômica” (Tanguy, 2016, p. 71), submetendo a formação da juventude ao método de “empreender para aprender”, que a coloca para trabalhar, fazendo-a agir como empresária de si mesma, como se não houvesse antagonismo.
Quando a sociologia da educação ou a do trabalho se entregam aos desígnios do Estado ou da empresa, para oferecerem meios eficazes para a planificação do trabalho alheio, já está decretada, de saída, a desfiliação da crítica. Não apenas por colocarem seus esforços a serviço do capital e não do trabalho, mas também por se direcionarem para o futuro, obstruindo a reconstrução dos processos históricos de uma relação atual, construída também pelos “possíveis que foram descartados” (Tanguy, 2012, p. 36).
Como, então, acreditar que se pode “passar a bola” e apostar num processo coletivo de tornar trabalho e educação inteligíveis, num campo minado pela concorrência intelectual e adesão às formas de dominação contemporâneas? Se a inspiração crítica da sociologia “parece definitivamente anacrônica - exceto nas bordas” (Maugeri, 2012), convém manter-se nas bordas, mas também no exercício constante de romper as fronteiras das áreas do conhecimento, direcionando esforços para a formação de coletivos pensantes, dispostos a renovar as tarefas da crítica. Isso não pode prescindir da análise reflexiva dos limites de nossas condições de produção atuais, que são muitos. Mas somente assim talvez possamos não deixar de lado a autonomia de pensamento e o compromisso com o nosso tempo.
Referências
Lembré, S., Moreau, G., & Tanguy, L. (2020). Penser les relations entre éducation et travail, l’expérience de Lucie Tanguy. Images du Travail, Travail des Images, (9). https://doi.org/10.4000/itti.514
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Segnini, L. R. P. (2012). Notas de leitura da obra de Lucie Tanguy: A pesquisa como atividade social e a relação entre ciência e política. Educação & Sociedade, 33(118), 131-145. https://doi.org/10.1590/S0101-73302012000100009
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Tanguy, L. (2011). La sociologie du travail en France. Enquête sur le travail des sociologues, 1950-1990. La Découverte.
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Tanguy, L. (2012). A Sociologia: Ciência e ofício. Educação & Sociedade, 33(118), 33-46. https://doi.org/10.1590/S0101-73302012000100003
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Tanguy, L. (2016). Enseigner l’esprit d’entreprise à l’école. Le tournant politique des années 1980-2000 en France. La Dispute.
[ Links ]
ESPAÇO PLURAL
UMA EXPERIÊNCIA ACADÊMICA E CIENTÍFICA VIVIDA COM AFETO E SOLIDARIEDADE
IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas (SP), Brasil; lilianaseg@uol.com.br
Conheci Lucie Tanguy, pessoalmente, em 1995. Ela esteve no Brasil e participou de seminários em várias universidades, como Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Educação, na ocasião em plena greve de professores e funcionários, por melhores condições de trabalho e salário. Autorizada pelo comitê de greve, Lucie analisou uma categoria ainda obscura para nós. Refiro-me a “competências e seus desdobramentos na escola e na empresa”. Assim, nos aproximamos dos “desastres” neoliberais, tais como desemprego, terceirização, privatização, individualização, acirramento da competição entre os trabalhadores, desconstrução dos movimentos sociais e sindicais. Lucie Tanguy cumpria o papel descrito e por ela desejado - passeur -, no “sentido que o termo tem nos esportes coletivos: aquele que passa a bola ao companheiro mais bem colocado para que ele faça o gol”.
Aqui começou uma amizade que só se fortaleceu durante 30 anos, alicerçada em admiração intelectual e humana.
Em 1998 fui para França, convidada por Lucie Tanguy, continuar minha pesquisa sobre Desemprego e Terceirização: Trabalho, Qualificação e Direitos Sociais. A privatização do Banco do Estado de São Paulo (Banespa) havia suprimido postos de trabalho por meio de programas de demissão voluntária (PDV), atendendo a orientações do Banco Mundial, que sugeria demitir os funcionários antes da implementação da privatização, no caso para o banco espanhol Santander. Trabalhamos juntas, próximas de Helena Hirata e Daniele Kergoat, entre a Universidade de Nanterre e o Laboratoire Travail et Mobilités (CNRS). Durante 6 meses vivenciei uma rica experiência acadêmica e inúmeras manifestações de solidariedade.
Nesse período, Lucilia Machado e Fernando Fidalgo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também estavam trabalhando com Lucie Tanguy, e partiu deles a iniciativa de propor um projeto comum de pesquisa, somando as duas instituições brasileiras (UFMG e Unicamp) e as duas francesas.
Um ano depois, o acordo de cooperação nasceu das pesquisas em andamento, de relações acadêmicas construídas junto com referenciais teóricos assimilados e/ou elaborados, análises realizadas em seminários e publicações. As pesquisas individuais se somaram e construíram o acordo.
O primeiro foi aprovado para o período 2000-2003. Lucie Tanguy e eu éramos coordenadoras e tivemos o privilégio de contar com excelentes equipes. Helena Hirata, sempre presente, mesmo dispensando os financiamentos do acordo porque já os tinha por meio de outros projetos no Brasil, sobretudo com a USP. Mudanças na organização do trabalho, relações profissionais e formação foi o título de nosso primeiro acordo, cujo resumo, editado, transcrevo abaixo:
Discursos e estudos sobre a racionalização do trabalho apresentam geralmente características comuns a todos os países que se encontram submetidos às leis de uma economia que se mundializa e que obedecem a procura por maior eficácia e maior competitividade. . . . O paralelismo parece continuar quando observamos o apelo generalizado, nas sociedades europeias e nos países de industrialização recente como o Brasil, à educação e à formação profissional para realizar e levar a bom termo estas mudanças. Na França, como no Brasil, as políticas nacionais e programas específicos privilegiam a formação como instrumento de acompanhamento destas mudanças. No entanto, estes discursos unânimes não exprimem mais do que alguns aspectos da realidade, construídos de acordo com uma perspectiva dominante e não dão conta da diversidade que lhes são inerentes e de suas contradições. Referimo-nos sobretudo ao pensamento comum difundido em escala internacional, sob a forma de proposições aparentemente irrefutáveis, que oculta que esta ordem social almejada é produto de ações coletivas e individuais nos quais a racionalidade é orientada para fins determinados que, de forma alguma, representam interesses consensuais.
Toda a equipe, num caleidoscópio de temas, pesquisas, referenciais teóricos, procurou compreender as dimensões sociológicas que informam a questão proposta. Nesse ínterim, o projeto da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO - 2002), realizado em parte pela nossa equipe, colaborou para a construção do segundo acordo de cooperação. A Unicamp foi responsável pelos trabalhos referentes a quinhentas ocupações, subdivididas nos seguintes grupos ocupacionais: Educação, Ocupações Jurídicas, Arte e Espetáculos. Foi uma experiência relevante para toda a equipe. Minha colega socióloga Aparecida Neri de Souza e eu propusemos um projeto temático para a Fapesp, Formação e trabalho no campo da cultura: Professores, músicos e bailarinos (2003-2007), aproximando as pesquisas Capes/Cofecub e os achados da CBO 2002.
Aprovado pela Fapesp, foi fundamental para o acordo de cooperação seguinte. Lucie Tanguy e sua equipe francesa sempre estiveram ao nosso lado, apoiando, dialogando, contribuindo para o projeto de Cooperação Internacional CNRS/Fapesp Qual é o sentido social da modernização no trabalho (2006-2009). Novamente vivenciei a gratificante experiência acadêmica de dividir com Lucie Tanguy a gestão desse novo projeto. Esse acordo foi mais restrito, não permitia a participação de doutorandos. Condição fundamental para sua aprovação era já estar desenvolvendo um projeto temático Fapesp. Uma parte do resumo do acordo, a seguir, foi elaborado por Lucie Tanguy:
Modernização, aqui distinguido da modernidade, tal como prometida no Renascimento, empresta deste, no entanto, um certo número de ideias: de progresso e da dinâmica construtiva, da aceleração do tempo, do homem mestre de sua história, da humanidade sujeito dela mesma. Assim, dotado de uma conotação positiva, este termo é constantemente evocado para designar um conjunto de mudanças que deverão ocorrer e para engendrar a adesão necessária à sua realização.
Esses processos foram estudados por diversos autores desse projeto em diferentes períodos e em diferentes perspectivas sociológicas, notadamente no que se refere ao trabalho e à educação. Os integrantes desse projeto foram: Liliana Rolfsen Petrilli Segnini (coordenadora Brasil), Lucie Tanguy (coordenadora França), Helena Hirata, Danièle Linhart, Isabelle Bertaux-Wiamme, Daniele Kergoat e Aparecida Neri de Souza. A seguir o resumo do projeto realizado:
O objetivo geral deste projeto é analisar as mudanças nas formas de regulação e racionalização do trabalho em Artes e Espetáculos (músicos e bailarinos) e em Educação (professores). Trata-se de um conjunto de profissões selecionadas no campo da cultura, com o intuito de melhor compreender as mudanças em curso no mercado de trabalho, nas últimas décadas, as quais expressam relativa subordinação às leis de uma economia que pretende maior eficácia e competitividade. Para tanto, metodologicamente, privilegiará a análise comparativa internacional entre políticas públicas, mercado e organização do trabalho, observados tanto no Brasil como na França. Objetiva-se evidenciar similitudes nas características comuns e as singularidades observadas, em países com trajetórias históricas diferenciadas, informando aspectos universais do fenômeno social, como o apelo generalizado à educação e à formação profissional. As relações sociais de sexo serão analisadas com o objetivo de compreender separações e hierarquias, ampliando a análise sobre a formação, mercado e relações de trabalho. Inicialmente, nos dois primeiros anos, serão analisadas as formas que assumem o trabalho estável (ou relativamente), assalariado, com direitos vinculados ao trabalho. Trata-se, por um lado, de músicos de orquestra, bem como bailarinos nos corpos estáveis (balé clássico ou contemporâneo), em teatros subsidiados com recursos públicos; e por outro lado, de professores que trabalham em escolas de ensino médio e da educação profissional. Privilegiar os teatros subvencionados e escolas mantidas pelo Estado justifica-se porque representam instituições que possibilitam o mais elevado grau de direitos vinculados ao trabalho, no heterogêneo mundo da área cultural. No terceiro e quarto ano pesquisa foram analisadas, nos mesmos países e instituições, as formas de trabalho autônomas (substitutos), intermitentes, subcontratados.
A temática - trabalho -, em uma perspectiva sociológica, constituiu o fulcro das análises das pesquisas realizadas, mas as relações de gênero também foram consideradas estruturantes. Concordávamos com Daniele Kergoat sobre o risco de solipsismo [única realidade do mundo é o eu] se relações sociais de gênero fossem tratadas isoladamente na análise sociológica, desconsiderando outras relações sociais que tecem, conjuntamente, a trama da sociedade e impulsionam sua dinâmica. Analisar sociologicamente as relações sociais de gênero no trabalho significa analisar dimensões coletivas e subjetivas.
A partir de 2010, propusemos o terceiro acordo de cooperação, agora sob a coordenação de Neri e Danièle Linhart, entre a Unicamp e o Centro de Pesquisas Sociológicas e Políticas de Paris (Cresppa), equipe Gênero, Trabalho, Mobilidades (GTM). Lucie continuou sempre presente, com sua solidariedade e afetividade a receber os brasileiros em suas múltiplas dificuldades, nos acolher pessoalmente e apontar saídas analíticas.
Registro também aspectos não revelados nos relatórios de pesquisa, muito menos nas nossas publicações, mas que foram de grande importância para nós. Destaco os almoços e jantares, quer seja na casa de Lucie, Helena Hirata, Danièle Linhart, Régine Bercot, Benguigi, sempre regados a bons vinhos e muita solidariedade, amizade nos múltiplos convites que recebemos para teatros, cinemas, passeios, seminários que participamos juntos, como, para citar um exemplo, o de Alain Supiot, no Collège de France. Ressalto também a importância do acordo para nossos alunos, orientandos, sem dúvida, mas também para nossos filhos e companheiros.
Em todo este processo é inesquecível o apoio, a amizade, as orientações acadêmicas e científicas, as correções da língua francesa de Lucie Tanguy, também ela apoiada pelo físico Yannou Tanguy, seu companheiro, que participou gentilmente dos eventos “dos brasileiros”.
Lucie Tanguy participou de todos os acordos de cooperação científica Capes/Cofecub e CNRS/Fapesp, entre o Brasil e a França, seja como coordenadora ou membro da equipe no período de 2000 a 2022. Contribuiu com a formação de 13 doutores e 11 pós-doutores brasileiros, recebidos por ela na França, dialogando com colegas franceses, seus orientadores ou supervisores brasileiros. É inegável que ela concretizou sua posição de passeur num processo acadêmico e científico, com muita generosidade.
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A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO EM LUCIE TANGUY: NOTAS DE UM PROCESSO DE CONHECIMENTO
IFundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo (SP), Brasil; lsouza@fcc.org.br
A pedagogia do empreendedorismo tem adentrado fortemente todas as dimensões da formação profissional no Brasil. A construção de um novo ethos no trabalho tem sido forjada pelas empresas e por modelos pedagógicos cujo objetivo central é a promoção do empreendedorismo de si mesmo, associado à noção de alto desempenho e eficácia no trabalho. No interior dessa construção sociocultural, perdem força a tradição e a valorização da transmissão de um patrimônio cultural e de uma formação humana mais ampla por meio do processo de escolarização.
A utilidade imediata dos saberes no mercado de trabalho tem assumido um papel preponderante, fortalecendo binarismos, tais como: puro/aplicado; teórico/prático; geral/técnico. As pesquisas de Lucie Tanguy apontam, desde o início dos anos 2000, o embaralhamento entre a pedagogia das competências e do empreendedorismo, revelando no caso do projeto educacional francês a consolidação de uma formação voltada para a construção do espírito empresarial pelos jovens. Isso torna a empresa e seus interesses partícipes do projeto educacional, o que tende a normalizar relações nocivas de trabalho. No caso brasileiro, resguardadas suas particularidades, são observados processos muito semelhantes no sistema educacional.
A partir dessas considerações iniciais, já se pode identificar por que os escritos dessa autora são estudados no campo da sociologia da educação brasileira na contemporaneidade. Esse fato, vinculado ao interesse que Lucie Tanguy teve durante toda sua vida pelo caso brasileiro, revela a importância e a força das relações que construiu com os cientistas sociais. Por um lado, a autora sempre se negou a tratar “sobre o Brasil” em seus estudos, desvinculando-se de uma postura colonizadora muito frequente nas relações América Latina-Europa. Por outro, estava sempre atenta à realidade brasileira revelada nas pesquisas e pesquisadores que acessava, procurando demonstrar similitudes e diferenças entre processos históricos tão distintos. A crítica à pedagogia do empreendedorismo, que tem sido construída por muitos pesquisadores brasileiros em diálogo com os textos de Lucie Tanguy, é parte dessa construção coletiva tão incentivada por ela em sua trajetória.
Não obstante a forte presença de Lucie Tanguy na construção da crítica à pedagogia do empreendedorismo, a autora ficou conhecida no Brasil, sobretudo, como socióloga do trabalho. Seu último livro publicado em português Sociologia do trabalho na França (Tanguy, 2017) revela essa dimensão de seus interesses de pesquisa e justifica essas associações. Entretanto, quando se analisa o conjunto de sua obra, percebe-se o tamanho de sua dedicação e contribuição à sociologia da educação, notadamente à formação profissional dos trabalhadores franceses.
É importante destacar que uma parte importante dos seus textos ainda não foi traduzida para o português e muitas das suas contribuições para a sociologia da educação não foram exploradas pelos cientistas sociais brasileiros. Esse aspecto parece aproximar a realidade brasileira da francesa: um certo desinteresse da sociologia da educação e do trabalho pela formação profissional de trabalhadores e trabalhadoras. As pesquisas sobre qualificação e formação para o trabalho parecem ocupar um segundo plano dos esforços dos pesquisadores, deixando um espaço vazio, o que muito intrigava a pesquisadora francesa.
Lucie Tanguy construiu uma longa e desafiadora trajetória de formação e profissionalização. Ela dedica seu livro Enseigner l’esprit d’entreprise à l’école (Tanguy, 2016) a seus pais. Isso mostra uma dimensão importante da sua vida. A mãe era empregada doméstica e o pai era operário agrícola, oriundos da Bretanha. Nesse contexto, Lucie vivenciou intensamente os impactos da migração do campo para a cidade e participou da criação de estratégias familiares para a construção da mobilidade ascendente por meio da escolarização. “Das ciências naturais à literatura e às ciências sociais, o caminho foi tortuoso para ser contado. Longe de ser linear, ele foi feito de circunstâncias e de encontros igualmente aleatórios” (Lembré et al., 2020, p. 42), afirmou a autora em entrevista. No cotidiano das orientações de pesquisa, Lucie não colocava em primeiro plano suas origens familiares, como modo de referendar sua atuação, no entanto a força dessa experiência de classe transbordava nas suas análises sociológicas e em sua militância política. Ela sempre foi muito presente e atuante nos movimentos sociais que ocupavam as ruas de Paris, desde maio de 1968.
Não poderia deixar de retratar aqui a relação que estabeleci com Lucie Tanguy durante meu doutorado sanduíche na França, entre os anos de 2017 e 2018. A generosidade apresentada desde o primeiro instante e o interesse em minha pesquisa foram marcantes. Foi por meio dela que tive a oportunidade de dialogar com Emmanuel de Lescure, Emmanuel Quenson, Prisca Kergoat e Nicolas Divert, todos antigos orientandos, professores universitários em diferentes lugares da França. Lucie Tanguy abriu caminho para intensas trocas e construção de conhecimentos sobre a educação profissional, bem como sobre o sistema educacional. Ela conectava pesquisadores com maestria, sempre acompanhada de uma enorme curiosidade científica e de perguntas instigantes.
Nossa convivência foi intensa, foram horas de reuniões e conversas informais sobre o pensamento social. A orientação de Lucie Tanguy marcou a minha tese, foi por meio dela que mergulhei nas análises sobre a noção de qualificação para o trabalho e consolidei meu interesse e empenho em pesquisar e compreender os caminhos da formação profissional. “Não são apenas os objetos de estudo que caracterizam o trabalho de um(a) sociólogo(a), mas a concepção que ele(a) tem de si mesmo o define. Eu sempre quis vincular pesquisa às transformações sociais” (Lembré et al., 2020, p. 44). Essa concepção de construção dos interesses de pesquisas me ligava a Lucie. A crítica à pedagogia do empreendedorismo, construída no interior da minha tese de doutorado, emergiu desse diálogo.
Foram muitas as trocas e vivências. O último e-mail que recebi dela foi em novembro de 2023, sugerindo que eu assinasse uma “pétition”, estava preocupada com os desgovernos na França e no mundo. Levarei comigo essa força de resistência, incansável. Agora, nossas trocas acontecem nas (re)leituras de seus trabalhos e na lembrança dos incentivos permanentes de construção de uma pesquisa sociológica rigorosa e comprometida com a transformação das relações e condições de trabalho na sociedade contemporânea.
Referências
Lembré, S., Moreau, G., & Tanguy, L. (2020). Penser les relations entre éducation et travail, l’expérience de Lucie Tanguy. Images du Travail, Travail des Images, (9). https://doi.org/10.4000/itti.514
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Maugeri, S. (2012). Lucie Tanguy, La sociologie du travail en France. Enquête sur le travail des sociologues, 1950-1990 [Resenha do livro La sociologie du travail en France. Enquête sur le travail des sociologues, 1950-1990, de L. Tanguy]. La Nouvelle Revue du Travail, (1). https://doi.org/10.4000/nrt.418
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Tanguy, L. (2016). Enseigner l’esprit d’entreprise à l’école. Le tournant politique des années 1980-2000 en France. La Dispute.
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Tanguy, L. (2017). A sociologia do trabalho na França: pesquisa sobre o trabalho dos sociólogos (1950-1990) (E. dos S. Abreu, Trad.). Edusp.
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AS LIÇÕES DE UMA PASSEUR: O QUE APRENDI COM LUCIE TANGUY
IUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil; amalia.fae@gmail.com
Eu vejo meu papel como o de um passeur, no sentido atribuído a esta palavra nos esportes coletivos, aquele que passa a bola para alguém da equipe mais bem posicionado que eu mesma para marcar um gol.
Lucie Tanguy
No macrocosmo, o ano era o de 2000 e vivíamos o limiar de um novo século, quando experimentamos eventos como os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a guerra no Iraque, a ascensão da tecnologia e das redes sociais digitais. Também conhecemos avanços significativos na ciência, na tecnologia e no mundo do trabalho, como a automação e a digitalização, o aumento do trabalho informal, a flexibilização das relações de trabalho e a proliferação de contratos temporários. Essas e muitas outras questões relacionadas às mudanças no mundo do trabalho levaram a debates intensos sobre as novas formas da desigualdade social.
No plano microscópico, eu estava matriculada no Programa de Pós-Graduação em Educação na Faculdade de Educação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde realizava um doutorado. Por meio de um programa de financiamento bilateral da Capes (acordo Capes/Cofecub), coordenado pelas professoras Liliana Segnini e Lucie Tanguy, pude realizar o doutorado sanduíche na Universidade de Paris X Nanterre. É a partir dessa experiência que trago, com gratidão, as marcas de um convívio curto, porém intenso, e que, certamente, estão impressas na minha socialização profissional que acontece sempre sob uma base vitalícia.
Ao trazer como epígrafe a metáfora desportiva utilizada por Lucie Tanguy (2012) em um dos seus textos, é possível perceber muitas das suas qualidades, bem como a forma como concebia a atividade intelectual, sempre como atividade indissociável das habilidades práticas.
No contexto dos esportes coletivos, o passeur é aquele jogador que tem a habilidade de fazer passes precisos e estratégicos para seus companheiros de equipe. Ele desempenha um papel fundamental na construção das jogadas, na distribuição da bola e na criação de oportunidades de ataque. O passeur, muitas vezes, é reconhecido pela sua visão de jogo, capacidade de antecipação e precisão nos passes, é essencial para a dinâmica e eficiência do time em campo.
Na vida acadêmica, Lucie Tanguy era aquela professora e pesquisadora rigorosa e destemida, dotada de uma enorme capacidade de aglutinar ao redor de si pessoas interessadas em pensar, como ela, o mundo social em movimento. O espírito científico e crítico era como um dínamo que transformava sempre a realidade fática em objeto da sociologia.
O clima de colaboração que orbitava ao redor de suas pesquisas era tributário de sua disposição permanente para o diálogo, sempre com respeito a outros pontos de vista, porque, para ela, a sociologia só tinha sentido se pudesse se manter de forma crítica, independente e vigilante para que não se transformasse em um auto de fé.
Seu olhar interessado e arguto para o movimento e as contradições da sociedade talvez fosse um traço de socialização forjado a partir de uma vida dura, em que teve de aprender, desde cedo, o lugar da reprodução social. Filha de camponeses do norte da França, foi em razão da mobilização e do esforço de seus pais que desafiou as probabilidades do destino.
Certamente o lugar onde cresceu e as experiências vividas moldaram a percepção de si mesma e do mundo ao seu redor. O interesse de Lucie Tanguy pela análise das relações entre duas ordens de fenômenos sociais, como a formação e o emprego, expressa o trabalho de uma vida toda cujo liame entre a sociologia da educação e a sociologia do trabalho a fazia trabalhar sempre em uma dimensão ontológica da experiência humana.
Nesse sentido, seus estudos localizados em campos fronteiriços da sociologia corroboram a afirmação de Sennett (2013), para quem a mão e a cabeça são separadas apenas socialmente. Esse autor foi quem melhor vocalizou a relação íntima entre “a teoria e a prática, a técnica e a expressão, o artífice e o artista, o produtor e o usuário” (Sennett, 2013, p. 20). A consubstanciação dessas duas dimensões essenciais à vida do homem e do espírito requer uma aprendizagem, uma imersão na vida em sua multiplicidade que, inclusive, possa superar a dimensão técnica ou, como nos diz Habermas (1975), os aspectos instrumentais que pesam sobre a racionalidade na modernidade. Os inúmeros trabalhos de Lucie Tanguy trataram de nomear e dar sentido a construções semânticas e sociais permanentemente em disputa.
Muito mais do que um passeur, Lucie Tanguy cultivou em mais de uma geração a convicção de que conhecer o mundo social, as formas e as circunstâncias como se produzem esse conhecimento pode levar à sua transformação (Segnini, 2012).
ESPAÇO PLURAL
IFundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo (SP), Brasil; mrlombardi455@hotmail.com
Lucie Tanguy praticava a escuta atenta das pessoas, a observação e a consideração por cada indivíduo. São qualidades humanas raras hoje em dia, em que prevalecem a pressa e a superficialidade no julgamento, ou pior, a simples desconsideração ou o “apagamento” de pessoas com perfis que não são adequadas aos interesses do momento. Mesmo não tendo tido trocas intelectuais diretas com Lucie, fui acolhida com grande respeito e hospitalidade por ela. Era o ano de 2002, Lucie ficava no laboratório Travail et Mobilité na Universidade de Nanterre e eu realizava meu estágio doutoral com Helena Hirata, no laboratório Genre et Rapports Sociaux, situado no Institut de Recherche sur les Sociétés Contemporaines (Iresco), em Paris.
Tive ainda a oportunidade de conhecer um pouco do seu refinado gosto artístico e estético. Certa feita, ela e Yannou nos convidaram para assistir a uma peça de teatro de um grupo muito inovador, na região do Bois de Boulogne. Valeu a pena ter visto o espetáculo; compensou a longa viagem de metrô e trem, desde a Cité Universitaire! Mas, sobretudo, permaneceu o registro afetivo e acolhedor, pois Lucie nos incluía, a nós estrangeiros, na sua vida pessoal e familiar, nos franqueando seus gostos artísticos, apresentando o que de mais avançado e interessante estivesse acontecendo nas artes naquele momento.
Outra experiência estética e de acolhimento amigável foi o bazar de Natal que Lucie costumava fazer em sua casa, com a presença de velhos amigos acadêmicos, nos permitindo encontrar pessoalmente nossa bibliografia, os expoentes no estudo do trabalho e das profissões na França, e com as belíssimas bijuterias e semijoias que sua amiga Marie Claire nos vendia! Momentos de beleza e de convívio agradável, um oásis para mim!
Outros momentos de acolhimento que permanecem na minha memória são os jantares que Lucie e Yannou nos preparavam em sua casa, que, além de deliciosos e sempre regados a bom vinho, expressavam a profunda humanidade desse casal inesquecível e seu genuíno prazer pela vida e pelo convívio conosco.
Tive também a oportunidade de participar de manifestações políticas referentes ao dia do trabalho e a pautas feministas, em Paris, junto com Lucie, Liliana Segnini, Aparecida Neri de Souza e Helena Hirata. A lição que registrei nesse momento foi que o envolvimento com causas políticas era parte integrante de Lucie, um exemplo de militância intelectual e política a ser seguido.
Esses momentos, que hoje são excertos de memória longínqua, ajudaram a trazer calor humano e sentido à minha experiência na França. Muito obrigada, Lucie!
Minha querida Lucie, ma chère Lucie.
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PRECURSORA DA SOCIOLOGIA DO TRABALHO
IUniversidade de Brasília (UnB), Brasília (DF), Brasil; ricardofesti@gmail.com
Conheci Lucie Tanguy em meados de 2016 enquanto realizava em Paris minha pesquisa para doutoramento em sociologia. A sugestão de procurá-la na França foi da professora Liliana Segnini da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) quando me arguía no exame de qualificação. Eu tinha acabado de realizar uma inflexão em meu objeto de estudo e caminhava para desenvolver uma tese no campo da sociologia do trabalho. Antes de meu primeiro encontro com Lucie, Segnini me advertiu: “ela é exigente!”. Pretendia me precaver de possíveis desencontros ou rejeições. O que ocorreu foi o oposto! Nossas muitas afinidades ficaram evidentes desde o primeiro momento e isso me permitiu vivenciar uma das mais importantes interlocuções intelectuais em minha carreira.
Anos antes, Lucie lançara seu último livro, La sociologie du travail en France: Enquête sur le travail des sociologues, 1950-1990 (2011).1 Trata-se de um estudo sobre a história da sociologia do trabalho na França inspirado tanto nos trabalhos de Jean-Michel Chapoulie (2005) quanto nos science studies. Segundo ela, o “objetivo não é apresentar uma disciplina constituída, mas como se constituiu em seu contexto social e intelectual, bem como o que a determinou, as lutas que foram travadas para sobrepor uma perspectiva à outra” (Tanguy, 2017, p. 34). Essa visão seria concretizada por meio de sua exaustiva investigação em arquivos históricos. Dessa maneira, ela reconstruiu analiticamente e cronologicamente parte da sociologia do trabalho francesa, mostrando que a formação de um campo científico se dá com a atuação de seus pesquisadores e que estes formam-se não por meio de manuais, mas no ofício artesanal dos “laboratórios”. Essa contribuição permitiu abrir um novo método de análise na história dos campos científicos, com grande potencial para a sociologia brasileira, em particular a sociologia do trabalho.
Esse livro de Lucie teve uma importância significativa para mim. Ele ressalta os cuidados necessários para não escorregar em contemplacionismos ou em canonizações de obras, autores ou grupos. Assim, propôs uma reflexão sobre o campo para além de uma mera revisão de literatura. Das nossas muitas conversas, lembro-me de sua insistência para que, ao analisar determinados grupos de sociólogos em uma determinada época ou instituição, prestasse atenção àquelas figuras que ficaram às sombras, que não ganharam destaque no panteão intelectual. Justamente, ao olhar para elas é que compreendemos melhor as relações de poder e podemos desmitificar a produção e a disseminação das teses de determinadas épocas.
No prefácio de seu livro, Lucie afirma que sua reflexão busca ser a de uma “passadora”, “no sentido que o termo tem nos esportes coletivos: aquele que passa a bola ao companheiro mais bem colocado para que ele faça o gol” (Tanguy, 2017, p. 30). Foi exatamente isso que ela fez comigo e com muitos outros pesquisadores brasileiros que tiveram a oportunidade de conhecê-la. Eu não teria escrito a minha tese de doutorado, que depois virou livro (Festi, 2023), sem a influência e a generosidade de Lucie Tanguy.
Referências
Chapoulie, J.-M. (2005). Un cadre d’analyse pour l’histoire des sciences sociales. Revue d’Histoire des Sciences Humaines, (13), 99-126. https://shs.cairn.info/revue-histoire-des-sciences-humaines-2005-2-page-99?lang=fr
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ESPAÇO PLURAL
IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas (SP), Brasil; selma.venco@gmail.com
Teimo em aceitar um mundo no qual você não esteja presente, mas, simultaneamente, penso que um artista sabe a hora de se retirar de cena, e com você não foi diferente.
Há algum tempo você me dizia o quanto não mais reconhecia seu país e como o mundo se transformou em um lugar difícil de ser digerido e vivido. Você falava, com tristeza, sobre a difícil tarefa de constatar tantos avanços do conservadorismo e da extrema direita.
Como foi bom você não ter visto os resultados das eleições do parlamento europeu de 2024, com expressivo avanço da extrema direita na Europa. Mas você seria uma entre as 75 mil pessoas reunidas, em Paris, em protesto. Você ficaria rejubilada ao ver as 53 manifs em um só dia e centenas de textos em todo o mundo no combate aos que insistem em defender a violência em suas diversas expressões.
Quantas conversas tivemos sobre esse movimento no Brasil, com os absurdos que aqui vivemos (e, não se surpreenda: ainda vivemos!), mas que galga a passos largos para outros tantos países. Não são conservadores, ao contrário, são destruidores. Destruidores de direitos, das lutas por igualdade racial, do respeito à diversidade, à liberdade de expressão, mas em favor dos privilégios de uma classe e do capitalismo.
Lembra-se de quando você nos brindou com sua brilhante análise sobre a presença do “espírito da empresa na escola”, ao demonstrar que os recursos públicos na França estavam alimentando a Federação Empreender para Aprender? Nós nos chocamos quando você levantou o véu da “produção” na escola e revelou que crianças a partir de 6 anos eram levadas a conhecer a circulação da moeda no capitalismo? Que, no equivalente aos ensinos fundamental II e médio no Brasil, crianças e adolescentes fundavam suas “miniempresas”, e no estilo mais neoliberal possível - que sempre nos surpreende - saíam em busca de parceiros, vendiam ações, escolhiam presidente e diretores da empresa e desenvolviam estratégias de “sucesso”?
Imagine... se em 2006 você alertava para o posicionamento de uma das pessoas da Comissão Europeia que criticava docentes por serem “incapazes de ensinar o espírito empreendedor, visto que são funcionários públicos que optaram pela segurança, e não por entrar em um mundo de risco” (Tanguy, 2016, p. 184), o que viria pela frente?
De fato, é muito bom você não ter sabido que agora, aqui no Brasil, um país pelo qual você tinha tanto carinho e inquietação, temos uma escola militar mirim. Sim... em três estados: São Paulo, Minas Gerais e Paraná. E outras em Goiás, terra (des)governada por um ruralista, e em Santa Catarina, um estado que cultiva a cada dia valores que nos lembram os dos nacional-socialistas e outros tantos.
Você dizia que o lugar de excelência na educação foi ocupado pelas empresas, mas não imaginávamos que ela viria de braços dados com os militares.
Eu te proporia a escrita do “ensinar o espírito do militarismo nas escolas”. Sofreríamos juntas, mas coerentemente com nossos princípios exporíamos - com ares de dever cumprido - a face cada vez mais definida do fascismo.
Assim como você, vou finalizando esta carta sem pretensões de trazer respostas, mas chamar a atenção ao legado que você nos deixou e com a responsabilidade de ser um ou uma daquelas a quem você “passou o bastão” - para usar sua linda expressão - de dar continuidade à luta. Sigo tentando cumprir a tarefa, que não é inglória... mas cada vez mais árdua.
Tento te homenagear, ainda que insuficientemente, por sua contribuição imensa pelos estudos acerca do trabalho e educação, sobre a sociologia do trabalho, Institutos do Trabalho, qualificação e competência, atores privados e tantos outros temas. Mas, sobretudo, pela generosidade, firmeza de caráter e ideológica sempre contra as desigualdades e injustiças sociais.
Foram 21 anos de amizade profunda, de horas ao telefone, de filmes comentados, de garrafas de vinho secadas pelo avanço das conversas. Choramos, mas também rimos bastante, vivemos as alegrias dos nossos filhos e netos, de cada conquista, de cada passo dos caçulas, de cada concerto a que assistimos com muita emoção...
Confesso que a escritura de nenhuma tese se equipara à dificuldade em escrever esta carta, porque você, a destinatária, não a receberá... mas a esperança é equilibrista e sabemos que, ainda, o “show de todo artista...tem que continuar”.
Salue Yannou de ma part.
Je t’embrasse fort. Selmáá.
Referência
Tanguy, L. (2016). Enseigner l’esprit d’entreprise à l’école: Le tournant politique des années 1980-2000 en France. La Dispute.
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SAVOIRS ET COMPÉTENCES AU SEIN DES RELATIONS ÉDUCATION/TRAVAIL ET AU-DELÀ
IUniversité de Picardie Jules Verne (UPJV), Amiens, França; francoise.rope@gmail.com
Engagée depuis le milieu des années 1960 dans l’équipe de sociologie de l’éducation de Viviane Isambert Jamati, Lucie Tanguy mène des recherches sur la carte scolaire qui la conduisent à s’intéresser au segment scolaire au centre des inégalités (largement étudiées à l’époque): les Collèges d’Enseignement Téchnique (CET)2 menant au Certificat d’Aptitude Professionnelle (CAP)3 des futurs ouvriers et employés. Pour Lucie Tanguy, attachée à lier ses recherches aux perspectives de transformations sociales, la mobilisation de l’État, le Patronat et l’Église (nombre de CET qu’elle observait en Moselle fonctionnaient sous statut privé catholique) constituait un enjeu politique que la sociologie critique se devait de comprendre et d’expliquer. Or le CET offre une spécificité intéressante: segment de poursuite d’études dans le système éducatif, il est le lieu de la scolarisation de la formation professionnelle qui conduit au CAP, diplôme attestant d’une qualification des ouvriers et employés, reconnue par les entreprises.
Elle conçoit alors, et que l’analyse du chercheur trouvait toute sa fécondité en sortant du “champ fermé” de l’éducation. L’étude des processus, des actions et interactions dans des domaines autonomes, l’éducation et le travail, permettait d’analyser les transformations en cours, dans leurs similitudes ou leurs différences mais aussi de saisir la concordance de leurs finalités au niveau social et politique.
Pour moi, professeur de lettres dans le secondaire, imprégnée de la culture classique dite universaliste, apprentie sociologue au cours des années 1975-1988 sous l’égide de Viviane Isambert Jamati, puis enseignant-chercheur en socio de l’éducation, c’est cette pensée critique de L. Tanguy qui m’a amenée à interroger les savoirs scolaires et universitaires et plus tard les savoirs d’expériences.
Attirée avec L. Tanguy par les travaux sur la sociologie du curriculum britannique et je participai alors, avec C. Aghulon, à une recherche sur les savoirs requis par les sujets d’examen du bac général, du bac technique et des CAP menée par Lucie.
L. Tanguy mène ensuite une grande enquête, avec C. Aghulon et A. Poloni, sur les transformations du recrutement des enseignants dans le secteur professionnel et accepte un travail d’expertise commandité pat le Secrétariat d’État à la formation professionnelle, sur la création du bac Professionnel. Ces travaux lui permirent à la fois de saisir les grandes transformations sociales dans le domaine du travail, en particulier dans la hiérarchie des emplois qui allait affecter le monde ouvrier, et de s’emparer d’une réflexion approfondie sur la recherche et l’expertise, que l’on retrouvera dans son ouvrage sur la sociologie du travail.
Au début des années 1990, et nous sommes conjointement frappées par l’usage inflationniste de la notion de “compétences” dans l’enseignement, en particulier dans l’enseignement professionnel où se construisent les référentiels de compétences. Nous observons et analysons à travers ces référentiels, puis les Instructions Officielles de tout le secteur scolaire, les énumérations des objectifs explicités censés rendre compte du développement cognitif qui serait universel, ordonné dans le temps et permettrait l’égalité dans l’appréhension des savoirs, mais, observions nous, faisant fi des conflits et sauts cognitifs, de l’imaginaire et de la variété des situations sociales. Ces référentiels faisaient écho aux référentiels des diplômes circulant dans le Ministère de l’Education puis dans les entreprises.
Je ne m’attarderai pas dans cet hommage aux processus et comparaisons déjà bien connus des brésiliens mais aux effets produits au-delà de la similitude des outils: ces référentiels devienent outils d’évaluations et auto évaluations individuelles qui ébranlent les grilles de qualifications communes élaborées collectivement dans les branches dans la sphère du travail, comme ils se substituent aux savoirs constitués, au fondement de la culture d’émancipation des citoyens dans la sphère de l’éducation. L’étude de ce qui se passait à la fois dans la sphère de l’éducation et la sphère du travail permettait de ne pas s’en tenir aux seules transformations pédagogiques en cours mais de comprendre combien le mouvement rendait compte des transformations profondes de la société en particulier dans le processus d’évaluation des individus. Celui-ci saisit même le corps social dorénavant dûment évalué ou évaluateur à chaque action entreprise dans tous les métiers du plombier au médecin, du vendeur à l’écrivain. L’individu considéré rationnel est censé saisir ses propres actions en toute responsabilité à tous les niveaux, de “parcours sup” (outil d’orientation post bac) dans la sphère scolaire au trader devant ses ordinateurs au nom de la liberté et la responsabilité supposées rendre sa dignité au travailleur, à l’élève, à l’étudiant, désormais responsables de leur propre parcours.
Mais où est le sens donné à l’action? Où situe-t-on les conditions politiques et sociales dans lesquelles il s’inscrit?
Lucie Tanguy nous a ouvert des voies, a suscité des débats, qu’elle a elle-même poursuivis dans d’autres recherches comme l’enquête sur la sociologie du travail et plus récemment l’interrogation sur les nouvelles orientations des finalités de l’école qui à bas bruit transforment notre école au rythme de notre société où éducation et formation sont surtout comprises comme des facteurs de compétitivité en lieu et place d’aide à l’émancipation humaine.
Lui rendre hommage, c’est saluer ce qu’elle appelait “la sociologie relationnelle” qu’elle a menée avec rigueur, avec pugnacité sur le terrain afin de documenter fermement ses analyses. Sans toutefois les enfermer car Lucie Tanguy est toujours restée attentive aux possibles écartés en favorisant les temps longs, en reformulant les questions sociales quand elles induisaient des réponses fondées sur la nécessité immédiate: faire science ne signifie pas expertiser dans la hâte.
Références
Ropé, F., & Tanguy, L. (Dirs.). (1994). Savoirs et compétences de l’usage de ces notions dans l’école et l’entreprise. L’Harmattan.
[ Links ]
Tanguy, L. (1991). L’enseignement professionnel en France: Des ouvriers aux techniciens. PUF.
[ Links ]
Tanguy, L. (1995). Le sociologue et l’expert, une analyse de cas. Sociologie du Travail, 37(3), 457-477. https://www.persee.fr/doc/sotra_0038-0296_1995_num_37_3_2219
[ Links ]
Tanguy, L. (2011). La Sociologie du travail en France. La Découverte.
[ Links ]
Tanguy, L. (2016). Enseigner l’esprit d’entreprise à l’école. La Dispute.
[ Links ]
Tanguy, L., Aghulon, C., & Ropé, F. (1984). L’enseignement du français en LEP, miroir d’une perte d’identité. Études de Linguistique Appliquée (Paris), 54, 19-38.
[ Links ]
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UNE SOCIOLOGUE INDÉPENDANTE ET ENGAGÉE
IUniversité Lumière Lyon 2, Lyon, França; n.divert@univ-lyon2.fr
Le parcours de Lucie Tanguy incarne une sociologue indépendante et engagée qui, pendant plus de soixante ans, a proposé des analyses qui ont permis de questionner certaines évidences. Elle a exprimé avec détermination et rigueur son “goût pour la connaissance du monde social”, comme elle l’expliquait en 2020 lors d’un rare entretien réalisé par un binôme de chercheurs spécialistes de l’enseignement technique et professionnel, un historien et un sociologue (Lembré et al., 2020). Adepte d’une démarche socio-historique afin d’éviter les illusions de la nouveauté du présent pour mieux le comprendre, la mobilisation de l’histoire a irrigué ses travaux. Lucie Tanguy était attachée au décloisonnement des disciplines. Elle mobilisait l’histoire pour éclairer la sociologie, mais aussi produisait des travaux à l’interface de la sociologie du travail et de la sociologie de l’éducation en travaillant sur des objets « carrefour » comme la formation, l’apprentissage ou l’enseignement professionnel qui permettent de penser conjointement le travail, l’emploi, les politiques publiques comme l’école. Lucie Tanguy ne voulait pas être enfermée et son aspiration à comprendre le monde s’est faite par le dépassement de certaines frontières.
Avant le dépassement des frontières disciplinaires, ce sont celles des origines qu’elle a abattues. Issue d’un milieu modeste, elle n’a eu de cesse de mettre en œuvre une force de travail importante pour dépasser “la peur de la médiocrité” (Lembré et al., 2020, p. 3). La rigueur dont elle faisait preuve dans ses travaux et dans son engagement intellectuel pouvait intimider ses interlocuteurs. Pourtant, elle ne perdait jamais une occasion de rappeler ses filiations intellectuelles (Pierre Bourdieu, Vivianne Isambert-Jamati ou Pierre Naville avec lesquels elle a travaillé). Elle se positionnait d’ailleurs comme un “passeur”, utilisant le masculin non pas par rejet de la féminisation de ce terme mais pour ne pas “dénaturer” son sens (Lembré et al., 2020, p. 29). Elle argumentait, aimait le débat, convoquait ses pairs pour construire sa réflexion ou évoquait les personnes qu’elle côtoyait dans ses différents terrains qu’elle menait avec enthousiasme depuis ses premiers travaux réalisés en Algérie en 1961. Elle pensait avec les autres pour mieux creuser son propre chemin dans une fidélité intellectuelle qui n’était en rien un enfermement mais la marque de la reconnaissance d’un modèle de transmission qui se fait au contact des autres.
Tout au long de sa carrière, elle s’est imposée une discipline de travail. Son exigence constante est étroitement liée à son désir de prouver et de dévoiler la réalité sociale. Elle poussait son raisonnement, regardait dans des directions que d’autres ignoraient parfois et n’avait pas peur de prendre des positions qui semblaient marginales. Et l’histoire lui a souvent donné raison.
L’œuvre de Lucie Tanguy est riche et dense. Très attachée à la circulation des idées, elle faisait de la connaissance, une ressource pour accéder à une autonomie de pensée. Son activité de chercheuse alimentait son engagement personnel et réciproquement. Si certains de ses travaux peuvent apparaitre très ancrés dans une réalité française, les comparaisons internationales auxquelles elle a contribué ou la traduction, au Brésil, du livre qu’elle a co-dirigé avec Françoise Ropé Savoirs et compétences. De l’usage de ces notions dans l’école et l’entreprise (1994), soulignent le dépassement des frontières géographiques de ses analyses. Elle entretenait d’ailleurs des relations privilégiées avec le Brésil, conséquences de la rencontre avec une culture, une réalité politique et sociale mais aussi de collègues et notamment Liliana R. Petrilli Segnini ou Aparecida Neri de Suza.
Malgré son décès, les pistes ouvertes et proposées par Lucie Tanguy ne doivent pas s’éteindre et chacune et chacun pourra y trouver des éléments stimulants pour continuer à faire vivre des réflexions et ainsi poursuivre un engagement au service de l’émancipation.
Réferénces
Ropé, F., & Tanguy, L. (Dirs.). (1994). Savoirs et compétences. De l’usage de ces notions dans l’école et l’entreprise. L’Harmattan.
[ Links ]
Lembré, S., Moreau, G., & Tanguy, L. (2020). Penser les relations entre éducation et travail, l’expérience de Lucie Tanguy. Images du travail, travail des images, (9). https://doi.org/10.4000/itti.514
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IUniversité Sorbonne Nouvelle Paris 3, Paris, França; polymniannebel@gmail.com
Très chère Lucie,
Je voulais t’écrire depuis longtemps pour discuter avec toi des étapes de nos trajectoires que nous avions parfois, souvent d’ailleurs, partagées, ou que nous avions tout simplement confrontées. Différences des points de vue dues probablement à des parcours, des expériences de vie, des attentes et des rêves modelés au fil des années selon nos ancrages géographiques, historiques, politiques et bien évidemment sociaux. Et déjà pour commencer, tu es née dans la France coloniale (et en Bretagne catholique), où on considérait que la plus grande île du pays est l’île de Madagascar (comme m’a très justement signalé un jour Françoise Ropé, notre collègue et amie de longue date). Quelques dix ans plus tard, je suis née en Grèce, d’ailleurs dans un bidonville des environs d’Athènes, au lendemain de la 2ème guerre mondiale, pays ravagé par la guerre civile qui a marqué mon enfance et adolescence. Il y a eu pour toi la lutte pour la scolarisation, pour la laïcité, la guerre d’Algérie, la soif de connaissances qui t’a toujours caractérisée et bien d’autres choses. C’est comme cela que j’explique ton éternelle quête de rédemption, la quête d’une juste cause à défendre. Mais j’ai grandi en sachant que les gens proches pourrissaient dans les prisons politiques parce qu’ils avaient défendu ce qu’ils avaient considéré une juste cause, le parti communiste. Lorsque nous nous sommes connues, au début des années 1970, la Grèce avait encore une fois une dictature, et le parti communiste grec avait connu une scission entre la frange prosoviétique et celle pro-européenne. Et lorsque les exilés politiques grecs sont arrivés en France, ils ont été bien “triés” selon leur nouvelle affiliation. Le parti communiste français (PCF) n’a jamais aidé les communistes pro-européens. Mais nous pouvons échanger là-dessus un jour tranquillement autour d’un pot.
Il n’empêche que la période post-1968 a été marquée intellectuellement par l’omniprésence (ou la domination aveugle) du paradigme marxiste structuraliste, en dépit des discussions, scissions, luttes acharnées entre groupes dissidents de toute sorte, etc. qui prévalaient ce temps là. Mais en sociologie, ce paradigme s’est combiné d’une façon pour moi un peu étrange à la revendication de la scientificité par l’application des méthodes quantitatives, introduites en France par Lazarsfeld, oui, le même qui avait publié avec Marie Jahoda en 1933 Les chômeurs de Marienthal. L’université de Columbia avait gagné sur l’université de Chicago. Mais en France l’assurance du marxisme structuraliste se délite tranquillement, montrant clairement l’impasse à laquelle il amenait inéluctablement, avant même les suicides de certains de ses éminents représentants. On avait oublié l’histoire! Ou, si l’on veut, le marxisme historique. N’oublions pas que l’opus magnus d’E. P. Thompson, The Making of the English Working Class, a mis plus de 25 ans à être traduit en France par un blocage intellectuel/politique clair. Je considère que la notion de médiation, apparue avec le premier gouvernement Mitterrand, constitue un tournant. Je ne connais pas le cheminement de cette notion. Aurais-tu une idée là-dessus?
Puis, il y a eu la mouvance des théories centrées sur les acteurs/processus, venues certes sous l’impulsion de la sociologie anglo-saxonne, découverte par les provinciaux imbus d’eux-mêmes que nous étions, la diffusion des écrits de la tradition sociologique de Chicago grâce aux collègues de l’Université Paris 8. Les agents bourdieusiens avaient définitivement perdu de leur superbe! Et les démarches empiriques avaient rapidement changé: l’observation même participante, la prise en compte du point de vue des acteurs, la réflexivité du chercheur faisant partie de l’analyse. Encore une fois, un nouveau paradigme dominant s’est installé, en oubliant encore une fois l’histoire, que le recours sociologique aux archives et à leur exploitation n’a pas pu combler.
Chère Lucie, j’aimerais qu’un jour on discute sur un point: la place de Max Weber dans la sociologie et les sciences politiques françaises. Mais limitons-nous à la socio. Raymond Aron, grand ponte du CNRS, avait promu la traduction, enfin, des œuvres de Weber dans les années 1950 autour d’un groupe de germanistes, animé par Julien Freund. Economie et Société fut considéré comme aux antipodes de la doctrine marxiste, et sur un certain point, ce l’est. Néanmoins, on a oublié les autres travaux de Weber avant son opus magnus, les travaux pour l’Association des Historiens, à la fin du XIXème, comme “Le programme d’enquête des ouvriers agricoles à l’Est de l’Elbe”. Ce qu’il décrit là et ce qu’il propose s’apparente beaucoup à ce que tu a essayé de promouvoir dans ton livre sur la sociologie du travail en France: la recherche en action. On en parle à l’occasion.
Je t’embrasse très fort.
Embrasse Yanou de ma part.
Réferénces
Lazarsfeld, P., Jahoda, M., & Zeisel, H. (1933). Les Chômeurs de Marienthal. Minuit.
[ Links ]
Thompson, E. D. (1966). The Making of the English Working Class. Vintage.
[ Links ]
Weber, M. (1921). Economie et Société. Pocket.
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IUniversité Toulouse Jean Jaurès (UT2J), Toulouse, França; prisca.kergoat@univ-tlse2.fr
L’œuvre de Lucie Tanguy (1937-2024), directrice de recherche émérite au CNRS, membre du laboratoire Cresppa-GTM, a profondément marqué la sociologie française et internationale, notamment au Brésil.
Fille d’ouvriers agricoles bretons, Lucie Tanguy obtient son bac, diplôme bien improbable au regard de sa condition, et postule sur un poste d’institutrice en région parisienne. En 1961, elle rencontre Pierre Bourdieu à l’Université d’Alger où elle poursuivait sa licence de lettres. De retour à Paris, Viviane Isambert-Jamati lui propose d’abord d’intégrer le Centre d’études sociologiques et l’incite à présenter sa candidature au concours d’entrée au CNRS en 1967, concours où elle fut admise. C’est en 1976 qu’elle soutient sa thèse de sociologie sous la direction de Pierre Naville, une recherche donnant lieu à la publication de son premier ouvrage Le capital, le travailleur et l’école (Tanguy, 1976).
Il serait vain de chercher à restituer ici l’ensemble des contributions de Lucie Tanguy à la sociologie. Pas plus qu’il n’est envisageable de rappeler l’ensemble de ses responsabilités, engagements notamment à travers la coordination, de l’accord bilatéral Capes-Cofecub avec l’Université de Campinas au Brésil ou encore de son important travail de « passeuse »; un terme qu’elle aimait utiliser pour évoquer le travail impliqué et rigoureux qu’elle menait auprès de ses doctorant.es. Pour ma part, je soulignerai ici deux dimensions de son travail. D’abord, la façon dont elle a investigué, en opposition à l’air du temps, le monde de la formation professionnelle pour discuter ensuite de sa conception des rapports entre histoire et sociologie.
L’ouvrage collectif qu’elle a dirigé L’introuvable relation formation-emploi (Tanguy, 1986) a très largement participé à dénaturaliser ces catégories et à analyser la façon dont elles donnaient forme à des politiques qui cherchaient à établir des correspondances entre deux ordres de phénomènes séparés et à faire apparaître ces relations comme nécessaires. Deux de ses ouvrages (Tanguy, 1991, 2016) offrent ainsi une analyse magistrale des transformations en cours, transformations conduisant à expurger de l’enseignement professionnel toute référence au monde ouvrier pour y substituer un enseignement à l’esprit d’entreprise.
Ses travaux s’inscrivent dans une perspective socio-historique car précisait-elle, extraire les conflits et les débats de l’oubli, repérer pour chaque évènement les perspectives et les choix opérés par les protagonistes était, selon elle, une des tâches du sociologue et de l’historien (Tanguy, 2000). Différentes enquêtes illustrent bien cette perspective. D’abord l’exploration de l’histoire de la sociologie du travail en France (Tanguy, 2011), ensuite sa recherche sur la fabrication des nomenclatures de formation (Tanguy, 2002) où elle a ainsi démontré les effets pervers des choix politiques opérés : la mise en équivalence de la formation avec l’emploi préfigure un ordre unidimensionnel des savoirs qui empêche l’incorporation de l’enseignement technologique dans la culture scolaire. Ainsi nous invite-t-elle, plutôt que de tenter de mesurer l’extension des scolarités, à examiner les changements engendrés par l’inscription des problèmes de l’emploi et de l’économie au cœur des politiques éducatives.
Lucie Tanguy n’était pas seulement une grande intellectuelle, elle était également une grande femme. Déconstruisant les évidences, exigeante, rigoureuse, engagée et courageuse, son legs à la sociologie et à la compréhension du monde contemporain est immense. Au-delà de l’évocation de sa mémoire, c’est aussi celle d’un projet intellectuel qui s’impose à nous, qu’il s’agit aujourd’hui de faire vivre et de diffuser.
Références
Tanguy, L. (1976). Le capital, le travailleur et l’école. Maspero.
[ Links ]
Tanguy, L. (Dir.). (1986). L’introuvable relation formation-emploi: Un état des recherches en France. La Documentation Française.
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Tanguy, L. (1991). L’enseignement professionnel en France. Des ouvriers aux techniciens. PUF.
[ Links ]
Tanguy, L. (2000). Histoire et sociologie de l’enseignement technique et professionnel: Un siècle en perspective. Revue Française de Pédagogie, (131), 97-127. https://www.persee.fr/doc/rfp_0556-7807_2000_num_131_1_1048
[ Links ]
Tanguy, L. (2002). La mise en équivalence de la formation avec l’emploi dans les IVe et Ve Plans (1962-1970). Revue Française de Sociologie, 43(4), 685-709. https://www.persee.fr/doc/rfsoc_0035-2969_2002_num_43_4_5537
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Tanguy, L. (2011). La sociologie du travail en France: Enquête sur le travail des sociologues (1950-1990). La Découverte.
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Tanguy, L. (2016). Enseigner l’esprit d’entreprise à l’école. Le tournant politique des années 1980-2000 en France. La Dispute.
[ Links ]
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RENCONTRE AVEC UNE CHERCHEUSE TOURNÉE VERS LE TRAVAIL COLLECTIF
IUniversité Paris 8 Vincennes Saint-Denis, Paris, França; reginebercot@gmail.com
J’étais jeune chargée d’étude au Centre d’Études et de Recherches sur les Qualifications (Cereq) au moment où est paru le livre L’introuvable relation formation-emploi sous la direction de Lucie Tanguy (1986). Ce livre est apparu comme une référence pour tous ceux qui travaillaient sur l’emploi et l’insertion mais aussi pour ceux qui cherchaient à comprendre les évolutions des savoirs et des compétences pour des groupes professionnels; c’était mon cas à une époque où je travaillais sur l’évolution du travail des ouvriers et des techniciens dans l’industrie.
Le livre avait vocation à analyser les rapports entre système éducatif et système productif et interpellait tout à la fois les chercheurs, les politiques et les institutionnels. L’époque était marquée par de nombreuses interrogations concernant la manière dont l’éducation devait répondre aux besoins affichés par le développement industriel. Ces interrogations sociétales nourrissaient l’orientation des études du Cereq et celles de la recherche. L’ouvrage est remarquable car il révèle les débats au sein et entre disciplines,4 les démarches dialectiques qui ont fait naître différentes pistes pour traiter du rapport entre formation et emploi. Ainsi, l’interrogation concernant les savoirs à mobiliser dans l’emploi a nourri des travaux aussi différents que ceux de la transition professionnelle et ceux concernant les changements techniques et d’organisation sur le contenu du travail.
Dans cet ouvrage plusieurs textes de L. Tanguy sont révélateurs de ses références et attachements en tant que chercheuse. Le travail collectif qui a nourri l’ouvrage repose sur une organisation originale, suite au séminaire de 1985. Les séances d’une journée étaient préparées par des petits groupes dont les membres avaient déjà écrit sur les questions traitées. Des textes de préparation envoyés aux membres du collectif entier permettaient d’alimenter une discussion. Autre qualité, celle de faire un bilan des travaux existants. Sans être exhaustives, ces recensions représentent un travail important d’analyse et de mise en perspective soulignant la diversité des points de vue, parfois en lien avec une posture idéologique, parfois en lien avec des postures méthodologiques soulignées comme peu réconciliables.5
La qualité de chercheure de Lucie est particulièrement visible lorsqu’elle rend compte de la problématique des savoirs en agriculture; en quelques pages figurent les éléments principaux d’une démarche scientifique: les raisons sociales de l’émergence des problèmes dans ce secteur dans les années 1960-70 en France; le cadre institutionnel de ces changements; les contradictions qui surgissent avec les nouvelles formes de production; un classement des recherches en fonction de leur angle d’attaque est proposé. Les notions utilisées et les schémas d’interprétation expriment l’idée que les transformations agricoles sont certes techniques, mais aussi sociales. Quelques pages de belle synthèse qui auront sans aucun doute nécessité beaucoup de temps de travail invisible...
Lucie n’était certes pas avare d’investissement dans le travail collectif. Toujours active dans les séminaires, solidaire et constructive dans le travail d’équipe, elle a construit les premiers accords Capes/Cofecub6 avec l’équipe de sciences de l’éducation de Campinas au Brésil. Lorsque j’ai pris le relai dans l’animation de ces accords, nous avons pu compter sur sa fidélité. Une ressource pour les invité.e.s brésilien.ne.s qu’elle recevait chaleureusement et avec plaisir pour discuter les travaux de chacun.e. Elle était une militante sérieuse, tenace et professionnelle de la construction des accords.
Nous lui sommes collectivement redevables de sa volonté et sa ténacité à construire des ponts entre les recherches de nos deux pays. Les dialogues et débats ont pu bénéficier tout à la fois de sa rigueur et de sa grande curiosité.
Reférence
Tanguy, L. (Dir.). (1986). L’introuvable relation formation-emploi: Un état des recherches en France. La Documentation Française.
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