LEMBREMOS QUE ERIC HOBSBAWM, NO SEU TRABALHO TEMPOS INTERESSANTES (2002, p. 455), nos convida a estar atentos a nossos tempos, a deixar-nos interrogar por nossos tempos e dar respostas: “Observei, ouvi, buscando entender a história de meu próprio tempo. . . . Não nos desarmemos, mesmo em tempos insatisfatórios. A injustiça social ainda precisa ser denunciada e combatida. O mundo não vai melhorar sozinho”. Um convite de Hobsbawm para mantermos em permanente interrogação sobre nossos tempos como educadoras, educadores. Em que tempos sociais, políticos, econômicos, culturais, éticos ou antiéticos, pedagógicos ou antipedagógicos estamos? Como entender, interpretar, responder às interrogações radicais postas nestes tempos?
Tempos políticos de tensas disputas de que Estado?
Ainda estamos sob os efeitos do desmonte do Estado de direitos humanos, desmonte do direito à educação, à cultura, a um justo humano viver. Tempos de indagações políticas radicais: que indagações vêm do desmonte do Ministério da Educação (MEC), do Ministério da Cultura (MinC), do Conselho Nacional de Educação (CNE)? Esses desmontes políticos não revelam a fraqueza dos alicerces do nosso Estado de direito à educação, direito à cultura, à formação humana? Não revelam a superficialidade das bases, dos alicerces de nosso Estado de direitos humanos? Uma interrogação obrigatória: houve em nossa história um Estado forte, alicerçado de direitos humanos, de direito à educação, à cultura, ao direito à afirmação-formação humana?
As narrativas de nossa história pedagógica, cultural têm cultuado ser uma história lenta, mas afirmativa de um Estado de direitos humanos. Diante do persistente desmonte desse Estado de direitos humanos, de educação e cultura somos obrigados a interrogar-nos se o discurso, a imagem de uma história da educação, da cultura, de formação humana, afirmante de uma história de um Estado de direitos humanos tem sido uma realidade histórica em um discurso dos poderes nunca materializado, sempre ameaçado. Um discurso das elites para ocultar a realidade persistente de um Estado de mercado, do capital de redução dos outros, das diferenças sociais, étnicas, raciais, de gênero, de classe a mercadorias sem valor humano, descartáveis, desumanizáveis, não merecedoras de ser reconhecidas humanos, membros sujeitos de um Estado de direitos humanos.
Tempos que expõem exigências políticas radicais para história de nossa educação, para a história de que Estado de direitos humanos, de que humanos? A história de nossas políticas educativas, culturais expôs ou ocultou a nossa história real das elites de persistir decretados os outros, as diferenças na condição de inumanos, ineducáveis porque decretados com deficiências originárias de humanidade, logo não viáveis como sujeitos humanos de direitos humanos?
As tensas disputas de que Estado de direitos humanos até os persistentes desmontes do nosso fraco Estado de direitos humanos e do direito à educação, à cultura, à formação humana como direitos humanos deixam exposto que afirmar um Estado de direitos humanos inclusivo, igualitário sempre entrou em choque, em confronto com o decretar das elites os outros, as diferenças com deficiência originárias de humanidade. A constante produção diferenciada, seletiva de humanos foi e continua a ser a matriz persistente seletiva, segregadora do nosso fraco, segregador, dual, abissal, sacrificial Estado de direitos humanos.
Que paradigma de humano reproduz nosso Estado seletivo de direitos humanos?
O persistente Estado seletivo, dual, abissal, sacrificial de direitos humanos, o nosso Estado seletivo de direitos humanos reproduz a radicalidade histórica, dual, abissal, sacrifical do paradigma de humano: nós nos poderes síntese do humano único hegemônico; os outros, as diferenças síntese de inumano, logo inviáveis de serem incluídos no paradigma dual, abissal, sacrificial de nosso Estado seletivo de direitos humanos. Em realidade, na pandemia virótica e política, não tivemos um desmonte de um Estado de direitos humanos igualitário, os outros carregam uma história de segregados permanentes como humanos nunca incluídos no Estado único segregador de direitos humanos.
Os tempos de pandemia virótico-política reatualizaram o paradigma dual, abissal, sacrificial de nós humanos direitos e os outros as diferenças na condição persistente de natureza não de humanidade. Um paradigma segregador de humano que estruturou o Estado seletivo, dual, segregador de humanos, inumanos na Colônia, no Império e que não conseguimos desmontar no Estado Republicano Democrático de Direitos.
Não será uma postura suficiente culpar o desmonte do MEC, do MinC, do CNE... não será uma postura politicamente correta culpar os gestores docentes, educadoras, educadores da ineficiência crônica de um sistema de educação, escolarização público sobretudo por não garantir o direito universal à educação, à cultura, à escolarização. Os tempos de pandemia virótico-política deixaram exposta uma constante em nossa história: o nosso Estado de direitos humanos sempre foi seletivo, dual, abissal, sacrificial de humanos autodecretados síntese do humano hegemônico único e de outros decretados de maneira persistente em nossa história da Colônia e até na República democrática como a síntese do inumano, ineducável, inumanizável (Arroyo, 2015).
Uma interrogação histórica para entender as tensões nas possibilidades e nos limites sobretudo de avançar na garantia do direito humano à educação-escolarização, do direito humano à cultura, à formação humana: dar toda centralidade a entender o paradigma seletivo, dual, abissal, sacrificial de humano que estruturou em nossa história política o nosso Estado seletivo, dual, abissal, sacrificial de direitos humanos. A história das possibilidades, avanços, limites, recuos no campo dos direitos humanos à educação, à cultura, à formação humana sempre condicionados aos limites estruturantes de nosso Estado seletivo, dual, sacrificial de direitos humanos.
Tempos de pandemia virótico-política que têm deixado expostas essas articulações tão estruturantes entre a história dos nossos fracos instáveis direitos humanos à educação, à cultura, à formação humana e o nosso persistente Estado seletivo, abissal, de direitos humanos. Histórias que exigem ser narradas, reconstituídas como histórias inseparáveis... Todas as histórias dos avanços, recuos dos direitos à educação, à cultura, à formação humana ficarão fracas se não articuladas a entender, pesquisar, narrar a história de nosso Estado seletivo, segregador, abissal de direitos humanos, de reconhecimento da negação dos outros, das diferenças como não incluíveis na condição de humano no Estado seletivo de direitos humanos. A história de nossa educação ficará fraca se não superar, desconstruir o paradigma dual, sacrificial de humano estruturante e legitimante de nosso Estado seletivo, dual, sacrificial de direitos humanos.
Que interpelações para a história? Que exigências de que respostas?
Se reconhecemos a histórica articulação entre a nossa história do Estado seletivo de direitos humanos e os avanços, limites, recuos na garantia, no reconhecimento do direito universal igualitário à educação, à escolarização, à formação humana, que exigências, que interpelações para a história de nossa educação, de nossa cultura? Que interpelações para os profissionais da garantia do direito à educação, à cultura, à formação humana.
O desmonte dos Ministérios da Educação, da Cultura, do CNE... foi um acidente passageiro? Foi um capítulo a mais na história persistente do desmonte do Estado de direitos humanos, da fraca afirmação do direito humano à educação, escolarização, formação humana. Esse desmonte expôs a fraqueza política do nosso campo da educação, da cultura, da formação humana. Expôs a fraqueza da proclamação da igualdade social do direito à educação, à cultura em um Estado tão seletivo de humanos sujeitos de direitos humanos. Por que os avanços no direito à educação, à afirmação, à formação humana, cultural, identitária dos outros, das diferenças, foi prioritário no desmonte do Estado de direitos humanos? Porque os outros, em seus movimentos sociais de lutas por direitos humanos, vinham questionando o Estado seletivo, segregador dos direitos humanos mais humanos. Os outros, as diferenças, vinham disputando direitos na diversidade de campos do Estado fechado, seletivo, segregador de direitos humanos: direitos a terra, teto, trabalho, renda, segurança alimentar, saúde, vida sempre atrelados ao direito à educação.
Um desmonte dos avanços na diversidade de campos de direitos, repolitizando o Estado de direitos humanos. As pressões políticas na diversidade de campos de direitos radicalizadas nas pressões por um outro Estado de direitos humanos, não seletivos, mas que reconhecem todos como sujeitos humanos, sujeitos políticos de direitos humanos. Desmontes por igualdade humana no Estado de direitos humanos. Ímpares políticos, éticos, pedagógicos históricos no seletivo, segregador Estado de direitos humanos.
Tensões que repõem que toda luta em um campo de direitos humanos se defronta com as resistências de nossas elites, de nossas estruturas em reforçar o Estado seletivo de direitos humanos que em nossa história autodecreta o nós síntese do humano único, hegemônico e persiste em decretar os outros, as diferenças, em estado de natureza, não de cultura, de humanidade. As desigualdades no campo do direito humano à educação, à cultura, à formação humana sempre em nossa história reproduzindo as desigualdades radicais de nós humanos e os outros inumanos, estruturantes do nosso Estado dual, abissal de direitos humanos.
As polaridades de nossa história do direito à educação, à cultura, à formação humana sempre articuladas estruturalmente às polaridades de nosso Estado segregador dos outros decretados em estado de humanidade. Até nossas fracas políticas, Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Plano Nacional de Educação (PNE), deixam exposta a fraqueza de nosso Estado segregador dos outros como humanos, como sujeitos de direitos humanos. Não haverá como entender, nem como negar a fraqueza das políticas educativas dos PNE de garantirem o direito igualitário à escolarização, à educação, às formas humanas sem desconstruir o nosso Estado segregador, seletivo de direitos humanos que, desde a colônia, persiste em autodecretar o nós nos poderes síntese do humano único decretando os outros, as diferenças, como síntese do inumano, não educáveis, não humanizáveis, não moralizáveis para merecer serem incluídos no Estado seletivo de direitos humanos.
Tentativas não faltaram de políticas, PNE, de incluir todos nos projetos de escolarização, educação, formação humana, mas tentativas em estado permanente de ameaça que não conseguiram desmontar o nosso Estado segregador, abissal de direitos humanos que persiste em decretar o nós síntese do humano, humanos direitos únicos e em decretar os outros, as diferenças étnicas, raciais, de gênero, de classe síntese do inumano com deficiências originárias de humanidade, não reconhecíveis de serem incluídos como humanos no paradigma hegemônico seletivo, segregador de humano, estruturante histórico de nosso Estado de direitos humanos.
Decretados até culpados de não incluíveis, não reconhecíveis humanizáveis, educáveis, moralizáveis porque culpados de estarem em um persistente estado de imoralidade, irracionalidade, incivilidade, inumanidade.
Uma interpretação política radical: não será suficiente fazermos análises de políticas, sociais, culturais, educativas, será necessário dar toda centralidade à pergunta: que políticas de que Estado? Políticas de um Estado seletivo de direitos humanos? De um Estado de mercado, do capital? Reconhecer a natureza política, social, pedagógica das políticas do Estado exige a pergunta radical: políticas de que Estado?
Um Estado de mercado que repõe nossa herança autoritária desumanizante
As lutas por direitos humanos por direito à educação em tensões permanentes com um Estado que decreta os outros, as diferenças, como não humanos e ainda historicamente decreta a impossibilidade de montar, afirmar um Estado de direitos humanos. Dessa história somos herdeiros, obrigados a entendê-la para destruí-la. Um passado autoritário de negação dos direitos humanos que vem desde o grito colonizador, “terra à vista”, que decretou os povos originários expropriados do seu direito humano mais humano - a condição de humanidade para legitimar expropriá-los dos direitos a seus territórios, terras, cultivos, culturas, crenças, tradições, identidades humanas. Uma tradição autoritária que, destruindo as condições sociais, materiais, do viver, destrói o primeiro direito humano: o direito à vida justa, humana. A pandemia virótico-política não reafirmou essa tradição autoritária como passado que não passou em nossa história política? Uma herança destrutiva do Estado de direitos, dos direitos humanos mais humanos que não passou, uma herança reafirmativa do Estado do capital, do mercado.
As lutas políticas por um Estado de direitos humanos não podem ignorar, menosprezar esse peso histórico de nossas tradições autoritárias. As lutas por reconstruir o fraco Estado de direitos exigem pensar e pesar essa herança de tradições autoritárias. Sem desconstruir, desmontar essas estruturas econômicas, políticas, culturais dessas persistentes tradições autoritárias não será possível o próprio trabalho da reconstrução do Estado de direitos. Nem será possível a reconstrução do direito à educação.
Nossa história política, cultural, pedagógica é herdeira das tradições autoritárias que pretendemos destruir, superar reafirmando tradições democráticas ao menos na educação igualitária, inclusiva. A persistente luta por uma educação igualitária, inclusiva... não expõe que as desigualdades, as segregações, exclusões persistem como uma herança não destruída, não superada? Tradições autoritárias, polarizantes, segregadoras tão persistentes em nossa herança antiética, de valores, de estruturas, etnicistas, racistas, sexistas, classistas contra as quais lutam sobretudo as vítimas, as diferenças em suas resistências democráticas.
O campo da educação, das políticas socioeducativas tem sido e persiste em ser, junto com o campo da cultura, os territórios desses embates de destruição política, ética, cultural, desses contravalores, culturas autoritárias, segregadoras. Mas também tem sido um campo de tantas lutas por educar, afirmar valores, culturas de direitos, de igualdades humanas. Tensões persistentes que nos obrigam não só a estar em estado de resistências às tradições autoritárias, mas de estar em estado permanente de atenção para descobrir e desconstruir a herança autoritária que marcou nossas pedagogias “democráticas” tão segregadoras desde a empreitada catequético-educadora colonial, imperial e até republicana.
Nossa tradição pedagógica, cultural, moralizadora, humanizadora não carrega as marcas autoritárias de segregar os outros, de decretar as diferenças sociais, étnicas, raciais, de gênero, de classe em estado de inferioridade humana? Como desconstruir essa tradição autoritária que decreta as diferenças em estado de natureza, não de humanidade, se essa tradição tem sido estruturante, legitimante de nossa tradição “democrática” de educação? As elites não têm legitimado suas propostas, políticas socioeducativas dos outros, das diferenças nos projetos de seu governo moral, moralizador dos outros decretados em estado de imoralidade inata, de inumanidade?
O desafio em tempos de reconstruir o Estado democrático de direitos exige reconhecer essa herança autoritária, segregadora tão estruturante de nosso campo da educação dita democrática, igualitária, inclusiva. Como reconstruir o campo da educação como um campo democrático de direitos humanos se esse campo em nossa história foi hospedeiro da tradição autoritária, segregadora mais radical em nossa história: decretar os outros, as diferenças na condição inata, de origem, de deficientes em humanidade? Nem reconhecíveis como humanizáveis? (Arroyo, 2015).
Um Estado de mercado que não reconhece as diferenças sociais como humanas
Reconstruir o Estado de direitos no campo da educação carrega exigências política-pedagógicas de extrema radicalidade, se reconhecemos que a própria história de nossa educação foi legitimada na tradição autoritária das elites decretando os outros, as diferenças sociais, étnicas, raciais, de gênero, de classe em estado de deficiências originárias de humanidade: como reconstruir o Estado de direitos, de direito específico à educação se o próprio campo da nossa educação tem sido herdeiro, hospedeiro das tradições políticas mais autoritárias: não reconhecer as diferenças sociais como humanas?
A reconstrução do direito humano à educação, à formação humana se confronta com um Estado autoritário com uma tradição autoritária de negação desse direito, de não reconhecer os outros como humanos, humanizáveis, educáveis. Se essa tradição autoritária foi e persiste em ser no presente tão destruidora da condição de humanos dos outros, a reconstrução do Estado de direito à educação, à formação, ao reconhecimento dos outros como humanos se torna o desafio mais radical na reconstrução do Estado de direitos humanos: desconstruir o persistente não reconhecimento dos outros, das diferenças como humanos. A desconstrução da condição de inumano é pré-requisito primeiro para reconstruir o Estado de direitos humanos.
As exigências ficam expostas: a reconstrução do Estado de direitos no campo específico do direito à formação humana, à educação, à cultura exige escolhas, trabalho ativo para desconstruir a herança maldita de nossas tradições políticas autoritárias tão radicais: negar aos outros a condição de humanidade. Reconhecer que como educadoras e educadores de hoje somos herdeiros de um Estado de uma história autoritária imposta, de exclusão política dos outros da condição de humanos, exclusão radical, inata das possibilidades de afirmações do estado de direitos humanos que reconhece o direito dos outros a serem reconhecidos humanos.
A nossa tarefa é mais radical do que reconstruir, voltar ao Estado de direitos humanos na educação: a tarefa é persistir na desconstrução de um Estado segregador dos outros como sujeitos de direitos humanos porque decretados pelas elites deficientes em humanidade. Não avançaremos na afirmação do direito humano à educação dos outros sem desconstruir esse passado-presente que persiste em manter os outros na condição de pré-humanos, de deficientes em humanidade; no campo específico dos direitos, sem desconstruir a versão de nossas elites coloniais, imperiais, republicanas que persistem em decretar os outros, as diferenças em estado de natureza, de imoralidade, de moralidade. Em permanente estado de inumanidade, ineducáveis, inumanizáveis (Arroyo, 2015).
A reimposição do paradigma político abissal, sacrificial de humano único
O nosso Estado segregador dos outros, destruidor de seus territórios, de suas terras, cultivos, culturas, tradições, identidades humanas se legitimou desde a Colônia e até na República no paradigma do nós síntese do humano único e os outros síntese de inumano no campo dos direitos humanos. Exige-se mais do que reconstruir o estado de direitos humanos, exige-se persistir na tarefa política ética de destruir a seletividade histórica do paradigma único, dual, abissal, sacrifical de humano. Desconstruir a histórica apropriação da condição de humano do nós nos poderes, no controle do Estado e a persistente história da tradição política que decreta os outros, as diferenças sem direito a ter direitos humanos porque decretados a negação do humano.
Reconhecer o peso negativo antiético, antipedagógico dessa herança radicaliza a reconstrução, a reinvenção do Estado de direitos humanos na educação. As exigências políticas, éticas para a reconstrução do Estado de direitos na educação são de extrema radicalidade: lutar não só pela volta, pela reconstrução de um direito à educação perdido, mas pela reinvenção de um Estado de direito à educação como direito humano sempre negado aos outros, as diferenças sempre negadas, não reconhecidas em estado de humanidade.
Mergulhamos nas exigências ético-políticas mais radicais: como desconstruir esse Estado inumano e como avançar no desconstruir o persistente condenar os outros à condição de inumano, não sujeitos do direito primeiro a serem reconhecíveis como humanos? Os outros, as diferenças em nossa história vêm lutando não tanto por reconstruir o Estado de direito, mas por destruir o Estado apropriado pelas elites que, em nossa história, persistem em decretá-los à margem do Estado de direitos humanos porque à margem da condição de humanos. Só os humanos direitos reconhecíveis, incluíveis no Estado de direitos humanos.
Desconstruir esse Estado das elites que se legitimaria na apropriação política, antética da condição de humanos direitos pelas elites será a exigência primeira-política, ética, mais radical nas tensas tentativas de afirmar um Estado de direitos e que haja lugar para os outros reconhecíveis como humanos. Reconstruir o Estado de direitos humanos exige um esforço crítico de ressignificação de nossa história política do nosso paradigma dual, abissal, sacrificial do nós síntese do humano único e os outros, as diferenças síntese de não humano, não passíveis de serem reconhecidos humanos. Um passado tão persistente no presente tão anunciante do nosso futuro político-pedagógico?
Lutar por um Estado de direitos humanos no presente e no futuro exige não esquecer o peso do passado, de um passado que não passou de apropriação pelas elites do Estado de direitos e até de apropriação da condição de sujeitos únicos de direitos humanos, porque autodecretados humanos únicos. Estamos em tempos políticos-éticos de destruição desse histórico apropriar-se pelas elites da condição de humanos? Tempos de ampliar o Estado fechado, seletivo sacrificial dos outros como humanos, como sujeitos de direitos humanos?
O caminho político mais fecundo não será apenas reconhecer os outros coletivos decretados em nossa história à margem do Estado de direitos porque à margem da condição de humanos, mas sim reconhecê-los afirmando-se na diversidade de movimentos sociais sujeitos humanos: reconhecer os outros na diversidade de movimentos resistentes afirmativos de sua outra humanidade, sujeitos políticos da reinvenção de outro Estado não seletivo de direitos humanos? Dos outros na pluralidade de movimentos sociais vem não tanto a exigência de reinventar o velho Estado seletivo de direitos apropriado pelo nós autodecretados humanos direitos únicos. Dos outros segregados do Estado de direitos humanos vêm as re-existências afirmativas de sua outra humanidade na história, de outra história política e de outro Estado de direitos humanos. Outros (Arroyo 2023).
Que Estado de mercado, do capital reimposto?
Acompanha-nos a hipótese de que os tempos de pandemia virótico-política expressaram que, em nossa história, os direitos humanos, o direito à educação, à cultura, à formação humana foram tempos de disputas até de desmontes de tornar inviável a montagem de um Estado até seletivo de direitos humanos. Nossa história desde a colonização no Império e na República foi de tensas disputas de reconhecer, não reconhecer os outros na condição de humanos e de apropriação da condição de humanos únicos por parte de nós nos poderes. Uma história de bloquear a afirmação de um Estado até seletivo de direitos humanos. Que Estado foi imposto na gestão dos direitos humanos apropriados pelo nós autodecretados síntese do humano único?
O Estado de mercado, do capital reimposto. O segregar os outros, as diferenças com deficiências originárias de humanidade, impôs a inviabilidade de um Estado de direitos humanos. O sentenciar a condição segregada, dual, abissal de nós humanos únicos e o resto em estado de inumanidade persistiu em nossa história impondo um Estado não de direitos humanos, mas um Estado do capital, do mercado de humanos. Os outros, os coletivos diferentes, indígenas, negros, quilombolas, trabalhadores... decretados não humanos, decretados mercadorias humanas, vendíveis, compráveis, extermináveis pelo Estado de mercado, do capital. Vítimas de vidas ameaçadas, mercantilizadas.
Essa persistência história, reposta em tempos de pandemia virótico-política, expõe a persistência da imposição de um Estado nem seletivo de direitos humanos, mas a persistência de milhões de humanos, de vidas humanas reduzidas a mercadorias em um Estado de mercado, do capital. Expõe a fragilidade, a ausência histórica de um Estado até seletivo de direitos humanos, que reconheça os outros, as diferenças como humanos direitos sujeitos de direitos humanos. Ausência histórica de um Estado que garanta a universalidade dos direitos à educação, à cultura, à formação humana negando aos outros os direitos humanos mais humanos: à terra, ao teto, ao trabalho, à renda, à comida, à saúde, à vida humana. A mercantilização dos direitos humanos, das condições sociais, materiais e vida humana tem sido em nossa história formas políticas, estruturais de imposição do Estado do capital, de mercado, de negação histórica do direito às matrizes de afirmação-formação humana.
A imposição de um Estado de mercado e do capital mercantilizou, nos contravalores do capital, todos os direitos humanos mais humanos. Mercantilizou os outros como mercadorias humanas. Mercantilizou os direitos mais humanos, mercantilizou até as matrizes mais radicais de formação, deformação humana mercantilizando a terra, os cultivos, as culturas, os saberes, as tradições, as identidades históricas ancestrais, tradicionais, humanas. Mercantilizou até os processos, pedagogias, centros de educação, de cultura, de escolarização, de formação humana.
Os processos de matrizes históricas de humanização, quando mercantilizados, operam como processos, matrizes de desumanizações históricas como nos lembra Paulo Freire. Os poderes, o Estado de direitos humanos humanizantes passa a operar como um Estado desumanizante destruidor das matrizes mais históricas de humanização. Os tempos de pandemia virótico-política deixam expostas essas matrizes históricas de desumanizações, das mesmas vítimas históricas: dos outros, das diferenças desde as infâncias-adolescências outras à vida adulta. Uma desumanização interseccional acumulativa de um Estado de mercado não de direitos humanos.
Uma interpelação política persistente reposta em tempos de pandemia virótico-política a revelar uma constante em nossa história: a imposição de um Estado de mercado, do capital persistindo desde a colonização em decretar os outros na condição de não humanos, de mercadorias humanas não educáveis, não humanizáveis. Inviáveis até para serem incluíveis pela pobre educação igualitária, inclusiva no Estado de direitos humanos mercantilizado, segregador nos poderes, nos contravalores humanos do capital.
A imposição de um Estado de mercantilização dos humanos, exceção ou regra em nossa história?
Uma interrogação posta e reposta na história de nossa cultura, de nossa educação, formação humana: a imposição de um Estado de mercantilização dos outros como humanos tem sido exceção ou regra em nossa história cultural, política, educativa? As tradições democráticas, igualitárias, o não reconhecer-segregar os outros como humanos têm sido exceção ou regra em nossa história cultural, política? O Estado de mercantilização dos outros como humanos, exceção ou regra em nossa história? Interpelações radicais constantes no pesquisar, narrar, interpretar a história de nossa cultura, de nossa educação inseparável da história de imposição da mercantilização dos outros como inumanos.
Os tempos de pandemia virótico-política expõem a fragilidade com que nossas tradições democráticas foram desmontadas e a facilidade, naturalidade com que o Estado de mercantilização dos outros como humanos foi imposto. Os históricos desafios e tensões por um Estado democrático de direitos humanos repostos como uma constante em nossa história. Da história de nossa educação, escolarização, formação humana se exige não ocultar, mas expor esses desafios e tensões tão persistentes de uma história de destruição do nosso frágil Estado até seletivo de direitos humanos e de imposição de um Estado de mercantilização dos outros como não humanos direitos, não sujeitos de direitos humanos, não sujeitos do direito humano à educação, à escolarização, à cultura, à formação humana.
As persistentes tentativas de BNCC, PNE, Diretrizes não conseguiram se consolidar como direitos políticos estáveis populares à educação, à escolarização, à cultura, à formação humana igualitária nem inclusiva. Não enraizaram no Estado frágil de direitos humanos desmontado pelo Estado de mercado do capital imposto pelos poderes como Estado único, hegemônico. Uma lição posta e reposta em nossa história política: o direito democrático, igualitário inclusivo de todos à educação, à cultura, à formação humana sempre esteve atrelado, condicionado pela tensa, instável montagem, construção, desmonte, desconstrução de nosso frágil Estado até seletivo de direitos humanos.
Um Estado que desde o grito colonial, “terra à vista”, sempre teve donos, impondo um Estado de mercantilização dos outros como humanos; quando se mercantiliza, se persisti em mercantilizar a condição dos outros como humanos fica inviável um Estado de direitos humanos. O democratizar o direito à educação, à cultura, à formação humana sempre condicionado a democratizar o Estado de direitos humanos. Sempre condicionado a desmontar a histórica imposição de um Estado do capital do mercado que persiste em hierarquizar os outros como não humanos, como mercadorias não como sujeitos de direitos humanos.
A persistente mercantilização dos outros como não humanos, como mercadorias humanas sem valor humano não persiste em ser a imposição política mais estruturante da negação do seu direito humano à educação, à cultura, à escolarização, à formação humana? Um aprendizado histórico: não haverá como avançar na garantia do direito dos outros, das diferenças à educação, à cultura, à formação humana sem avançar no desmonte do Estado do mercado, do capital, sem desmontar a mercantilização dos outros como humanos.
Que interpelações políticas radicais para avançar, abrir espaços de possibilidades de garantir o direito dos outros, das diferenças à educação, à cultura, à formação humana? Que possibilidades de avançar na construção política, ética, pedagógica de um Estado de direitos humanos como regra não como exceção? Possibilidades tensas que vêm dos outros, das diferenças por afirmar-se humanos sujeitos de direitos humanos, por ocupar o Estado de direitos humanos. Por lutar pelas matrizes mais radicais de sua formação humanização: lutar por condições sociais, materiais de vida humana (Arroyo 2023).
Tempos de desmonte das tradições democráticas: Imposição das tradições autoritárias do mercado
Os tempos de pandemia virótica-política deixaram expostas, reafirmadas as contradições entre democracias políticas igualitárias de direitos e interesses políticos, econômicos autoritários do mercado. Vivenciamos a velha histórica interrogação: a história da garantia do direito à educação pública persistindo atrelada não a nossas fracas tradições democráticas, mas às nossas tradições mercantis, autoritárias, antidemocráticas, anti-igualitárias. Interrogantes que nos vêm colocando a nossa democracia desde sempre radicalizados nesses tempos com radicais urgências político-gestoras de um Estado de mercado, do capital.
As análises políticas dos tempos de pandemia e pós-pandemia insistem em destacar que foram tempos em que as tradições antidemocráticas foram retomadas, reafirmadas como políticas de Estado. Destacam que reconstruir o Estado de direitos exige não esquecer, mas dar centralidade a entender que direitos foram desmontados com o desmonte do Estado de direitos e que velhas-novas tradições autoritárias foram retomadas, impostas e teimarão em persistir com a imposição de um Estado de mercado. Estudos que enfatizam que a reconstrução da gestão de um Estado democrático de direitos exigirá atenção central para a radicalidade gestora da destruição do Estado de direitos e a imposição de um Estado de exceção.
As tentativas de reconstruir o direito a ter direitos, o direito à educação exigem dar centralidade à radicalidade histórica reposta de impor como regra manter os direitos dos outros um Estado de exceção. As tradições autoritárias retomadas com extrema radicalidade pelo desmonte do Estado de direitos sempre fraco em nossa história exigirão dar maior centralidade a essa velha tradição antidemocrática, anti-igualitária: que radicalidades antidemocráticas foram retomadas, legitimadas como políticas de Estado? Sem aprofundar nessas radicalidades políticas, sociais, econômicas antidemocráticas, anti-igualitárias não haverá como pensar, construir políticas afirmativas democráticas na educação. Resultará ingênuo reafirmar os velhos sonhos de igualdade social, política, econômica por políticas de escolarização inclusiva, igualitária, cívica e até militar.
Sempre que a gestão do Estado se radicaliza e sobretudo se afirma como uma gestão de Estado de exceção, de negação dos direitos humanos, econômicos, sociais, políticos, culturais, a gestão da educação é obrigada a se repensar dando toda centralidade à totalidade de direitos humanos desmontados. Dar centralidade na gestão do direito à educação de aprofundar na compreensão de que direitos humanos foram e persistem em ser negados, destruídos pela persistência do Estado de exceção, de mercado. As propostas de recuperação do direito à educação vêm priorizando o direito à recuperação de tempo e dos processos de escolarização de letramento na idade certa de recuperação das aprendizagens, percursos escolares.
Dar centralidade ao direito à educação exige muito mais: dar toda centralidade às consequências persistentes do Estado de exceção, de negação de direitos educativos, escolares, mas também dar toda centralidade à mercantilização, negação dos direitos econômicos, sociais, políticos, culturais, humanos pré-condição do direito a um ser viver humano.
Resistências à destruição, mercantilização das matrizes de afirmação de formação humana
A mercantilização dos outros como mercadorias humanas impôs a mercantilização das matrizes da formação, afirmação humana: lutas por terra, teto, saúde, cultura, trabalho, lutas por vida humana. Matrizes históricas de humanização. A negação das condições sociais, materiais de vida humana impõe a desumanização como formação humana plena. Não é esse o impasse na gestão da educação nesses tempos de pós-pandemia virótico-política? Nos tempos de imposição de um Estado de mercado, de capital?
Os tempos de pandemia virótica-política desmontando o Estado de direitos desmontaram as condições sociais, materiais de vida humana, das possibilidades de humanização dos outros, dos oprimidos da nossa história e os condenaram a cruéis condições materiais, sociais de desumanização. Como recuperar humanidades roubadas na expressão radical de Paulo Freire? Não é essa a função obrigatória para a garantia do direito à educação? Como reconhecer essas radicais desumanizações repostas com tanta crueldade pelos desmontes do Estado de direitos e pela imposição de um Estado de exceção, de mercado do capital?
Aprender com Paulo Freire a dar toda centralidade às desumanizações, ao roubar humanidades, ao submeter os outros, as diferenças à precarização, negação de condições sociais, materiais de vida, de um justo humano viver. Milhões de crianças e adultos carregam para as escolas, da educação infantil à EJA e educação superior, essas humanidades roubadas pela negação das condições sociais, materiais de viver como humanos. Que educação dará centralidade a essas cruéis velhas e novas desumanizações? Com que artes e novas pedagogias entender, tratar, recuperar educandas, educandos que se sabem roubados em suas humanidades por cruéis desumanizações sociais, econômicas, políticas? Que formação de educadoras, educadores, docentes, gestores para entender, dar conta dessas radicais exigências gestoras dessa educação recuperadora de humanidades roubadas?
Diante da radicalização social, política, econômica das desumanizações pelo Estado de exceção, a educação é obrigada a se radicalizar para muito além da escolarização igualitária, inclusiva. A educação dos milhões de educandas, educandos vítimas de velhas-novas desumanizações terá de ser outra. Outra gestão radicalizada do direito a um viver humano, negado. Dar centralidade à gestão do direito primeiro de serem reconhecidos humanos, humanizáveis, educáveis (Arroyo, 2015). Se a destruição do Estado de direitos humanos tem deixado expostas as desumanizações, o roubar das humanidades dos milhões de oprimidos, a gestão da educação é instada a priorizar o direito à formação humana, ao viver como humanos, as condições sociais, materiais de um justo viver humano.
Radicalizar a gestão de uma educação que recupere a função história mais radical da educação na diversidade de humanismos pedagógicos: como acompanhar, fortalecer processos, percursos de humanização? Que radical centralidade adquire essa função histórica da educação, da pedagogia: acompanhar, fortalecer processos de humanização de humanos desumanizados, roubados de suas humanidades desde as infâncias pela destruição do Estado de direitos humanos e imposição de um Estado de negação das condições sociais, materiais, básicas de um viver humano? A nova gestão da educação é obrigada a focar com toda radicalidade no recuperar humanidades roubadas no entender de educandas, educandos submetidos a cruéis processos, estruturas sociais, econômicas, políticas desumanizantes.
Que currículos, que BNCC, que saberes, valores ajudarão educandas, educandos a saberem-se, a entenderem-se nesses processos cruéis de desumanizações históricas repostas pelo Estado de exceção? Serem alfabetizados na idade certa da infância ou na idade incerta da EJA é muito pouco para uma gestão da educação que se propunha a recuperar humanidades roubadas. Prometer escola de tempo integral, de ensino integral exigirá muito mais do direito a uma educação de humanos integralmente desumanizados, roubados integralmente de suas humanidades, roubados das condições sociais, materiais de um humano ser, viver como humanos. Conectar todas as escolas, todos os educandos e todos os educadores à internet será muito pouco.
Outros desafios mais radicais se exigem em tempos de reconstrução do Estado de direitos humanos desmontado de maneira tão cruel roubando a humanidade de milhões de infâncias a adultos que lutam por direito à educação atrelado a suas lutas por vida humana. Em tempos de reconstrução do Estado de direitos se exige muito mais da gestão do direito à educação. Direito à escolarização, mas com funções radicalizadas: garantir o direito à humanização negada, direito a saber-se roubados de suas humanidades. Direito a políticas de recuperação de condições sociais, materiais de vida humana. Reconhecer, fortalecer as lutas, resistências das vítimas à destruição das matrizes de afirmação, formação humana como resistências por recuperar sua humanidade roubada, por reafirmá-la.
Resistir a decretados como mercadorias em estado de natureza. Afirmar-se humanos
A destruição das matrizes de afirmação-formação humana foi legitimada em nossa história no decretar os outros com deficiências de humanidade, de moralidade, de vivencias humanas. O desmonte do Estado de direitos humanos não é uma novidade em nossa história e foi legitimado no decretar os outros como mercadorias em estado de natureza e não de humanidade. Os estudos decoloniais (Quijano, 2009; Santos & Menezes, 2009) vêm destacando como nosso Estado Colonial, Imperial, até Republicano se legitimaram como não Estado de direitos humanos no decretar os outros, as diferenças no estado de natureza, não de cultura, não de racionalidade, não de moralidade, não de humanidade, porque decretados com deficiências originárias de humanidade não passíveis de serem reconhecidos humanos sujeitos de direitos humanos, não passíveis de serem membros de um Estado de direitos humanos. O paradigma seletivo dual, abissal, sacrifical de humano com que persistem em decretar os outros à margem da condição política de humanos marca o Estado seletivo de direitos humanos como inviável em nossa história e impõe um Estado de exceção, de mercado.
As forças econômicas, sociais, políticas que destroem o Estado de direitos se apropriam do direito a ter direitos e radicalizam as históricas segregações, desumanizações que em nossa história decretaram os outros inviáveis como humanos. Em nossa história o número dos reconhecíveis como humanos sempre foi seletivo, limitado e o número dos decretados, segregados como inumanos sempre foi ilimitado. A gestão do direito à educação sempre se debateu com os limites impostos à construção de um Estado de direitos e de direito à educação-humanização nessa tradição política, social, econômica, cultural seletiva, limitada e limitadora da apropriação da condição de humanos, pelo nós nos poderes. Um Estado seletivo de humanos.
A garantia da educação como direito humano não seletivo exige desconstruir até o Estado seletivo, segregador de direitos que acompanha nossa história até democrática. Não avançaremos na gestão democrática, igualitária da educação como garantia do direito à afirmação-formação humana sem desconstruir até o Estado seletivo de direitos humanos tão persistente em nossa história política, social, econômica, cultural. Da gestão da educação como direito humano se exige não apenas resistir ao Estado de mercado que decreta e trata os outros como mercadorias, sem valor no mercado de trabalho, de renda, de alimentação, de saúde, de vida.
Da defesa da educação como direito humano, direito ao reconhecimento, afirmação, formação humana se exige desconstruir o Estado seletivo de direitos humanos que em nossa história segregou e persiste em segregar os outros, as diferenças como não humanos, logo como não reconhecíveis no núcleo fechado, seletivo dos poucos humanos. Reconstruir o Estado de direitos exige desmontar mais do que o Estado de mercado, se exige desmontar o velho e o novo Estado seletivo de direitos humanos, tão inumano, desumano, persistente na nossa história política, social, econômica, cultural e até educacional.
Se exige repolitizar a defesa do Estado de direitos, repolitizar as políticas educativas de direito à educação, afirmação, formação humana. De que humanos segregados não reconhecíveis como humanos? As resistências dos outros vêm destacando afirmar-se humanos, recuperar sua humanidade roubada que, no dizer de Paulo Freire (1987, p. 41), “é uma forma de recriá-la . . . . Aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos recuperar sua humanidade negada, roubada. Recriá-la”.
Uma exigência de gestão radical do direito a outra educação: reconhecer o Estado de direitos desconstruindo a imposição de um Estado seletivo de direitos. O não reconhecimento dos outros como humanos plenos não tem legitimado até o direito à educação para incluí-los na condição de humanidade de que carecem? Exigências de outra gestão do direito à educação, exigências radicais de outro Estado de direitos humanos que reconheça os outros viáveis como humanos (Arroyo, 2015). Superar a gestão do direito humano à educação que persiste em dúvidas de que os outros não são inclusíveis na condição de humanos se não humanizados, educados, se, pela educação escolar, não saírem da condição originária de irracionalidade, imoralidade, inumanidade.
Os termos tão persistentes na gestão da educação: educação inclusiva, igualitária, educar em valores, em saberes de que carecem... repõem a velha visão colonial dos outros carentes de racionalidade, de moralidade, de humanidade, ainda em estado de natureza, não de cultura, não de valores, não de racionalidade, não de moralidade, não de humanidade. Uma visão persistente que se reproduz desde a empreitada educativa colonial, imperial, até republicana: gestão da educação humanizadora dos decretados pelo nós autodecretados síntese de paradigma único de humano decretando os outros, as diferenças em estado de deficiências originárias de humanidade.
De uma gestão de educação resistente se exige somar com os oprimidos na pluralidade de resistências a persistir decretados em estado de inumanidade, resistindo a um Estado de direitos humanos que os promete a inclusão, o reconhecimento da igualdade humana se educados, humanizados, moralizados, racionalizados em percursos regulares, não truncados de escolarização. Da gestão da educação se exige uma crítica radical à visão dos outros tão negativa que persiste no Estado de direitos humanos seletivo, segregador e nas políticas de educação. Ouvir e reconhecer os gestos de re-existências afirmativas a vivenciarem-se decretados como mercadorias, reafirmando-se humanos, reafirmando sua outra humanidade, sua outra história (Arroyo, 2023).