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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.55  São Paulo  2025  Epub 08-Set-2025

https://doi.org/10.1590/1980531411425 

ARTIGOS

UNIVERSIDADE, ESCOLA E COMUNIDADE NA FORMAÇÃO DOCENTE: UM CASO NA AUSTRÁLIA

UNIVERSITY, SCHOOL, AND COMMUNITY IN TEACHER EDUCATION: A CASE IN AUSTRALIA

UNIVERSIDAD, ESCUELA Y COMUNIDAD EN LA FORMACIÓN DOCENTE: UN CASO EN AUSTRALIA

UNIVERSITÉ, ÉCOLE ET COMMUNAUTÉ DANS LA FORMATION ENSEIGNANTE: UNE ÉTUDE DE CAS AUSTRALIENNE

Júlio Emílio Diniz-PereiraI 
http://orcid.org/0000-0002-5401-4788

IUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil; julioemiliodiniz@gmail.com


Resumo

Este artigo baseia-se em pesquisa empírica que, por meio do acompanhamento sistemático de propostas de construção de espaços híbridos de preparação docente na Monash University, Austrália, faz parte de um projeto mais amplo que tem como propósito analisar o papel, se algum, dos saberes comunitários na formação de professores da educação básica. Trata-se de um estudo de casos múltiplos, em que, entre eles, um caso único foi analisado. Os instrumentos de coleta de dados foram a observação descritiva, a análise documental e entrevistas com sujeitos envolvidos na construção dessas experiências. Os resultados encontrados nos ajudaram a compreender desafios e possibilidades para a participação das comunidades na formação de professores da educação básica.

Palavras-Chave: FORMAÇÃO DE PROFESSORES; UNIVERSIDADE; ESCOLA; COMUNIDADE

Abstract

This article is based on empirical research which, through the systematic monitoring of proposals for building hybrid spaces for teacher education at Monash University, Australia, is part of a broader project aimed at analyzing the role, if any, of community knowledge in the education of basic education teachers. This is a multiple case study in which a single case was analyzed. Data collection instruments included descriptive observation, document analysis, and interviews with individuals involved in the development of these experiences. The findings helped us to understand both the challenges and possibilities for community participation in basic education teacher education.

Key words: TEACHER EDUCATION; UNIVERSITY; SCHOOL; COMMUNITY

Resumen

Este artículo se basa en una investigación empírica que, a través del seguimiento sistemático de propuestas de construcción de espacios híbridos de formación docente en la Monash University, Australia, hace parte de un proyecto más amplio que tiene como propósito analizar el papel, si lo hay, de los saberes comunitarios en la formación de profesores de la educación básica. Se trata de un estudio de casos múltiples en el que, entre ellos, se analizó un único caso. Los instrumentos de recolección de datos fueron la observación descriptiva, el análisis documental y las entrevistas a sujetos involucrados en la construcción de esas experiencias. Los resultados encontrados nos ayudaron a comprender los desafíos y posibilidades para la participación de las comunidades en la formación de profesores de la educación básica.

Palabras-clave: FORMACIÓN DOCENTE; UNIVERSIDAD; ESCUELA; COMUNIDAD

Résumé

Cet article est basé sur une recherche empirique qui, à travers l’accompagnement systématique de propositions visant la construction d’espaces hybrides pour la formation enseignante à l’Université Monash, en Australie, fait partie d’un projet plus large dont l’objet est d’analyser si les savoirs communautaires jouent un rôle, et si oui lequel, dans la formation des enseignants de l’éducation de base. Il s’agit d’une étude de cas multiples dont un seul cas est ici analysé. Les outils de collecte des données ont été l’observation descriptive, l’analyse documentaire ainsi que des entretiens avec des personnes engagées dans le processus de construction de ces expériences. Les résultats obtenus ont permis de comprendre les défis et les possibilités de la participation communautaire dans la formation des enseignants de l’éducation de base.

Key words: FORMATION ENSEIGNANTE; UNIVERSITÉ; ÉCOLE; COMMUNAUTÉ

A ideia básica desta pesquisa foi estudar sistematicamente iniciativas de construção de espaços híbridos de formação docente existentes na Monash University, em Melbourne, Austrália, que envolvessem a universidade, escolas e comunidades e, a partir daí, analisar o papel, se algum, dos saberes comunitários na formação de futuras/os professoras/es1 da educação básica.

Infelizmente, em razão da limitação de espaço neste artigo, não tenho como aprofundar teoricamente a discussão sobre os conceitos-chave desta pesquisa. Entre eles, destacam-se aqui apenas os conceitos de “comunidade(s)” e “espaços híbridos de formação de professoras/es”, que serão muito brevemente apresentados nos parágrafos a seguir.

Segundo Chris Shore (1996, pp. 115-116), no Dicionário do pensamento social do século XX, o conceito de comunidade é “um dos . . . mais vagos e evasivos da ciência social”. Esse autor inglês afirma que o termo assume uma diversidade de sentidos e é “usada para descrever unidades sociais que variam de aldeias, conjuntos habitacionais, vizinhanças locais até grupos étnicos, nações e organizações internacionais”. Ele esclarece que a comunidade é entendida como um grupo de pessoas que partilham um “senso comum de interdependência e integração” dentro de uma área geográfica ou de uma instituição. Porém Shore adverte que a simples convivência ou interação de conjuntos de indivíduos dentro de um mesmo espaço não necessariamente faz deles uma comunidade. Nas palavras desse autor, “O que une uma comunidade não é a sua estrutura, mas um estado de espírito - um sentimento de comunidade” (Shore, 1996, como citado em Souza, 2005, p. 77).

Por sua vez, os espaços híbridos de formação docente são o ponto de intersecção da prática escolar com a teoria acadêmica e os saberes comunitários. Eles articulam os conhecimentos práticos e comunitários aos acadêmicos de modo menos hierárquico, tendo em vista a criação de novas oportunidades de aprendizagem para professoras/es em formação (Zeichner, 2010, 2013; Zeichner & Melnick, 1996; Zeichner et al., 2014).

Freire (2013, p. 16), ao discutir, em seu livro Extensão ou comunicação?, o que chamou de equívoco gnosiológico do termo extensão, defendeu uma relação dialógica e horizontalizada entre as/os educadoras/es (extensionistas) e as comunidades. Nas palavras dele:

. . . educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem - por isso sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais - em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando o seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais.

Para a pesquisa em questão, considero “comunidade” (ou “comunidades”) aqueles conjuntos de pessoas que vivem no entorno das escolas em que seus filhos estão matriculados (ou que elas mesmas as frequentam) - “que pensam que nada sabem” (sobre educação e formação docente) - e em que as/os professoras/es em formação desenvolvem seus estágios supervisionados e outras atividades orientadas tanto pelas/pelos docentes das universidades quanto das instituições escolares - estas/estes últimas/os são, então, aquelas/es que, na perspectiva da prática da liberdade freiriana, “sabem que pouco sabem - por isso sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais” (Freire, 2013, p. 16) (sobre educação e formação docente).

Após o levantamento das iniciativas de construção de espaços híbridos de formação docente existentes na Monash University,2 defini, por meio das sugestões das/dos colegas dessa universidade, uma única experiência para ser analisada mais detalhadamente: o Bass Coast TAPP Program.

Por fim, como mais bem detalhado em artigo publicado recentemente (Diniz-Pereira, 2024), é importante esclarecer que a formação de docentes da educação básica na Austrália acontece por meio da realização de um programa de formação inicial de professoras/es (Initial teacher education [ITE] program) oferecido por aquilo que eles chamam de “provedores” - as universidades e demais instituições de ensino superior.3 O ITE program pode ser um curso de licenciatura em Pedagogia (o que eles denominam Bachelor of Education - BEd), em nível de graduação e de quatro anos de duração, ou um curso de mestrado em Docência (Master of Teaching - The MTeach Program), em nível de pós-graduação e de duração de dois anos. O estágio supervisionado inicia-se a partir do segundo semestre e é desenvolvido ao longo de todo o curso.

Metodologia de pesquisa

Em termos metodológicos, por se tratar de uma análise de experiências específicas de formação, pois essas acontecem em contextos exclusivos, a pesquisa em questão, de natureza qualitativa, caracteriza-se como um estudo de casos múltiplos (Stake, 1995; Yin, 2005). Stake (1995) considera como um estudo de caso único um objeto de investigação que tenha uma especificidade ou singularidade tal que não haja outras situações iguais. Uma variante dele é o estudo de casos múltiplos, que, em geral, proporciona novas questões e oferece evidências mais rigorosas (Yin, 2005). A reunião de dois ou mais estudos de casos únicos, vinculados por lógicas metodológicas comuns, em que é possível a comparação entre eles e o cruzamento de dados, caracteriza, então, o estudo de casos múltiplos (Stake, 1995; Yin, 2005).

Desse modo, realizei uma observação descritiva (Flick, 2009) da construção e do funcionamento desse espaço híbrido de formação de professoras/es. Segundo Flick (2009, p. 205), a observação descritiva de determinada situação ou evento social pode permitir ao pesquisador descobrir como funciona efetivamente algo e, quando associada a outras fontes de dados, “intensifica a expressividade dos dados assim reunidos”. Essas observações foram registradas em um caderno de campo. Como “outras fontes de dados”, sempre que possível, consultei documentos e informações disponíveis na página eletrônica da Universidade e outras fontes. Entrevistas com sujeitos envolvidos na construção desse espaço híbrido de formação - a coordenadora do programa, professoras/es em formação da Universidade e professoras/es supervisoras/es da educação básica das escolas parceiras -, principalmente por meio de grupos focais, foram mais uma dessas “outras fontes de dados” que me auxiliaram a entender a organização e o funcionamento da experiên- cia em questão.

Resultados

A primeira visita ao Bass Coast TAPP Program

No dia 21 de novembro de 2022, tive um encontro presencial com a professora Elizabeth Tudball (associate professor), coordenadora do Bass Coast TAPP Program. No currículo dessa colega está escrito que ela tem interesse, entre outras coisas, em um “ensino que leve a um maior engajamento comunitário”. Libby é uma professora que leciona há mais de trinta anos na Monash University e, nesse encontro, ela me passou algumas informações gerais sobre o Bass Coast TAPP Program e deixamos agendada uma visita ao programa em fevereiro de 2023.

No dia 8 de fevereiro de 2023, fiz minha primeira visita in loco ao Bass Coast TAPP Program em companhia da professora. Eu aproveitei a viagem de aproximadamente uma hora e meia para entrevistar a coordenadora do programa e obter mais informações sobre ele.

Esse programa, criado em 2017, é financiado pelo governo do estado de Victoria e, por meio de parcerias escola-universidade, ele procura melhorar a formação acadêmico-profissional4 de professoras/es (ITE) desse estado. A iniciativa oferece experiências de imersão para professoras/es em formação (pre-service teachers - PSTs), testa modelos inovadores de formação acadêmico-profissional de docentes e fortalece a relação entre teoria, pesquisa e prática. Atualmente, 75 estudantes do segundo, terceiro e quarto anos dos cursos de licenciatura e do segundo ano do curso de mestrado em Docência da Monash University estão matriculados no programa. Os discentes moram em Bass Coast durante três semanas - uma região litorânea no estado de Victoria, com distância de aproximadamente 150 quilômetros de Melbourne - para a realização do estágio. Para tal, foram estabelecidas parcerias com 22 escolas nas comunidades rurais da região. Durante a realização dos estágios, os estudantes da Universidade conduzem pesquisas (normalmente, pesquisa-ação ou estudos de caso) ou desenvolvem investigações em colaboração com as/os professoras/es supervisoras/es. As/os professoras/es em formação devem escrever um diário com registros e reflexões sobre as experiências vividas durante o estágio. Ao longo da realização do estágio, existem diferentes “níveis de desenvolvimento”, e as responsabilidades que os estagiários assumem aumentam com o passar do tempo. Libby destacou o papel das/dos funcionárias/os da Universidade que apoiam esse programa e dão todo tipo de suporte para os estagiários que dele participam. Quando perguntada sobre o envolvimento das comunidades, ela disse que existe a intenção de que as/os professoras/es em formação se relacionem também com os pais e responsáveis dos alunos das escolas parceiras. Segundo a professora Libby Tudball, a Monash University tem uma longa tradição no estabelecimento de parcerias com comunidades “diversas” - comunidades rurais, remotas, indígenas e de refugiados. Ela afirma, usando evidências de pesquisas desenvolvidas anteriormente, que estar em contato com comunidades remotas, longe de casa, e vivenciar experiências desafiadoras podem levar a um crescimento profissional. Segundo ela, construir relações com lideranças escolares (diretoras/es), professoras/es supervisoras/es e as/os organizadoras/es de estágio (organisers of teaching practice - OTPs) é algo extremamente importante nessa iniciativa. O planejamento coletivo, as aulas dadas conjuntamente por mais de um estagiário e a colaboração e solidariedade que se estabelecem entre eles são, de acordo com a professora Tudball, diferenciais desse programa. Ela destacou ainda a importância de compartilhar experiências e reflexões sobre essas vivências entre os participantes da ação, bem como o apoio recebido entre os pares (eles se ajudam mutuamente) e o suporte vindo das/dos professoras/es supervisoras/es.

Libby também coordena um projeto de pesquisa com o Bass Coast TAPP Program. Em termos de metodologia, ela usa aquilo que denomina “modelo de métodos variados”: questionários com escalas de autoeficiência aplicados antes e depois da realização dos estágios; discussões em grupos focais; entrevistas, etc.

Durante a minha visita ao programa, no dia 8 de fevereiro de 2023, participei de um encontro das/dos PSTs com o diretor, o vice-diretor e professoras/es supervisoras/es do Bass Coast College (campus de San Remo) - uma das escolas parceiras do programa. A instituição, considerada na Austrália uma escola rural, tem uma estrutura física excelente. O prédio tinha sido inaugurado recentemente. Estavam presentes também a coordenadora geral do programa - a professora Tudball -, e as/os OTPs. Havia aproximadamente 75 PSTs nesse encontro. O tema da reunião, naquele dia, foi o planejamento de aulas. O diretor deu boas-vindas às/aos PSTs e comentou sobre a escassez de professoras/es de matemática e de ciências na região. Ele disse às/aos PSTs que o cuidado é a coisa mais importante na docência. “Quando os meninos percebem que você realmente se preocupa com eles, eles começam a confiar em você”, disse o gestor da escola. O vice-diretor focou no tema do encontro e enfatizou que o planejamento - principalmente o planejamento coletivo -, além de reduzir as diferenças entre as aulas dadas em turmas distintas, por diferentes profissionais da educação, diminuía a carga de trabalho das/dos professoras/es, e isso contribuía, de acordo com ele, para o bem-estar docente. Ele disse às/aos PSTs que elas/eles teriam, naquela escola, a oportunidade de trabalhar em equipe para planejar as aulas, sendo isso, segundo ele, um aspecto importante na construção do currículo da escola. Uma professora supervisora de matemática do 4o ano do ensino fundamental de outra escola parceira, a Leongatha Primary School, também falou rapidamente sobre o tema “planejamento” com as/os PSTs. Ela abordou o planejamento anual, por meio do qual as/os professoras/es (e os alunos, claro!) têm uma visão geral dos cursos, o planejamento semanal e o de cada aula. Ela disse que, na Leongatha, as/os docentes trabalham juntas/os e planejam juntas/os - essas/esses são, segundo ela, quatro professoras/es de matemática que trabalham coletivamente. Depois foi a vez de uma professora supervisora de biologia do ensino médio abordar o tema “planejamento” com as/os PSTs. Ela foi muito enfática ao afirmar: “Nós nunca trabalhamos sozinhas/os!”. Apesar de ressaltar a importância de conhecer os alunos e ajustar as estratégias de ensino de acordo com as características específicas dos estudantes, ela disse que um planejamento voltado para a aprendizagem individual seria impossível! “São cinco turmas com 25 alunos em cada turma”, informou a docente. Ela apresentou um exemplo de um plano de aula de biologia e os desafios que as/os professoras/es enfrentam para ensinar um conteúdo dessa área. As/os PSTs foram, então, divididas/os em pequenos grupos para discutir a importância do compartilhamento do planejamento de aulas. A reunião terminou com o diretor tomando novamente a palavra e aproveitando para dar outras “dicas” para as/os PSTs. “Sejam flexíveis!”, disse o gestor. “O seu compromisso com o ensino e com os meninos são as coisas mais importantes”, completou, enfatizando a necessidade da colaboração entre as/os docentes.

A segunda visita ao Bass Coast TAPP Program

Fui convidado pela professora Libby Tudball para voltar à região de Bass Coast e visitar, entre os dias 20 e 22 de fevereiro de 2023, o programa que ela coordena. Foram três dias intensos de trabalho de campo para a coleta de dados empíricos para a minha pesquisa.

A viagem começou com uma visita à Cowes Primary School, no município de Cowes, em Phillip Island. Nessa escola, tive a oportunidade de participar de um grupo focal com quatro professoras supervisoras que recebiam estudantes do programa da Monash University na condição de estagiários e, logo em seguida, de um outro grupo focal com três PSTs que estagiavam naquela mesma escola - os três eram do sexo masculino.

No início da primeira atividade, Libby esclareceu que as professoras supervisoras responderiam a perguntas sobre as experiências delas ao assumirem esse papel no Bass Coast TAPP Program da Monash University. A primeira pergunta foi a seguinte: “Quais os conhecimentos vocês normalmente compartilham com as/os professoras/es em formação (PSTs)?”. Após um breve silêncio, uma das docentes respondeu: “O processo de tomar decisões em sala de aula, ou seja, o que você faz e porque você faz o que você faz”. Uma outra acrescentou: “A experiência prática de ser uma/um professora/professor em sala de aula. Ou seja, a realidade... Não é possível fazer uma tradução direta das disciplinas da universidade para a realidade que temos aqui”. Uma terceira professora disse que discute muito com os estagiários questões relacionadas ao manejo de sala de aula e ao controle do comportamento dos alunos. A quarta professora participante do grupo focal disse que sempre pergunta aos estagiários as expectativas deles em relação às crianças. Além disso, eles discutem também questões sobre avaliação.

Libby pediu, então, que elas destacassem algo importante que poderia existir naquela experiência de estágio, naquela escola, para as/os professoras/es em formação. Uma professora do segundo ano do ensino fundamental ressaltou a atividade de acolhimento dos alunos que ela fazia no início de cada aula com a turma dela. Uma outra destacou uma atividade que ela fazia com os discentes em que eles tinham que falar ou demonstrar como eles se sentiam naquele dia especificamente. (Tive a impressão de que as professoras não compreenderam a pergunta da Libby). O diretor-assistente - que também participava do grupo focal (eu não estava seguro se ele realmente deveria estar ali) - entrou na conversa e afirmou que existiam muitas conexões com as famílias dos estudantes naquela escola. Uma das professoras completou: (por ser uma cidade muito pequena) “eles [os pais] conhecem você muito antes de você conhecê-los”. E a colega dela acrescentou (também por ser uma cidade muito pequena) que existiam muitos pontos de intersecção entre as vidas delas na escola e fora dela. O que elas viviam fora da escola era uma espécie de continuação do que elas viviam dentro da instituição e vice-versa. O diretor-assistente trouxe, então, uma informação importante sobre o perfil das crianças que frequentavam a Cowes Primary School: mais da metade dos alunos daquela instituição eram “estudantes de alta necessidade” que enfrentavam dificuldades econômicas e, principalmente, questões relacionadas à falta de moradia. Essas questões foram acentuadas durante a pandemia de covid-19 e o isolamento social adotado na Austrália. “Este foi um impacto enorme na autoestima deles”, concordou uma das professoras.

Libby, ao perceber que as professoras supervisoras não responderam à pergunta anterior, insistiu com uma nova questão sobre a aprendizagem dos estagiários. Uma professora, então, respondeu: “Eles aprendem a planejar aulas para turmas reais”. Para ela, compreender a realidade da sala de aula ou como ela realmente funciona é uma das aprendizagens mais importantes que as/os professoras/es em formação tinham por meio daquela experiência.

Não havendo outras respostas, Libby, então, perguntou o que elas pensavam que faltava às/aos professoras/es em formação (quais habilidades elas/eles ainda precisariam aprender). Uma docente respondeu que as/os professoras/es em formação precisavam aprender sobre as especificidades daquela escola. “Elas/Eles precisam aprender sobre a diferença entre estar aqui e ter essa experiência aqui [em uma escola rural] e estagiar em uma escola privada em Melbourne”. Uma outra professora disse que, às vezes, as/os professoras/es em formação não se sentiam à vontade (ou confiantes) para fazer algumas atividades em sala de aula. Libby, então, perguntou: “Elas/Eles dão alguma ideia a vocês [sobre as aulas]?” “Depende do estagiário”, respondeu uma professora.

Libby resolveu mudar de assunto e questionou sobre os desafios da supervisão. Uma professora respondeu: “Eu amo a supervisão, mas, para tudo dar certo, isso nos toma muito tempo”. “Há alguma coisa em particular que vocês fazem com as/os professoras/es em formação [durante a supervisão]?”, indagou Libby. “Nós damos a elas/eles a oportunidade de fazer algumas atividades em sala de aula”, respondeu uma supervisora. “É muito importante dar um retorno a elas/eles depois que assumem alguma atividade em sala ou dão uma aula”, completou a colega.

Libby perguntou sobre a experiência das/dos professoras/es em formação de viver juntas/os em casas alugadas na região. (Eu não estava seguro se as professoras supervisoras eram as pessoas mais indicadas para responder essa pergunta). Uma respondeu: “Apesar de cada estagiário ser único, em termos de vida social, eu acho que eles estão aproveitando bastante” (risos). Outra professora supervisora fez, então, um comentário que não tinha a ver com a questão levantada pela Libby: “São 25, 26 crianças por sala de aula. Elas amam quando há uma/um professora/professor ‘extra’ na turma - principalmente um professor (homem) em uma sala de uma escola primária”. “Como vocês se sentem ou qual o significado de ter aqui uma/um professora/professor em formação de Melbourne?”, questionou Libby. Uma professora, sem responder à pergunta, fez o seguinte comentário: “É muito importante estabelecer uma relação de confiança com as/os professoras/es em formação. Elas/Eles devem pedir ajuda, se for necessário”.

Resolvi, então, também fazer uma pergunta: “O que vocês aprenderam (se é que realmente aprenderam) por meio da relação que vocês estabeleceram com as/os professoras/es em formação?” Uma supervisora respondeu: “Elas/Eles fazem você olhar para a sua própria prática docente e refletir sobre ela. Elas/Eles fazem você pensar sobre o que está fazendo e como poderia fazer melhor. Como eu poderia fazer diferente em uma próxima oportunidade...”. Ao concordar com a colega, outra professora acrescentou: “Normalmente, as/os professoras/es em formação trazem boas... novas ideias para a sala de aula e isso é muito bom”. Uma terceira supervisora respondeu: “Por meio das perguntas que elas/eles nos fazem, por exemplo, ‘Por que você fez isso?’ ou ‘Por que você fez assim?’, você pensa sobre aquilo e assim se torna uma professora melhor”. “Elas/Eles fazem você pensar sobre o seu próprio ensino”, afirmou a última, reforçando as respostas anteriores.

O outro grupo focal foi realizado com três professores em formação (todos homens) que estagiavam na mesma escola primária de Bass Coast (a Cowes Primary School) e que também moravam na mesma casa na região. Dois deles eram alunos do curso de licenciatura em Saúde e Educação Física e o outro fazia o curso de licenciatura em Letras. Essa não foi a primeira experiên- cia deles ao estagiar em uma escola primária. Libby perguntou: “Por que vocês decidiram participar desse programa?”. Um deles (o que fazia o curso de licenciatura em Letras e que, no estágio, acompanhava aulas de japonês) respondeu: “Eu ouvi coisas muito boas [a respeito desse programa] de colegas que tinham participado dele antes”. Outro completou em meio a risadas: “Nós estamos aproveitando bastante [a estada aqui em Bass Coast]. Todos os dias a gente surfa”. “Esta tem sido a minha melhor experiência da minha vida!”, concordou o terceiro, também em meio a risadas e em um clima bastante descontraído.

Eles destacaram algumas diferenças que perceberam entre estagiar em escolas primárias e estagiar em escolas secundárias. “Eu gosto muito desta escola. Eu gosto como as coisas funcionam aqui”, comentou um deles. Os professores em formação ressaltaram a oportunidade de aprender a ensinar por meio da colaboração entre os pares. “É um trabalho em equipe”, explicou o outro. “As crianças parecem mais relaxadas aqui”, comentou o terceiro estagiário, comparando a experiência atual com experiências que ele havia tido anteriormente.

Os professores em formação não souberam responder se havia algum aluno indígena na escola. Eles disseram que há, no currículo da escola, temas relacionados às culturas aborígenes, mas a maneira como esses temas eram trabalhados, às vezes, parecia um pouco estereotipada. Ao fim da entrevista, quando Libby perguntou sobre o interesse deles em se tornar um professor de uma “escola rural” como aquela, os três responderam que “sim” (“Yeah!”). Ao perguntar sobre o que a Universidade poderia fazer para melhorar a experiência do estágio deles, a resposta foi surpreendente: “Cada um de nós deveria ter uma cópia da chave da casa onde moramos”, respondeu um deles recebendo a concordância dos outros dois. Não houve uma demanda acadêmica por parte dos estagiários.

No dia seguinte, 21 de fevereiro de 2023, uma terça-feira, participei de outros dois grupos focais: um com professoras/es supervisoras/es - três mulheres e um homem - de outra escola pública da região, a Foster Primary School; e outro com dois professores em formação (um ho- mem e uma mulher; ambos eram brancos).

No grupo focal com professoras/es supervisoras/es, Libby perguntou primeiro sobre a decisão delas (e dele) de participar do Bass Coast TAPP Program da Monash University. Todos destacaram o papel do diretor em anunciar a oportunidade que as/os professoras/es da escola teriam de participar da ação. O professor supervisor disse que aquela tinha sido a primeira vez que ele recebeu um estagiário na sala de aula dele e que a experiência foi muito melhor do que ele havia imaginado. Elas destacaram que as/os PSTs tinham muita iniciativa e que, em geral, desenvolviam uma relação muito boa com as crianças. Uma professora supervisora afirmou: “Elas/Eles são muito proativas/os”. Uma outra lembrou que um estagiário estava muito preocupado em memorizar os nomes das crianças o mais rapidamente possível e isso chamou bastante a atenção dela. Sem discordar das colegas, o professor supervisor percebeu nos estagiários um equilíbrio entre tomar iniciativas e demandar ajuda. Ao serem perguntadas sobre o trabalho de supervisão, uma docente destacou a “flexibilidade” como uma palavra-chave. Os demais concordaram com ela.

Libby perguntou sobre as mudanças no perfil demográfico dos alunos. O professor supervisor disse não perceber essas alterações. Uma colega dele disse que notou mudanças nas crianças em termos de “habilidades sociais”, mas que aquilo certamente ainda era reflexo do período pandêmico. “Agora que eles estão de volta à escola, você percebe o crescimento deles”, completou a professora. A coordenadora do Bass Coast TAPP Program insistiu em saber sobre a condição socioeconômica dos alunos e como problemas sociais, por exemplo, o desemprego, têm afetado as crianças e as famílias dos estudantes. As professoras supervisoras (e o professor supervisor) destacaram o papel de uma pessoa na escola, o “coordenador de bem-estar”, que oferece apoio aos alunos e às famílias quando algum problema é percebido. Em caso de violência doméstica, por exemplo, a situação é encaminhada para uma instituição equivalente ao Conselho Tutelar no Brasil (que, no estado de Victoria, é chamado de The Orange Door). As professoras supervisoras (e o professor supervisor) mencionaram ainda, neste momento, a existência de alguns poucos alunos com necessidades educacionais especiais (autismo, TDHA...) e disseram haver apenas um estudante indígena na escola. (Chamou a minha atenção o fato de as professoras supervisoras - e o professor supervisor - terem citado os alunos com necessidades educacionais especiais e o estudante indígena em uma pergunta sobre “problemas sociais”).

A professora Tudball quis saber sobre a visão das professoras supervisoras (e do professor supervisor) sobre a Foster Primary School como “uma comunidade”, e aproveitei para perguntar sobre o envolvimento da comunidade na escola. Elas (e ele) destacaram alguns eventos organizados pela escola em que os pais dos alunos são convidados: um churrasco para os pais e amigos dos estudantes; eventos esportivos (por exemplo, o Swimming Day); e outro evento chamado de Breakfast Club. Libby perguntou mais especificamente se as/os professoras/es em formação também se relacionaram com os pais dos alunos naquele período em que elas/eles permaneceram na escola. As professoras supervisoras (e o professor supervisor) responderam: “Na realidade, não. Acho que seria necessário mais tempo para isso acontecer”, uma delas sugeriu.

Libby indagou sobre as habilidades das/dos professoras/es em formação desenvolvidas por meio daquela experiência. Uma professora supervisora destacou a relação delas/deles com as crianças. O professor supervisor ponderou: “Talvez, elas/eles precisem melhorar um pouco mais nesse aspecto”. Porém, todas/os concordaram que, de uma maneira geral, esta é uma experiência muito rica para as/os professoras/es em formação.

Finalmente, a coordenadora do Bass Coast TAPP Program perguntou como a Monash University poderia apoiar melhor o trabalho de supervisão desenvolvido naquela escola. O professor supervisor sugeriu que a Universidade deveria deixar claro quantas aulas as/os professoras/es em formação precisam dar ao longo do estágio. Libby disse que os estagiários receberam essa informação e que eles deveriam saber sobre isso. O professor supervisor sugeriu ainda mais tempo para a realização do estágio: “Talvez quatro semanas...”. Libby afirmou que, além das questões orçamentárias que dificultariam o prolongamento desse tempo, há pesquisas que mostram que três semanas é um tempo considerado ideal para o desenvolvimento dessa atividade. (Ela não citou as fontes e não disse que pesquisas eram aquelas).

No grupo focal com uma professora e um professor em formação, fomos informados que ela está no segundo ano do curso de mestrado em Docência e que já estagiou em escolas primárias anteriormente, e ele está no terceiro ano do curso de licenciatura em Pedagogia. Libby iniciou a entrevista perguntando aos dois o porquê da escolha de realizar o estágio em uma escola rural de Bass Coast. Ela respondeu que tem planos de se mudar para aquela região - morar e trabalhar ali. Ele, por sua vez, ouviu de um colega que aquela seria uma ótima experiência e resolveu se matricular no programa. A professora Tudball indagou, então, se as expectativas tinham sido atingidas. Ela respondeu que o fato de estar ali e experienciar todo o ambiente daquele lugar reforçou o desejo dela de se mudar para Bass Coast. Ele destacou a organização da escola e o trabalho que ela realizava. “Eu gostei”, exclamou ele.

Libby perguntou, então, o que a escola fazia de diferente. O professor em formação disse que se surpreendeu com o fato de as crianças cozinharem o alimento que é produzido na própria escola - e que os pais dos alunos se envolviam diretamente na produção desses alimentos. Além disso, a escola tem uma barraca de frutas e verduras na feira de produtores que acontece na cidade todos os terceiros sábados do mês. Os alunos colhem os alimentos a serem vendidos na feira na mesma semana que ela acontece. O dinheiro arrecadado ajuda a financiar a atividade que é chamada, na escola, de Kitchen Garden Farmers Market Stall.5 A professora em formação disse que conseguiu conversar mais e melhor com as crianças naquela escola do que nas experiências que ela teve anteriormente. Ela também destacou que a professora supervisora usou métodos diferentes para alfabetizar as crianças e para ensinar matemática para os alunos e aquilo a entusiasmou bastante. Ao ouvir o comentário da colega, o professor em formação acrescentou, então, que acompanhou turmas do quarto e do quinto ano do ensino fundamental e observou os estudantes sempre trabalhando em grupos, utilizando computadores e laptops, e aquilo também o agradou muito. Ele afirmou que teve mais oportunidades de planejar e dar aulas naquela escola do que em experiências anteriores, mas ele atribuiu isso ao professor supervisor. “Depende do professor supervisor”, ele disse. A professora e o professor em formação reiteraram que esta foi uma aprendizagem bastante intensa - ela e ele aprenderam muito em um período curto (ou seja, em apenas três semanas). “Eles nos tratam aqui como professores e isso faz uma diferença enorme”, ela ressaltou. O fato de morarem na mesma casa “torna a experiência do estágio muito mais fácil”, ele acrescentou. Ao dividirem o mesmo espaço, ela e ele compartilham experiências com os colegas e isso ajuda bastante. Porém, disseram que normalmente não trocavam informações sobre os planos de aula.

À tarde daquele mesmo dia (21 de fevereiro de 2023), estive presente em uma reunião entre o Bass Coast TAPP Program e a Newhaven Primary School, na pequena cidade de Newhaven. Participaram da reunião a diretora e a diretora-assistente dessa escola, o diretor de uma outra escola parceira, uma representante do Departamento de Educação do estado de Victoria - esses dois últimos por meio de videoconferência -, a professora Libby Tudball e duas funcionárias da Monash University que davam apoio aos estagiários do programa. A primeira a falar foi uma das duas funcionárias da Monash University e ela disse que a instituição estava muito satisfeita com aquela experiência - ou seja, elas estavam felizes com a oportunidade de os estagiários dos programas de formação de professoras/es da Universidade desenvolverem seus estágios em escolas rurais da região. “Nós sempre incentivamos os estagiários a trabalharem coletivamente”, enfatizou a funcionária. Em seguida, a diretora-assistente destacou a presença de três estagiários da Monash University na escola este ano e que eles eram muito talentosos - mas “de diferentes maneiras”, ela completou. A diretora-assistente esclareceu que, na primeira semana, eles focavam na acolhida desses estagiários - a eles eram apresentadas as regras e as normas da escola. O diretor que participou da reunião via plataforma Zoom disse que eles receberam dois estagiários da Monash University no ano de 2023 e que eles eram apaixonados (pela docência) e muito comprometidos com as crianças da escola. A outra funcionária da Universidade disse que os estagiários aprendiam muito por meio daquela experiência e que eles aproveitavam bastante a estada deles naquela região. Ela lembrou que os estagiários viajavam juntos para Bass Coast e que, nessas viagens, discutiam questões relacionadas ao estágio, o que era muito positivo para eles. A diretora destacou que eles procuravam envolver os estagiários em um maior número possível de atividades na escola (inclusive, nos conselhos escolares).

Uma das funcionárias disse que, no ano passado, poucos estudantes se inscreveram para participar do programa. A diretora comentou que isso não era normal para escolas da região de Bass Coast. Libby revelou aos participantes da reunião que ela tinha dados de pesquisa para compartilhar com eles. “O Bass Coast TAPP Program é um enorme sucesso para todas as pessoas envolvidas”, disse orgulhosamente a coordenadora do programa. Ela esclareceu que usou uma escala de autoeficiência na pesquisa. “Mais de 75% dos estagiários que participaram do nosso programa afirmaram que tinham o interesse de lecionar em escolas localizadas em áreas rurais [da Austrália]”. As maiores dificuldades que os estudantes encontraram foram “o controle do comportamento dos alunos” e trabalhar questões relacionadas ao “bem-estar” das crianças. Baseada em resultados dos grupos focais com estagiários do programa, Libby afirmou que a maneira como eles são acolhidos nas escolas é algo extremamente importante. “Sentir-se bem-vindo na escola é algo realmente importante”, disse ela. A aprendizagem “entre pares” é um dos diferenciais do programa. A organização de “comunidades de aprendizagem profissional” nas escolas parceiras em que há participação de todas as pessoas envolvidas é outro aspecto a ser destacado. “Nós também obtivemos avaliações muito positivas das/dos professoras/es supervisoras/es que participam do programa”, anunciou com satisfação a coordenadora. “As/Os professoras/es supervisoras/es oferecem aos nossos estagiários muitas oportunidades de aprendizagem”, completou Libby. “Ao viverem essa experiência, nossos estagiários compreendem de maneira muito mais clara o papel profissional que eles devem desempenhar nas escolas.” Para finalizar, a coordenadora do Bass Coast TAPP Program disse que ela tinha muitas outras evidências (sobre o sucesso do programa) para apresentar ao Departamento de Educação do estado de Victoria. A representante do DET respondeu dizendo: “Isso é fantástico!”. “É realmente incrível essa relação entre as escolas da região de Bass Coast e a Monash University.

A funcionária da Universidade também concordou que aquele era um programa maravilhoso, mas advertiu que o maior problema que elas enfrentavam naquele momento era a falta de financiamento para dar continuidade àquela iniciativa. “Nós recebemos recursos financeiros da Universidade, mas ela já anunciou que o dinheiro será drasticamente reduzido para o próximo ano”, lamentou a funcionária. A representante do DET disse que eles estão trabalhando para conseguir o recurso e que estão pressionando o Departamento para que o dinheiro seja liberado para dar continuidade àquela iniciativa. “Eu sinceramente espero que isso aconteça”, disse a representante do DET. Libby voltou a insistir que ela tinha muitas evidências sobre o sucesso do programa. A representante do DET disse que reconhecia a importância daquela experiência e que era fundamental fornecer apoio para que iniciativas como aquela continuassem no estado de Victoria.

Antes de encerrar a reunião, Libby e as duas funcionárias da Monash University perguntaram sobre as demandas das escolas parceiras. “O que a universidade pode fazer como parte dessa parceria?”, perguntou uma delas. A diretora disse, então, que esperava apoio da Universidade para o trabalho com numeramento e com as crianças com necessidades educacionais especiais. Uma próxima reunião foi marcada para o dia 23 de maio de 2023.

No dia seguinte, 22 de fevereiro de 2023, tive a oportunidade de visitar um outro campus do Bass Coast College, na cidade de Wonthaggi: o FLOW Campus. FLO significa flexible learning options (opções de aprendizagem flexível). Segundo a página eletrônica do Departamento de Educação do estado de Victoria, “um FLO é um espaço educacional que dá apoio a estudantes em situação de risco ou que já se desencantaram com a educação”. Diferentemente do prédio do Bass Coast College, em San Remo, as instalações do FLOW Campus eram antigas e malconservadas. Primeiro, participei de um grupo focal com professoras/es supervisoras/es daquela escola (o diretor também estava presente). Depois, estive presente em outro grupo focal apenas com estagiários.

Libby abriu a reunião com as/os professoras/es supervisoras/es (e o diretor) e esclareceu que elas estavam, naquele momento, na segunda fase da pesquisa. Elas esperavam que as/os professoras/es supervisoras/es das escolas parceiras fizessem recomendações para as/os docentes da Universidade (ou seja, às/aos formadoras/es de professoras/es da Monash University). Ela lembrou: “Isto é uma parceria!”. Mas o primeiro a falar foi o diretor da escola e ele se mostrou interessado em receber mais estagiários da Monash University. Ele disse que os estudantes FLO se beneficiavam muito da “ajuda extra” que recebiam dos estagiários. Segundo ele, esses estudantes precisavam de apoio individual. O diretor esclareceu que eles iniciavam o semestre letivo com poucos alunos, mas que o número aumentava bastante ao longo do ano (era muito comum as escolas ditas “regulares” enviarem alunos com desempenho insuficiente para as escolas FLO no decorrer do ano). Uma professora supervisora disse que aqueles estudantes eram alunos com “complicações sociais”. Eles eram bastante “desafiadores” e tinham necessidades educacionais semelhantes. Outra professora supervisora completou: “Eles demandam um trabalho ‘inclusivo’ de alfabetização e numeramento”. Ela disse que a escola recebe apoio de organizações comunitárias. Porém o diretor ponderou que, na verdade, a escola tem assumido responsabilidades que seriam dessas organizações, mas que elas não o fazem. Elas (e ele) estavam se referindo ao The Orange Door - como mencionado anteriormente, uma instituição no estado de Victoria semelhante ao Conselho Tutelar no Brasil.

Uma das funcionárias da Monash University perguntou como elas/eles apresentavam o contexto específico daquela escola para os estagiários. As/os professoras/es supervisoras/es disseram que elas/eles forneciam informações sobre os estudantes desde a primeira semana (desde o início dos estágios na escola). Elas/eles esclareciam para os estagiários que os alunos eram crianças/jovens que enfrentavam uma série de problemas comportamentais e/ou emocionais. O diretor informou que, naquele momento, existiam apenas quatro turmas no FLOW Campus (lembre-se: nós ainda estávamos no início do ano letivo!) e que elas/eles distribuíam os estagiários nessas turmas “de acordo com a personalidade”. O diretor perguntou se a Universidade não poderia enviar para a escola estagiários “mais maduros” - aqueles que, talvez, já estivessem no último ano dos cursos de licenciatura. Iniciou-se, então, uma discussão sobre qual seria o perfil mais adequado de estagiário para lidar com as especificidades daquela escola.

Um professor supervisor disse que havia poucas oportunidades para os estagiários “darem aulas” naquela escola, pois o foco do trabalho estava na aprendizagem individual. Ou seja, o ensino era individualizado. Ele esclareceu que, em uma mesma sala de aula, cada aluno se dedicava a uma atividade diferente. As turmas eram pequenas (principalmente no início do ano letivo) e, em alguns momentos, eles também desenvolviam atividades em pequenos grupos. Esse professor supervisor ressaltou a importância de conquistar a confiança dos alunos e de estabelecer fortes laços de amizade com eles. Aquela era uma escola voltada para a “reintegração” das crianças e dos jovens ao sistema “regular” de ensino. A escola representava “um caminho alternativo” para aqueles estudantes.

Libby, então, fez uma pergunta: “Vocês notaram alguma mudança nos estagiários que realizaram os estágios aqui?”. Uma professora supervisora respondeu que sim, principalmente no relacionamento deles com os estudantes. Ela explicou como o trabalho de supervisão geralmente acontece: os estagiários trabalham individualmente com os alunos sob o acompanhamento “bem de perto” das/dos professoras/es supervisoras/es que discutem com eles as atividades desenvolvidas e, normalmente, sugerem mudanças. Segundo essa docente, os estagiários estavam abertos a discutir as “aulas” deles com as/os supervisoras/es. Ela esclareceu que, no início, os estagiários apenas observavam o trabalho das/dos professoras/es supervisoras/es. “É muito difícil para eles coordenarem atividades logo que chegam à escola. Eles normalmente se sentem muito confusos com os nossos cursos.” Isso porque as aulas não eram “lineares” (ou seja, elas não seguiam um “plano de curso”). Ela dizia para os estagiários: “Aqui há uma oportunidade para você coordenar uma atividade. Se você se sentir confortável para fazer isso, siga em frente!”. Em geral, era somente na terceira e última semana que isso acontecia. Então, na terceira semana, eles geralmente diziam: “Sim! Eu já consigo fazer isso!”. “Porém não há dúvidas de que se trata de uma experiência desafiadora para eles”, completou. “Mas, de novo, é incrível como em apenas três semanas eles constroem uma relação muito mais profunda com os nossos alunos.” “Apesar de normalmente se chocarem com a realidade que eles encontram aqui, os estagiários [lembre-se: eles têm apenas 21, 22 anos!] chegam nesta escola com a ‘mente aberta’ e isso é muito positivo”, concluiu a professora.

Em razão de questões de confidencialidade (alguns problemas que envolviam as crianças e os jovens daquela escola não eram públicos), não havia contato algum entre os estagiários e os pais dos alunos. Isso não era permitido. Mas, ainda assim, as/os professoras/es supervisoras/es enfatizaram que aquela era uma ótima oportunidade de aprendizagem e todas/os concordaram que os estagiários faziam um bom trabalho na escola. As/Os professoras/es supervisoras/es também disseram que não era produtivo ter muitos estagiários em uma sala de aula.

Por fim, Libby perguntou às pessoas presentes o que a Monash University poderia fazer pela escola. O diretor respondeu prontamente: “Os estagiários deveriam permanecer mais tempo na escola. Isto seria o ideal”, insistiu ele. Libby voltou a mencionar a impossibilidade de atender àquela demanda em razão de questões orçamentárias. Então, o diretor sugeriu que os estagiários poderiam receber mais apoio da Universidade. A instituição poderia pensar em diferentes maneiras de apoiar melhor os estagiários. E o gestor voltou a insistir em um ponto que ele já havia tocado antes: “O ideal seria receber estagiários mais maduros...”. Uma das funcionárias da Monash University reagiu à sugestão do diretor: “Nós nos esforçamos para prepará-los melhor”. (Mas, talvez, o diretor estivesse se referindo a um maior envolvimento de docentes da Universidade...). Uma professora supervisora sugeriu, então, que estagiários que realizaram seus estágios naquela escola poderiam compartilhar suas experiências com as/os novas/novos professoras/es em formação que seriam enviadas/os para lá. “Obviamente, antes de elas/eles chegarem aqui”, completou.

Ao aproximar do fim do grupo focal, a outra funcionária da Monash University quis saber se era difícil conseguir professoras/es para trabalhar naquela escola e se era difícil que elas/eles continuassem lá. O diretor respondeu que “sim”. Ele disse que se a escola tivesse mais funcionárias/os (incluindo professoras/es), talvez eles pudessem receber mais estagiários. Mas ele lembrou também dos problemas relacionados aos espaços da escola e ao fato de as turmas aumentarem significativamente de tamanho ao longo do ano. “Como as atividades são práticas e como os meninos são ‘problemáticos’, não há como receber mais estagiários”, lamentou o diretor. Por fim, ele enfatizou: “Mas os estudantes da Universidade que realizam o estágio aqui, com certeza, eles aprendem muito por meio dessa experiência”.

O grupo focal com estagiários aconteceu logo após o grupo focal com as professoras/es supervisoras/es (e o diretor). Três estagiárias/os (duas mulheres e um homem) que realizavam seus estágios no FLOW Campus do Bass Coast College, na cidade de Wonthaggi, participaram da atividade. Após um breve rapport inicial, Libby perguntou a elas/ele: “Vocês gostariam de continuar trabalhando aqui?”. Uma estagiária respondeu: “Aqui no FLOW Campus? Eu não sei”. Se fosse em uma escola de uma comunidade rural daquela região, dois responderam “sim” e a outra respondeu “talvez”. “Eu gosto da praia”, disse o professor em formação (do curso de licenciatura em Ciências Sociais), provocando risos. Ele completou: “A vida aqui é mais lenta. Eu gosto disso”. Ele já conhecia a região porque a família dele passava férias ali. Uma colega dele (do curso de licenciatura em Química/Matemática) disse que sentia falta da vida social que tinha em Melbourne (sentia falta da igreja que frequentava, dos familiares e dos amigos). Ela pertencia a uma comunidade sérvia na capital do estado de Victoria. O estagiário disse espontaneamente que o Bass Coast TAPP Program teve um impacto positivo nele. A colega dele (que tinha acabado de iniciar o segundo ano do curso de licenciatura) esclareceu que ela resolveu participar do programa agora porque temia não conseguir vaga se deixasse para depois. Ela disse que a experiência que teve naquela escola era diferente, mas, ao mesmo tempo, similar a outras experiências em estágios realizados anteriormente. “A minha interação com os meninos aqui me mostrou que eles não são mais ‘rurais’. Eles se parecem muito com os meninos da cidade”, explicou. Isso acontecia, provavelmente, em razão da influência das novas tecnologias e da internet, mas ela notou também que os alunos daquela escola eram menos privilegiados (do que outras crianças que ela teve contato em outras experiências de estágio). A colega dela lamentou: “É mais difícil os meninos conseguirem ajuda especializada aqui para enfrentarem os problemas que eles vivem” (Ela se referia a problemas de saúde mental). “É muito difícil achar um médico aqui”, completou. (Ela contou uma história em que ela mesma teve muita dificuldade para marcar uma consulta com um profissional da saúde na região). “Há apenas dois médicos que cuidam da saúde mental das pessoas aqui nessa região”, informou a estagiária.

Libby, ao perceber que eles estavam desviando um pouco do tema do grupo focal, fez uma nova pergunta: “Como vocês se sentiram nos primeiros dias [de estágio naquela escola]?” “É demais”, respondeu prontamente uma das estagiárias, referindo-se à intensidade e complexidade da experiência. “Apesar de as/os professoras/es apoiarem bastante os alunos, ouvir as histórias sobre os estudantes daquela escola era algo impressionante”, explicou a estagiária. Libby quis saber, então, se elas/eles se apoiavam mutuamente ao longo do desenvolvimento do estágio. “Morar na mesma casa ajudou bastante”, respondeu o professor em formação. A estagiária voltou a insistir: “Acontecem coisas muito pesadas aqui nesta escola”. A colega, ao concordar com ela, ponderou: “Mas as/os professoras/es têm uma boa relação com os alunos”.

Quais oportunidades de aprendizagem vocês tiveram aqui?”, indagou Libby. O estagiário disse que eles tinham menos oportunidades para “dar aulas” naquela escola (se comparado a outros estágios realizados em outras escolas), mas que ele aprendeu bastante por meio daquela experiência e desenvolveu habilidades que ele ainda não tinha: por exemplo, “aprender a ter paciência e sempre dar uma nova chance para os estudantes”, esclareceu. O controle do comportamento dos alunos também foi outra habilidade que o estagiário considerou que desenvolveu bastante por meio daquela experiência. A estagiária do curso de licenciatura em Química/Matemática lamentou que era muito difícil dar uma aula experimental para os estudantes daquela escola. “Não existe um currículo!”, exclamou ela em tom de revolta. Ela disse que as atividades que eles desenvolviam com os alunos pareciam “atividades de entretenimento”. “Não eram aulas!”, completou. Libby, então, perguntou: “Mas os alunos gostavam? Eles participavam dessas atividades?”. A estagiária respondeu que, surpreendentemente (para ela), os meninos gostavam e se envolviam bastante nas atividades. Ela reconheceu que aprendeu bastante e que desenvolveu muitas habilidades por meio daquela experiência. “Você voltaria aqui [para fazer uma nova etapa do estágio]?”, quis saber Libby. Ela respondeu: “Talvez. Mas em uma escola diferente”. “A FLO é para estagiários mais experientes”, justificou. Ao discordar da colega, o professor em formação (que está no terceiro ano do curso de licenciatura) disse que adoraria ter tido a oportunidade de estagiar mais cedo naquela escola. “Estagiar na FLO lhe propicia diferentes perspectivas [sobre ensino, educação...]”, explicou.

Uma das funcionárias da Monash University perguntou se, na opinião delas (dele), realizar o estágio em quatro semanas (em vez de três semanas) seria mais produtivo. Elas (Ele) concordaram que “Sim, seria muito mais produtivo”. Uma estagiária argumentou: “Na terceira (e última) semana, você se sente como ‘Agora, eu sei’. Ter uma semana a mais seria perfeito”. Ela aproveitou para questionar se aquele seria o melhor momento (o início do ano letivo) para estagiar naquela escola, em razão do pequeno número de estudantes. A outra funcionária da Monash University se solidarizou com as estagiárias (e com o estagiário), dizendo: “Nós sabemos o quanto é exaustivo emocionalmente realizar o estágio naquela escola” e perguntou: “Como nós poderíamos apoiar melhor o estágio de vocês?”. Uma estagiária disse que não fazia a menor ideia do que era uma escola FLO. Não foi ela que escolheu fazer o estágio naquela escola. “Havia outras opções?”, ela quis saber. Seria muito melhor se elas (ele) recebessem informações sobre a escola, os perfis dos alunos, etc. antes de iniciar o estágio naquele espaço. A colega dela, então, denunciou: “Nos venderam a experiência na FLO como se esta fosse uma ‘aventura divertida’” (ela se referia a outros colegas da Universidade que realizaram o estágio lá anteriormente). “A Universidade precisa ser mais honesta e transparente”, reivindicou ela. “Você não é preparado para estar ali. Você precisa saber como discutir assuntos complicados com os alunos. A Universidade deveria nos perguntar [antes de iniciar o estágio naquela escola]: ‘Vocês estão prontos?’”, sugeriu a estagiária. Ao final, ela admitiu: “É uma boa oportunidade de aprendizagem, mas estamos preparados para isso?”. O colega acrescentou: “Esta é uma experiência que tem nos desafiado bastante [em muitos aspectos]”. A outra estagiária, então, finalizou: “Independente de qualquer coisa, esta é uma ótima oportunidade [de aprendizagem]”.

Antes de encerrar o grupo focal, as funcionárias da Universidade sugeriram algumas ideias (por exemplo, a produção de um vídeo com depoimentos de estagiários que realizaram seus estágios na escola FLO) para atender à reinvindicação de fornecer informações sobre a escola FLO antes de as pessoas iniciarem suas atividades ali. As estagiárias (e o estagiário) concordaram que aquela poderia ser uma boa iniciativa.

Conclusões e considerações finais

Em relação às iniciativas para o envolvimento das comunidades em ações de formação de professoras/es da educação básica, levantadas por mim na Monash University, em Melbourne, Austrália (ou seja, os casos múltiplos desta pesquisa de parcerias entre essa universidade, escolas e comunidades na formação docente), percebi a existência de alguns empreendimentos pontuais que pouco se articulam entre si e que pouco se articulam institucionalmente com os programas e cursos de formação de professoras/es da Universidade. Essas disposições para envolver as comunidades em ações de formação de professoras/es da educação básica na Monash University existem relativamente há pouco tempo e, em geral, são efêmeras em razão dos desafios que enfrentam em termos de sustentabilidade.

A iniciativa mais antiga de engajamento comunitário em ações de formação docente na Monash University e que persiste há mais tempo é o Bass Coast TAPP Program (definido como o estudo de caso único desta investigação acadêmica) - como mencionado anteriormente, neste artigo, um programa que oferece oportunidades de estágio para professoras/es em formação de diferentes cursos de licenciatura e de mestrado em Docência da Universidade em 22 escolas parceiras de Bass Coast.

Cheguei à conclusão de que esse programa concebe as escolas de educação básica dessa região como as “comunidades” envolvidas nessa ação de formação de professoras/es. Quando nos referimos ao tema das relações entre as universidades, as escolas e as comunidades na formação docente, as concepções de “comunidade/comunidades” são múltiplas (Diniz-Pereira, 2022, 2023). É importante reconhecer, porém, que a relação da Monash University (na realidade, de uma única docente da Faculdade de Educação dessa Universidade - a professora Libby Tudball - e de duas funcionárias contratadas para prestar o apoio logístico necessário aos estagiários) com essas 22 escolas da região de Bass Coast - apesar de algumas tensões e contradições - mostrou-se realmente próxima, intensa e produtiva. A experiência analisada neste artigo tem um enorme potencial para envolver, em ações de formação docente, membros das comunidades em que essas escolas estão localizadas. Isso ficou claro por meio do relato de um estagiário sobre a atividade desenvolvida na Foster Primary School: o Kitchen Garden Farmers Market Stall, em que existia uma participação orgânica da comunidade na escola (e na formação docente), bem como um envolvimento da escola na vida da comunidade.

A experiência do Bass Coast TAPP Program da Monash University, em Melbourne, Austrália, brevemente analisada neste artigo - em que professoras/es em formação residem em comunidades de Bass Coast, no estado de Victoria, por três semanas -, pode dialogar, guardadas as devidas especificidades de contextos, com iniciativas de internato rural para a formação de professoras/es da educação básica, as quais vêm sendo discutidas atualmente em algumas universidades brasileiras - por exemplo, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).6

Hoje, parece que a Faculdade de Educação da Monash University está mais convencida e sensibilizada sobre a importância do envolvimento das comunidades em ações de formação de professoras/es da educação básica. A aceitação de minha presença na Faculdade de Educação, na condição de visiting scholar, para desenvolver um projeto de pesquisa sobre o tema “Universidades, escolas e comunidades na formação docente”, a realização de um seminário proposto por mim sobre esse tema na Universidade, em fevereiro de 2023, e a contratação da professora Jo Lampert (uma referência acadêmica importante na Austrália sobre o tema) para o quadro docente da instituição durante o período em que estive lá são, para mim, evidências desse convencimento e dessa sensibilização da Monash em relação a essa temática.

Agradecimentos

Agradeço o apoio recebido da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a realização do Programa de Professor Visitante no Exterior, entre 1º de agosto de 2022 e 31 de julho de 2023, na Monash University, em Melbourne, na Austrália.

Referências

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Disponibilidade de dados Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no artigo.

Como citar este artigo Diniz-Pereira, J. E. (2025). Universidade, escola e comunidade na formação docente: Um caso na Austrália. Cadernos de Pesquisa, 55, Artigo e11425. https://doi.org/10.1590/1980531411425

1Consciente do papel que a língua pode ter na reprodução de discriminações de gênero, adotarei, ao longo deste artigo, um padrão diferente daquele usado na “norma culta”, que adota o masculino como regra. Todas as vezes que me referir aos profissionais da educação básica, em que as mulheres são nitidamente a maioria, partirei do feminino e farei a diferenciação do masculino: professoras/es, educadoras/es.

2 Além da experiência descrita neste artigo, outras três iniciativas de envolvimento de comunidades na formação docente foram a mim apresentadas: 1) Os projetos de formação continuada de professoras/es de inglês que trabalham em escolas públicas primárias de Melbourne, coordenados pela professora Marianne Turner (associate professor), em que ela procura desenvolver, nas escolas, o que ela chama de um “EAL (English as an Additional Language) curriculum”. Ela também trabalha com as comunidades no entorno das escolas, e o objetivo da ação é que os pais e responsáveis dos alunos preservem suas línguas de origem. 2) O projeto Monash Virtual School, coordenado pelo professor Michael Phillips (associate professor), que oferece a jovens (de 5 a 12 anos de idade) uma série de “aulas de reforço” interativas e de graça por meio da plataforma Zoom. Essas aulas são dadas por alunos de cursos de Licenciatura que são, por sua vez, orientados por professoras/es experientes e qualificadas/os da universidade (supervisors). 3) Por fim, a disciplina da professora Ruth Jeans denominada EDF3071 - Community Development and Partnerships, que, segundo a ementa, desenvolve a compreensão de como parcerias com a comunidade podem ajudar as/os professoras/es a examinar um conjunto de informações, produtos, serviços e políticas sobre saúde e avaliar o impacto disso na saúde, no bem-estar e na segurança das pessoas e da comunidade, bem como a atividade física dentro da comunidade local e a sociedade em geral. A disciplina fundamenta-se em compreensões teóricas dos termos comunidade e parcerias para preparar educadoras/es como “mediadores de conhecimento” capazes de negociar recursos da comunidade e colaborações no processo de aprendizagem.

3Em 2019, havia, na Austrália, 325 programas de formação inicial de professoras/es (ITE programs) acreditados (credenciados) - sendo 68% deles cursos de graduação e 32% cursos de pós-graduação - oferecidos por 48 ITE providers (Australian Institute for Teaching and School Leadership [AITSL], 2019).

4Termo utilizado por Diniz-Pereira (2008) em substituição à expressão “formação inicial”. Uma das críticas ao uso desse termo é o fato de que, na visão desse autor, a profissão docente começa a ser aprendida mesmo antes da entrada do sujeito em um curso de graduação (licenciatura). Portanto a formação não se configura como “inicial” - termo dúbio na língua portuguesa por indicar tanto uma formação que se “inicia” a partir da entrada em cursos de licenciatura (ideia da qual o autor discorda) quanto uma formação que não termina com a conclusão desses cursos (ideia à qual, obviamente, o autor não se opõe).

5Para mais informações sobre o projeto, veja https://fosterps.vic.edu.au/kitchengarden/

6O internato rural é uma experiência bastante antiga e de sucesso em cursos da área de saúde na UFMG e que agora vem sendo pensado também para as licenciaturas como alternativa para o desenvolvimento dos estágios supervisionados, principalmente para os alunos dos cursos noturnos da universidade, que alegam não terem tempo para a realização do estágio obrigatório.

Recebido: 12 de Setembro de 2024; Aceito: 15 de Abril de 2025

Editor responsável

https://orcid.org/0000-0002-2315-7321 Rodnei Pereira

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