Apresento um duplo tema: intervenção precoce e educação inclusiva. Refiro-me a dois grandes tipos de reflexão: um diz respeito a trabalhos científicos de que participei; por exemplo, inquéritos internacionais; o outro diz respeito a trabalhos que têm o objetivo explícito de melhorar situações, alcançar objetivos práticos para um melhor acolhimento das crianças e a formação de profissionais. Menciono frequentemente ações que incluem ambas as orientações, digamos, muito esquematicamente, uma orientação teórica e uma prática, não em oposição, mas, pelo contrário, em necessária complementaridade.
Intervenção precoce
A noção de intervenção é uma expressão recorrente em muitas obras em língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos, onde manuais inteiros são dedicados a ela e onde também se definem orientações práticas. Na França, o vocabulário mais utilizado é um pouco diferente, action médico-sociale précoce [ação médico-social precoce], definido em 1975, e que diz respeito a estabelecimentos e serviços para crianças pequenas com diferentes transtornos do desenvolvimento. Infelizmente, essa expressão um tanto antiga, mas ainda utilizada oficialmente, não faz referência explícita à dimensão fundamental da educação infantil, aproximadamente dos 0 aos 6 anos.
A definição mais comum de intervenção precoce é a de um conjunto de ações multidisciplinares destinadas a crianças de 0 a 6 anos que apresentam sinais ou riscos de deficiências diversas, bem como aos seus pais. A noção tem a vantagem de enfatizar diversas práticas que não podem ser isoladas umas das outras, precisamente de acordo com as características globais do desenvolvimento da criança. A intervenção precoce é multifacetada e inclui forçosamente a educação precoce e, cada vez mais, o objetivo da educação inclusiva, que desenvolverei mais adiante.
Nesse quadro geral, a intervenção precoce centra-se no desenvolvimento de diversas capacidades da criança, quaisquer que sejam suas dificuldades. Prefiro dizer “dificuldades” ou “transtornos” a “incapacidades” ou “deficiências”, porque é menos estigmatizante. Dentre essas dificuldades, algumas podem ser reconhecidas desde o nascimento: é o caso das crianças denominadas “portadoras de síndrome de Down” ou com paralisia cerebral, de origem perinatal. Mas muitas vezes é difícil identificar de antemão crianças pequenas que mais tarde serão reconhecidas como portadoras, por exemplo, de uma deficiência intelectual. É até mesmo comum que as preocupações parentais com o desenvolvimento da criança só se manifestem mais tarde, quando ela começa a frequentar uma instituição coletiva, como uma creche, um jardim de infância ou uma escola maternal. A comparação com o desenvolvimento de outras crianças pode gerar um alerta. Aparecem então questões delicadas sobre as relações entre pais e profissionais da primeira infância que levantam hipóteses e sinais de alerta, como um possível atraso psicomotor ou mesmo um atraso intelectual.
Quais são os objetivos da intervenção precoce?
A prevenção está no centro das intervenções precoces. Na área da saúde, é clássico distinguir diferentes níveis de prevenção: primária, secundária e terciária. Lembro que a prevenção primária visa a evitar o possível surgimento de doenças ou deficiências - e estou pensando aqui na vaci- nação; a secundária permite identificar perturbações no desenvolvimento, muitas vezes em situações complexas em que as condições sociais, culturais e de saúde estão interligadas; por último, a terciária objetiva evitar o agravamento das dificuldades já existentes. Na prática, os três níveis de atuação estão fortemente interligados se quisermos implementar as ações mais eficazes com uma abordagem multidisciplinar, ao mesmo tempo médica, paramédica, psicológica, educacional, etc.
A perspectiva da prevenção exige uma maior clarificação dos resultados pretendidos, o que é essencial, se pensarmos nos debates e controvérsias suscitados pelos projetos sociopolíticos franceses na década de 2000 sobre a detecção precoce de transtornos comportamentais. Vários relatórios oficiais sobre distúrbios de conduta em crianças foram publicados. O ponto mais escandaloso foi o objetivo de identificar em uma criança turbulenta de 3 anos sinais de alerta de possível delinquência numa idade posterior. Foi, portanto, necessário identificar e tratar precocemente as instabilidades para proteger a sociedade! Um projeto de lei, felizmente não implementado, foi até apresentado nesse sentido. As críticas mais fortes, apoiadas em argumentos contundentes, foram reunidas por um grupo de pesquisadores no livro Pas de 0 de conduite pour les enfants de 3 ans (Collectif Pas de 0 de conduite, 2006).
Essas histórias lamentáveis, em que estiveram envolvidos não só parlamentares, mas também, infelizmente, pesquisadores, promovem uma reflexão muito útil para além dessas circunstâncias francesas dos anos 2000. É de fato fundamental distinguir prevenção e previsão. A previsão pressupõe uma visão a priori do futuro da criança em questão, baseada em categorizações de comportamentos infantis e, além disso, essa previsão corre o risco de estigmatizar não só a criança, como também um conjunto de populações que podem ser consideradas vulneráveis, do ponto de vista social, por exemplo. A prevenção bem compreendida é outra coisa. Segundo o mesmo movimento do Collectif Pas de 0 de conduite (2011), a prevenção deve ser “atenciosa”, ou seja, deve reconhecer as singularidades e as incertezas do desenvolvimento de cada criança. Então, as recomendações desse coletivo foram estas: 1) promover condições favoráveis de acolhimento, apoio e educação para as crianças e seus pais (apoio à parentalidade); 2) apoiar serviços públicos de saúde coletiva para crianças; 3) pautar-se na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
Análises adicionais também recordam as conquistas essenciais do período pós-Segunda Guerra Mundial na França: acesso universal e gratuito aos serviços de prevenção. A abordagem preventiva na proteção materno-infantil (PMI) dirige-se, como a expressão indica, tanto à mãe quanto à criança. Não se trata de uma identificação precoce das dificuldades, nem mesmo com aparentes boas intenções dos fatores de risco, que, muitas vezes, são também representações deterministas e estigmatizantes. É necessária, diz o autor francês Pierre Suesser (2012, tradução nossa) no título de seu artigo, “Uma atenção preventiva sutilmente precoce”. Cito: “a prevenção, concebida como uma prática prudente de antecipação baseada passo a passo na memória e nas experiências das crianças e das suas famílias, incentiva o estabelecimento de caminhos e bifurcações pelos quais elas possam progredir” (Suesser, 2012, p. 51, tradução nossa). Tal prevenção não visa à perpetuação de diagnósticos estigmatizantes, mas sim, no quadro de políticas inclusivas, à ancoragem em ambientes ordinários de vida, respeitando a singularidade do desenvolvimento de cada criança e do processo parental, e à promoção de condições de acolhimento e educação favoráveis para todas as crianças, sejam elas quais forem (Plaisance & Rayna, 2016). Acrescentaria também que a intervenção e a educação precoces requerem atenção às capacidades existentes da criança e de seus pais, e não uma concentração nas deficiências e fracassos. De modo geral, é essencial não só fortalecer as competências da própria criança, mas também incentivar as práticas de adultos próximos que ajudam a aprimorar ou mesmo desenvolver capacidades. Nesse quadro de atuação, os profissionais são chamados a promover e reforçar as competências dos pais para com a criança. Concentramo-nos, então, nos pontos fortes, e não nos pontos fracos, das crianças e das pessoas no ambiente. A ênfase está na capacidade de agir (empowerment) e na aquisição de autonomia, nas habilidades dos pais para “enfrentar” e adotar rotinas adequadas para/com o seu filho. A intervenção baseia-se então na “resiliência” das pessoas, ou seja, na capacidade de “se recuperar”, de “se recompor” diante das dificuldades, o que não é feito isoladamente, graças a estratégias de ajuda que as apoiam: é uma “resiliência assistida” (résilience assisté) (Ionescu, 2011). O conceito de resiliência, considerado nessa perspectiva de desenvolvimento, permite resumir essa capacidade, muitas vezes insuspeita ou minimizada pelas pessoas, de utilizar seus recursos pessoais.
Rumo ao novo paradigma inclusivo
No setor da educação, houve uma mudança radical de perspectivas: a educação “inclusiva” tomou o lugar não só da educação “especial”, como também da educação “integrativa”. Tal mudança não se limita a uma simples alteração vocabular, que seria apenas uma nova roupagem para velhas práticas. A educação especial era a educação realizada em locais separados do ambiente comum e, geralmente, com profissionais que eram diferentes dos profissionais de locais comuns. Era (às vezes ainda é?) uma cultura de separação para crianças e profissionais especiais. Fortes críticas foram formuladas contra essa ilusão do desenvolvimento do “especial” para resolver os problemas do acolhimento das diferenças: risco de desenvolvimento do especial sem limites claros entre o normal e o patológico, estigmatização das populações, ausência ou limitação do futuro para crianças ou adolescentes considerados “anormais”. Na verdade, durante um longo período, pelo menos até o final da década de 1960, e sob a cobertura de categorizações sutis, as noções de ineducabilidade e semieducabilidade excluíram um grande número de crianças do ambiente escolar comum.
Mas, na perspectiva da educação inclusiva, foi dado mais um passo em termos de ambição educativa: envolver a adaptação das instituições educativas comuns à diversidade das crianças e a superação das barreiras às aprendizagens. Estamos, portanto, no campo oposto ao das práticas habituais, e ainda muito vivas, que pedem à criança que se adapte às instituições e práticas existentes, as quais permaneceriam inalteradas. No entanto ainda se questiona frequentemente a vantagem ou não das situações inclusivas, em comparação com as “especiais”, por exemplo, para uma melhor atenção às diferenças. Ora, os numerosos estudos internacionais sobre a escolarização revelam, na verdade, melhores resultados a favor da educação inclusiva para a alfabetização, para as capacidades adaptativas das crianças quando são postas em prática boas atividades individualizadas. Porém permanecem frequentes as preocupações sobre o fosso entre, por um lado, as orientações gerais, os princípios favoráveis, os compromissos políticos e sociais e, por outro lado, as práticas, as implicações diretas dos profissionais no seu campo de atuação. Perante rupturas entre intenções e ações, devemos, assim, promover a “inclusão responsável”. São necessários, pois, apoios à implementação efetiva de diretrizes inclusivas: desenvolvimento de políticas inclusivas globais, renovação da formação básica, apoio aos profissionais na prática e assistência especializada quando necessário (Ebersold et al., 2016).
Educação inclusiva desde a primeira infância: Uma pesquisa europeia
O tema geral da inclusão é valorizado pelos órgãos políticos europeus em diferentes áreas, incluindo aquelas referentes ao emprego e ao combate à pobreza. A área da educação é considerada central na preparação das crianças para a cidadania e para o encontro com o outro diferente. Por exemplo, um documento publicado em 2007 pelas Comunidades Europeias anunciava: “A Comissão Europeia ajuda a incentivar a inclusão de crianças com deficiência no ensino regular” (Commission Européenne, 2007, p. 3).
Nessas bases foi lançado e financiado um projeto de investigação sobre educação inclusiva para crianças menores de 6 anos no âmbito dos programas europeus, os quais são conhecidos como “Comenius”. Participei diretamente na realização desse projeto. Cinco universidades, provenientes de cinco países, estiveram envolvidas: Alemanha (que geriu todo o projeto), Portugal, Suécia, Hungria e França.2 O objetivo geral do projeto foi fornecer materiais de reflexão sobre as práticas educativas dos profissionais da primeira infância, a fim de aprimorar as práticas e sugestões de formação.
A questão geral foi a seguinte: quais são os princípios pedagógicos que facilitam a coeducação e a inclusão de crianças com “necessidades especiais”? Mais concretamente, como podemos praticar a educação em comum, eliminando as barreiras tradicionais que estabelecem a separação dos indivíduos? A inclusão é então definida não como uma realidade já alcançada, mas, pelo contrário, como um processo que permite a criação de um ambiente educativo adequado para todos e acolhedor da diversidade. A noção complementar de heterogeneidade também foi utilizada em um sentido muito semelhante ao introduzir explicitamente a dimensão sociocultural das famílias (heterogeneidade das famílias). Tratava-se, portanto, de compreender como adaptar os conceitos, programas e atividades educativas às necessidades e interesses das crianças, e não mais de adaptar as crianças às instituições educativas existentes e aos seus modos de funcionamento, como é tradicionalmente entendido. É uma profunda inversão das práticas propostas para desenvolver condições inclusivas, ou seja, condições que permitam estabelecer laços sociais entre todos, priorizando o papel decisivo das condições do ambiente de vida.
Que avaliação rápida podemos tirar de todo esse trabalho internacional que combina desenvolvimentos teóricos e análises de exemplos práticos?3 Primeiramente, notamos diferenças entre as instituições dos países, nos seus modos organizacionais, nos seus modelos educativos e no estatuto dos profissionais. Além disso, elas têm nomes muito diferentes: kindergarten, jardins d’enfants, pré-écoles, écoles maternelles. Nesse aspecto, não há uniformidade. Por exemplo, na Suécia o modelo educativo apresenta uma organização semelhante à de uma família, até mesmo a organização da área de recepção, que se assemelha a um grande apartamento; na Alemanha, o modelo é centrado na brincadeira, vindo da inspiração pedagógica de Fröbel; na França, o modelo da escola maternal é mais estruturado academicamente, com um programa de atividades, inclusive para crianças pequenas - uma orientação francesa de escolarização precoce que infelizmente tende a ser reforçada. Acrescento que estava realizando pessoalmente uma investigação no jardim de infância dirigido por Cécile Herrou, que tem grande domínio no assunto de gestão escolar. Esse jardim de infância funcionava segundo a inspiração da pedagogia institucional, privilegiando a não hierarquização e flexibilidade das funções profissionais e o trabalho em equipe. Isso é muito diferente de uma escola maternal tradicional.
Entre as instituições europeias inquiridas, que praticavam o acolhimento da diversidade, notamos grandes pontos em comum sobre as condições favoráveis às práticas inclusivas:
trabalho em equipe, estimulando a responsabilidade coletiva, por exemplo, perante crianças com grandes dificuldades, e flexibilidade na atuação dos profissionais, em função das necessidades apresentadas;
apoio do quadro institucional global, incluindo a hierarquia oficial;
o papel do espaço, das salas disponíveis, oferecendo diversas possibilidades de ativi- dades tanto para interações entre crianças em grupo quanto para ações assistenciais individualizadas;
redes de cooperação com a comunidade ao redor e com serviços especializados de atendimento a crianças com necessidades especiais.
Considerações finais
Em todas as apresentações anteriores, não enfatizamos a questão considerada central para o aprimoramento das práticas inclusivas na educação precoce: a formação de todos os profissionais, na maioria das vezes mulheres. Essa formação não deveria mais seguir o modelo antigo, totalmente inadequado no mundo atual, que era o modelo normativo da missão ou vocação, exigindo a aplicação de práticas previamente definidas. A noção de “escola normal” estava explicitamente ligada à ideia de impor um padrão uniforme de instrução - na época, na França, era mais “instrução” do que “educação”, no sentido amplo do termo. A formação verdadeiramente moderna não é mais aquela que consagra um “missionário”, nem aquela de uma pessoa dedicada ao “amor à criança”, mas uma formação que desenvolva as capacidades de um profissional no sentido pleno do termo, capaz de reflexão autônoma, inclusive entendida a partir de uma posição de autocrítica e autoavaliação de suas próprias práticas. Além disso, em ligação direta com perspectivas inclusivas, a formação deveria evitar a todo custo cair na ilusão de uma educação centrada no conhecimento detalhado das perturbações da infância ou deficiências, porque isso cairia na antiga perspectiva medicalizante ou psicologizante da nosografia. É de outro tipo de saber que necessitamos para promover práticas renovadas a favor de todas as crianças.4 Uma formação que facilite o debate sobre situações concretas e que permita a abertura à diversidade, desenvolvendo a capacidade de adaptação das práticas em um grupo heterogêneo. Esse tipo de formação é sem dúvida um desafio essencial que pode aproveitar as experiências existentes para desenvolver outros caminhos inovadores.
Finalizo mencionando a ligação fundamental entre educação inclusiva e contexto sociopolítico. Digo isso rapidamente, mas depois podemos voltar a essa questão. A educação inclusiva é não apenas uma questão pedagógica, como também uma questão antropológica e política. Do lado da antropologia, ela está diretamente ligada à representação do outro, à sua possível diferença em relação a um padrão de apresentação de si e de comportamento. Historicamente, visões pejorativas e discriminatórias têm sido dominantes, levando à rejeição do outro, relegando-o às margens sociais, e à incumbência de crianças com aparência incomum a instituições especiais fechadas. Mas há de acrescentar que, do lado político, a educação inclusiva está mais amplamente ligada a políticas inclusivas que são construídas em contextos favoráveis à democracia. O Brasil é um exemplo significativo das lutas a favor da educação inclusiva diante de um governo, felizmente cancelado, que queria retornar a estruturas separadas para crianças e adolescentes considerados incapazes e inaceitáveis entre os demais, conforme observado entre os anos de 2019 e 2022. Uma lição importante emerge dessa situação: a fragilidade da educação inclusiva e sua estreita conexão com as opções políticas nas sociedades modernas. A educação inclusiva é uma escolha social e, fora de um contexto político democrático, corre grande perigo.














