A liderança dos gestores escolares tem se consolidado nas últimas décadas como um dos fatores-chave para a promoção da aprendizagem com equidade. Em um cenário marcado por desigualdades históricas e pela ampliação do acesso sem a garantia de qualidade, como é o caso brasileiro, o papel do diretor impõe-se como central, não como administrador burocrata, mas como agente estratégico capaz de influenciar uma transformação positiva no cotidiano escolar.
Evidências acadêmicas sinalizam que diretores e diretoras eficazes se destacam por seu comprometimento com a construção de objetivos coletivos, com o desenvolvimento profissional das equipes e com o fortalecimento de relações de confiança com a comunidade escolar (Gois, 2020). Entre as práticas recorrentes associadas à liderança educacional, ressalta-se o apoio aos professores na promoção de um ambiente educativo favorável ao aprendizado, o cuidado com o bem-estar coletivo das pessoas, a promoção de um clima escolar positivo, o estreitamento dos vínculos com as famílias e a centralidade do trabalho pedagógico na rotina da gestão.
Apesar dos avanços observados no reconhecimento dos gestores como atores centrais na redução das desigualdades educacionais, persistem desafios significativos ao longo de toda a sua trajetória profissional - desde os processos de seleção e atração até as etapas de indução, desenvolvimento profissional e avaliação. Tais desafios foram acentuados no contexto da pandemia de covid-19, que intensificou as exigências sobre os diretores escolares, demandando uma atuação proativa na gestão de mudanças e na reconstrução de processos educacionais (Bolívar et al., 2022).
A superação das complexidades e desafios impostos na contemporaneidade às escolas, especialmente no contexto pós-pandêmico, depende de políticas que valorizem a função diretiva por meio de formação continuada, seleção cuidadosa e condições institucionais favoráveis, como apoio pedagógico, recursos financeiros e marcos e diretrizes claras de atuação. Os diretores e diretoras precisam estar preparados e amparados para poder agir em cenários de alta incerteza, atuando assertivamente na liderança do projeto pedagógico.
Nesse contexto, celebra-se a expansão e o aprofundamento de uma agenda positiva reafirmados pela obra Liderança escolar: Diretores como fatores-chave para a transformação da educação no Brasil, organizada por José Weinstein e Lara Simielli, publicada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2022, e tão necessária ao contexto brasileiro. A obra congrega quinze autores de nove países diferentes, dentre eles, pesquisadores como Viviane Robinson, Tony Bush e Neil Dempster, que discutem desafios, experiências, práticas e políticas de liderança escolar com foco na realidade brasileira. O livro está organizado em doze capítulos que articulam densidade teórica, revisões empíricas e proposições para o fortalecimento do papel dos diretores.
A publicação inicia com uma delimitação conceitual acerca do entendimento de liderança escolar e das diferentes teorias vinculadas (Tony Bush), seguida de uma análise acerca do impacto produzido pelos gestores sobre os resultados dos estudantes (Viviane Robinson e Emma Gray). Na sequência, são abordados os recursos pes- soais centrais que compõem a liderança de cada sujeito (Katina Pollock) e o capítulo quatro abre debate sobre processos de contratação, alocação e retenção de diretores (Jason A. Grissom).
Neil Dempster, no capítulo cinco, explora a heurística crucial para apoiar futuros diretores na extensão de seu conhecimento sobre liderança. Na sequência, explora-se um tema pouco tratado no debate educacional: a avaliação de líderes educacionais e suas implicações para o contexto brasileiro (Margaret Terry Orr). Izhar Oplatka, no capítulo sete, propõe uma reflexão que também segue em segundo plano no Brasil: a noção de carreira dos gestores em uma organização por etapas. Coby V. Meyers encerra essa segunda parte do livro explorando estratégias para gerir escolas mais desafiadoras.
A parte final da obra, ou seja, os quatro últimos capítulos, avança para um fechamento do debate proposto. Santiago Rincón-Gallardo aborda a importância da atuação em redes de lideranças; na sequência, discute-se o papel das instâncias intermediárias de gestão dos sistemas escolares (Stephen E. Anderson); o capítulo onze propõe uma análise comparada de políticas de liderança escolar em cinco sistemas latino-americanos (Gonzalo Muñoz Stuardo, José Weinstein e Juan Pablo Quiroz Ávila); e, encerrando a obra, Lara Simielli apresenta um panorama da produção acadêmica brasileira sobre diretores escolares, a partir de uma revisão sistemática que contempla os principais estudos desenvolvidos no país nas últimas décadas.
A apreciação realizada por Lara Simielli evidencia, ao analisar os títulos mais citados nos artigos brasileiros sobre diretores escolares, a predominância de estudos voltados para os campos da administração escolar e da gestão democrática - temáticas relevantes e historicamente estruturantes na formação de diretoras e diretores no país. No entanto, entre os 24 títulos mais citados no levantamento, apenas um explicita a centralidade da liderança escolar em seu título: Liderança em gestão escolar (2009), de Heloísa Lück. O achado reitera uma lacuna importante na produção bibliográfica nacional e reafirma a necessidade de fortalecer a produção acadêmica sobre a temática como campo específico de investigação e formação.
Liderança escolar: Diretores como fatores-chave para a transformação da educação no Brasil reafirma, de maneira transversal, a primazia da influência positiva dos gestores, quando exercida por eles e elas, para a superação dos desafios que atravessam o cotidiano das escolas e que no contexto brasileiro se agravam em razão de desigualdades estruturais. Posicionar a liderança dos diretores escolares no centro das discussões sobre a qualidade educacional é tarefa inadiável e precisa ser feita de maneira a ampliar o protagonismo dos gestores na formulação das políticas públicas, especialmente aquelas voltadas à gestão escolar. Como burocratas de nível de rua, esses profissionais possuem uma compreensão estratégica, muitas vezes negligenciada pelos formuladores das políticas, acerca dos obstáculos enfrentados pelas escolas. Não por acaso, 96% dos diretores manifestam o desejo de participar de forma mais ativa dos processos decisórios em suas redes, o que evidencia a urgência da criação de mecanismos institucionais mais efetivos e permanentes de escuta e participação dessas lideranças (Datafolha, 2022).
Viviane Robinson e Emma Gray ressaltam, no debate proposto pela publicação da Unesco, as práticas de liderança que mais têm produzido efeitos positivos sobre os resultados de aprendizagem dos estudantes a partir de uma perspectiva da literatura internacional. Apesar da relevância dessa discussão, a produção acadêmica brasileira ainda é incipiente nesse campo, e a aplicação direta dos achados oriundos, em geral, de países anglo-saxões ao contexto latino-americano, especialmente ao Brasil, revela-se desafiadora. Esse é um aspecto que as autoras reconhecem em suas análises.
Entre as práticas citadas pelos achados das autoras, a que mais tem produzido efeito sobre a aprendizagem estudantil é a promoção de desenvolvimento profissional docente. Uma escola em que os estudantes aprendem é antes um espaço em que os professores podem se desenvolver. Nesse sentido, estudo recente conecta a evidência internacional à realidade brasileira e contextualiza os achados das autoras ao identificar sete práticas de liderança pedagógica voltadas ao desenvolvimento profissional docente que são centrais no cotidiano de gestores escolares que têm alcançado bons resultados acadêmicos, mesmo em contextos de diferentes complexidades da gestão escolar. São elas: (i) realização de reuniões coletivas e individuais com foco central no trabalho pedagógico; (ii) observação de aulas seguida de devolutiva formativa assertiva; (iii) postura acolhedora e comprometida do(a) diretor(a) com o trabalho pedagógico; (iv) incentivo qualificado à participação dos docentes em cursos e formações externas; (v) escuta ativa e contínua dos estudantes; (vi) uso sistemático de dados educacionais para subsidiar decisões pedagógicas; e (vii) atenção às famílias como estratégia de fortalecimento da prática escolar (Roberto & Weinstein, 2024).
O exercício da liderança voltada à transformação educacional impõe desafios significativos em sua implementação, mas se mostra promotor de avanços relevantes, sobretudo por seu foco na mobilização e no engajamento coletivo das equipes escolares, como ressalta Bush no capítulo inicial. Liderança escolar: Diretores como fatores-chave para a transformação da educação no Brasil articula a pesquisa acadêmica de excelência com engajamento político e sensibilidade prática, acionando grandes pesquisadores e teóricos do campo internacional para promover um debate à luz do cenário brasileiro. Nesse sentido, sua publicação em português representa um marco importante na consolidação de um campo em fortalecimento.
A obra reafirma que uma escola na qual os estudantes aprendem e os professores se desenvolvem continuamente requer um ambiente institucional que seja fértil ao fortalecimento da liderança escolar. Para que os gestores possam exercer uma liderança positiva, é imprescindível que encontrem condições que reconheçam sua centralidade e legitimem sua atuação. Promover a liderança escolar transcende um imperativo técnico-administrativo: constitui uma estratégia essencial para a construção de escolas mais justas, colaborativas e orientadas à aprendizagem de todos e todas. Tal compromisso implica reconhecer os diretores como agentes fundamentais na mediação entre políticas públicas e práticas pedagógicas, apoiando-os em sua missão de promover uma educação pública de qualidade, com equidade, comprometida com o desenvolvimento integral dos sujeitos e com a formação para uma cidadania ativa, crítica e emancipatória.














