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Educação e Realidade

versão impressa ISSN 0100-3143

Educ. Real. vol.40 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2015

https://doi.org/10.1590/2175-623647790 

EducaÇÃo E Envelhecimento

A formação na maturidade como apropriação da própria história de vida.

Education in old age as appropriation of one's own life history.

Insa Fooken I  

IUniversität Siegen - Alemanha


RESUMO

No presente artigo, a disposição e a competência para a apropriação da própria história de vida são consideradas como modos de formação1 na maturidade. Estas se relacionam com fatores históricos e sócio-políticos e estão inscritas em contextos multigeracionais de formação e processos de desenvolvimento ao longo da vida. Nesta perspectiva, conceitos como geração, geracionalidade, geratividade e transmissão transgeracional ganham destaque e serão aprofundados no texto. A linha argumentativa que sustenta este ponto de vista baseia-se em estudos de países de língua alemã sobre crianças da Segunda Guerra Mundial que envelheceram. Apesar de se tratar de uma situação específica, nos parece possível a extensão das reflexões também para o contexto brasileiro.

Palavras-Chave: História de Vida; Formação Intergeracional; Geracionalidade; Geratividade; Crianças de Guerra na Velhice

ABSTRACT

In this paper, the capacity and willingness to the appropriation of one's own life history will be evaluated as an expression of Education in old age. These relate to historical and socio-political factors and are entered in multigenerational educational contexts and processes of development throughout life. In this perspective, concepts such as generation, generationality, generativity and transgenerational transmission are highlighted and will be discussed. The line of argument supporting this point of view is based on studies from German-speaking countries about children of World War II who have aged. Although this is a specific situation, it seems possible to extend the reflections to the Brazilian context as well.

Key words: Life History; Intergenerational Training; Generationality; Generativity; Children of War in Old Age.

Envelhecer: pontos de cristalização dos processos de formação ao longo da vida

Os processos de formação acontecem ao longo de toda a vida, indo do berço ao túmulo. Eles estão inseridos em biografias individuais e histórias de vida, bem como em um contexto sócio histórico. Para o indivíduo isso geralmente significa que uma espécie de contabilidade da vida é realizada na maturidade, o que pode ser entendida como uma apropriação da própria história de vida. Mas o que é e como acontece esta contabilidade? As referências para este processo são, por um lado, as expectativas de vida mais ou menos conscientes do próprio sujeito que foram constituídas em fases anteriores da sua existência. Estas servem de referência para uma comparação interindividual onde o indivíduo considera o que conseguiu ou não realizar. Por outro lado, esse processo de contabilidade acontece através da comparação social intersubjetiva com outras pessoas. Isso significa que os pares de idade de sua própria geração assumem, muitas vezes, a função de referência social. Assim, podemos dizer que uma pessoa avalia o seu estado de saúde ou o seu status social ao confrontar a sua condição de vida com a de outros indivíduos da mesma idade (Lehr; Thomae, 1987).

Além disso, como em todas as outras fases de vida, o enfrentamento dos desafios normativos e das tarefas evolutivas típicas da idade, bem como dos eventos inesperados e graves - positivos ou complicados -, constitui uma característica essencial do desenvolvimento e da formação na maturidade (Fooken, 2005). Todos esses processos são tanto uma expressão e um resultado da formação na maturidade quanto, simultaneamente, uma característica constitutiva dos processos formativos no percurso do envelhecimento. Nesse sentido, muito do que se pode considerar como formação ao longo da vida se torna visível para a pessoa somente na maturidade, quando essa olha para o seu percurso a partir do final da sua existência. Assim, postulou Charlotte Bühler, em 1933, no prefácio do seu livro O curso da vida humana como problema psicológico: "[...] Em vez disso, pareceu-me absolutamente necessário a partir do todo e, especialmente, a partir do final da vida humana, captar o que afinal as pessoas realmente querem na vida e como, até o fim, seus objetivos são estruturados" (Bühler, 1933, p. VII).

A velhice traz um valioso ensejo para o sujeito: a oportunidade de ser capaz de fazer uma revisão de toda a sua vida, de reorganizar e reavaliar muitos eventos e experiências que ocorreram no seu curso. Contudo, não se deve restringir esta tarefa de revisão do passado como a única função desta fase de vida. Não por acaso postulou o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard: "É bem verdade que a filosofia diz que a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás. Mas nisso esquece-se o outro princípio de que a vida só pode ser vivida olhando-se para frente" (Kierkegaard, 1843; 1923, p. 203). Assim, também, e especialmente na velhice, ainda se trata de um viver olhando-se para a frente que, na verdade, só termina com a morte.

Durante muito tempo os processos formais de educação foram privilégios concedidos mais aos homens do que às mulheres. Contudo, os processos formativos, objetos de estudo deste artigo, se aplicam igualmente a homens e mulheres na maturidade. Neste contexto é interessante pontuar que uma das primeiras feministas do século XIX, Hedwig Dohm (1903-1979), avó de Katja Mann, esposa do poeta Thomas Mann, na idade de 72 anos formulou um apelo veemente para o potencial de desenvolvimento da mulher idosa: "Escute, mulher velha, o que outra mulher velha te diz: Resista! Tenha coragem de viver! Não pense em nenhum momento na tua idade. [...] Se tu vives somente por um dia, tu tens um futuro na tua frente." (Dohm 1903, p. 220).

Nesse sentido, a formação na maturidade constitui-se por três tempos simultâneos: [1] Da necessidade de querer "viver olhando para frente" e [2] simultaneamente compreender a vida vivida "no passado", bem como [3] viver o presente se relacionando com as pessoas da própria geração, com pessoas mais jovens e com aquelas (ainda mais) velhas. Na velhice, uma série de temas e estilos de vida marcados pela biografia se cristalizaram e podem servir, ao mesmo tempo, como base para novos inícios e liberdades tardias. Nesta perspectiva, o presente artigo considera principalmente as relações inter e multigeracionais, bem como o contexto sócio histórico, como quadro de referência e fatores de influência ao processo de formação na maturidade.

Texto na íntegra em PDF

REFERÊNCIAS

BRONFENBRENNER, Urie; MORRIS, Pamela A. The Ecology of Developmental Processes. In: DAMON, William; MUSSEN, Paul Henry (Ed.). Handbook of Child Psychology: theoretical models of human development, New York, Wiley, n. 05, v. 01, p. 993-1028, 1998. [ Links ]

FAIMBERG, Haydée. Die Ineinderrückung (Telescoping) der Generationen. Jahrbuch für Psychoanalyse, v. 20, p. 114-142, 1987. [ Links ]

FOOKEN, Insa. Die Einsamkeit der Sehnsucht - Zur lebenslangen Vater-Sehnsucht vaterloser Töchter. Psychotherapie im Alter, v. 17, n. 4, p. 505-518, 2012. [ Links ]

KESTENBERG, Judith. How Children Remember and Parents Forget. International Journal of Psychoanalytic Psychotherapy, v. 1-2, p. 103-123, 1972. [ Links ]

Recebido: 09 de Junho de 2014; Aceito: 28 de Julho de 2014

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