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Educação e Realidade

versão impressa ISSN 0100-3143

Educ. Real. vol.40 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2015

https://doi.org/10.1590/2175-623644605 

Artigos

Drogas na Escola: análise das vozes sociais em jogo

Drugs in School: analysis of social voices

João Paulo Pereira Barros I  

Veriana de Fátima Rodrigues Colaço I  

IUniversidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza/CE - Brasil


RESUMO

O artigo visa analisar vozes sociais em jogo na produção de sentidos sobre drogas entre adolescentes, em um grupo de discussão sobre saúde no contexto escolar. Ancorando-se na Saúde Coletiva e nos legados de Vigotski e Bakhtin sobre os processos de significação, são utilizados dados de uma pesquisa de mestrado operacionalizada por observações-participantes e pela formação de um grupo de discussão em uma escola pública de Fortaleza/CE. Os resultados apontam tensões entre vozes sociais nos posicionamentos dos adolescentes sobre drogas, destacando a força com que vozes alusivas a um discurso de guerra às drogas e a estratégias proibicionistas ainda circulam no contexto escolar, em que pese a emergência da perspectiva de redução de danos.

Palavras-Chave: Adolescência; Drogas; Escola

ABSTRACT

This article aims to analyze social voices at play in the production of meanings about drugs among adolescents in a group discussion on health in the school context. Based on Public Health and the legacy of Vigotski e Bakhtin on the processes of signification, data for a Master thesis, developed by means of participant observation and a discussion group in a public school in Fortaleza/CE, are used. The results indicate tensions between social voices on the claims of adolescents about drugs, highlighting the strength with which a speech alluding to the war on drugs and prohibitionist strategies voices still circulate in the school context, despite the emergence of the harm reduction perspective.

Key words: Adolescence; Drugs; School

Este artigo se configura como uma aposta na intercessão entre os campos da Educação e da saúde, tendo como objetivo compartilhar resultados de uma pesquisa de mestrado, ligada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), que teve como intuito principal compreender o caráter mediador das interações de um grupo de discussão sobre saúde, realizado com adolescentes de uma escola pública de Fortaleza, nos posicionamentos dos participantes. Neste texto, especificamente, objetiva-se enfocar e discutir os sentidos que foram produzidos pelos participantes acerca do tema drogas - um dos assuntos debatidos no grupo - e as vozes sociais em jogo nesses processos de produção. Esse enfoque se justifica pelo fato de ser este um tema que vem suscitando grandes inquietações entre os atores escolares e entre os meios de comunicação, cotidianamente.

Teoricamente, a referida pesquisa de mestrado esteve ancorada no campo da Saúde Coletiva, ressaltando a produção social dos processos de saúde, doença e cuidado. Além disso, para dar conta da compreensão dos processos de significação atinentes às interações entre os participantes do grupo de discussão, a pesquisa buscou referência na Psicologia Histórico-Cultural, criada por Vigotski, e na Filosofia da Linguagem delineada por Bakhtin. Sobre alguns aspectos que aproximam Vigotski e Bakhtin, ambos construíram suas perspectivas sob a inspiração do materialismo histórico-dialético, estabelecendo o plano culturalmente constituído da sociabilidade humana como ponto fulcral para a tematização da consciência. Ademais, tanto um quanto o outro, apesar de em muitos momentos versarem sobre temas diferentes, contrapuseram-se a correntes objetivistas e subjetivistas, seja no âmbito da Psicologia, no caso de Vigotski, seja no âmbito dos estudos da linguagem, no caso de Bakhtin. Ao problematizarem perspectivas objetivistas e subjetivistas ao longo da construção de suas ideias, Vigotski e Bakhtin deixavam clara a tentativa de operar rupturas com a dicotomia social/individual, lançando mão do método dialético. Em decorrência, ambos os autores se notabilizam em seus campos de interesse por situarem as relações sociais como constituintes do funcionamento humano e como princípio explicativo deste funcionamento. Mas, apesar de muitos pontos de aproximação, cumpre registrar que há também diferenças entre essas perspectivas. Por exemplo, a unidade de análise dos estudos de Bakhtin era o enunciado, enquanto que o significado da palavra era a unidade de análise das investigações vigotskianas sobre a relação pensamento-linguagem. Ademais, Freitas (1996, p. 159) aponta diferenças quanto ao enfoque em determinadas temáticas:

Vygotsky, ao reformular a psicologia numa perspectiva marxista, pouco se deteve na discussão de temas como: lutas de classes, ideologia, relações infra-super-estrutura, instituições sociais. Foi Bakhtin quem se preocupou especialmente com essas questões. Daí ter situado a fala corrente num contexto mais amplo, identificando várias expressões ideológicas que interligam e se multideterminam. Vygotsky; interessado em como se constroem as funções psicológicas tipicamente humanas; situou a fala corrente num contexto mais restrito: o das relações imediatas entre os indivíduos, porém sem perder a dimensão mais ampla do meio cultural e da história.

Em que pesem essas peculiaridades nas perspectivas vigotskiana e bakhtiniana, neste artigo se apostou na possibilidade de que tal interlocução seria profícua para lançar luzes sobre os processos de significação. Assim, com base no diálogo entre esses dois autores, os sentidos sobre os temas trabalhados no grupo de discussão, em meio às atividades discursivas em que estiveram envolvidos os participantes, foram concebidos como acontecimentos semânticos particulares, constituídos, dialogicamente, nas relações sociais, a partir da articulação de diferentes vozes sociais que atravessavam os enunciados dos participantes (Vigotski, 2001; Bakhtin, 2002).

Com efeito, tomando por base os dados produzidos pela pesquisa supramencionada, este artigo buscará dar conta dessas duas questões específicas: que sentidos foram produzidos sobre o tema drogas em meio às interações daquele grupo de discussão sobre saúde? Que vozes sociais estiveram em jogo nesse processo de produção de sentidos sobre esse tema?

Uma variedade de estudos indica a elevação do consumo precoce e abusivo de drogas lícitas ou ilícitas no Brasil (BEMFAM, 1992; Paulilo; Jeolás, 2000; Souza; Monteiro, 2011). Assim, abordagens preventivas frente ao uso de drogas têm sido amplamente consideradas, por especialistas e por significativa parcela da população, como necessidade mundial e premente.

A estratégia de minorar o uso indevido de drogas ganhou evidência a partir da década de 70 do século XX. Naquele período, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) passou a salientar o papel da escola como espaço da maior importância para a realização de uma abordagem preventiva ao abuso de drogas (Moreira; Silveira; Andreoli, 2006). Soares e Jacobi (2000) destacam a relevância da escola como local privilegiado para trabalhar prevenção às drogas pela possibilidade de acesso aos jovens e por seu lugar socialmente legitimado como instituição formadora de crianças e adolescentes.

Não obstante, são múltiplos os modelos de intervenção na instituição escolar ante o uso abusivo de drogas. Moreira, Silveira e Andreoli (2006) citam, por exemplo, três tipos de estratégias preventivas: 1) diminuição da oferta de substâncias, envolvendo, sobretudo, ações de repressão; 2) redução da demanda por parte do usuário, voltando-se para intervenções pedagógicas; e 3) influência sobre as circunstâncias favorecedoras da oferta e da procura, referindo-se a intervenções com o intuito de alterar o contexto onde a saúde se constitui. Dessa forma, as intervenções no cotidiano escolar abrangem estratégias de redução de demanda e/ou ações na intercessão entre oferta e demanda. Mülller, Paul e Santos (2008, p. 610), assim como Moreira, Silveira e Andreoli (2006), ressaltam duas das principais posturas pelas quais se abordam o uso e o abuso de substâncias psicoativas no contexto escolar:

(...) a primeira que estimula a proibição, pela diminuição da oferta, com informações que se caracterizam pelo apelo moral e produção de medos, persuadindo as pessoas à abstinência; a segunda é a redução de danos, com propostas como: oferecimento de alternativas, educação para a saúde e modificações das condições de ensino.

Na primeira abordagem, historicamente mais tradicional, a maior concentração de esforços se dá na transmissão de informações proibicionistas, com foco na abstinência, seguindo, em geral, um modelo educativo de aprendizado passivo. Já a redução de danos é uma política de saúde cujo intuito é reduzir os prejuízos biológicos, sociais e econômicos do uso de drogas, a partir de cinco princípios: 1) contraposição aos modelos moral, criminal e de doença; 2) crítica à proposta da abstinência como discurso único no tocante à prevenção ao uso abusivo de substâncias psicoativas, aceitando, portanto, alternativas que minimizem os danos, uma vez que o foco deixa de ser a droga em si, mas a qualidade de vida do indivíduo em sua integralidade; 3) defesa dos direitos do dependente; 4) promoção de acesso a serviços que acolhem usuários de forma mais tolerante, não exigindo a abstinência total como condição prévia para a aceitação ou permanência do usuário; 5) adoção de pragmatismo empático versus idealismo moralista.

Ao publicar a Política Nacional sobre Drogas, em 2005, o Ministério da Saúde adotou a abordagem de redução de danos como estratégia de prevenção ao uso abusivo de substância psicoativa, articulando-a ao conceito de promoção de saúde e à ampliação do conceito de saúde, enfocando sua multidimensionalidade (Müller; Paul; Santos, 2008)

Ao tratar das orientações gerais para prevenir o uso abusivo de drogas, tal política reafirma o papel primordial da escola, ao apontar que a efetiva prevenção resulta do comprometimento conjunto de diferentes segmentos sociais e órgãos governamentais da sociedade brasileira, de modo a multiplicar ações que incentivem a socialização de conhecimentos sobre drogas, o protagonismo juvenil e a produção de saúde. A participação da escola também figura entre as diretrizes dessa política, na medida em que, por exemplo, propõe-se a capacitação continuada de educadores e a inclusão de conteúdos referentes ao uso indevido de drogas, no ensino básico e superior (Brasil, 2005).

Texto na íntegra em PDF

REFERÊNCIAS

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Recebido: 14 de Janeiro de 2014; Aceito: 09 de Outubro de 2014

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