Introdução
Uma revisão de artigos publicados na revista Cultural Studies nesses primeiros anos do século XXI revela a expansão que teve esse campo de estudos, cuja emergência é usualmente associada ao Centro de Birmingham, Reino Unido, nos anos 1960, bem como as tendências que têm (re)configurado tais estudos no encontro com outras tradições ao longo do tempo.
Assim, esta revista, que passou a ser editada no ano de 1987 - e cujo Editor-chefe é o renomado professor Lawrence Grossberg, codiretor do programa de Cultural Studies do departamento de Communication Studies da Universidade da Carolina do Norte, EUA -, e que desde 2002 coloca em circulação seis números por ano, tem publicado dossiês que focalizam investigações conduzidas em Estudos Culturais em diferentes países. Entre esses, figuram, por exemplo, dossiês sobre Estudos Culturais Chineses (v. 31, n. 6, 2017), Estudos Culturais Australianos (v. 29, n. 4, 2015), Estudos Culturais Latino-americanos (v. 25, n. 1, 2011 e v. 25, n. 3, 2011), Estudos Culturais Irlandeses (v. 24, n. 6, 2010 e v. 15, n. 1, 2001), Estudos Culturais Eslovenos (v. 24, n. 5, 2010) e Estudos Culturais Austríacos (v. 16, n. 2, 2002). No que se refere às temáticas, a revista foca em questões controversas e atuais, algumas mais particulares a determinados contextos nacionais, tais como o ressurgimento do racismo na América Latina em práticas indigenistas no México e Equador, políticas decolonialistas e disputas raciais na Colômbia e Peru (v. 32, v. 3, 2018), outras mais amplas que destacam, por exemplo, usos e efeitos das mídias digitais (v. 32, n. 4, 2018), subjetividades, afetos, memórias em diferentes situações e localidades (v. 32, n. 1, 2018), o capitalismo e o pós-trabalho em diferentes situações e locais do mundo (v. 31, v. 5, 2017), o populismo nos discursos políticos (v. 31, n. 4), subalternidades (v. 30, v. 5, 2016), questões financeiras que adentram o cotidiano nos encontros entre o monetário e o mundano em diferentes práticas, arranjos, moralidades, afetos, rotinas e contextos (v. 29, n. 5/6, 2015), cenas culturais como complexos multidimensionais de significação (v. 29, n. 3, 2015), tecnologias de vigilância nas sociedades contemporâneas (v. 29, n. 2, 2015), neoliberalismo, imigrações, direitos humanos (v. 28, n. 5/6, 2014), feminismos e neoliberalismo (v. 28, n. 3, 2014), relações entre colonialismo e modernidade (v. 26, n. 5, 2012), cultura da convergência (v. 25, n. 5/4, 2011), transnacionalismos e hibridações de formas culturais globais em questões ambientais (v. 22, n. 3/4, 2008), entre inúmeras outras temáticas que indicam a amplitude dos interesses dos investigadores que atuam no campo dos Estudos Culturais, bem como os processos de internacionalização ocorridos nesses estudos.
Articulações procedidas entre Estudos Culturais e campos de saber, tais como a Comunicação (v. 29, n. 1, 2015), o Direito (v. 28, n. 5/6, 2014) e a Educação (v. 25, n. 1, 2011), também são tratadas em artigos desta revista, além de alguns números dedicarem-se a registrar a importância das produções de autores, tais como Graeme Turner (v. 29, n. 4, 2015), Stuart Hall (v. 29, n. 1, 2015) e Richard Hoggart (v. 29, n. 2, 2015), para o campo dos Estudos Culturais, em edições que registram seus falecimentos.
Frente à multiplicidade de questões e temáticas abordadas pela revista, bem como de artigos escritos por pesquisadores australianos, canadenses, chineses, sul-coreanos, norte-americanos, africanos, finlandeses, indianos, japoneses, eslovenos, ingleses, colombianos, argentinos, entre outros, foi surpreendente constatar que estudos conduzidos no Brasil, ou por estudiosos brasileiros no campo dos Estudos Culturais, não figuram em nenhuma das edições desta revista, ao longo dos trinta e um anos em que é publicada. Surpreendente foi, também, constatar que na edição que destacou centralmente o tema da institucionalização dos Estudos Culturais latino-americanos (v. 25, n. 1, 2011) constam somente artigos e entrevistas com investigadores de Estudos Culturais peruanos, argentinos, colombianos, chilenos e norte-americanos. Aliás, a única referência feita ao Brasil corresponde a um pedido de desculpas feito pelos organizadores do dossiê - os professores da Universidade Javeriana de Bogotá, Gregory J. Lobo e Jeffrey Cedeño, e da Universidad de los Andes, Chloe Rutter-Jensen -, por não terem incluído qualquer comentário sobre a institucionalização dos Estudos Culturais no Brasil.
Nosso estranhamento robusteceu-se quando, igualmente, constatamos a ausência de produções de autores brasileiros no International Journal of Cultural Studies (uma publicação da Universidade de Wisconsin Madison, EUA, editada pela Sage, e cujo editor chefe é Jonathan Gray, professor de Media e Cultural Studies na referida universidade, no European Journal of Cultural Studies e na revista Open Cultural Studies. O European Journal of Cultural Studies é um periódico publicado desde 1998, pela Sage, cujos editores são Pertti Alasuutari (Universidade de Tampere, Finlândia), Jon Cruz (Universidade da Califórnia, EUA), Ann Gray (Lincoln School of Film & Media, Reino Unido), e Joke Hermes (Universidade de Amsterdam, Holanda). Já a revista Open Cultural Studies, cujo editor chefe é o professor Toby Miller1, começou a circular no ano de 2017. A revista se caracteriza por ter uma periodicidade anual, com um número elevado de artigos, todos disponibilizados online.
Enfim, se considerarmos apenas essas publicações direcionadas à divulgação de investigações conduzidas no campo dos Estudos Culturais, não serão encontrados vestígios da realização desses estudos no Brasil, pois há nelas um silenciamento, ou desconhecimento do interesse e impacto que este campo alcançou nos estudos universitários no país.
Menos que indicar motivos para tal silenciamento, pois esse pode decorrer, inclusive, da inexistência de iniciativas dos pesquisadores brasileiros em submeter artigos de seus estudos à publicação nestas revistas, ou da opção de publicá-los em periódicos mais próximos às áreas em que realizaram suas formações primeiras, ou naquelas endereçadas a campos com os quais os Estudos Culturais fazem conexões importantes, como os Estudos de Gênero, os Estudos Pós-Coloniais, Estudos Étnicos e Raciais etc., nosso propósito, neste artigo, é apontar para a produtividade acadêmica dos Estudos Culturais no Brasil.
Não temos a pretensão de cobrir todas as iniciativas, ações e situações implicadas com a produção de Estudos Culturais no Brasil. Nossa incursão ateve-se mais a algumas áreas e, a partir dessas, à apresentação de alguns estudos que circulam em meios mais facilmente acessáveis, que incluem a divulgação na internet.
Foram três os procedimentos metodológicos principais que orientaram esta revisão em torno dos Estudos Culturais: (a) o primeiro procedimento envolveu uma ampla varredura nos principais periódicos internacionais centrados no campo dos Estudos Culturais - Cultural Studies, International Journal of Cultural Studies, European Journal of Cultural Studies e Open Cultural Studies; (b) o segundo procedimento metodológico envolveu a pesquisa no Google Acadêmico e em outras plataformas específicas de pesquisa acadêmica, procurando rastros da presença dos Estudos Culturais em múltiplas áreas de pesquisa no Brasil; (c) um terceiro procedimento metodológico envolveu investigar as filiações institucionais, os grupos de pesquisa, os currículos mantidos na plataforma Lattes do CNPq e, eventualmente, entrevistas disponibilizadas online, sites de universidades, sites pessoais e outras informações que pudessem situar o pesquisador dentro de um contexto acadêmico mais amplo. Por fim, passamos a agrupar os pesquisadores em torno das diferentes áreas do conhecimento e, também, por conceitos e/ou temáticas em comum.
Mesmo cientes das incompletudes da revisão que apresentamos neste artigo, parece-nos importante divulgá-la por constituir uma tentativa de reunir um conjunto de produções que se encontram difusas no cenário nacional.
O Impacto dos Estudos Culturais em diversas Áreas do Conhecimento no Brasil
Na área da Comunicação, no sul do Brasil, os Estudos Culturais tiveram grande impulso com a publicação do artigo Uma introdução aos Estudos Culturais, de Ana Carolina Escosteguy (1998). Neste artigo, a autora - à época professora da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Famecos PUCRS), então em fase de doutoramento junto à Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA USP) e tendo realizado estudos no departamento de Estudos Culturais e Sociologia da Universidade de Birmingham2 - apresentou algumas das ideias de autores que pensaram sobre a área da Comunicação Social, e sobre questões caras ao jornalismo, à publicidade e à propaganda, a partir da perspectiva dos Estudos Culturais britânicos e estadunidenses entre os anos 1970, 1980 e 1990: o conceito de audiência; a recepção de conteúdos diversos por um determinado público; a codificação/decodificação da mídia; outras formulações no que diz respeito ao conceito de cultura, cultura popular, cultura hegemônica, etc.; a noção de conteúdo, de texto e de mensagem; dentre outras. Nesse sentido, Escosteguy sistematizou as ideias de Stuart Hall3, David Morley4, James Curran5, George Yudice6, Paul Willis7, Martin Barker8, Chen Kuan-Hsing9, Graeme Turner10 etc., com o objetivo de introduzir ao campo “[...] aqueles que se iniciam no estudo das teorias da comunicação” (Escosteguy, 1998, p. 87).
Três anos mais tarde, em Cartografias dos Estudos Culturais: uma versão latino-americana, Escosteguy (2001) apresentou contextos, singularidades e expoentes dos Estudos Culturais na América Latina - dentre eles, Carlos Monsiváis11, Guillermo Orozco Gómez12, Rossana Reguillo13, Guillermo Sunkel, José Joaquín Brunner, Beatriz Sarlo14, o brasileiro Renato Ortiz (cujos trabalhos serão abordados oportunamente) e, em especial, Néstor García Canclini15 e Jesús Martín-Barbero16, tratados como “[...] figuras-chave na constituição da perspectiva dos estudos culturais em solo latino-americano” (Escosteguy, 2001, p. 41). Já em artigo publicado no ano de 2004, Escosteguy teceu considerações mais específicas acerca dos Estudos Culturais no Brasil, registrando que, até aquele momento, eram “[...] muito poucas as contribuições em circulação sobre a recepção brasileira dos estudos culturais e mais raras ainda, quando se identifica essa tradição com uma determinada abordagem anglo-saxônica de análise cultural” (Escosteguy, 2004, p. 19). Ainda nesse artigo é interessante destacar que há referência a esforços do então professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, Fernando Correia Dias, que, em texto publicado no ano de 1994 17, buscara registrar as temáticas culturais da realidade brasileira no pensamento sociológico do país. Escosteguy referiu, também, análises conduzidas pela professora de Literatura Inglesa da USP, Maria Elisa Cevasco, no ano de 200318, e pelo então professor da ECA da USP, Luiz Roberto Alves, que reivindicam a existência de uma reflexão brasileira de caráter semelhante à narrativa britânica dos Estudos Culturais, porém anterior àquela19 presente, por exemplo, no pensamento de Antônio Cândido (Escosteguy, 2004, p. 19).
Passados cerca de 15 anos dessas considerações, é possível dizer que vários estudos registram como, no âmbito brasileiro, os Estudos Culturais têm sido conectados produtivamente a diferentes áreas de estudo. Passamos, a seguir, a apresentar alguns desses estudos, não sem antes lembrar que, no ano de 1986, foi criada a Coordenação Interdisciplinar de Estudos Culturais (Ciec)20, sob liderança da professora Heloísa Buarque de Hollanda21, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dessa iniciativa decorreram outras, tais como a criação do Laboratório de Pesquisa de Pós-graduação da Escola de Comunicação, nessa mesma Universidade, no ano de 1994, ao qual se vincularam pesquisadores importantes no campo da cultura. Atualmente intitulado Coordenação Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos (Ciec), este núcleo de pesquisa vincula-se ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ. Ligada a esse núcleo, que se estrutura em três linhas de pesquisa Cultura e Identidade; Estudos da Cidade e da Comunicação; e Imagem, Estética e Poderes22, está a professora Liv Sovik (2003; 2009), que, entre as inúmeras contribuições trazidas ao campo dos Estudos Culturais no Brasil, traduziu e organizou a publicação de um importante número de estudos de Stuart Hall, integrantes do livro Da diáspora: identidades e mediações culturais: Stuart Hall, publicado em 2003, e de Aqui ninguém é branco, 2009.
Também vinculado a este Programa de Pós-Graduação está o professor João Freire Filho (2007)23, professor da Escola de Comunicação da UFRJ, que no livro Reinvenções da resistência juvenil: os Estudos Culturais e as micropolíticas do cotidiano se dedica ao estudo dos fãs nas culturas juvenis. O pesquisador constrói o fã como um sujeito ativo, “[...] consumidor astuto, capaz de processar criativamente os sentidos de produtos de circulação massiva, elaborando, a partir deles, um conjunto variado de práticas, identidades e novos artefatos” (Freire Filho, 2007, p. 82) - distante, portanto, das teorizações usualmente oriundas da Psiquiatria e da Psicologia, hegemônicas quando se tratam de analisar essa fase da vida. Como produtor de conteúdos, práticas e modos de vida, o fã, de modo participativo e colaborativo, movimentaria sobremaneira a cultura contemporânea. Outras produções de João Freire Filho mostram a estética como produção cultural (Freire Filho, 2009), a passionalidade dos fãs nas redes sociais e os discursos de ódio (Freire Filho, 2013), a retórica da felicidade como valor na contemporaneidade (Freire Filho, 2010; 2017) etc.
No âmbito dos estudos de comunicação realizados no sul do País, salientamos os trabalhos de Nilda Jacks, professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acerca dos estudos de recepção no Brasil - ver, por exemplo, o artigo intitulado O legado de Stuart Hall para os estudos de recepção no Brasil (Jacks; Wottrich, 2016), o livro Mediação & Midiatização (Mattos; Janotti Junior; Jacks, 2012), o livro Comunicação e Recepção (Jacks; Escosteguy, 2005) e Meios e audiências III: reconfigurações dos estudos de recepção e consumo midiático no Brasil (Jacks; Piedras; Pieniz; John, 2017). De acordo com Jacks e Wottrich (2016), o pensamento de Stuart Hall chega ao campo da Comunicação no Brasil por meio do texto Encoding, decoding24 - ou seja, vinculado aos Estudos de Recepção, às pesquisas de audiência, ao tema das identidades na Pós-Modernidade e das mediações culturais, em um contexto de “[...] crescimento dos programas de pós-graduação em Comunicação [e de] maior circulação de docentes e discentes em congressos internacionais” (Jacks; Wottrich, 2016, p. 162).
É importante ressaltar a centralidade dos deslocamentos teóricos produzidos pelo pensamento de Stuart Hall na área da Comunicação: (a) em um primeiro momento, o autor se posiciona contrariamente à noção de conteúdo como “[...] um sentido ou uma mensagem pré-formada e fixa, que pode ser analisada em termos de transmissão do emissor para o receptor” (Hall, 2003, p. 354); (b) Hall também se posiciona de modo contrário à acepção de unilinearidade e de fluxo unidirecional da mensagem - isto é, o (ainda) usual e tradicional entendimento de que “[...] o emissor origina a mensagem, a mensagem é, ela própria, bastante unidimensional, e o receptor a recebe” (Hall, 2003, p. 354) - e, ao problematizar o modelo emissor/receptor tradicionalmente assentado no campo25, Hall se transforma em um autor ubíquo, assumindo “[...] o pa pel central de suscitador de discussões teóricas” (Jacks; Wottrich, 2016, p. 166).
No mesmo contexto regional, Flavi Ferreira Lisboa Filho, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desenvolve seus estudos em torno dos conceitos de identidade cultural e de representação a partir de Hall, bem como explora o circuito da cultura como um tipo de metodologia em pesquisa na área da Comunicação. O pesquisador, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM, tem publicado nos últimos anos sobre as representações de mulher e o gauchismo na mídia local (Henriques; Lisboa Filho, 2017a; 2017b), sobre os múltiplos significados envolvendo a fronteira gaúcha (Lisboa Filho; Pozza, 2017), sobre questões relativas a produtos midiáticos distintos (como os reality shows brasileiros e o discurso jornalístico), sobre a produção de identidades juvenis gauchescas em múltiplos veículos de comunicação etc. Cabe também indicar que Lisboa Filho, em colaboração com Baptista, buscou reunir, no ano de 2017, em e-book intitulado Estudos Culturais e interfaces: objetos, metodologias e desenhos de investigação, investigações conduzidas no Brasil e em Portugal (Lisboa Filho; Baptista, 2016).
Ainda na área de Comunicação Social, autoras como Saraí Schmidt (Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Universidade Feevale) e Tatiana de Oliveira Amêndola Sanches (Grupo de Pesquisa em Subjetividade, Comunicação e Consumo ligado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing e da Fundação Armando Álvares Penteado) têm os Estudos Culturais como inspiração para seus estudos. As produções de Schmidt giram em torno de temas como as juventudes e as infâncias contemporâneas (Mentz; Schmidt, 2018; Fioravante; Schmidt, 2018), a cultura da mídia e do consumo (Pilger; Schmidt, 2017; Constante; Schmidt, 2017; Horlle; Schmidt, 2017; Pilger; Schmidt, 2016) localizando-se, portanto, em uma zona de fronteira entre os campos da Comunicação Social, dos Estudos Culturais e da Educação. Já os estudos empreendidos por Sanches (2011) e seus colaboradores focalizam aspectos muito diversos da cultura contemporânea - o fenômeno cosplay, os grafites urbanos, a gameficação da cultura, os reality shows brasileiros, as séries estadunidenses etc.
Apesar de termos aqui referido um número restrito de estudos, buscamos, através deles, apontar para perspectivas (e essas nem sempre são coincidentes) que ganharam espaço nos encontros procedidos entre Estudos Culturais e o campo da Comunicação. Renato Ortiz26, um dos autores mais lembrados fora do Brasil como representante dos Estudos Culturais aqui praticados, assinala o papel que as escolas de Comunicação tiveram no acolhimento a esses estudos, registrando, também, as tensas relações que pautam o encontro dos Estudos Culturais com os saberes disciplinares das Ciências Sociais. Segundo ele,
[...] a penetração dos Estudos Culturais se faz pelas bordas, ou seja, para utilizar uma expressão de Bourdieu, na periferia do campo hierarquizado das ciências sociais, particularmente nas escolas de comunicação (o que certamente demonstra o conservantismo de disciplinas como sociologia, antropologia, literatura). Entretanto, mesmo assim, nenhuma delas se propõe a modificar o seu estatuto institucional (Ortiz, 2004, p. 120-121).
Seus comentários, nesse mesmo artigo, registram processos implicados na consolidação disciplinar do campo das Ciências Sociais, nos Estados Unidos da América e no Brasil, e indicam ter ocorrido uma institucionalização tardia dessas ciências em nosso país (Ortiz, 2004, p. 122). E isso, talvez, explique a resistência dessas Ciências às propostas de multidisciplinaridade/interdisciplinaridade/transdisciplinaridade associadas aos Estudos Culturais. Ortiz relativiza as críticas à especialização, ressaltando que, embora persista a impressão de que ela esteja mais vinculada “[...] aos interesses dos grupos profissionais, que disputam verbas de pesquisa e posições de autoridade no campo intelectual” (Ortiz, 2004, p. 122), uma visão disciplinar pode permitir análises mais detalhadas de determinados eventos. E ele igualmente salienta ser inapropriado pensar-se a multidisciplinaridade como sinônimo de fim das fronteiras por terem as fronteiras valor relacional e se estabelecerem em articulação às verdades disciplinares. Então, “[...] os horizontes disciplinares surgem não como um entrave a ser abolido, mas como ponto de partida para uma viagem entre saberes compartimentados” (Ortiz, 2004, p. 122).
Aliás, na contramão dos recortes que certos ramos disciplinares estabeleceram para pensar a cultura27, as abordagens multidisciplinares suscitaram a inclusão de discussões sobre o poder nas análises dos fenômenos culturais, em um movimento em que o universo da cultura passa “[...] a ser percebido como uma encruzilhada de intenções diversas, como se constituísse um espaço de convergência de movimentos e ritmos diferenciados: economia, relações sociais, tecnologia etc.” (Ortiz, 2004, p. 124).
Relações tensas também perpassam as articulações buscadas entre Literatura e os Estudos Culturais, tanto por conta das disputas que envolvem relações disciplinares, na direção indicada por Ortiz (2004), quanto nas decorrentes dos redirecionamentos ocorridos nos Estudos Culturais nos cinquenta e quatro anos transcorridos a partir da sua emergência no Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), da Universidade de Birmingham, Reino Unido. Como ressaltou Eneida Leal Cunha28 (2005), os Estudos Culturais suscitaram a um só tempo repulsa e adesão no âmbito dos Estudos Literários brasileiros, situação que se expressa, segundo ela, até mesmo no modo reticente como Programas de Pós-graduação dessa área geralmente aludem à inclusão desses estudos em suas linhas de pesquisa.
A repulsa, segundo Pontes Júnior (2014, p. 17), decorre do “[...] descrédito de críticos preocupados com as particularidades do literário e a delimitação do campo do comparativismo como exclusivo da teoria (quase ciência) literária”. Já a adesão tem a ver com a flexibilidade que o campo dos Estudos Culturais propõe e com a concordância acerca de procederem-se revisões “[...] de uma teoria em crise diante da diversidade heterodoxa, que se instaurou ao conturbado final do século XX” (Pontes Júnior, 2014, p. 17)29.
Uma visão bastante polêmica dessas relações é postulada por Maria Elisa Cevasco (2014), que aponta para o papel fundacional que a USP e alguns de seus professores - Antonio Candido (1918-2017)30, considerado um dos ícones da intelectualidade brasileira, Roberto Schwarz (1938-)31 e Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977)32 - tiveram relativamente aos Estudos Culturais no Brasil. Cevasco ressalta que, apesar desses autores não se reconhecerem como ligados a esses Estudos, suas produções literárias33 aproximam-se das análises conduzidas por Raymond Williams34, autor que, segundo ela, congrega os atributos mais pertinentes à crítica cultural. Aliás, em seu ponto de vista, “[...] os estudos culturais no Brasil devem dar uma volta histórica, para uma ótica materialista” (Cevasco, 2014, p. 1), tendo em vista ter ocorrido um progressivo esvaziamento, em anos mais recentes, dos seus propósitos políticos e de crítica social. A autora critica fortemente as versões de Estudos Culturais que enfatizam a culturalização da política - os que pensam que “[...] a única política possível é a política cultural” (Cevasco, 2003a). Tal posicionamento seria revelador da mercantilização da disciplina em sua internacionalização, a partir dos Estados Unidos da América35 (Cevasco, 2016, p. 210-211), sendo essa a versão que teria proliferado no Brasil. Mesmo que ela sublinhe que “[...] os estudos culturais não foram a única disciplina a sofrer com a banalização, uma das muitas consequências do modo de vida de nossos dias, pouco propício a aprofundar os saberes” (Cevasco, 2016, p. 206), o retrocesso por ela apontado decorreria de “[...] uma tendência forte de fazer teoria pela teoria, desvinculada da esfera histórico-social” (Cevasco, 2003a). Cabe registrar, no entanto, que as relações buscadas entre Estudos Culturais e Estudos Literários não se esgotam nas breves considerações que acima fizemos e que estão centradas em determinadas direções imprimidas a esses estudos. Ressaltamos, mais uma vez, o importante papel desempenhado por Heloisa Buarque de Hollanda, mas, também, por Beatriz Resende, ambas ligadas ao campo dos Estudos Literários, na criação do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC), projeto de ensino e pesquisa desenvolvido junto ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ. Citamos, ainda, realizações assinaladas como decorrentes deste projeto: o Prossiga/REI de Estudos Culturais, um repositório informativo para a pesquisa em rede organizado por iniciativa do CNPq e apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e um núcleo editorial que publica, atualmente, o Boletim E-NEWS e a Revista Z, sob a coordenação da professora da Faculdade de Letras da UFRJ Beatriz Resende. E indicamos que Heloisa Buarque de Hollanda36 é autora/organizadora de inúmeros estudos que focalizam relações de gênero, diversidade cultural, as chamadas literatura e poesia marginais, autores/autoras e produções culturais brasileiras singulares, entre outros temas e abordagens que têm implicado na sua caracterização como uma profissional arrojada e combativa, um verdadeiro tsunami, que foge dos parâmetros acadêmicos. Beatriz Resende (2004) igualmente aborda em seus textos uma variedade de temas que focalizam questões relativas ao contexto cultural brasileiro. No texto intitulado Estudos Literários, Estudos Nacionais, Estudos Culturais: reflexões em diálogo, ela examina a proposição do campo dos Estudos Brasileiros37 para integrar o conjunto dos novos estudos latino-americanos, colocando-os em diálogo (mas não em oposição) com os Estudos Culturais. Ao referir que aprecia nos Estudos Culturais a sua apresentação como estudos, Resende (2004) destaca que isso se relaciona à provisoriedade e à abertura que esses estudos oferecem para lidar com as muitas dúvidas que assolam esse conturbado início de século XXI. Quanto aos chamados Estudos Brasileiros, a autora coloca em questão o uso da designação restritiva e delimitadora de território, que lhe parece promover a afirmação de uma identidade, que pode ser tanto mitificadora, quanto excludente38. Ao assinalar a existência de uma nova gama de saberes e de manifestações culturais que não são abrangidas pelos repertórios disciplinares, Resende (2004) aproxima-se das considerações tecidas por Ortiz (2004), ao referir a importância das interlocuções entre os estudos de área e os Estudos Culturais. Como a autora ressalta,
[...] é na pluralidade cultural, no reconhecimento das diversas subjetividades, nas múltiplas identidades e na certeza de que, por exemplo, existem na literatura brasileira, muitas literaturas brasileiras, no Brasil, muitos Brasis, que está a possibilidade de se reconhecer o complexo, o diferente, o outro (Resende, 2004).
Relativo às articulações conduzidas entre Antropologia e Estudos Culturais, cabe referir o trabalho conduzido por José Jorge de Carvalho39 no projeto Encontro de Saberes, desenvolvido a partir da Universidade de Brasília. Como Carvalho (2010) relata, neste projeto, professores e professoras dos saberes tradicionais latino-americanos (xamãs, artesãos, arquitetos indígenas, músicos, especialistas em plantas medicinais) atuam como professores de cursos regulares na Universidade. Segundo ele,
[...] os Estudos Culturais, enquanto estudos críticos da cultura, devem prover a fundamentação teórica, metodológica e política para que as universidades latino-americanas, que foram constituídas como brancas, excludentes, racistas e dedicadas a reproduzir unicamente o saber eurocêntrico moderno, finalmente se transformem no que elas deveriam ter sido desde a sua fundação: centros multiepistêmicos de estudos, abertos a todos os saberes criados e vigentes em nosso continente - saberes ocidentais, indígenas, afro-americanos, e das comunidades tradicionais (Carvalho, 2010, p. 230).
Carvalho (2010) salienta que os Estudos Culturais têm um novo papel a desempenhar na América Latina, ao se configurarem como uma proposta não sectária, interdisciplinar e fundamentalmente eclética, contrastante com as das disciplinas canônicas. Em texto anterior, Carvalho (2001) sintetizara a importância do encontro entre Estudos Culturais e os estudos em Antropologia ao destacar que os primeiros
[...] avançaram num campo fundamentalmente interdisciplinar (abrangendo inclusive uma parte do que há menos de trinta anos atrás era considerado de interesse exclusivo dos antropólogos) e liderados pelas propostas teóricas de Stuart Hall, propõem uma nova abordagem para uma etnografia das expressões culturais contemporâneas, refazendo os esquemas vigentes de interpretação de temas como identidade, relações raciais, sexualidade, pertença étnica, hibridismo cultural, etc. (Carvalho, 2001, p. 108).
Destacamos, também, estudos desenvolvidos por Neusa Maria Mendes de Gusmão40, até porque essa autora não partilha uma visão tão otimista quanto a de Carvalho relativa ao papel que os Estudos Culturais assumiriam em seu encontro com a Antropologia. Além disso, seus estudos referem já em seus títulos a tentativa de discutir as relações procedidas ao longo do tempo entre o campo da Antropologia, os Estudos Culturais e a Educação. Ao referir que a Antropologia é uma ciência gestada na modernidade e que, portanto, construiu seu aparato teórico no passado, Gusmão salienta as muitas controvérsias decorrentes da insuficiência que passou a ser apontada relativa à utilização de certos princípios explicativos dessa ciência. Gusmão (2008) também assinala a tensão que perpassa este campo de estudos, pois
[...] ora defende-se que a trajetória da antropologia tem sido a de avaliar as diferenças sociais, étnicas e outras com a finalidade de proporcionar alternativas de intervenção sobre a realidade social de modo a não negar as diferenças; ora não seria a tradição antropológica suficiente para dar conta do contexto político das diferenças e, como tal, estaria superada em seus propósitos (Gusmão, 2008, p. 48).
E foi neste contexto que se inseriram as Ciências Humanas de modo geral, na segunda metade do século XX, quando a autora considera que passaram a ser buscadas alternativas, que se valem das correntes pós-modernas para os Estudos Culturais. Ressalvando as muitas lacunas que encontra nos Estudos Culturais, notadamente em vertentes norte-americanas, bem como a redução da Antropologia norte-americana aos Cultural Studies, a autora destaca, no entanto, o valor e a importância das perguntas que esses estudos, quando associados aos estudos pós-modernos, podem suscitar, mas sem negar à antropologia seus créditos.
A partir das incursões procedidas na internet, identificamos, ainda, artigos que procedem a aproximações entre os Estudos Culturais e a Economia Política, os Estudos Culturais e a Saúde, bem como entre os Estudos Culturais e o estudo de Artes. Em função das dimensões deste artigo, deixamos de abordá-los neste texto.
A Presença dos Estudos Culturais na Área da Educação
Três artigos, especificamente, apresentam uma ampla revisão sobre o impacto que os Estudos Culturais tiveram na área da Educação no Brasil: Estudos Culturais, Educação e pedagogia (Costa; Silveira; Sommer, 2003), Sobre a emergência e a expansão dos Estudos Culturais em educação no Brasil (Wortmann; Costa; Silveira, 2015) e Contribuições dos Estudos Culturais às pesquisas sobre currículo: uma revisão (Costa; Wortmann; Bonin, 2016). Tais artigos pontuam que os Estudos Culturais entraram no campo da Educação em meados da década de 1990, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) da UFRGS, quando um grupo de professores (Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro, Alfredo Veiga-Neto, Marisa Vorraber Costa, Rosa Maria Hessel Silveira, Maria Lúcia Castagna Wortmann e Norma Marzola) passou a problematizar - inspirado por textos, conceitos e autores vinculados à teoria crítica, ao pós-estruturalismo e aos Estudos Culturais - alguns dos pressupostos das vertentes teóricas até então dominantes no campo da Educação no País. Esse grupo de professores, em 1996, fundou a linha de pesquisa Estudos Culturais em Educação41 - que, em 2018 conta com nove docentes cujas pesquisas abordam: os Estudos Surdos (ver os estudos de Karnopp e Thoma); os Estudos Foucaultianos (Veiga-Neto e Traversini); o currículo e as práticas pedagógicas (Veiga-Neto, Costa e Wanderer); as Políticas do Corpo e da Saúde associadas à medicalização da escola e da sociedade (Santos); os Estudos de Ciência e Tecnologia (Santos e Wortmann); as pedagogias culturais (Costa, Santos, Wortmann e Silveira); as conexões entre textos, discursos, educação, literatura infantil, a temática da diferença (Silveira e Karnopp); os processos de in/exclusão na escola contemporânea (Veiga-Neto, Traversini e Thoma) etc.
Em termos metodológicos e investigativos, de acordo com Veiga-Neto (2000), o campo se organizava, inicialmente, em torno de três focos de interesse: os estudos etnográficos (realizados tanto no âmbito das instituições escolares quanto no âmbito das cidades e de distintas instituições sociais); as análises textuais e discursivas (literatura, artefatos midiáticos, documentos governamentais, leis, etc.); e as análises das políticas de representação e identidade relacionadas à raça e etnia, gênero, sexualidade etc. Tais vertentes investigativas, ao longo dos anos, se multiplicaram - e vemos, hoje, as etnografias virtuais (desenvolvidas em jogos, aplicativos, redes sociais etc.), as análises visuais e as análises das biopolíticas que organizam o tecido social substituindo as etnografias. Além disso, destaca-se a análise das pedagogias culturais como uma tendência importante e distintiva do campo dos Estudos Culturais em Educação no Brasil. Nos primeiros estudos realizados nos Programas de Pós-graduação da UFRGS e da ULBRA, tal expressão guarda-chuva - pedagogias culturais - foi assumida para se referir àquelas organizações usualmente não pensadas como educativas, por serem movidas por interesse literários, religiosos, de entretenimento, comerciais etc., que operam, como argumenta Giroux (1994; 2008), na produção de identidades, bem como na produção e legitimação dos saberes, mesmo que seus efeitos não sejam os mesmos para todos aqueles com os quais essas interagem. O autor conduziu estudos, nos anos 1990, sobre a Disney e as grandes empresas e corporações internacionais que regem o capital mundial e exercem uma importante ação sobre as produções culturais: essas, não apenas produzem entretenimento ou divulgam notícias desinteressadas, mas igualmente imprimem em suas produções culturais padrões de consumo moldados pela publicidade empresarial. Os estudos conduzidos por Douglas Kellner (2001; 2008) também eram invocados com frequência para subsidiar as análises dos artefatos culturais, cabendo registrar que tais estudos assumiam, fortemente, postulados das teorizações críticas.
Ao longo do tempo, outras grandes empresas passaram a ocupar espaço em nossas sociedades contemporâneas, estando entre essas, notadamente, todas aquelas que gerenciam a produção e circulação das chamadas mídias digitais (como o extinto Orkut, o Facebook, o Instagram, o YouTube, os aplicativos para celulares, entre outros). Ao mesmo tempo, outras abordagens, tais como as assumidas por Henry Jenkins (2009) e Jenkins, Green e Ford (2015), passaram a ser invocadas pelos praticantes de Estudos Culturais para registrar as intensas mudanças ocorridas na produção e no consumo das mídias. Jenkins (2009) cunhou a expressão cultura da convergência para se referir ao fluxo de conteúdos processados através de múltiplas plataformas de mídia, bem como a “[...] cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e o comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam” (Jenkins, 2009, p. 29). Como esse autor registra, na cultura da convergência, “[...] velhas e novas mídias colidem [...], mídia corporativa e mídia associativa se cruzam [...] e o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (Jenkins, 2009, p. 29). Além disso, registram-se os estudos conduzidos no cruzamento da Literatura, da Educação e dos Estudos Culturais, tais como os de Edgar Kirchoff (2013; 2016), que incorporam as abordagens de Jenkins para a realização de análises midiáticas e de uma literatura que se organiza e é colocada em circulação nas mídias digitais.
Em outra direção, localizam-se, os estudos de revisão acerca do conceito de pedagogias culturais (Andrade; Costa, 2015; Camozzato; Costa, 2013; Camozzato, 2012). Nesses estudos, tal como referiram Wortmann, Costa e Silveira (2015, p. 38) aponta-se para “[...] uma proliferação e pluralização das pedagogias, expressão de um refinamento das artes de governar, regular e conduzir sujeitos”. Como Camozzato e Costa (2013) ressaltaram, vivemos em um tempo em que mais e mais pedagogias são inventadas para tentar dar conta de inúmeras questões em um contexto em que a educação enfrenta dificuldades. Aliás, as autoras atribuem uma marca a essas múltiplas pedagogias, para buscar distingui-las, que foi enunciada na expressão vontade de pedagogia, discutida por Camozzato (2012) em sua tese de doutoramento.
Longe de esgotar os inúmeros trabalhos que vêm sendo realizados sob a vertente dos Estudos Culturais no momento - as produções empreendidas nos diferentes Programas de Pós-graduação que, na forma de Linhas de Pesquisa, áreas de concentração ou, mesmo, de trabalhos mais localizados se valem da perspectiva dos Estudos Culturais como matriz de inteligibilidade para o desenvolvimento de suas análises (notadamente o PPGEDU da Ulbra e o PPGEDU da UFRGS; os grupos de pesquisa (constituídos em diversas universidades, tais como Universidade Estadual de Londrina, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio Grande, entre outras); os Seminários Brasileiros de Estudos Culturais em Educação/Seminários Internacionais de Estudos Culturais e Educação, realizados, desde 2004, como uma parceria entre Ulbra e UFRGS; a revista Textura, assumida desde 2011 pelo PPGEDU da ULBRA, que a reconfigurou na direção de torná-la afeita aos Estudos Culturais e aos Estudos Literários em grande medida -, queremos registrar a materialidade e a pertinência político-acadêmica desses Estudos no âmbito brasileiro.
Apontamentos Finais
Para finalizar este texto, optou-se pela construção de alguns apontamentos político-acadêmicos relativos aos estudos aqui realizados e os Estudos Culturais latino-americanos, por exemplo, mostrando que, no Brasil: (a) diferentes áreas e temas têm se valido dos Estudos Culturais, talvez como uma forma de ampliar as próprias discussões disciplinares dos campos de saber mais tradicionais, tal como já se referiu, além da educação, sociologia, antropologia, literatura e comunicação; (b) por uma série de razões - provavelmente advindas do próprio modo como os Estudos Culturais entraram no campo da educação, bem como de seu caráter marginal frente às disciplinas tradicionais -, o necessário diálogo com outras áreas do saber, em busca de legitimidade, talvez não tenha permitido a articulação com outros cenários/instituições locais, nacionais ou latino-americanas. Se tal hipótese fosse verdadeira, ela explicaria, em parte, a invisibilidade dos Estudos Culturais brasileiros no cenário latino-americano e, igualmente, nos veículos de divulgação internacionais acerca do campo: são marginais dentro das disciplinas academicamente instituídas, com poucas articulações e pouca força política no sentido de sair de suas fronteiras (incluindo a fronteira linguística entre o Brasil e os demais países latino-americanos); (c) por outro lado, tal como expressou Cevasco (2003a), talvez a apropriação dos Estudos Culturais britânicos por autores norte-americanos, que, por sua vez, se adentraram no Brasil em meados dos anos 1990, provavelmente marcou - como um efeito fundador - um tipo de direcionamento de estudos que pode ter, inicialmente, se afastado da agenda de discussões latino-americanas, ao menos no que se refere a uma agenda mais politicamente engajada de questões; (d) de forma esparsa, e talvez com poucas articulações e deslocamentos teóricos de uma área para outra - a não ser, talvez, a da Educação, que se valeu da antropologia, da sociologia, da comunicação, da literatura, entre outras disciplinas, que também se aproximaram dos Estudos Culturais -, desenvolveu-se um corpo sui generis/peculiar de discussões, o qual possui diferentes conexões com as questões igualmente enfrentadas pela América Latina espanhola42 (relacionadas à matriz eurocêntrica no âmbito das universidades e demais instituições políticas e sociais, às questões de desigualdades sociais, étnico/raciais e de gênero, à desvalorização das culturas locais tradicionais e urbanas em detrimento das formas transnacionais ditadas pela economia de mercado, entre outras)43.