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Educação e Realidade

versão impressa ISSN 0100-3143versão On-line ISSN 2175-6236

Educ. Real. vol.45 no.1 Porto Alegre  2020  Epub 12-Fev-2020

https://doi.org/10.1590/2175-623696659 

OUTROS TEMAS

Processos de Afrobetização e Letramento de (Re)Existências na Educação de Jovens e Adultos

Carla Liane Nascimento dos SantosI 
http://orcid.org/0000-0003-3964-5802

Tânia Regina DantasI 
http://orcid.org/0000-0002-0953-512X

IUniversidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador/BA - Brasil


RESUMO:

O trabalho discute as temáticas de educação e processos de ensino-aprendizagem ao longo da vida, tomando como recorte as relações raciais nos contextos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil, considerando o que determina a Lei 10.639/03. Trata-se de um estudo de caráter exploratório-descritivo, com abordagem mista que associa a análise de indicadores, a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental, além de dados de duas experiências na EJA. Os resultados revelam que a EJA por ser constituída majoritariamente por negros e negras, pode ser entendida como uma ação afirmativa, que busca corrigir distorções e reparar injustiças históricas. Aponta como proposta pedagógica para o ensino e a aprendizagem significativa a associação entre afrobetização e letramentos de (re) existências.

Palavras-chave: Afrobetização; Letramentos de (Re) Existências; Educação de Jovens e Adultos

ABSTRACT:

The paper discusses the themes of education and teaching-learning processes throughout life, taking as a cutout, racial relations in the contexts of Youth and Adult Education (EJA) in Brazil, considering what determines Law 10,639/03. This is an exploratory-descriptive study, with a mixed approach that associates the analysis of indicators, bibliographic research and the document al., as well as data from two experiences in the EJA. The results reveal that the EJA because it is constituted mainly by blacks and blacks, can be understood as an affirmative action, which seeks to correct distortions and repair historical injustices. It points out as a pedagogical proposal for teaching and meaningful learning the association between afrobetization and literacies of (re) existences.

Keywords: Afrobetization; Literacies of (Re) Existence; Youth and Adult Education

Introdução

As ações de ensinar e de aprender movimentam filósofos, pedagogos, psicólogos, sociólogos, linguistas há muito tempo, o que vem provocando o aparecimento de diferentes concepções, conceitos e perspectivas, ensejando inúmeras pesquisas e estudos na intenção de se compreender e desenvolver com sucesso essas ações humanas. Emmanuel Kant (1974, p. 11) na sua obra Réflexions sur l’Éducation afirma que é preciso aprender a pensar. Para este filósofo, “[...] l’éducation est le plus grand et le plus difficile problème qui puisse être proposé à l’homme”1, ou seja, a educação é o maior e o mais difícil problema que pode ser proposto ao homem. Justamente porque a educação resulta na experiência da humanidade inteira, ela exclui a possibilidade de existir uma educação perfeita. Para Kant (1974), toda educação como educação de um indivíduo será sempre uma experiência inacabada, incompleta. Freire (2001) também usa essa imagem da incompletude ao se referir ao homem como um ser incompleto, inacabado. Posta essa definição de educação, é preciso discutir primeiramente o que entendemos por ensino, o que é ensinar e o que compreendemos por aprender, o que é a aprendizagem.

Aprender para Freire (2015) em sua Pedagogia da Autonomia é a procura constante do crescimento pelo indivíduo que busca a sua satisfação pessoal. Na perspectiva freireana “[...] a aprendizagem acontece quando enriquece a vida, instrumentaliza-a e a dirige para novos conteúdos do conhecimento” afirmam Vasconcelos e Brito (2011, p. 46). Por sua vez, o ensinar para este autor envolve um processo dialógico e ativo do qual educador e educando participam. Para Vasconcelos e Brito (2011, p. 74) “[...] ensinar exige a convicção de que a mudança é possível”.

Ensinar inexiste sem aprender e foi aprendendo socialmente que, historicamente, homens e mulheres descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível - depois, preciso - trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar (Freire, 2015, p. 25-26).

Ensinar não significa transferir conhecimento, mas criar possibilidades de construção desse conhecimento por parte do educando, proporcionando ao outro a percepção crítica da realidade que o rodeia, na perspectiva freiriana, como aludem Vasconcelos e Brito (2011). A interconexão entre ensinar e aprender é admitida por diversos autores e é uma preocupação constante dos educadores saber se o que se ensina está sendo aprendido pelos educandos. Assim é que para Freire “[...] ensinar se dilui na experiência fundante de aprender” (Freire, 2015, p. 26).

De acordo com Vaillant e Marcelo García (2012, p. 53) “[...] os atos de ensino fazem parte da atividade humana cotidiana. De forma consciente ou inconsciente desenvolvemos como adultos milhares de atos nos quais ajudamos aos outros [...] a aprender”. Esses atos sempre deixam marcas em nossa memória, história de vida, em nossa biografia.

Baseando-se em Confessore (2002), esses referidos autores apresentam um conceito de autonomia do sujeito adulto em processo de aprendizagem. Para eles existem dois polos opostos e um polo intermediário em diferentes experiências de aprendizagem: o polo da dependência disfuncional do aprendiz, que se caracteriza pela desmotivação em aprender se não tiver a ajuda ou a direção de outra pessoa; o polo da independência disfuncional do aprendiz, compreendida como a desmotivação de aceitar a ajuda ou orientação de outrem; o polo intermediário, que seria a autonomia funcional do aprendiz traduzida como “[...] a capacidade e a motivação para participar na seleção e experimentação de aprendizagem nas quais a pessoa possa avançar sozinha ou em contato com outras” (Vaillant; Marcelo García, 2012, p. 37-38). Esses autores admitem que haja um consenso de que os processos de aprendizagem sejam cada vez mais autônomos, nos quais os docentes desempenham o papel de facilitadores do ensino e não de meros expositores ou transmissores de conteúdo.

O objetivo principal desse artigo é discutir as temáticas de educação e processos de ensino-aprendizagem ao longo da vida, na intenção de apresentar alguns conceitos de aprendizagem e de ensino, de afrobetização e letramento na perspectiva educacional, visando aportar saberes e esclarecimentos sobre esses constructos.

Esse artigo compreende cinco seções nas quais se aporta alguns conceitos de ensino, de aprendizagem significativa, de afrobetização, de letramento com base em diferentes teóricos, dentre estes Freire (1992; 2001; 2015), Arroyo (2006), Charlot (2005), Kant (1974), Vaillant e Garcia (2012), Soares (1998). Resgata duas experiências de pesquisa realizadas em uma rede pública de ensino com alunos jovens e adultos e oferece algumas pistas para uma melhor compreensão da temática em estudo na modalidade da educação básica, a EJA.

Caminhos Metodológicos

Trata-se de um trabalho de caráter exploratório-descritivo, com abordagem mista (qualitativa e quantitativa) que utilizou como procedimentos o levantamento e a análise de alguns indicadores e análise documental como estratégia de produção dos dados. A construção desse artigo se deu embasado em pesquisa bibliográfica com a contribuição de alguns dados e informações e a respectiva análise dos mesmos, havendo também a inserção de dados pertinentes de duas investigações realizadas com jovens e adultos em contexto de ensino e aprendizagem. Assim, visando ilustrar e enriquecer a análise acerca dos constructos ensinar e aprender foram inseridas algumas percepções de alunos e professores da escola de EJA e a respectiva análise acerca desses temas estudados.

Os resultados foram interpretados por meio de inferências e da descrição dos principais resultados dos estudos que abordam as categoriais centrais da pesquisa, quais sejam: Afrobetização, Letramentos de (re) existências, Ensino, Aprendizagem Significativa e EJA de modo a apontar, a partir da associação desses conceitos, uma proposta pedagógica inovadora que diz respeito à associação entre afrobetização e letramentos de (re) existências para o ensino e a aprendizagem significativa na EJA.

Cenário do Analfabetismo e da EJA no Brasil e na Bahia

As altas taxas de analfabetismo ainda se constituem um dilema a ser superado no Brasil, conforme demonstra a Figura 1 que apresenta as taxas de analfabetismo por grupos de idade, sexo, cor ou raça. Apesar da diretriz de número 1 (art. 2°, inciso I) e a meta 9 do Plano Nacional de Educação (2014-2024), instituido através da Lei n°13.005/14 (Brasil, 2014), estabelecerem a erradicação do analfabetismo absoluto até o ano de 2024, esse ainda é um tema que desafia as autoridades e instituições educacionais do país. De acordo com o IBGE, em 2018 haviam 11,3 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade consideradas analfabetas, o que corresponde a uma taxa de 6,8% do total da população neste grupo etário. Essa taxa eleva-se se for considerado o universo de pessoas com 60 anos ou mais, chegando a um percentual de 18,6 % do grupo pesquisado equivalendo a quase 6 milhões de analfabetos entre os idosos brasileiros.

Fonte: IBGE (2018b).

Figura 1 Taxa de Analfabetismo no Brasil por Grupos de idade, sexo, cor ou raça (2016-2018) Nota: Variações significativas, ao nível de confiança de 95%, para todas as categorias. 

Para efeitos desse artigo, destaca-se que neste ultimo ano 9,1% dos analfabetos brasileiros se autodeclararam da cor preta ou parda. Essa tendência se eleva no grupo etário de 60 anos ou mais, onde fora constatada a presença de 27,5 % de pessoas negras, apesar dessa taxa apresentar uma redução de 3,2 pontos percentuais comparada aos anos anteriores. Tal fenômeno não pode ser interpretado desassociado do passado colonial vivenciado no Brasil com uma herança histórica de exclusão dos negros da educação formal.

A Figura 2 apresenta os estados do Brasil com as suas respectivas taxas de analfabetismo. Os dados do mapa acima apontam a Bahia como um dos estados que apresentou uma das maiores taxas de analfabetismo chegando a quase 13% do total de analfabetos do país, no ano de 2018, representando 1.538.293 de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler ou escrever. Considerando que este estado é composto por 82% (IBGE, 2018a) da população negra, infere-se que o potencial público a ser recepcionado no sistema educacional através da modalidade da EJA é predominantemente constituído por negros e negras.

Fonte: IBGE (2018a).

Figura 2 Mapa: Taxa de Analfabetismo em 2018 por estados do Brasil: % analfabetos acima de 15 anos  

Percebe-se nesse cenário apresentado, a reprodução de uma tendência histórica, que diz respeito à ausência da população negra e seus legados no sistema convencional de ensino no Brasil. Isso decorre da prática do racismo enquanto elemento estrutural de reprodução das desigualdades na sociedade brasileira, edificando obstáculos para o acesso ao ensino formal e, ainda, forjando um modelo de educação com bases epistêmicas assentadas nos saberes eurocêntricos, invisibilizando e ou deturpando os conhecimentos sobre a história dos negros e negras no Brasil e na África. Vale lembrar, que no período pós-escravidão a presença do corpo negro e de seus valores civilizatórios eram elementos rejeitados no espaço escolar. Nesse contexto, os negros eram proibidos de aprender a ler e escrever, pelo perigo da instrução facilitar rebeliões, insurgências e desobediências (Souza, J., 2011). Tais marcadores históricos ainda podem ser percebidos nos dias atuais demandando medidas de reparações como forma de corrigir as injustiças.

A Pesquisa Anual por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Contínua) revela que no ano de 2018 foi registrada a presença de 831 mil alunos matriculados na EJA do ensino fundamental. Desse montante 51,4% eram homens e 73,7% das pessoas se autodeclararam como sendo de cor preta ou parda. Já na EJA do ensino médio a maioria do público é constituída de mulheres (51,4 %), sendo predominante a presença de pessoas autodeclaradas pretas e pardas (65,7%).

Diante desse cenário, nacional e estadual, identifica-se uma dupla tendência que retrata por um lado, que os negros são maioria entre os analfabetos do país e ainda, por outro, que a EJA tem predominância da população negra. Dessa forma, para a garantia da justiça social, o exercício da cidadania includente e ativa, defende-se para essa modalidade um modelo de educação antirracista como via para a prática do reconhecimento dos direitos por meio de uma educação para as diversidades. O que perpassa pela defesa de uma pedagogia libertadora, crítica, decolonial2 e emancipatória. Isso envolve o compromisso das instituições educacionais democráticas, dos agentes públicos, gestores, docentes, discentes e todos os sujeitos envolvidos direta ou indiretamente com a produção e reprodução do cotidiano escolar. Nas palavras de Arroyo (2006, p. 28-29):

[...] desde que EJA é EJA esses jovens adultos são os mesmos: pobres, desempregados, na economia informal, negros, nos limites da sobrevivência. São jovens e adultos populares. Fazem parte dos mesmos coletivos sociais, raciais, étnicos culturais. O nome genérico: educação de adultos oculta essas identidades coletivas. Trata-se de trajetórias coletivas de negação de direitos, de exclusão e marginalização [...].

A partir desse quadro, situa-se a seguinte problemática: considerando a predominância de negros e negras no universo da EJA e reconhecendo a necessidade de implantação de uma educação antirracista, como pensar estratégias pedagógicas inovadoras voltadas à uma aprendizagem significativa desses sujeitos? Situa-se a EJA, como modalidade da educação básica, que deve garantir o direito constitucional de acesso à educação escolar, aos indivíduos pertencentes à classe trabalhadora, que por motivos muitas vezes relacionados à produção material de existência, foram privados desse direito no tempo convencional e que agora buscam, para além do acesso, uma permanência e aprendizagem significativa. Parte-se da premissa de que a EJA, por representar um universo de sujeitos predominantemente negros (a), pode ser entendida como uma Ação Afirmativa, considerando seu duplo sentido atrelado à função reparadora e equalizadora na dimensão étnico-racial, aliada à dimensão qualificadora de inclusão socioeducacional de um universo historicamente excluído e subalternizado.

As ações afirmativas nas sociedades democráticas, como no caso da brasileira, são o resultado da histórica luta de negras e negros por reparação em um cenário de disputas por justiça, inclusão social e reconhecimento das diversidades, a partir da conquista de direitos humanos e da gramática da cidadania contemporânea. Logo, situa-se as ações afirmativas no contexto da discriminação positiva, como meio garantidor da equidade e da justiça social no seio das sociedades republicanas.

Dentre as políticas de ações afirmativas existentes no Brasil a Lei 10.639/03 (Brasil, 2003) que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (Brasil, 1996), representou uma importante conquista do movimento negro brasileiro, uma vez que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira e serviu como base para outros documentos normativos, complementares, que no seu conjunto obriga, define e orienta a implementação da educação das relações étnico-raciais em toda a educação básica do país. De acordo com o artigo 2°- §4 da resolução CNE/CP 1/2004 (Brasil, 2004) que passa a integrar o parecer CNE/CP 03/2004 instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.

[...] os sistemas de ensino deverão incentivar pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, visão de mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesquisas da mesma natureza junto aos povos indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira e a articulação entre os sistemas de ensino, estabelecimentos de ensino superior, centros de pesquisas, Núcleos de estudos Afro-Brasileiros, escolas, comunidades e movimentos sociais, visando a formação de professores para a diversidade étnico-racial (Brasil, 2009, p. 32).

Observa-se que as diretrizes preveem a necessidade de articulação entre diferentes modalidades de ensino como forma de fortalecer a produção do conhecimento nesse campo temático, valorizando os processos de ensino-aprendizagem comprometidos com um modelo de educação emancipador voltado às diversidades, o que envolve o engajamento ético-político dos sujeitos da educação. O texto das diretrizes veio a ser complementado, cinco anos após sua publicação, pelo Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, conforme a citação a seguir:

O presente Plano Nacional tem como objetivo central colaborar para que todo o sistema de ensino e as instituições educacionais cumpram as determinações legais com vistas a enfrentar todas as formas de preconceito, racismo e discriminação para garantir o direito de aprender e a equidade educacional a fim de promover uma sociedade mais justa e solidária (Brasil, 2009, p. 23).

O conjunto de dispositivos legais (lei, parecer e resolução) constitui o fundamento normativo que embasa a política de ações afirmativas e a educação das relações étnico-raciais no país, fornecendo os elementos teóricos e metodológicos para uma prática pedagógica contextualizada, a favor das ações afirmativas na direção da correção das injustiças históricas que incorrem sobre a população negra. Entretanto, deve-se reconhecer que a aplicabilidade de tais referenciais ainda representa uma conquista a ser perseguida, uma vez que o debate racial ainda não acontece no cotidiano dos currículos praticados. Para isso é preciso pôr em prática estratégias, planos, desenhos curriculares, projetos e ações que efetivem o preceito legal da educação como um direito social e incluam nesse o direito à diferença (Gomes, 2011).

A práxis pedagógica decolonial é a prática da pedagogia da autonomia, uma vez que exercita a desobediência epistêmica (Mignolo, 2008) como estratégia para a decolonização, possibilitando ao sujeito o poder de decidir sobre as construções que o afeta. Pensando em tais estratégias e buscando responder ao problema central desse estudo, o presente artigo vem propor o desenvolvimento de práticas de Afrobetização e Letramentos de (Re) existências enquanto estratégia viável para uma aprendizagem significativa na EJA na Bahia.

Afrobetização e Letramentos de (Re) Existências na EJA

Entende-se que a alfabetização de jovens, adultos e idosos, constitui-se uma etapa fundamental do processo de escolarização, sem a qual se torna inviável se projetar um modelo de sociedade democrático, justo e inclusivo. Através do ingresso nessa modalidade de educação os sujeitos usufruem de um direito que os permitem acessar os bens culturais produzidos a partir de um sistema de saberes, valores e práticas socialmente legitimados.

A quinta Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA) promovida em 1997, em Hamburgo, na Alemanha, aportou um documento importante denominado Declaração de Hamburgo, no qual expressa a importância do aprender ao longo da vida (UNESCO, 1997). Trata-se de ofertar a homens e mulheres, jovens e adultos oportunidades de educação continuada ao longo da vida como um direito humano fundante. No artigo 11 dessa declaração, que trata da alfabetização de adultos, preconiza que:

A alfabetização, concebida como conhecimento básico e habilidades necessárias a todos num mundo em rápida transformação, é um direito humano fundamental. Em toda sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. Existem milhões de pessoas - a maioria mulheres - que não têm a oportunidade de aprender nem mesmo de se apropriar desse direito. O desafio é oferecer-lhes esse direito. Isso implica criar pré-condições para a aprendizagem por meio da conscientização e do empoderamento. A alfabetização é também um catalisador para a participação em atividades sociais, culturais, políticas e econômicas, e para a aprendizagem ao longo da vida (UNESCO, 1997, p. 5).

O ato de alfabetizar é um processo político e materializa-se através de um movimento dinâmico e amplo devendo, para isso, ser compreendido a partir das práticas socioculturais e memórias (histórica e particular) dos sujeitos envolvidos, sejam elas práticas orais ou escritas, reproduzidas dentro ou fora do ambiente escolar, não devendo se restringir à perspectiva mecânica do domínio de técnicas, habilidades, nem de capacidades de uso da leitura e escrita (Tfouni; Monte-Serrat; Bueno Martha, 2014). Logo, a alfabetização e o letramento podem ser entendidos enquanto caminhos que se complementam para o resgate e o reconhecimento do sujeito cultural, onde este possa se perceber e se descobrir nas interações com o outro, considerando uma realidade contextualizada que lhe é própria.

[...] valemo-nos de um conceito de alfabetização que transcende seu conteúdo etimológico. Isto é, a alfabetização não pode ser reduzida ao mero lidar com letras e palavras, como uma esfera puramente mecânica. Precisamos ir além dessa compreensão rígida de alfabetização e começar a encará-la como a relação entre os educandos e o mundo, que tem lugar precisamente no ambiente em que se movem os educandos (Freire; Macedo, 2015, p. 9).

A ideia de Afrobetizar é recente, ela surgiu a partir de um projeto de intervenção social, coordenado pela psicóloga Vanessa Andrade, com crianças negras das comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, localizadas na zona sul do Rio de Janeiro. O propósito do projeto foi fomentar práticas pedagógicas que estimulassem o protagonismo e a valorização do povo negro. Segundo Andrade (2015):

[...] quando se trata de identidade, as escolas brasileiras são monocromáticas nos livros e nas histórias. Nossa educação não possibilita que alunos negros encontrem seu caminho e conheçam o lado verdadeiro da vida e da cultura africana presente de forma intensa no Brasil. Com a finalidade de mostrar que outra pedagogia é possível.

No intuito de construir outras pedagogias, considerando a cultura afro-brasileira e africana, o termo afrobetização partiu da necessidade de fomentar a reflexão crítica da condição da população negra na estrutura social, promovendo medidas educativas voltadas à emancipação dos sujeitos por meio do reconhecimento e autoconhecimento de si a partir do que lhe é próprio, para se inserirem socialmente na condição de cidadão por via do empoderamento (Justino; Roberto, 2014). Dessa forma:

O Afrobetizar foi virando uma proposta cuja intenção era proporcionar experiências onde se perceber negro passasse a ser associado à algo positivo naturalmente. Era preciso alfabetizar a criançada na negritude para que elas pudessem falar sobre suas vidas enquanto crianças negras com menos agressividade e mais carinho. Para tal, tínhamos ao nosso favor a Vontade de Fazer e a lei 10.693/03 (Justino; Roberto, 2014, p. 101).

De acordo com essa proposta metodológica, todas as formas de expressão devem-se somar no processo de ensino-aprendizagem, tornando a elaboração das aulas participante e ativa através da comunicação horizontal de valorização de si e do outro. Sob esse viés, a produção de conhecimento acontece de maneira partilhada, respeitando as inteligências múltiplas onde o educador propõe e também permite que o educando traga informações do seu cotidiano e as insira na atividade. A vida cotidiana e o contexto histórico-cultural de cada um se constitui como ponto de referência para a ação educacional.

Parte-se de temas que tem como ponto de partida algum elemento da realidade local e este é desdobrado para muitas possibilidades: Do funk chegamos no jongo, que levou a rima que ligou ao rap, que descobriu o repente. Do passinho ao frevo, que mixou com movimentações da capoeira... que de repente chega ao mineiro pau e conecta de novo com o passinho (Justino; Roberto, 2014, p. 103).

As estratégias pedagógicas desenvolvidas vão desde as aulas de danças populares, capoeira angola até as rodas de bate papo, rima, leitura dramatizada, desenho, pintura e grafite nas ruas, como aconteceu na experiência do Museu na Favela (MUF), que passou a ser um espaço turístico de referência da cidade. Com isso, cada um se sente integrado a partir de sua realidade e na interação tornam-se protagonistas do aprendizado. Esse movimento é flexível e passível de mudanças de acordo com as demandas geradas nas experiências compartilhadas (Andrade, 2015).

Defende-se nesse estudo que a Afrobetização deve ser adaptada e implementada nos diversos contextos da EJA, como forma de garantir uma prática pedagógica decolonial com bases em um modelo de educação antirracista, sobretudo considerando que no caso do estado da Bahia, esse universo é majoritariamente composto por sujeitos de direitos negras e negros. Essa via associada às práticas de letramento de (re) existências compõe uma forma inovadora de viabilizar processos pedagógicos de ensino-aprendizagem significativos. Essa alternativa conjuga-se com o método de alfabetização e com a proposta dos círculos de cultura desenvolvida por Paulo Freire (1981), para quem a leitura de mundo precede a leitura da palavra.

A valorização da cultura dos alfabetizandos torna-se central nesse método. Os círculos de cultura enquanto recursos didáticos permitem a superação do formalismo e rigidez curricular, visando propiciar as condições indispensáveis para que seus integrantes - educandos e educadores - se sentissem familiarizados na discussão de temas significativos de mútuo interesse, sem que esses fossem prefixados anteriormente por um regulamento curricular estático. Esses recursos possibilitam a efervescência cognitiva em torno dos problemas inerentes a um contexto cultural comum, levando os participantes à reflexão crítica acerca da espontaneidade das suas atitudes cotidianas (Freire, 1981). Nos contextos da EJA essa prática não só deve ser considerada, como deve servir de meio para viabilização do processo de afrobetização associado ao letramento de (re) existências.

Com isso, os sujeitos da EJA se envolvem em uma proposta pedagógica libertadora das amarras do racismo estrutural tão marcante para este universo e permitem-se um aprendizado mútuo, através da comunhão e da partilha, voltadas à produção de uma consciência crítica, sem desprezar os elementos da cultura africana e afro-brasileira, tecendo contextos educativos de resistências à “[...] invasão cultural” (Freire, 1987, p. 49) e ao eurocentrismo ainda dominante nos currículos e práticas pedagógicas.

Para Freire (1987), esse movimento dialético de problematização e síntese cultural possibilita aos educandos o despertar da criatividade autêntica gerada nas práticas de sensibilização e humanização, permitindo o rompimento com hierarquias culturais que legitimam a segmentação social e a subalternização dos sujeitos. Como consequência, os aspectos formais e técnicos, os quais correspondem à investigação temática, codificação, decodificação, decomposição silábica, entre outros, devem intencionalmente estar a serviço do processo de humanização, enquanto etapas a serem descobertas na própria práxis educativa (Peroza; Silva; Akkari, 2013).

Na construção de estratégias de aprendizagem significativa na EJA, deve-se considerar o pertencimento cultural e a valorização das raízes identitárias como ponto de partida do processo de ensino-aprendizagem, só assim é possível considerar as diversas práticas de uso da linguagem desse público, muitas vezes sinônimos de resistência, bem como de subserviência, também culturalmente elaboradas como forma de resignação histórica, para assegurar sua sobrevivência diante da dominação cultural3.

Mas o passado escravocrata não se esgota apenas na experiência do senhor todo-poderoso que ordena e ameaça e do escravo humilhado que ‘obedece’ para não morrer, mas na relação entre eles. E é exatamente obedecendo para não morrer que o escravo termina por descobrir que ‘obedecer’, em seu caso, é uma forma de luta, na medida em que, assumindo tal comportamento, o escravo sobrevive. E é de aprendizado em aprendizado que se vai fundando uma cultura de resistência, cheia de ‘manhas’, mas de sonhos também. De rebeldia, na aparente acomodação (Freire, 1992, p. 55, grifos do autor).

Soares (1998) defende que é preciso alfabetizar letrando. Para efeito desse estudo, defendem-se mecanismos de afrobetizar conjugados a letramentos de (re) existências. O que significa aprender a ler e a escrever de forma crítica e consciente do seu lugar de sujeito histórico-cultural emancipado. Com isso, aponta para uma orientação metodológica centrada na associação entre alfabetização e letramento a partir da afirmação da(s) história(s), identidade(s) e cultura(s) africana(s) e afro-brasileira como estratégia de (re) existência, conscientização e humanização. Essa orientação metodológica é extremamente importante quando se trata da EJA e reforça a visão desse coletivo como sujeitos históricos.

Ensino e Aprendizagem na EJA: duas experiências em análise

Charlot (2005) ao realizar uma pesquisa com alunos adultos alerta que para alguns estudantes aprender é fazer o que o professor mandar, é obedecer, é ouvir e repetir. Ele discute que “[...] a relação com o saber e com a escola é uma relação social” (Charlot, 2005, p. 53). É uma relação construída entre dominador (professor) e dominado (aluno), na qual o sujeito interpreta a sua posição de dominado e tenta produzir um sentido de mundo.

Segundo esse autor, para o aluno se apropriar do saber “[...] é preciso que ele tenha ao mesmo tempo o desejo de saber e o desejo de aprender” (Charlot, 2005, p. 55). Os docentes, por sua vez, para ensinar com vistas ao sucesso do aluno necessitam construir uma atividade intelectual eficaz que obedeça certas normas, que seja interessante e que desperte sentido aos alunos, ou seja, o desejo de saber, para que se produza o saber.

Dantas (1996) em produção acerca de resultados de uma pesquisa-ação com professores e alunos da (EJA) que atuavam em nove escolas da rede pública de ensino, sustenta uma análise da prática pedagógica ao indagar aos sujeitos da investigação o que é o conhecimento, o que é o ensino, o que é aprendizagem, como se aprende, dentre outras questões. Considerando as respostas dos alunos, a referida autora destaca que a concepção dos alunos sobre o conhecimento passa também pela questão do saber e, como vimos anteriormente no presente artigo, vai ao encontro da posição de Charlot (2005).

Para os alunos da EJA investigados por Charlot (2005, p. 119) “[...] conhecer é dialogar, é conviver, é observar”. Citando dados de sua pesquisa Dantas esclarece que

Os alunos afirmam que só existe conhecimento ‘de alguma coisa’ que seria o objeto (10,4%) do nosso conhecimento. [...]. Os alunos responderam que só se conhece ‘quando se coloca a cabeça para funcionar’ (4,2 %) e quando se tem um objeto a ser conhecido. Acrescentam ainda que para conhecer têm que ‘ter curiosidade’, precisam ‘investigar’ (6,3%) a serem informados (4,2%) (Dantas, 1996, p. 119-120, grifos da autora).

As concepções dos alunos também abordam a questão do saber, acompanhada pela preocupação com a aprendizagem. Essa constatação se encaixa perfeitamente com as especificidades do aluno da EJA, que possui rica experiência de vida, espera resultados práticos e possibilidades de aplicação imediata no mundo do trabalho do que aprende na escola. A esse respeito, Ventura (2012, p. 76) esclarece que “[...] os educandos da EJA trazem certas peculiaridades específicas do seu público, [...] possuem significativa experiência de vida e relação com o mundo do trabalho”.

Por sua vez, Charlot (2005) destaca que as concepções dos docentes sobre a aprendizagem na referida pesquisa dizem respeito a: fazer, criar, exercitar, observar, experimentar, comunicar, participar, envolver-se, analisar e tirar conclusões, ler e escrever, conviver, estudar, dentre outras para promover a aprendizagem dos alunos. Conhecer e ensinar estão intimamente relacionados com o agir, com ações que possam ser desenvolvidas pelo(a) professor(a). Esses dados e informações denotam a complexidade do ato de ensinar e de aprender, que dependem da aquisição de diversas competências por parte do professor, do seu comprometimento político com os sujeitos da EJA, da relação com o saber que se estabelece entre professores e alunos, como também do desejo de aprender desses alunos.

Letramento de Re (Existências)

A história e cultura africana e afro-brasileira, conforme preconizam os dispositivos legais de ações afirmativas (lei, parecer e resolução), devem se constituir o ponto de partida e de chegada dos processos de ensino aprendizagem direcionados ao público da EJA e representam a chave para o entendimento das práticas socioculturais que esses sujeitos reproduzem.

Com isso, defende-se como ideia central desse estudo a articulação entre práticas educativas de afrobetização e letramentos de (re) existências, como estratégia inovadora fundamental para a garantia de umas práxis educacional antirracista na EJA.

O conceito de letramento de (re) existências assim como o de afrobetização também é recente. Ela foi desenvolvida por Souza (2009; 2011) nos seus estudos sobre juventudes e cultura hip-hop, observando atividades letradoras (poesia, gestos, falas, leituras, escritas, imagens) reproduzidas pela juventude negra das periferias em contextos extramuros da escola. Observando as formas de sociabilidades desse público em suas comunidades de pertença, a autora constatou no movimento cultural do hip hop, uma agência significativa de letramentos.

As práticas educativas libertadoras direcionadas ao universo da EJA devem buscar reconhecer e incluir os contextos socioculturais dos sujeitos, bem como seus múltiplos usos da linguagem e suas múltiplas vivências e formas de pertencimento, como forma de garantir uma aprendizagem significativa e afirmativa. Nessa dinâmica de associação entre afrobetização e letramento de (re) existência para uma aprendizagem significativa, deve-se considerar que toda produção cultural do povo negro pertencente à EJA, já representa a cultura da resistência4, tecida em meio ao respeito às tradições e às ancestralidades, em um duplo movimento de negociação e conflito, que combina submissões, transgressões, trocas, rupturas e subversões, ou seja, estratégias de existências frente a subalternizações e desumanizações. Uma educação para as relações raciais libertadora, pautada nessa estratégia pedagógica, reivindica no processo de escolarização a valorização da cultura e dos corpos negros, assim como suas práticas sociais e suas linguagens assentadas na tradição (oralidade, musicalidade, dança, poesia, imagens, sons, religiosidade, escrita, leitura, dentre outros). São formas de pertencimento étnico-cultural que carregam no seu interior múltiplos letramentos associados aos vários domínios da vida (Souza, A., 2011, p. 42).

Afrobetização e letramento de (re) existências representam um único movimento que permite o exercício do aprendizado coletivo e compartilhado a partir do reconhecimento e valorização da leitura de mundo de cada sujeito, permitindo que, a partir de então, eles possam experienciar nas interações intersubjetivas a tomada de consciência numa ação significativa e transformadora. Ele permite releituras, afirmações e valorizações de identidades étnicas, de gênero, sexualidade, políticas, dentre outras.

Propõe-se, nas estratégias educativas e afirmativas direcionadas ao povo negro da EJA, reconhecer formas de aprendizagens significativas constituidoras de identidades sociais geradas nos espaços não escolares via processos de afrobetização e letramentos de (re) existências.

A dimensão da aprendizagem significativa5 se articula com a proposta de afrobetização e letramento de (re) existências na medida em que não se reduz a perspectiva tecnicista e mecânica da educação bancária, partindo do pressuposto de valorização dos conhecimentos prévios (ideias, conceitos, proposições, vivências, imagens, princípios, símbolos) dos sujeitos enquanto fator determinante para o desenvolvimento de novas aprendizagens.

Esse modelo de aprendizagem, diferentemente da aprendizagem mecânica, é significativo por definição, na medida em que serve de base para a transformação dos significados lógicos dos materiais de aprendizagem, potencialmente significativos, em significados psicológicos, modificando com isso a estrutura cognitiva dos envolvidos no processo (Ausubel; Novak; Hanesian, 1980; Ausubel, 2003). Dessa forma, as interações intersubjetivas realizadas entre os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem e as trocas de significados são fundamentais e demandam sensibilização e humanização.

Considerações Finais

As experiências aqui analisadas exemplificam as concepções de alunos e professores de escolas da EJA em processo de ensino e aprendizagem e reforçam a compreensão da complexidade da educação e do caráter de humanização e sensibilização de que o ato educativo se reveste. Arroyo (2002, p. 54) afirma que “[...] a recuperação do sentido de nosso ofício de mestre não passará por desprezar a função de ensinar, mas reinterpretá-la na tradição mais secular, no ofício de ensinar a ser humanos”. Em se tratando da EJA que tiveram a sua humanidade roubada, como denuncia o próprio Arroyo (2002), essa reinterpretação é mais do que necessária. Já para Freire (2014) é preciso trabalhar em prol da contraideologia, mobilizar os segmentos populares que ele denomina de oprimidos, nos quais estão inseridos os sujeitos da EJA, e assumir uma prática docente que adote o rigor científico no ensino dos conteúdos.

Uma das primordiais tarefas da pedagogia crítica radical libertadora [...] é trabalhar contra a força da ideologia fatalista dominante, que estimula a imobilidade dos oprimidos e sua acomodação à realidade injusta, necessária ao movimento dos dominadores. É defender uma prática docente em que o ensino rigoroso dos conteúdos jamais se faça de forma fria, mecânica e mentirosamente neutra (Freire, 2014, p. 24).

A intenção ao construir esse artigo foi de efetuar um confronto entre a teoria e a prática com base em diversos autores que aportaram conceitos e proposições a respeito da afrobetização, do letramento de (re) existências, do aprender e do ensinar ao longo da vida, confrontadas com as percepções dos sujeitos da EJA em situação de prática pedagógica.

Com isso, através da relação pedagógica criativa e inovadora permitida pela afrobetização e os letramentos de (re) existências, torna-se possível estimular a aprendizagem significativa na EJA, fomentar protagonismos, romper barreiras do preconceito racial e reinventar corpos dando vozes aos sujeitos invisibilizados, como via de enfrentamento aos epistemicídios, feminicídios, racismos, transfobias e todas as formas de violência tão presentes nos cotidianos. Essas expressões valorizam a necessidade não apenas de resistir, mas de (re) existir.

Notas

1A educação é o maior e o mais difícil problema que pode ser oferecido ao homem.

2A denominada colonização do saber é produto de um processo histórico de colonialidade que deu continuidade às lógicas econômicas, políticas, cognitivas, de existência, de relação com a natureza, etc., forjadas no período colonial (Wynter, 2003). Por isso a relevância dos estudos decoloniais em trazer a centralidade da raça como alternativa a política do esquecimento e silenciamento.

3[...] O racismo/sexismo epistêmico é um dos problemas mais importantes do mundo contemporâneo. O privilégio epistêmico dos homens ocidentais sobre o conhecimento produzido por outros corpos políticos e geopolíticas do conhecimento tem gerado não somente injustiça cognitiva, senão que tem sido um dos mecanismos usados para privilegiar projetos imperiais/coloniais/patriarcais no mundo [...] (Grosfoguel, 2016, p. 25).

4 Nascimento (2002, p. 264) defende a necessidade de uma democracia plurirracial atrelada à ideia de quilombismo como (re)existência, expressa como “[...] afirmação humana, étnica e cultural” na qual as populações negras, por meio da prática de libertação, assumem o comando da sua própria história.

5 Tavares (2004), ao analisar a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel, destaca três requisitos essenciais nesse processo: a oferta de um novo conhecimento estruturado de maneira lógica; a existência de conhecimentos na estrutura cognitiva que possibilite a sua conexão com o novo conhecimento; a atitude explícita de apreender e conectar o seu conhecimento com aquele que pretende absorver. Quando se dá a aprendizagem significativa, o aprendente transforma o significado lógico do material pedagógico em significado psicológico, à medida que esse conteúdo se insere de modo peculiar na sua estrutura cognitiva, e cada pessoa tem um modo específico de fazer essa inserção, o que torna essa atitude um processo idiossincrático.

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Recebido: 23 de Setembro de 2019; Aceito: 03 de Dezembro de 2019

Carla Liane Nascimento dos Santos é Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação- Campus I. Doutora Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Líder do Grupo de Pesquisa Interculturalidades. Gestão da Educação e Trabalho. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3964-5802 E-mail: carlaliane@hotmail.com

Tânia Regina Dantas é Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação- Campus I. Doutora em Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), Mestre em Educação pela Université de Paris 8. Líder do Grupo de Pesquisa Formação, Autobiografia e Políticas Públicas- FORMAPP. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0953-512X E-mail: taniaregin@hotmail.com

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