SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.47Educación Remota Emergencial: satisfacción y competencias de los profesoresDeficiências e Educação Física: o contexto escolar em foco índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação e Realidade

versão impressa ISSN 0100-3143versão On-line ISSN 2175-6236

Educ. Real. vol.47  Porto Alegre  2022

https://doi.org/10.1590/2175-6236112061vs01 

OUTROS TEMAS

Desterro em Ato: práticas educacionais em dimensão performativa

Anna Carolina Ferreira LimaI 
http://orcid.org/0000-0001-5947-7979

Cintya Regina RibeiroI 
http://orcid.org/0000-0002-7924-4539

IUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP – Brasil


RESUMO

Este artigo propõe instaurar uma zona de indiscernibilidade entre os domínios da arte e da educação. Para tanto, confronta documentos relativos tanto à legislação como à pesquisa educacional, com alguns gestos executados pelo artista Nelson Leirner em uma situação de ambiência pedagógica, dando vulto ao problema da demanda por sentido. Evoca procedimentos analíticos operados em três textos de Michel Foucault. Sua companhia permite tomar a representação como uma operação que ultrapassaria o mero ato de representar como re-apresentar a verdade. Tal modo de tomar a representação, em viés performativo, conduz à forja do desterro como estratégia metodológica de investigação de práticas, em seus modos singulares de funcionamento e efeitos.

Palavras-chave Práticas Pedagógicas; Práticas Artísticas; Michel Foucault; Procedimentos Analíticos; Representação

ABSTRACT

This article proposes to establish a zone of indiscernibility between the domains of art and education. To do so, it confronts documents related to both legislation and educational research, with some gestures performed by the artist Nelson Leirner in a situation of pedagogical ambience, highlighting the problem of the demand for meaning. It evokes analytical procedures operated in three texts by Michel Foucault. His company allows taking representation as an operation that would go beyond the mere act of representing as re-presenting the truth. Such way of taking representation, in a performative one, leads to the forge of the exile as a methodological strategy for investigating practices, in their unique modes of operation and effects.

Keywords Pedagogical Practices; Artistic Practices; Michel Foucault; Analytical Procedures; Representation

Introdução

Ao se recusar as promessas redentoras da arte e do pensamento, enfim da representação, talvez se possa fazer uma aposta: a de não nos rendermos à tentação de colmatar o vazio. Inventar, pensar, fazer arte talvez signifique, cada vez mais, que temos que trabalhar nos interstícios do vazio, nas falhas e nas brechas. Na linguagem, no pensamento e na arte trata-se, talvez, de assumir as coisas em sua singularidade, que, frequentemente, está na literalidade, antes da interpretação

(Favaretto, 2014, p. 26).

O presente artigo focaliza modos de pensar constitutivos de procedimentos relativos a práticas educacionais. Para tanto, busca instaurar uma zona de fronteira aberta entre os domínios da arte e da educação, tomando como discussão vertebral a operação de pensamento, cara ao funcionamento tradicional de ambos, de representação.

Afiliado à ambiência do chamado pós-estruturalismo, esmera-se num enfoque à maneira que possibilitou a Michel Foucault fazer vacilar um corpo de categorias da arquitetura de pensamento considerado moderno, tais como a de sujeito, a de obra e a de sentido. Além de situar o caráter historicamente contingenciado de tais categorias, suas pesquisas caracterizam-se por mostrarem, em ato, os procedimentos analíticos que levariam a essa espécie de saldo teórico-conceitual. Nesse sentido, este texto inspira-se nas preocupações bem como ressalvas e indagações de ordem metodológica apresentadas por certo segmento da pesquisa foucaultiana em educação, como Aquino e Val (2018), Aquino (2013; 2018), Veiga-Neto e Rech (2014), Fischer (2003) e Zanetti (2017), entre outros.

Priorizam-se aqui procedimentos analíticos operados por Michel Foucault in loco, isto é, na consecução pormenorizada de suas análises, e menos as contribuições conceituais daí derivadas. A abordagem foucaultiana nos auxiliará a lidar com esses expedientes de pensamento de um modo que nos possibilitará embaralhar os domínios pedagógico e artístico, a fim de problematizarmos suas fronteiras.

Do ponto de vista do método, este artigo se orienta a partir dos seguintes procedimentos: de largada, práticas artísticas e pedagógicas em funcionamento são colocadas em relação, de modo a analisarmos o trânsito de suas especificidades. Tal movimento nos permitirá focalizar a temática da educação, a qual será circunscrita a partir de duas frentes. Na primeira delas, evocaremos alguns escritos concernentes ao encontro da arte com a educação, quais sejam: documentos oficiais bem como um estudo de produções acadêmicas. Na outra, exploraremos uma cena na qual um artista participa, na qualidade de personagem central, de uma situação de ambiência pedagógica. Traremos, tanto os escritos como a cena, partindo de uma acepção expandida da ideia de performance. Tal acepção, defendida por estudos como o de Marvin Carlson (2010), tem em vista o espraiamento de seus usos por domínios discursivos que ultrapassam o da arte.

Conforme buscaremos esmiuçar, essa empreitada investe numa adulteração de ordem qualitativa no modo de mobilização do expediente da representação, por meio da implicação da ideia de performance. Esta última, uma vez expandida do território exclusivo das artes, pode ser tomada como modo de pensamento, permitindo-nos abordar quaisquer práticas enfatizando seu fazer mesmo bem como seus efeitos.

Os Documentos em seus Atos

Em 1996, o governo federal fez valer uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, identificada pelo nº 9.394 (Brasil, 1996), em substituição à Lei nº 5.692, vigente desde 1971, isto é, ainda concernente ao período da ditadura militar. Especificamente em relação ao ensino de arte, entre a legislação anterior e a atualmente vigente, houve um salto bastante exuberante.

Na LDB de 1971, a disciplina de Educação Artística era instituída num sumário artigo 7º (Brasil, 1971) e nada mais ali era assegurado a esse respeito – chegou-se mesmo a considerar que a inclusão da Educação Artística no currículo pela lei nº 5.692, dadas as suas características, ou a ausência delas, orientava-se em “ocultar um pouco o seu caráter domesticador” (Duarte Jr., 1991, p. 78).

Já em regime de abertura política, a LDB de 1996 emergia na qualidade de um minucioso delineamento da nova tônica da educação brasileira. Se à LDB de 1971 coube minimamente garantir a presença da educação artística na condição de disciplina constante no currículo, em 1996, por sua vez, o Poder Legislativo dedicou uma atenção mais cirúrgica à confecção do documento oficial vigente.

Conjuntamente ao respaldo jurídico conquistado com o advento da nova LDB, a configuração do ensino de arte consolidou-se com o lançamento de outro documento oficial, intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais: arte (Brasil, 1997). Se à Lei de Diretrizes e Bases coube assegurar que a educação artística se efetivasse como disciplina curricular presente na vida escolar, aos Parâmetros (PCN) coube assegurar o modo de funcionamento dessa modalidade pedagógica. Já no texto de apresentação, o documento estipula que:

A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido às experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação. Aprender arte envolve, basicamente, fazer trabalhos artísticos, apreciar e refletir sobre eles. Envolve, também, conhecer, apreciar e refletir sobre as formas da natureza e sobre as produções artísticas individuais e coletivas de distintas culturas e épocas.

O documento de Arte expõe uma compreensão do significado da arte na educação, explicitando conteúdos, objetivos e especificidades, tanto no que se refere ao ensino e à aprendizagem, quanto no que se refere à arte como manifestação humana

(Brasil, 1997, p. 15, grifos nossos).

Há alguns pontos nesses primeiros momentos do documento cujo realce se faz estratégico aqui, sobretudo porque parecem ser muito evidentes, do ponto de vista de certas naturalizações da cultura. Escamando essas evidências1, é possível vislumbrar o pressuposto da necessidade de atribuir sentido às experiências das pessoas, assim como o de que aprender arte pressuporia refletir sobre ela, uma vez que esta se constituiria como um dos saberes voltados à formação humana.

Quanto à questão do sentido, note-se que, do excerto supracitado, destacamos os termos sentido e significado. A reiteração dessas ideias no percurso do documento sugere algo da ordem do necessário, que se deve alcançar, conquistar, produzir ou criar, devendo tornar-se uma baliza de todo o perímetro da existência.

Em relação ao ponto sobre a aprendizagem da arte, o tripé que sustenta o fazer, a apreciação e, por fim, a contextualização histórica, repousa na denominada Proposta Triangular, criada por Ana Mae Barbosa (Brasil, 1997). A referida abordagem, presente também no que se entende por educação não formal – espaços não escolares, como museus e centros culturais –, ganha força de lei no acontecimento de sua inserção no texto dos PCN.

Esse modo de abordar a presença da arte na educação é o resultado de uma série de lutas pela democratização do acesso à arte – lutas protagonizadas por personagens que acreditam ser ela uma modalidade da cultura necessária para conferir sentido à experiência de uma vida. Mais ainda, é fundamental destacar que a via estratégica suposta para tal empreendimento foi a pedagógica. Essa articulação entre arte e educação, a qual se legitima em razão de uma insistente demanda por sentido, se vale de um procedimento utilizado por uma categoria profissional oriunda da seara da arte, a crítica de arte, quando do encontro com as obras: a interpretação. De acordo com Giulio Carlo Argan (1988), tal procedimento seria por ela utilizado a partir do fundamento de uma verdade artística da obra, cuja descoberta caberia ao crítico.

Observamos, portanto, como o imperativo do sentido e o procedimento da interpretação transitam entre os territórios artístico e educacional buscando fundamentar a vida humana, explicitando o caráter de verdade de suas múltiplas manifestações. Mas a defesa da atribuição de sentido à existência, pelas vias do encontro com práticas artísticas, não se restringiria ao perímetro da legislação educacional. A investigação conduzida por Fernando Luiz Zanetti (2017; 2018; 2021), a partir de artigos acadêmicos ocupados com o encontro da educação com a arte, demonstra de que modo essa discussão se faz no próprio campo da pesquisa acadêmica.

Especificamente em um de seus trabalhos, no qual congregou uma série de artigos acadêmicos publicados entre 1995 e 2013, Zanetti (2018) permite vislumbrar de que maneira o sentido ganha vulto como um dos expedientes mobilizados na produção de um certo tipo de sujeito, como resultado da vinculação entre educação e arte. Seu problema de pesquisa lastreia-se na suspeita de que haveria, entre esses dois reinos discursivos, “indícios de uma prática de pedagogização da arte” (Zanetti, 2018, p. 256). O pesquisador considera como pedagogização

[...] a disseminação de enunciados oriundos de determinados campos do conhecimento (arte, filosofia, ciência etc.) para outros domínios da vida humana, com intuito de melhorar o homem ou educá-lo, de acordo com os imperativos da agenda social, econômica e política da época

(Zanetti, 2018, p. 256).

Particularmente no que diz respeito ao encontro da arte com a educação, o autor aponta que “[…] a pedagogização da arte implicaria limpar outros efeitos que a arte possa vir a ter, para ressaltar apenas sua função educativa” (Zanetti, 2021, p. 8). Assim, com base em seus achados de pesquisa, poderíamos vislumbrar a recorrência de um imperativo segundo o qual o sentido consistiria no amálgama que, em regime de exclusividade, ataria o sujeito à vida. Isto posto, propomos aqui exercitar uma suspeita em relação ao sentido como categoria apriorística de pensamento, considerando que essa proposta poderia ensejar outros efeitos possíveis no que tange às práticas educacionais.

Corpos em cena

No início da noite de 8 de maio de 2012, Nelson Leirner2 comparecia ao anfiteatro do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP)3. Convidado a falar a respeito de sua obra, esse artista contaria com a projeção de seus trabalhos em slides, providenciada por Tadeu Chiarelli, então diretor do MAC-USP.

Além desse aparato técnico, os recursos proporcionados pelo espaço consistiam, também, em uma cadeira, um microfone, alguma água e, por fim, uma mesa, sobre a qual o artista podia repousar o segundo e o terceiro itens do rol descrito, enquanto ele mesmo repousaria no primeiro. Não fosse tudo isso suficiente, ainda contava com a presença contígua de Chiarelli – autor, inclusive, de um livro a respeito de seu trabalho –, sentado fielmente à sua direita.

Para completar o cenário, tanto o artista quanto o diretor, sentados lado a lado, encontravam-se diante de uma plateia, cuja disposição pelo espaço era mais ou menos a seguinte: a parte predominante encontrava-se acomodada nos assentos disponíveis, sendo que talvez um ou outro assento, no liame entre dois ocupados, permaneceria vago; alguns ouvintes avulsos, por sua vez, restavam em pé, às vezes encostados nas paredes; um vaivém fortuito gerava brevemente algum movimento na porta à esquerda do público. O convidado para aquela noite, ressalve-se, dispunha de uma carreira de mais de meio século na qualidade de artista, tendo experimentado variadas linguagens, como pintura, escultura, instalação, performance e happening.

Pode-se dizer, assim, que nada faltava para que mais uma palestra do semanal MAC encontra os artistas se realizasse de maneira presumível: as condições de possibilidade para a sua realização estavam em ordem, e o artista comparecera de fato ao anfiteatro, comprometendo-se a permanecer naquele espaço durante o intervalo de uma hora e meia. Tudo parecia tender a ocorrer como previsto, não fosse por um detalhe.

Logo nos primeiros instantes de sua apresentação, Nelson Leirner comunicou ao público o modo como aquela hora e meia se seguiria, o qual se configurava como um esquema por ele utilizado em suas palestras: uma espécie de regra de jogo. O motivo de conduzir a fala de certa maneira, isto é, falando devagar, falando de outra coisa, era explicitamente justificado pela necessidade, não outra, senão de matar o tempo.

O que se seguira daí, como se sugere já em seu introito, foram movimentos constituídos por dribles, recusas e o que ele chamaria de enxertos. Houve um ou outro instante no qual lhe escapara algum enunciado mais próximo do presumível à ocasião da palestra, mas como exceção. Em geral, o artista mantinha, durante o período, certa coerência, interna aquele esquema.

Assim sendo, contava estórias, relacionadas ou não ao seu trabalho: da estória sobre um dente postiço perdido num salão repleto de gente e que lhe renderia ocasião para uma performance, em Campinas, à anedota sobre uma brasileira que viu perdida no interior da Galeria Lafayette, loja de departamentos francesa. Tanto uma, como a outra, ele se dispôs a contar sob o mote de que tais peculiaridades serviam para enxertar, ajudando a preencher o tempo da palestra.

Também aconteceu de Leirner se negar, num primeiro momento, a falar de determinado trabalho cuja imagem era projetada no quadro, e de negar até mesmo a autoria de um outro, para em seguida reconhecê-lo, surpreso, como seu. Queixou-se também sobre o tempo que não passava, bem como pediu colaboração aos presentes, sob a alegação de que, sem sua ajuda, ele não teria mais o que dizer. Quando efetivamente não havia nem ajuda nem assunto, sucediam-se, regularmente, momentos de silêncio.

Não se poderia dizer que ele não soubesse o que estava fazendo. Além de sua experiência no território da produção artística, chegou a exercer carreira como professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), na capital paulista, durante mais de duas décadas. Mudou-se posteriormente para o Rio de Janeiro, para assumir outra cadeira como docente, então no Parque Lage.

Em uma entrevista publicada na edição de lançamento da revista Celeuma, do Centro Universitário Maria Antônia, Leirner (2013) expôs um de seus procedimentos quando de sua atuação como docente na instituição de ensino paulista: no primeiro dia da aula de artes, ele perguntava a seus alunos quem tinha interesse em ser aprovado no semestre letivo sem frequentar a disciplina. Quando algum aluno declarava tal interesse, o professor lhe expunha as regras de um jogo, dispondo quatro cartas de baralho. Dependendo da carta escolhida, o aluno podia ser aprovado imediatamente com nota plena ou ser sumariamente reprovado.

Nas duas cenas aqui trazidas a partir de Nelson Leirner, é possível identificar a forma ritualizada de situações pedagógicas. Poderíamos afirmar, entretanto, que o procedimento por ele posto em marcha, no horizonte de práticas pedagógicas, tanto no Museu de Arte Contemporânea como também na sala de aula do curso de graduação, distancia-se daquilo que a cultura tenderia a considerar como familiar, conhecido ou pensável em relação à situação de uma aula. É tal estranhamento que nos permite agora colocar em conversação as duas frentes anteriormente comentadas: as relativas aos atos dos documentos e do artista.

Retomemos a primeira situação relativa à LDB, ao PCN e aos escritos acadêmicos: quando se trata de legitimar a articulação entre educação e arte, o procedimento então pressuposto se vale da interpretação, tendo em vista a prevalência do expediente do sentido. Mas esse mecanismo da interpretação e da explicitação do sentido parece encontrar entraves para sua efetivação na cena ocorrida no MAC-USP, na medida em que se rompe, ali, a correspondência culturalmente esperada entre um gesto e a ambiência no interior da qual ele se realiza.

Assim, ambos os gestos, o dos documentos e o de Leirner, parecem ir de encontro um ao outro. Seria possível tratá-los em termos de uma oposição, porventura dada entre o domínio educacional e o domínio artístico? Estaria a arte, no gesto de Leirner, recusando a educação? Por outro lado, seria possível abordar essa relação em termos não categoricamente antagônicos? Quais ferramentas teórico-metodológicas precisaríamos utilizar para enfrentar as práticas descritas até aqui em sua singularidade e, desse movimento, fazer aparecer uma contribuição à seara educacional?

Tendo em vista as indagações acima, recorremos à companhia de um pensador disposto a repensar seu modo de trabalho a cada vez que as fontes por ele estudadas o forçavam a tal. Conforme ponderações de Gilles Deleuze, referindo-se a ele:

[...] no momento em que alguém dá um passo fora do que já foi pensado, quando se aventura para fora do reconhecível e do tranquilizador, quando precisa inventar novos conceitos para terras desconhecidas, caem os métodos e as morais, e pensar torna-se, como diz [Michel] Foucault, um “ato arriscado”, uma violência que se exerce primeiro sobre si mesmo. As objeções feitas a um pensador ou mesmo as questões que lhe colocam vêm sempre da margem, e são como boias lançadas em sua direção, porém mais para confundi-lo e impedi-lo de avançar do que para ajudá-lo

(Deleuze, 2013, p. 128).

Desse excerto, importa pensar em que consistiria dar um passo fora do que já foi pensado, aventurar-se para fora do reconhecível? Que tipo de violência o gesto de pensar implicaria primeiro sobre aquele que o realiza? O que dizer da forte imagem de boias que, lançadas da margem, atrapalham? Por fim, que métodos seriam esses que caem? Manter o horizonte nessa relação de termos constitui nossa tarefa aqui.

Percursos Foucaultianos: o representacional e a emergência de um modo analítico performativo

A convocação de Michel Foucault nos interessa em razão dos procedimentos analíticos que o pensador mobiliza em seus modos de fazer. Destacamos aqui três de seus estudos, sem prejuízo de outros igualmente fecundos: a conferência O que é um autor? (Foucault, 2013) e os ensaios Las meninas (Foucault, 1999) e Isto não é um cachimbo (Foucault, 2008). Em todos esses casos, evidencia-se um percurso procedimental análogo.

Esses textos partem de um solo comum em relação à tradição do pensamento. Tal solo é constituído por certo modo de tratamento da representação, o qual considera que o representar – ou seja, re-apresentar, tornar presente novamente – se constituiria como a única, ou a principal, operação da representação, em detrimento de outros atos ou efeitos possíveis. Podemos dizer que o procedimento foucaultiano toma distância em relação a essa dimensão representacional, em nome de um procedimento analítico de viés performativo.

Primeiramente cunhado pelo filósofo da linguagem John Longshaw Austin (1990), o termo performativo refere-se a uma condição na qual, ao se proferir determinado enunciado, não se está narrando, relatando, descrevendo ou afirmando, e, sim, realizando uma ação que não remonta ao ato de falar. Em suas palavras:

Quando digo, diante do juiz ou no altar, ‘Aceito’, não estou relatando um casamento, estou me casando. Que nome daríamos a uma sentença ou a um proferimento deste tipo? Proponho denominá-la sentença performativa ou proferimento performativo, ou de forma abreviada, ‘um performativo’. [...] Evidentemente que este nome é derivado do verbo inglês to perform, verbo correlato do substantivo ‘ação’, e indica que ao se emitir o proferimento está-se realizando uma ação, não sendo, consequentemente, considerado um mero equivalente a dizer algo

(Austin, 1990, p. 25).

Uma vez tomado de empréstimo por abordagens pós-estruturalistas, às quais o presente artigo se afilia, o termo performativo extrapola o âmbito dos efeitos imediatos dos atos de fala, uma vez identificados e estruturados no interior do domínio da Pragmática Linguística. Doravante, passa a considerar modos – já não imediatamente identificáveis, mas tampouco invisíveis – de funcionamento de quaisquer práticas.

Desse modo, tomar o performativo como modo de tratamento analítico das práticas implica, com Michel Foucault, privilegiar os modos como as práticas operam para além de jogos de sentido calcados numa correspondência entre superfície e profundidade.

Conforme poderemos notar já na abordagem da conferência O que é um autor? (Foucault, 2013), as noções representacionais vão mostrando como são úteis e convenientes em princípio, mas chegam a um ponto no qual entram em pane. Está em jogo aqui, precisamente, flagrar e dilatar esse momento bem como seus efeitos.

A mencionada conferência mobiliza um operador cunhado pelo pensador francês como função autor. Tal mobilização ocorre em dois níveis. O primeiro deles dá-se a partir de uma ambiência do pensamento representacional, na medida em que Foucault evoca as categorias de autor, obra e escrita. Estas, numa acepção representacional, configurariam o solo comum partilhado entre ele e seus ouvintes.

Embora constituam noções representacionais, Foucault delineia seus efeitos concretos no mundo. A partir delas, então, é possível enumerar que a função autor possui uma função jurídica; não é universal e constante; confere credibilidade e status; enseja um modo particular de apreensão dos textos; não remete a um indivíduo real; e opera como um princípio de unidade da escrita (Foucault, 2013). Ao concluir essa exposição mais empática em relação às premissas representacionais, Foucault capitula todo o exposto alegando “[...] ter dado ao termo ‘autor’ um sentido demasiadamente restrito. Eu me limitei ao autor considerado como autor de um texto, de um livro ou de uma obra ao qual se pode legitimamente atribuir a produção” (Foucault, 2013, p. 284, grifos nossos).

Como podemos ver, por mais que se assumam noções representacionais a partir de um procedimento de análise de viés performativo, isto é, que investiga seu caráter produtivo, a persistência na mobilização dessas noções ainda tende a implicar um limite. Tal limite se daria pelo efeito de rebatimento entre as noções de autor e obra, autor e livro, autor e texto.

Diante da constatação citada acima, Foucault afasta a função autor dessas categorias, com vistas a fazer aparecer o problema em jogo na conferência: a economia da própria discursividade. Agora com lastro na ideia de “instauração da discursividade” (Foucault, 2013, p. 286), dá ensejo a um outro nível de tratamento da função autor.

Na medida em que aponta ao modo de produção e circulação dos discursos, a instauração de discursividade não levaria mais em conta algo como um procedimento ou um estilo que remeteriam a um sujeito autor. Em vez disso, passa a considerar os efeitos que ultrapassam o próprio texto, isto é, “a possibilidade e a regra de formulação de outros textos” (Foucault, 2013, p. 284, grifo nosso). Tomando Marx e Freud como exemplos emblemáticos, Foucault (2013, p. 286) considera que

[...] eles não tornaram apenas possível um certo número de analogias, eles tornaram possível (e tanto quanto), um certo número de diferenças. Abriram o espaço para outra coisa diferente deles e que, no entanto, pertence ao que eles fundaram.

Esse deslocamento analítico permite ao pensador francês aventar que a maneira como os discursos “[…] se articulam nas relações sociais se decifra de modo [...] mais direto no jogo da função autor e em suas modificações do que nos temas ou nos conceitos que eles operam” (Foucault, 2013, p. 291). Nesse sentido, haveria que se considerar uma espécie de dessacralização metodológica dos temas e dos conceitos, em favor de um procedimento analítico que se pretenda suspeitoso em relação ao pressuposto de que representações tão somente representam. A consequência disso consistiria numa suspeita em relação a procedimentos de identificação e reconhecimento.

Uma vez apresentada essa ambientação performativa de pensamento, vejamos agora algumas estratégias analíticas mobilizadas na companhia de duas obras pictóricas.

Publicado pela primeira vez em 1968 em homenagem a René Magritte, por ocasião de sua morte no ano anterior, o ensaio Isto não é um cachimbo é tecido a partir da pintura homônima daquele artista, evocando arbitrariamente elementos que permitem a Foucault (2008) elaborar outro tratamento da relação, tradicionalmente de correspondência, entre palavras e imagens.

No quadro, a frase Isto não é um cachimbo encontra-se grafada em vizinhança a uma gravura de cachimbo. A radicalidade no gesto de Magritte, pois, consistiria em posicionar signos linguísticos e visuais numa relação de mera contiguidade, como uma “[…] pedra lisa, que traz figuras e palavras” (Foucault, 2008, p. 54), dando a ver, assim, sua desigualdade. A partir de um gesto irreverente em relação ao modo representacional de endereçamento à representação, a radicalidade emergiria do procedimento, isto é, do modo de fazer, e não solitariamente da forma: “Pintura do ‘Mesmo’, liberta do ‘como se’” (Foucault, 2008, p. 59).

A ideia de que pintar não é sinônimo de afirmar emerge como efeito do encontro entre o procedimento foucaultiano e o quadro Isto não é um cachimbo, cujo procedimento, por sua vez, dá a ver a elisão de um lugar-comum entre palavras e imagens. Ora, todo o percurso analítico de Michel Foucault em Isto não é um cachimbo culmina numa tomada da pintura por um aspecto performativo, focado no seu modo operativo. Esta não diz, não significa, não representa; ela produz efeitos que tocam o âmbito mais geral dos modos de pensamento, não estando mais em jogo as supostas pretensões de quem a fez.

Como vimos, o efeito performativo relacionado ao quadro de Magritte poderia ser circunscrito como da ordem de um impedimento, isto é, uma ação que compromete as condições para realização de uma outra; no caso, o impedimento incidiria sobre o gesto mesmo de tomar a obra em chave representacional. Também no ensaio introdutório da obra As palavras e as coisas, originalmente publicado em 1966, Foucault (1999) chama atenção a certa ação sobre ações, em companhia do quadro As meninas, de Diego Velázquez. Diferentemente de um impedimento, porém, nesse caso o efeito performativo seria da ordem da obrigação.

Num movimento que considera a materialidade bidimensional do quadro, Michel Foucault circula por algumas premissas estéticas da episteme clássica, da qual As meninas é contemporâneo. Cortando a tela com linhas imaginárias, dá a ver princípios da pintura tais como a proporção áurea e a perspectiva.

Num outro movimento, por sua vez, traça linhas que ultrapassam a área bidimensional da tela, linhas que a conectam ao espectador qualquer. A partir daquilo que lá se encontra retratado, chama atenção ao que o quadro faz fazer, isto é, a uma dimensão performativa. O olhar frontal do pintor, segurando um pincel, diante de uma tela da qual o espectador só consegue ver o verso, serve como disparador para que Foucault jogue luz sobre a noção, não clássica, mas moderna, de sujeito.

No momento em que colocam o espectador no campo de seu olhar, os olhos do pintor captam-no, constrangem-no a entrar no quadro, designam-lhe um lugar ao mesmo tempo privilegiado e obrigatório, apropriam-se de sua luminosa e visível espécie e a projetam sobre a superfície inacessível da tela virada. Ele vê sua invisibilidade tornada visível ao pintor e transposta em uma imagem definitivamente invisível a ele próprio

(Foucault, 1999, p. 6).

Ao considerar no quadro uma dimensão performativa, Foucault arma uma dramaturgia por meio da qual se evidencia como estamos enredados: na condição de espectadores, somos obrigados à tela. Contudo, não há lugar para nós em seu jogo pictórico, nem mesmo no reflexo do espelho que se encontra retratado precisamente no centro da tela, uma vez que já consta a imagem de outros personagens refletidos nele.

Cabe apontar que a interpelação operada – frise-se: via Foucault – pelo quadro é impessoal, pois o que está em jogo, na investida do filósofo, é a própria categoria de pensamento com a qual temos sido instados a nos haver desde a instauração da episteme moderna. Em outras palavras, a pintura de Velázquez mostra-se completa, íntegra, funcionando perfeitamente sem depender de um sujeito posicionado em relação a ela. Daí o autor concluir afirmando que, livre da relação com o sujeito, “[…] a representação pode se dar como pura representação” (Foucault, 1999, p. 21).

O ensaio introdutório de As palavras e as coisas permite aventar que, há não muito tempo, efetivamente se pensava sem a noção de sujeito; além disso, o ensaio ainda o fez notar na companhia estratégica do quadro As meninas. Tal feito só foi possível na medida em que Michel Foucault operou uma disjunção entre a representação clássica, formalizada no quadro, e o ato de representar, substituindo este último pelo ato de interpelar, de constranger.

A evocação dos três textos evidencia que os procedimentos referidos acima realizam uma modificação no modo de abordagem da problemática da representação. Assim, a representação não mais se circunscreveria como uma operação de transcendência – ou seja, como expressão de um sentido enigmático a ser revelado, interpretado ou traduzido.

Em outras palavras, diferentemente de rechaçar as representações, Foucault simplesmente deixa de considerá-las a partir de uma dimensão exclusivamente representacional, tomando-as em suas dinâmicas e seus efeitos performativos. Poderíamos dizer que, em vez de se opor dialeticamente à noção de representação, o procedimento foucaultiano investiga práticas singulares em sua constituição efetiva, nos seus pormenores. Isso lhe exige tomar distância em relação às circunscrições temáticas bem como aos pretensos conteúdos subjacentes a elas. Esse distanciamento da representação em relação ao horizonte exclusivo do sentido possibilita outra abordagem de tal operação, ensejando a afirmação da própria noção de prática. No entendimento de Paul Veyne:

Foucault não descobriu uma nova instância, chamada ‘prática’, que fosse desconhecida até então: esforça-se por ver a prática das pessoas tal como ela é realmente, ele não fala algo diferente daquilo de que fala qualquer historiador, a saber, o que as pessoas fazem: simplesmente, ele resolve falar disso exatamente, descrever os seus contornos pontiagudos, em vez de falar em termos vagos e nobres

(Veyne, 2008, p. 323, grifos do autor).

Em companhia de Michel Foucault, propõe-se aqui forjar uma condição de desterro, como pressuposto metodológico, para fins de um modo de análise de cunho performativo. Trata-se, com isto, de desterrar uma prática em relação ao território discursivo no interior do qual ela se situa. Tal movimento requer que se afirme a singularidade de uma prática tal como ela se contingencia em sua superfície, em detrimento da generalidade abstrata daquele território.

Entre o pedagógico e o artístico: uma zona de indiscernibilidade

Após o contato com a teorização foucaultiana, voltemos ao episódio no qual um artista encontrava-se em uma situação de ambiência pedagógica. Nelson Leirner fora convidado a proferir uma palestra. Porém, como já dito, ele se valeu de um esquema de apresentação composto basicamente por dribles, recusas e enxertos.

Curiosamente, Leirner não abandonou o mise-en-scène da palestra, isto é, não recusou sua forma ritualizada, permanecendo na mesma cadeira pelo período aprazado. Não obstante a diligência desse artista em seu procedimento, contudo, é o público que se encarrega de dotar a pitoresca atmosfera ali engendrada de ares mais familiares, para não dizer escolares: é na hora da formulação das perguntas ao mestre que certa disposição pedagógica do público se impõe, fazendo aparecer o que até então o esquema desse artista mantivera silenciado.

Encontramo-nos, pois, numa zona de indistinção, na qual se imiscuem certos modos reconhecidamente pedagógicos e artísticos, embaralhando, assim, o universo de sentidos que tem organizado historicamente cada um desses territórios.

Considerando certa prerrogativa pedagógica, por meio da qual se afirma estreita conexão entre o sentido da arte e o sentido da vida, podemos afirmar que a atuação de Nelson Leirner, no evento, consistiu basicamente em comprometer essa ordem de sentidos, resistindo à tarefa de iluminar pedagogicamente o público a partir de sua legitimidade como especialista. Sua resistência dar-se-ia a ver ao demonstrar certo incômodo em ter de falar sobre pretensos sentidos de seus gestos de criação, sobretudo a respeito de suas próprias produções artísticas.

Desse modo, seria possível dizer que o artista passou ao largo da tarefa de pôr em marcha alguns rituais pedagógicos, especificamente aqueles que remetem às formas tradicionais de abordar o ensino e o aprendizado (Silva, 2002). Logo ele: artista e professor.

Sugestionados pela forma ritualizada, tenderíamos a nos afiliar à ideia de que o acontecido naquele 8 de maio fora, sim, uma palestra, como tantas outras promovidas no MAC encontra os artistas. Da mesma forma, poderíamos nos sentir tentados a identificar o referido acontecimento com o timbre da prática artística conhecida como performance. A demanda por uma identificação nos induziria a designar a experiência de Nelson Leirner ou como um acontecimento pedagógico ou como um acontecimento artístico; entretanto, ainda que tomássemos quaisquer partidos, a hesitação perduraria.

Não é à toa que precisamente esse gesto ambíguo do artista nos interessa estrategicamente aqui. Assim preferimos a companhia de Nelson Leirner, em relação à de Paul Valéry, por exemplo, cujo ensaio O problema dos museus (Valéry, 2008) também aponta para uma relação pouco evidente entre os domínios do artístico e do pedagógico4, embora não da mesma maneira como a experiência que vem sendo abordada aqui.

Ao abordar especificamente a função pedagógica dos museus, Valéry é motivado por uma relação incômoda com aquilo que poderia ser tomado como um traço pedagógico em operação numa visita sua ao museu do Louvre, na França. Já em seus primeiros momentos, o autor anuncia: “Ao primeiro passo que dou na direção das belas coisas, retiram-me a bengala, um aviso me proíbe de fumar” (Valéry, 2008, p. 31). Segue-se a esse primeiro passo a sucessão de mais elementos que erigem um óbice à efetivação de sua experiência estética, configurando “uma fria confusão” (Valéry, 2008, p. 31).

Nesse caso, teríamos grande facilidade em diferenciar os domínios em jogo, sendo que o artístico parece perder uma batalha em relação ao pedagógico: “Adeus [...]; não irei mais longe” (Valéry, 2008, p. 33). Importa aqui notar que, em Valéry, a relação não harmoniosa estabelecida entre o artístico e o pedagógico é da ordem do antagonismo.

Aquilo que nos interessa na companhia do artista plástico brasileiro, por sua vez, é de ordem diversa. Primeiramente, não conseguimos tratar a questão confortavelmente na mesma chave de polarização ou de oposição. O problema de ter que falar durante uma hora e meia não é resolvido por meio de uma recusa radical à tal ocasião, mas por uma radicalidade da presença na cena, ou seja, pelo ato de colocar em pauta o próprio problema de ter de falar – e sobretudo de ter de falar sobre o próprio trabalho, conforme enuncia no MAC-USP –, fazendo uso da própria fala. Numa palavra, a relação entre o artístico e o pedagógico na palestra de Nelson Leirner dá-se, desse modo, por uma condição agonística, isto é, um tipo de “[…] relação que é, ao mesmo tempo, de incitação recíproca e de luta; trata-se, portanto, menos de uma oposição de termos que se bloqueiam mutuamente do que de uma provocação permanente” (Foucault, 1995, p. 245).

O efeito da situação de ambiência pedagógica conduzida por esse artista é de baralhamento de fronteiras, de comprometimento dos sentidos culturalmente pactuados: não se pode dizer com facilidade que tal situação se constitui como uma palestra, nem tampouco como uma performance; ainda que tentássemos, não conseguiríamos capturar a precisão desse ato, pois algo insiste em nos escapar, fatalmente. Só podemos afirmar com menor hesitação que uma zona de indiscernibilidade se instaura ali. Tal indiscernibilidade dar-se-ia entre a forma pedagógica da palestra e a forma artística da performance. Para além disso, referimo-nos mais especificamente a uma indiscernibilidade entre procedimentos e efeitos de ordem artística e pedagógica. As especificidades dos domínios de saber aí em jogo, o da Arte e o da Educação, encontram, enfim, seus limites, impelindo-nos a explorar novas modalidades de relações e implicações entre práticas em princípio díspares.

No horizonte das práticas artísticas, a situação relatada não possui absolutamente nada de estranho ou imprevisto. Em 1968, por exemplo, o artista polonês, e membro do grupo Fluxus, Bazon Brock, instalou uma escola de visitantes na quarta edição da dOCUMENTA, exposição quinquenal de arte sediada na cidade alemã de Kassel, pondo ali em funcionamento um dispositivo denominado action teaching (Schmitt, 2011).

Quarenta e oito anos depois disso, em solo paulistano, uma sala no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, foi reservada para uma mostra intitulada Educação como matéria-prima. Ao longo das paredes dessa sala, encontravam-se afixadas diversas placas similares àquelas que costumam acompanhar obras de arte em espaços expositivos. Contudo, no lugar de legendas contendo dados de título, autor, ano e materiais utilizados, essas placas apresentavam enunciados, ao modo daqueles constantes em livros didáticos, trazendo proposições de problemas para serem trabalhados pelos visitantes; ao redor de cada uma dessas placas, as respectivas produções do público. Estas últimas misturavam-se com trabalhos, previamente instalados, de artistas como Graziela Kunsch, Amílcar Packer e Jorge Menna Barreto, entre outros.

Além de não serem novidade, essas relações de baralhamento já vêm sendo sondadas por estudiosos, tanto das artes como da educação. Edmilson Vasconcelos (2007), por exemplo, o faz partindo do conceito cunhado por Ricardo Basbaum: artista-etc. De acordo com aquele, este último considera como artista-artista, aquele que seria artista o tempo todo; por outro lado, a condição de artista-etc. remete-se ao momento em que o artista questiona sua função e papel, imiscuindo-se em práticas, em princípio, não artísticas. A partir das diversas derivações possíveis desse conceito, Vasconcelos fixa-se na categoria de artista-professor, e, com ela, investiga certo hibridismo, o qual pode ser evidenciado nas duas situações seguintes armadas por artistas distintos.

Na primeira delas, o autor descreve uma situação ocorrida em 1966 no ambiente acadêmico da tradicional universidade britânica St. Martin School of Art. Ali na condição de professor adjunto, o artista inglês John Lathan convidou alunos e artistas para, durante uma aula, mastigarem páginas de um exemplar, retirado da biblioteca local, de um livro de Clement Greenberg. Conforme conta, o artista coletara as páginas cuspidas num recipiente para posterior adição de produtos químicos, sendo que a versão destilada do exemplar foi devolvida à biblioteca, o que ensejaria a demissão do professor. Décadas depois, uma maleta contendo os ingredientes dessa experiência entraria para o acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

O autor refere o segundo caso à ocasião na qual o artista brasileiro Jorge Menna Barreto forjara um sítio de ambiência pedagógica no interior do espaço expositivo do Centro Cultural São Paulo (CCSP) no ano de 2004, ministrando ali oito aulas. Valendo-se do espaço, concedido com o propósito de realizar uma exposição individual, Barreto fez funcionar o projeto Matéria: oficina intervenção; por conseguinte, a oficina confundir-se-ia com a obra.

Além dessas práticas realizadas por artistas, encontramos certo baralhamento também na ordem dos espaços expositivos. Cayo Honorato (2007) discorre sobre esse investimento singular em práticas pedagógicas a partir de três grandes exposições periódicas de artes, quais sejam: a sexta edição da Bienal do Mercosul, a dOCUMENTA 12 e a sexta edição da Manifesta.

Na sexta Bienal do Mercosul, ocorrida em Porto Alegre/RS, propunha-se uma curadoria pedagógica, assim como a presença institucional da Bienal em escolas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e, finalmente, encontros entre os mediadores e os alunos meses antes da abertura da exposição. Por sua vez, na 12ª edição da dOCUMENTA de Kassel, a educação exerceria a função estratégica de “advogado da arte e o contraponto do público” (Honorato, 2007, p. 118). Já na itinerante Manifesta, bienal europeia de arte contemporânea, a equipe curatorial propusera a realização de uma escola de arte no lugar de uma exposição de arte, o que acabou não se concretizando.

Consideremos os modos distintos como, tanto o estudo de Vasconcelos como o de Honorato, circunscrevem as práticas evocadas. Ambos os recortes apresentam modos específicos de configuração dos dados, correspondentes às suas respectivas necessidades analíticas. Por conseguinte, os dados são apresentados num gradiente de dilatação que varia desde a breve menção geral até a descrição focalizada.

Assim como nesses dois casos, aqui também não temos necessidade de apresentar dados em sua totalidade, com fins de assegurar a verdade de uma análise. Consideramos que o próprio modo de apresentação dos dados também compõe um procedimento analítico. Dito em outros termos, expõem-se tais ou tais dados, de uma ou outra maneira, tendo em vista o que se pretende fazer aparecer.

Nesse sentido, tal como trazidos aqui, os gestos de Nelson Leirner implicam um impedimento à operação de reconhecimento dos territórios da arte e da educação, dissolvendo-os em um discreto acontecimento. Do interior do pedagógico, do artístico, ou de ambos e, sobretudo, ao mesmo tempo, a partir de uma corporalidade que se fez em ato, sustaram-se por um instante, em companhia de Nelson Leirner, as unidades de autor e de obra.

Por isso mesmo, constrangeu-se um procedimento analítico caro, tanto à discursividade artística quanto à pedagógica, conforme a tradição, de buscar sentido ou fundamento no gesto de Leirner, como se tal gesto 1) expressasse uma verdade 2) de natureza estética, 3) sobre o ato de criação, 4) a qual pudesse ou devesse ser evidenciada e transmitida ao outro, a partir de uma incitação à fala infinita de um mestre.

Ao fim e ao cabo, seria possível extrair um ponto em comum entre o procedimento de Nelson Leirner e o de Michel Foucault: ambos, cada um a seu modo e no interior de seu contexto de ação, problematizaram a operação da representação e tornaram difícil o gesto de interpretar. Em companhia de Gilles Deleuze (2013, p. 109):

Precisamente em Foucault, a superfície torna-se essencialmente superfície de inscrição: é todo tema do enunciado “ao mesmo tempo não visível e não oculto”. A arqueologia é a constituição de uma superfície de inscrição. Se você não constitui uma superfície de inscrição, o não-oculto permanecerá não-visível. A superfície não se opõe à profundidade (voltamos à superfície), mas à interpretação. O método de Foucault sempre se contrapôs aos métodos de interpretação.

Em seu gesto diante do público no anfiteatro do MAC-USP, Leirner se distanciaria de um encontro tanto com a educação como com a arte como reinos discursivos. Assim fazendo, desvencilhou-se da obrigação de colaborar com uma experiência pautada no já pensado. Uma vez desterrado tanto em relação ao domínio da arte como ao da educação, seu gesto fez frente ao modo exclusivamente representacional de funcionamento da representação. Com isso, fez frente à crença na possibilidade de apreensão da verdade – ou seja, de um suposto sentido dado de véspera – mediante estratégias cognitivas de espelhamento do real.

Tal modo usual de funcionamento da representação, lastreado pelo princípio de que a verdade residiria em algo a ser descoberto, e reverberando, assim, um presumido horizonte de sentidos, tende a constituir o aporte procedimental mobilizado tanto no interior do reino discursivo da educação quanto da arte. Diferentemente disso, em companhia de Michel Foucault, o verdadeiro, na condição de vetor de produção de quaisquer práticas, interessa na medida mesma de sua ficção, ou seja, pode ser investigado não como reserva de sentidos, mas como efeito dessas mesmas práticas.

Considerações finais

As discussões pregressas apontam para implicações inevitáveis no campo das práticas educacionais. O núcleo de tais discussões reside na atenção aos procedimentos vinculados às operações de representação.

Em companhia de Michel Foucault, enfatizamos a possibilidade de afirmar que as representações operam, fazem fazer, uma vez que produzem efeitos nos jogos nos quais se inscrevem. Aqui, abordamos a representação em termos de uma operação que ultrapassa o mero mecanismo de expressão de uma suposta verdade. Com isso, buscamos dar a ver a necessidade de mobilizar um modo analítico outro, de cunho eminentemente performativo.

O tratamento das relações entre o artístico e o pedagógico numa abordagem agonística, investindo no caráter de indiscernibilidade das relações advindas entre esses dois campos, possibilitou-nos vislumbrar uma força performativa na representação. Com isso, enseja-se outro modo de abordar as práticas e aqui, mais especificamente, as práticas educacionais.

Desde o primeiro movimento de nossa discussão, vimos que as práticas se recusam a conformar-se à determinação dos domínios disciplinares dados pela cultura – no caso deste artigo, o pedagógico atado à educação e o artístico à arte. Ora, se se torna possível admitir o pedagógico na arte e o artístico na educação, nosso modo de pensamento é forçado a se deslocar. Isso se justifica porque a suspeita em relação a campos disciplinares bem demarcados exige suspender o horizonte de sentidos que legitimaria as identidades presumíveis dessas práticas. Pleiteia-se, assim, vislumbrar, analiticamente, de que maneiras aquilo que se passa no vórtice mesmo do domínio educacional pode perturbar a ordem discursiva da pedagogização. Pontualmente aqui, buscamos fazê-lo ao flagrar simples gestos ocorridos numa situação de ambiência pedagógica.

É precisamente a afirmação da relevância em relação ao caráter singular das práticas que nos convoca a investigá-las nos seus pormenores, de modo a fazer aparecerem ruídos, dissonâncias, resistências, sabotagens, discretas deserções, impurezas, constrangimentos em ato, em relação ao reino discursivo no interior do qual se situam.

Com isso, impõe-se um deslocamento das discussões acerca de temas e conteúdos supostamente pertencentes à educação e à arte, em favor de uma atenção aos próprios modos de funcionamento das práticas singulares, fortuitamente em jogo numa dada situação.

Advogando pelo modo de pensamento performativo, este artigo dá a ver uma estratégia de análise que pode ser denominada como uma operação de desterro. Trata-se de desterrar uma prática do interior do reino discursivo no qual ela está inserida, investindo em uma atenção fatal à dramaturgia mesma de suas forças em ato.

1A respeito do caráter metodológico do levantamento de evidências, caro a este trabalho: “Uma coisa é evidente quando impõe sua presença ao olhar com tal claridade que toda dúvida é impossível. És o que não vês?! Sim, aí está, olha, é assim, aí o tens... é evidente! Só um louco ou um cego não o veria! Grande é, sem dúvida, o poder das evidências. Mas Foucault empenhou-se em mostrar a contingência das evidências e a complexidade das operações de sua fabricação. O que todo mundo vê nem sempre se viu assim. O que é evidente, além disso, não é senão o resultado de uma certa disposição do espaço, de uma particular ex-posição das coisas e de uma determinada constituição do lugar do olhar” (Larrosa, 1994, p. 83).

2Em 7 de março de 2020, Nelson Leirner veio a falecer. Para ele, a quem registramos aqui um agradecimento póstumo, dedicamos este texto in memoriam.

3O registro audiovisual da ocasião, presenciada in loco e aqui relatada, encontra-se disponível para acesso público no sítio eletrônico do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo: http://www.mac.usp.br/mac/conteudo/cursoseventos/mac_encontra/2012_1/nelsonleirner_vd.asp. Acesso em: 31 ago. 2021.

4A esse respeito, conferir Pereira (2013), abordagem disparada pelo referido ensaio de Paul Valéry, mais especificamente em relação à função pedagógica dos museus.

Referências

AQUINO, Julio Groppa. A difusão do pensamento de Michel Foucault na educação brasileira: um itinerário bibliográfico. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, n. 53, p. 301-324, abr./jun. 2013. [ Links ]

AQUINO, Julio Groppa. Foucault e a pesquisa educacional brasileira, depois de duas décadas e meia. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 1, p. 45-71, jan./mar. 2018. [ Links ]

AQUINO, Julio Groppa; VAL, Gisela do. Uma ideia de arquivo: contributos para a pesquisa educacional. Pedagogía y Saberes, Bogotá, n. 49, p. 41-53, jul./dez. 2018. [ Links ]

ARGAN, Giulio Carlo. A crítica de arte. In: ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica de arte. Tradução de Helena Gubernatis. Lisboa: Estampa, 1988. P. 126-161. [ Links ]

AUSTIN, John Longshaw. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Tradução de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. [ Links ]

BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 ago. 1971. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 31 ago. 2021. [ Links ]

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v. 134, n. 248, 23 dez. 1996. Seção 1. P. 27834-27841. [ Links ]

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. [ Links ]

CARLSON, Marvin. Performance: uma introdução crítica. Tradução de Thaïs Flores Nogueira Diniz e Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: UFMG, 2010. [ Links ]

DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 2013. [ Links ]

DUARTE JR, João Francisco. Por que arte-educação? Campinas: Papirus, 1991. [ Links ]

FAVARETTO, Celso. Arte contemporânea – opacidade e indeterminação. Rapsódia: Almanaque de Filosofia e Arte, São Paulo, n. 8, p. 11-28, 2014. [ Links ]

FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault revoluciona a pesquisa em educação? Perspectiva, Florianópolis, v. 21, n. 2, p. 371-389, jul./dez. 2003. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Tradução de Vera Portocarrero. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. P. 231-249. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1999. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. Tradução de Jorge Coli. São Paulo: Paz e Terra, 2008. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. O que é um autor. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos III – Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. P. 268-302. [ Links ]

HONORATO, Cayo. Expondo a mediação educacional: questões sobre educação, arte contemporânea e política. ARS, São Paulo, v. 5, n. 9, p. 103-114, 2007. [ Links ]

LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O sujeito da educação. Petrópolis: Vozes, 1994. P. 35-86. [ Links ]

LEIRNER, Nelson. Entrevista com Nelson Leirner. Celeuma, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 98-118, mai. 2013. Entrevista concedida a Rafael Vogt Maia Rosa. [ Links ]

PEREIRA, Marcelo de Andrade. Ne pas toucher aux oeuvres: o princípio da (in)tangibilidade da obra de arte no contexto de sua exibição e suas (contra)significações pedagógicas. Educar em Revista, Curitiba, v. 29, n. 49, p. 309-322, jul./set. 2013. [ Links ]

SCHMITT, Eva. Mediação artística enquanto arte? Arte enquanto mediação artística? Ou: por que às vezes arte e mediação são a mesma coisa. Humboldt, Bonn, Goethe Institut, n. 104, ano 52, p. 5-6, 2011. [ Links ]

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. [ Links ]

VALÉRY, Paul. O problema dos museus. Tradução de Sônia Salzstein. ARS, São Paulo, v. 6, n. 12, p. 31-34, 2008. [ Links ]

VASCONCELOS, Edmilson. As poéticas pedagógicas do artista-professor. In: 16º Encontro Nacional da ANPAP, 2007, Florianópolis. Anais do 16º Encontro Nacional da ANPAP. Florianópolis: UDESC, 2007. P. 791-799. [ Links ]

VEIGA-NETO, Alfredo; RECH, Tatiana Luiza. Esquecer Foucault? Pro-Posições, Campinas, v. 25, n. 2 (74), p. 67-82, maio/ago. 2014. [ Links ]

VEYNE, Paul. Foucault revoluciona a história. In: VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Tradução de Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2008. P. 313-349. [ Links ]

ZANETTI, Fernando Luiz. A estética da existência e a diferença no encontro da arte com a educação. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 42, n. 4, p. 1439-1458, out./dez. 2017. [ Links ]

ZANETTI, Fernando Luiz. O encontro da arte com a educação: o papel do saber psicológico. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 34, p. 255-276, 2018. [ Links ]

ZANETTI, Fernando Luiz. A emergência da cultura visual: alguns elementos da mutação do sujeito arte-educativo. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 37, n. 1, e20754, p. 1-17, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/edrevista/article/view/20754/27991. Acesso em: 31 ago. 2021. [ Links ]

Recebido: 11 de Março de 2021; Aceito: 15 de Dezembro de 2021

Anna Carolina Ferreira Lima é doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Mestre em Educação pela mesma Instituição (2016).

E-mail: lima.acf@gmail.com

Cintya Regina Ribeiro é docente pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), pós doutora em Ciências Humanas e Sociais pela Faculdad de Filosofía y Letras da Universidad de Buenos Aires (UBA). Doutora e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação pela USP.

E-mail: cintyaribeiro@usp.br

Editora responsável: Lodenir Karnopp

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.