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Educação e Realidade

versión impresa ISSN 0100-3143versión On-line ISSN 2175-6236

Educ. Real. vol.48  Porto Alegre  2023

https://doi.org/10.1590/2175-6236124090vs01 

SEÇÃO TEMÁTICA: A FAUNA, A FLORA, OS OUTROS SERES VIVOS E OS AMBIENTES NO ENSINO DE CIÊNCIAS E DE BIOLOGIA

Abomináveis Amores entre Estranhos

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro/RJ – Brasil


RESUMO

Como o ensino de biologia pode reescrever a lógica da vida a partir da relação com seres que não geram nenhum apelo ético? É possível produzir mundos queers no espaço ético da natureza? Como encenar, no ensino de biologia, uma poética ecológica da intimidade? Como amar em tempos de transformação ecológica radical? Essas questões são discutidas neste artigo sob um enfoque indisciplinar para explorar o ensino de biologia como arte de cultivar histórias emaranhadas, nas quais seres alienígenas têm o potencial de perturbar as histórias avassaladoras da tragédia que orbitam em torno de Anthropos com relatos inquietantes e generativos de um aberrante amor interespécies.

Palavras-chave Ecologia Queer; Amor; Antropoceno; Poética Ambiental; Erotismo

ABSTRACT

How can Biology teaching rewrite life’s logic from the relationship with beings that do not generate any ethical appeal? Is it possible to produce queer worlds in the ethical space of nature? How to perform an ecological poetics of intimacy in Biology teaching? How to love in times of radical ecological transformation? These issues are discussed in this paper from a non-disciplinary approach to explore the teaching of Biology as the art of cultivating tangled stories, in which alien beings have the potential to disturb the overwhelming stories of tragedy that orbit around Anthropos with disquieting and generative reports of an aberrant interspecies love.

Keywords Queer Ecology; Love; Anthropocene; Environmental Poetics; Erotism

2021

Bichos escrotos saiam dos esgotos

Bichos escrotos venham enfeitar

Meu lar

Meu jantar

Meu nobre paladar

(Titãs, 1986).

Nossos vírus nos fazem fazer rizoma com outros animais

(Deleuze; Guattari, 2011, p. 27).

Como muitos, nós nos descobrimos celebrando o centenário de Paulo Freire. O tema célebre da pedagogia do amor foi reativado e se tornou o valor principal para evocação de um eros pedagógico a fim de “[…] viver a vida para expandi-la, nunca para reduzi-la” (Kohan, 2019, p. 123). Entretanto, como vimos a conhecer com Garcia (2002), se resguarda ao amor certa recalcitrância conservadora, por ter sido a obra de Freire utilizada e por ser ela utilizável, portanto, para articular um engajamento subjetivo com os poderes a favor da condução de condutas dentro de uma moral ascética. No clima de retomada do amor, nós nos sentimos atraídos a deslocar a crítica para a centrífuga moral da linguagem da pedagogia, na expressão de Taubman (2009), sem notar que isso pouco importava. O amor exige que temperemos a escrita com um pouco mais de pimenta: a recusa de elidi-lo nos projetos emancipatórios que essa linguagem orienta. Não escrevemos mais para salvar a sociedade. Informar, denunciar, projetar são atos de fala felizes de se converterem em decretos cabais da vitória da linguagem da pedagogia. Pois bem, se o amor é sobre “[…] criar, no mundo inteiro, igualdade (pressupondo-a) a partir da diferença” (Kohan, 2019, p. 137), quiçá a diferença possa ser um antídoto ao risco de conversão moralizante que assombra este texto1.

2022

Nós performamos, nestas páginas, um experimento de escrita por montagem: fragmentos se sobrepõem e se entrecruzam com figuras cambiantes que não formam um todo estável, mas, entre elas, são identificáveis determinadas marcas de argumentação. Essa opção é empregada para percorrer o convite de Kirksey (2019) à imersão pelo amor interespécie. Em nossa leitura, esse movimento pode reescrever a lógica do sentido da vida no ensino de biologia de modo radicalmente aberta, na qual o rearranjo não é o que controlamos, mas o que tememos. Ao ter como alvo reimaginar as formações afetivas e a mobilização ético-política dos estudos queers no ensino de biologia, desdobramos um exercício de teorização dentro de uma zona indisciplinar de orientação onto-epistemológica. Embora nos apoiemos em um conjunto de intercessores da literatura, da música, do cinema e de práticas científicas, não se trata de uma análise ou de uma explicação, trata-se de uma arquitetura textual cujo esforço é o descentramento e que “[…] ‘enlaça os fios’ de relatos incomensuráveis e que tece presente, passado e futuro, recontando a história” (Hartman, 2021, p. 111). É que para pensar o inumano, afirma Muñoz (2015, p. 209), “[…] é necessário o trabalho queer do incomensurável” e o incomensurável vem em fragmentos.

Segue o porquê não conseguimos extirpar a bagunça e, vai não vai, repetições ocorrem entre as partes. Ao abraçar o incomensurável, este experimento queer “[…] nos faz retroceder a momentos anteriores, avançar para utopias constrangedoras, lado a lado com formas de ser e pertencer que parecem, à primeira vista, completamente banais” (Freeman, 2010, p. xiii). Segue daí porque as ideias tais como a de que escrevemos sem certeza de chegada, sem nenhum real compromisso comprobatório e de que flertamos com as fronteiras da ficção (Ranniery, 2018) nos fascinam. Caso algum ordenamento se faça presente, que recaia sobre imprimir ao ensino de biologia o “[…] trabalho de coordenação e coexistência entre múltiplas histórias emaranhadas” (Ranniery, 2020, p. 729). E se adicionarmos amor, cuidado, desejo e sexo a essas histórias?

Quando anunciamos a natureza deste texto, tateamos aliar dois ímpetos aparentemente contraditórios: o de manobrar nossa resposta à convocação do dossiê e o de perguntar sobre o lugar ético no ensino de biologia para aqueles que Rose e Van Dooren (2011) nomearam de outros desamados2. Um modo de honrar a chamada é acrescentar camadas à questão de “[…] como lidar com os que são desconsiderados […], de quem não se gosta, aqueles que podem ser especificamente visados para a morte?” (Rose; Van Doreen, 2011, p. 1). E aquelas criaturas que, a despeito de toda a gramática profilática imunizante e seu “[…] mapa desenhado para guiar o (des)reconhecimento do eu e do outro na dialética da biopolítica ocidental” (Haraway, 1991, p. 203), sequer podemos matar ou extirpar de uma vez por todas, aquelas que nem podemos ver, que se reproduzem lateralmente (Ahuja, 2015), ao redor e dentro de nós, por todos os lados, e para quem distinções entre vida e morte, vida e não-vida, parecem não fazer nenhum sentido? O que acontece às histórias contadas pelo ensino de biologia se tomadas desde o amor para e por entre criaturas que não geram a priori nenhum apelo ético?

Estamos nos referindo a uma linhagem de seres alienígenas que constituem o reservatório e a casa de força de todo um imaginário pandêmico, interligando fim de mundo, extinção, cultura midiática e práticas científicas (Lynteris, 2020). Sobre a figura do alienígena, Helmreich (2015, p. xi) comenta: é “[…] o signo da incerteza do que o mar pode nos dizer sobre a vida na Terra e o lugar dos humanos neste reino”. O autor segue:

Nem totalmente self, nem totalmente outro, a microbiota marinha é uma alienígena cujos propósitos não conhecemos – uma estranha que pode ser amiga ou inimiga, que pode oferecer a inesperada comunhão do parentesco ou a reescrita irreversível da vida como a conhecemos

(Helmreich, 2015, p. xi).

E se essa produção inesperada do parentesco e a reescrita da vida já andarem juntas? E se essa indeterminação irreversível depender de criaturas que se proliferam em cenários incertos de ecologias emergentes? – termo que Kirksey (2015, p. 4) usa para “[…] descrever invasões parasitárias que destruíram comunidades estabelecidas, ao mesmo tempo em que abriram novas possibilidades de florescimento”. Uma vasta literatura feminista vem mostrando3 que as respostas ao parasitismo, à toxicidade e à contaminação emergidas das catastróficas alterações ambientais evocam pressupostos normativos de gênero, sexualidade e raça, porém, esses trabalhos colocam em cena um pedido: tomar de forma menos apocalíptica as relações entre sexo, corpo e ambientes e, assim, afrouxar reivindicações proprietárias de subjetividade autônoma. Desejamos fazer justiça a esse legado e fornecer uma conjuração da constituição mútua que tenha em conta a perversidade polimorfa das microntologias microbiais, como escreve Hird (2004), a fim de chegar a uma aliança com as condições reais da vida.

Longe de posicionar o ensino de biologia em nome de uma ordem asséptica – o mundo está condenado a menos que limpemos tudo –, oferecemos uma teorização mais pragmática do ensino de biologia como a reescritura da textura relacional da vida diante dos seres alienígenas com os quais estamos nos “tornando com” [becoming with] (Haraway, 2008) e da natureza queer das ecologias às quais pertencemos, quando nós nos descobrimos dentro de escalas colapsadas e dos ambientes convulsionados de reprodução desses seres. O que quer que venhamos a nos tornar, quaisquer que sejam os futuros que nos aguardam, o processo de “tornar-se com” inclui esses seres aberrantes. Esse é um processo que não se limita à reprodução sexual, mas “[…] atravessa os organismos e ameaça sua integridade; uma vida tão indiferente aos corpos que atravessa quanto aos sujeitos que transtorna” (Lapoujade, 2015, p. 22). Ahuja (2015) sugere que queerizar é insistir em uma materialidade afetiva emaranhada que interrompe a continuidade do espaço e do tempo e a inteireza corporal, pois as atmosferas íntimas pervertem o mundo como lugar da reprodução compulsória da “autobiografia da espécie humana” (Derrida, 2002, p. 58).

Por isso, o erotismo ronda este texto. Basta lembrar das palavras de Bataille (2014, p. 62) ao associar o excesso libertino a uma alternativa e afirmar que “[…] no erotismo, menos ainda do que na reprodução, a vida descontínua não é condenada […] a desparecer: ela é apenas colocada em questão. Ela deve ser perturbada, desordenada ao máximo”. Considerados desde essa chave, esses seres alienígenas não estão aqui como representação do horror, da repulsa ou do nojo no ensino de biologia, estão aqui porque constituem a experiência interior de uma ecologia erótica, a presença perturbadora de um estranho em nós a partir da qual podemos aprender ecologicamente sobre sexo. Como continua Bataille (2014, p. 62): “[…] a experiência interior do homem é dada no instante em que, quebrando a crisálida, ele tem a consciência de dilacerar a si mesmo, não a resistência oposta de fora”. Amar desamados é percorrer a experiência de abertura de mundos queers, atentando ao modo como arrastam formas de emaranhamento entre corpos no interior daquilo que Lowe (2015) nomeou de intimidades do império, circuitos, conexões e misturas eclipsados pelas operações de universalizar o indivíduo liberal e proprietário de si mesmo e a família mononuclear e uniparental.

A Amante

A matéria do amor pode soar piegas quando seu fim declarado, dispara Illouz (2019), se tornou o léxico afetivo do capitalismo tardio. Apesar de tudo, mantemos o apelo para, tomando de empréstimo de Haraway (2016), permanecer com o problema de prestar atenção em como, entre quem e em que direção o amor nos engaja no ensino de biologia. Vale, entretanto, frisar: não estamos interessados no amor como uma ação de se conectar entre sujeitos humanos. Nós nos interessamos pelo amor como uma força erótica para que possamos viver, uma força de “[…] desidentificação que funciona sob o significante ‘vida’” (Butler, 2021, p. 133) e que reluz a conexão carnal de múltiplas histórias, nem sempre convergentes, entre seres obrigados a viver juntos e a realizar um acordo incomum de interdependência e cuidado. Ao apresentar o conceito de desidentificação, Muñoz (1999, p. 23) procurava trazer à tona as práticas de fazer esses mundos queers “[…] através dos poderes transformativos do sexo e da sexualidade” desde dentro – e não contra – da esfera política que busca deles se desfazer, ali onde e quando as distinções entre o privado e o público, o eu e o outro, o interior e o exterior colabam.

Nesse esfumaçamento, o amor no ensino de biologia nos permite retomar o “espaço ético da natureza” (Alaimo, 2017, p. 909) não dominado pelos entendimentos humanistas e higienizados de gênero, sexualidade e educação4 e ativa o potencial queer de criação de modos de vida. Queer como performado aqui não é tanto uma analítica ou uma teoria, mas um exercício de pensamento que sonha com ampliar a contribuição de Barad (2020) sobre o mandato ético da performatividade queer da natureza, e nos desloca obliquamente para reativar, no ensino de biologia, um modo de gestar uma relacionalidade erótica e íntima com a diferença, jamais circunscrita ao espaço interpessoal. Queer é uma questão de intimidade, de tornar-se íntima/o de outros seres, vivos e não vivos. E, muito embora, Haraway (2016) insista que para imaginar os mundos em que venhamos a viver dependemos de práticas pedagógicas e performances cosmológicas para fazer parentes, carece especular o sentido de pedagógico e como pode desarranjar aquilo que Ferreira (2005) caracterizou como retórica modernizadora do ensino de biologia.

Note-se: o nome desta seção situa nosso argumento com a obra autobiográfica de Marguerite Duras (2020), O amante. Quando, aos 70 anos de idade, na década de 1980, a escritora ficciona as memórias de 15 anos, somos levados às margens mais íntimas do império colonial da França no território que, hoje, é o Vietnã, através da história de iniciação sexual, envolvendo dinheiro e sexo, de uma jovem francesa nascida em Saigon e de um velho e rico comerciante chinês obcecado por seu amor por ela. Na decadência moral e física da família após a morte do pai, as histórias da jovem figuram, de pronto, o amante como índice da perversa lógica das relações entre família, patriarcado, racismo, colonialismo e capitalismo que expropriam violentamente terras – os pântanos inférteis que a mãe investe todo o dinheiro da família para, logo, perdê-lo – e como as transfiguram subjetivamente – o irmão mais velho cruel e vil viciando-se em drogas, a mãe enlouquecendo, o amedrontado e frágil irmão mais novo. Porém, isso não é tudo.

Vejo a guerra com as mesmas cores com que vejo minha infância. Confundo o tempo da guerra com o reinado do meu irmão mais velho. Sem dúvida porque foi durante a guerra que meu irmão mais novo morreu: como já disse, o coração cedeu, desistiu. O irmão mais velho, acho que não vi nem uma vez durante a guerra. Nesse tempo já não me importava saber se estava vivo ou morto. Vejo a guerra exatamente como ele era, espalhando-se por toda parte, penetrando em tudo, roubando, aprisionando, estando em tudo, misturada, confundindo-se com tudo, presente no corpo, no pensamento, na vigília, no sono, o tempo todo, às voltas com a paixão embriagante de ocupar o território adorável do corpo da criança, do corpo do mais fraco, dos povos vencidos, isso porque o mal está lá, às portas, contra a pele.

Voltemos ao pequeno apartamento. Somos amantes. Não podemos parar de amar

(Duras, 2020, p. 70).

O amante mobiliza o excesso dessas relações – os dois sempre cedem à atração física, embora interditada, até a derradeira partida. Em posfácio à obra, Perrone-Moises (2020) nota como o delicado deslizamento de tempos verbais embaralha presente, passado e futuro. O tempo da memória do amante é o tempo do presente e lembra como uma “[…] ética do emaranhamento envolve possibilidades e obrigações para/com refigurar os efeitos materiais do passado e do futuro” (Barad, 2020, p. 242). Embora seja difícil reivindicar preocupações ecológicas na obra de Duras, podemos relê-la de forma produtiva como abrindo um espaço de entrada para o que Chrulew (2011) identificou como uma das questões éticas centrais do nosso tempo: como podemos amar em tempos de transformações ecológicas radicais? Podemos voltar ao apartamento diante da guerra espraiada e encontrar amor dentro do pequeno espaço íntimo de nossas casas e até de nossos corpos?

Antes que a experiência da crise da covid-19 transfigurasse lares, Ahmed (1999) sinalizou para como a casa é o espaço onde nos deslocamos. Ao seguir a experiência de imigração de mulheres, criticou a ideia espetacular de nomadismo, segundo a qual o sujeito imigrante seria inerentemente transgressor e argumentou ser por meio de um estranhamento incomum do sentir-se em casa que a possibilidade de comunidades imigrantes passa a ser vivida. Cheah (2006) ofereceu uma crítica ainda mais sistemática a essa linha de pensamento, afirmando que o foco na experiência da migração e a valorização do hibridismo cultural dizem mais do “[…] sucesso da cultura como projeto utópico [e] depende de uma concepção antropocêntrica da natureza como uma totalidade em harmonia ou de acordo com os interesses normativos humanos. […] Dito de outra forma, a natureza do antropos é estar livre da natureza” (Cheah, 2006, p. 100). Essa posição não apenas infla o domínio da cultura, mas também, argumenta o autor, ignora a vulnerabilidade corporal e a transformação da matéria em recurso. Entre ambas as críticas, somos impelidos a suspender o conceito de humano dependente de incursões iluministas e a insistência em tomá-lo por alteridades duais que, ao proclamar as diferenças internas e externas à humanidade, reforça essa categoria.

Estamos, antes, no terreno da exposição ao que produz estranheza não porque torna o inumano ou o estranho familiar, mas porque mantém uma convivência com o infamiliar. O estranho não é mais um outro do lado de fora. Em comentário sobre o conceito de infamiliar na obra de Freud (2019) 5, Andrade (2021, p. 2) sugere que o infamiliar é a irrupção na realidade daquilo que só poderia ser na fantasia, “[…] as marcas da coabitação ou coexistência de ambos, sem que um elimine o outro”. Nesse sentido, talvez, o ensino de biologia possa se envolver com a literatura de ficção, em amplo sentido, já que, insiste Le Guin (2021, p. 21), “[…] toda ficção séria […] é uma maneira de tentar descrever […] como as pessoas se relacionam com tudo mais neste vasto saco, nesta barrida do universo, neste ventre das coisas por virem a ser e nesta tumba de coisas que foram, nesta estória sem final”, o que inclui se conectar e viver com o estranhamento incomum das relações íntimas entre o que Haraway (2021) chamou de espécies companheiras que, bem notou, não há razões para serem reduzidas aos animais domésticos.

Contudo, ainda que nossas casas estejam tomadas de seres desamados invisíveis – vírus, protozoários, bactérias, fungos – e mesmo visíveis – vermes e insetos –, tão logo fala-se deles, o amor, a intimidade e o desejo são deixados de lado. É útil, aqui, recorrer a outra notação de Perrone-Moises (2020, p. 130) sobre como, na escrita de Duras, o gozo sexual com o amante é comparado ao mar e depende de reconhecer a importância da água, “origem da vida, poder de destruição”. As memórias de Duras consistem em uma espécie de poética ambiental, no dizer de Morton (2007), através da qual o entrelaçado de sexualidade, água e música oferece uma contribuição ao discurso “das intimidades politizadas com outros seres” (Morton, 2010, p. 266). Quando a valsa de Chopin irrompe o mar em uma noite de luar, a jovem reconhece o amor pelo amante, em “[…] um eco [que] só pode chegar aos nossos ouvidos depois que o som fez o meio vibrar” (Morton, 2007, p. 76).

Não havia uma brisa sequer, e a música havia se espalhado por todo o paquete negro, como uma imposição dos céus que não se sabia a que se referia, como uma ordem de Deus cujo teor era desconhecido. E a jovem tinha se levantado como se, por sua vez, fosse se matar, por sua vez se lançar ao mar, e depois havia chorado porque tinha pensado naquele homem de Cholen e de repente não tinha certeza se não o havia amado com um amor do qual não se apercebera porque ele tinha se perdido na história como a água na areia e agora ela só o reencontrava nesse instante em que a música se lançava ao mar

(Duras, 2020, p. 108-109).

A essa altura, a figura do amante pode ser associada ao sentimento que brota nas florestas de algas das África do Sul no documentário My Octopus Teacher (2020). Ali, a linguagem da pedagogia trabalha para interditar uma história de amor inesperada, que soa a princípio impossível, entre um cineasta mergulhador e uma espécime de polvo – interdição exacerbada na tradução em português que, dependente da marca de gênero, recusa se tratar de uma fêmea. Todavia, a imagem faz sobreviver que a polvo só é uma professora porque há uma erótica incognoscível entre seres diferentes não engajados em uma relação da mesma maneira. Como lembra Nodari (2012, s. p., grifos no original), “Platão não bane os poetas de sua República ideal por se distanciarem demais da verdade; ele decreta seu expurgo pela simples razão de que fazem os homens se efeminarem, sentirem simpatia pelos personagens, com-sentir os afetos destes”. Se, nas metáforas ecológicas da literatura descritas por Rohy (2014, p. 105), há muito a homossexualidade aparece “[…] como uma espécie de parasita, alimentando-se do fracasso da sexualidade normativa”, a poética ambiental é um ato performativo de contar histórias que se aproveita do fracasso das normas de gênero e sexualidade, pois, onde o feminino e a homossexualidade convergem, há um enviadamento da natureza6.

Privilegiamos, assim, a figura do amante para realizar, no ensino de biologia, uma recusa de contar histórias dentro de três eixos normativos da heterossexualidade como regime político: o desdobramento linear de eventos biológicos, a integridade da divisão natureza e cultura e a alterização da diferença7. Em certo sentido, essas normas dobram o natural de volta ao cultural, enquanto o exercício queer reconhece uma intimidade estranha e aluz uma alternativa segundo a qual “[…] não há fora da natureza a partir do qual podemos agir” (Barad, 2020, p. 341). Essa poética desfigura a intencionalidade humana. Quando nos relacionamos com, reconhecemos a imbricação com o estranho: “[…] o ambiente não está localizado em algum lugar lá fora, mas está sempre tão próximo quanto a própria pele” (Alaimo, 2009, p. 11). Mais ainda, envolve o risco de engajar-se com aquilo que Sprinkle e Sthepens (2021) nomearam de posição ecossexual. As autoras, atuantes no movimento pelo direito das trabalhadoras sexuais, são realizadoras do documentário When Water make us Wet (2021), algo como “quando a água nos deixa molhadas”, em tradução livre. Em ambos, apelam à Terra como uma amante e nos permitem tramar uma erótica coreografia íntima com os mundos alienígenas, filhos monstruosos do Antropoceno, a fim confrontar a devastação ecológica em curso.

Amor, Sangue e Vísceras

No conto Filhos de Sangue [Bloodchild], cujo título poderia ser traduzido para “os hospedeiros”, a escritora de ficção científica Octavia Butler apresenta uma colônia isolada de terráqueos fugidos para um “mundo habitado, fora do sistema solar” (Butler, 2020, p. 48). Diante da demora na chegada de reforços, os terráqueos se viram obrigados a estabelecerem um acordo e a pensar o que poderiam oferecer em troca de um espaço vivível. O lugar encontrado é uma comunidade de seres alienígenas como larvas de insetos, os Tlics, e o seu assentamento só é possível quando ambas as espécies desistem da guerra e formam uma aliança. Os terráqueos passam a ter permissão para estabelecer casas e gerenciar negócios em uma reserva guardada por funcionários Tlics. Como aluguel para essas acomodações seguras, necessitam realizar uma concessão: cada família terráquea deve permitir que uma fêmea Tlic adote uma criança, geralmente um menino, para participar do processo de reprodução. Os Tlics, que estavam em vias de extinção descobriram, nos corpos terráqueos, uma chance para a continuidade da espécie. Em troca de proteção e cuidado, os homens são destinados a se tornarem hospedeiros dos ovos Tlics.

Em ensaio sobre a obra de Butler, Allison (1990, p. 471) afirmou que suas heroínas são “independentes, teimosas, difíceis e insistentes” e evitam, a todo custo, a paz e a solidão, forjando conexões para efetuar mudanças sociais e políticas. A relação de T’Gatoi, a fêmea alienígena, com o menino Gan, centro da ação do conto, radicaliza essa perspectiva. Sobre as personagens de Butler, Ferreira da Silva (2021a) comenta ainda como especulam sobre mundos de diferença sem separabilidade, recorrendo a três descritores, a saber, transversalidade, traversalidade e transubstancialidade e como trazem à tona uma transformação radical não somente de forma como de substância da matéria. Gan, por exemplo, foi escolhido antes do seu nascimento para gestar os filhos de T’Gatoi, que protege e alimenta a família do menino – mãe, irmã e irmão – com ovos de propriedades alucinógenas. A descrição da autoridade de T’Gatoi pode soar repugnante, mas Butler (2020), em comentário que se segue ao conto, recusa a leitura comum, segundo a qual essa seria uma história de violência e expropriação. Sua recusa nos interessa por sintetizar como, enquanto o povo de Gan enfrentou a escravidão reprodutiva no passado em seu planeta, o presente reprodutivo interespécies no planeta Tlic permite aos terráqueos e aos Tlics encontrarem um “espaço para consentir a simbiose” (Bollinger, 2007, p. 332) e se conectarem como parceiros.

Essa é uma concessão que se dá através da vulnerabilidade corporal, da gestação visceral da estranheza, uma vez que terráqueos e alienígenas dependem uns dos corpos dos outros para continuarem a viver. Tomar, contudo, essa relação de amor e cuidado como interdependência ecológica depende de considerar como esse entrelaçamento reprodutivo recoloca a ecologia como uma “[…] teia complicada de conexões dissonantes entre corpos” (Bennett, 2010, p. 4). E se chegamos à teoria da simbiogênese, ao menos como formulada por Margulis e Sagan (2002a), é porque, como com T’Goi e Gan, junto dos mundos microbianos, estamos diante de uma forma diferente de enfrentar o sexo, a reprodução e a ecologia “[…] sem temer que se formem alianças, que se tracem linhas de força imprevistas” (Foucault, 1981, p. 38). Para Hird (2004), o argumento central das teorias da simbiogênese é que a reprodução sexual chegou tarde ao cenário evolutivo, como efeito de várias fusões simbiogenênicas e, logo, o tipo de sexo praticado por alguns animais, incluindo humanos, é resultado do fracasso dos organismos em trocar DNA por outros meios. A reprodução sexual é nada mais que efeito de circunstâncias contingentes e não uma evidência de maior complexidade, revelando uma temporalidade que nos ultrapassa e nos precede.

À certa altura, um homem terráqueo, Bram Lomas, chega à casa da família de Gan perto da morte, envenenado por larvas Tlics vivendo dentro dele. Lomas precisa de sua Tlic para remover os filhotes de seu abdômen e aliviar a dor excruciante com a picada de sua cauda. Porém, como não foi encontrada, T’Gatoi corta o corpo de Lomas para retirar as larvas. Ao auxiliar no parto, Gan se reconhece pela primeira vez como um corpo penetrável. Ainda que tenha sido instruído a vida inteira por sua mãe terráquea sobre o seu papel na reprodução dos Tlics, Gan se vê despreparado diante do nascimento malfeito. Enquanto observa as larvas ensanguentadas escorrendo pela carne de Lomas, Gan questiona seu papel e percebe que, ainda que ele e T’Gatoi tenham um vínculo íntimo, ele compartilha algo comum com Lomas, a vulnerabilidade corporal. A própria Butler (2020) insiste que essa é sua versão para uma história de homens engravidando. Talvez, como sugere Spillers (2021, p. 65), essa seja a chance do menino Gan se envolver com a “herança da mãe” como uma resposta às forças violentas que ele e sua família sofreram tanto em seu planeta natal quanto nos primeiros anos do planeta Tlic. Essa conexão perturba laços de parentesco porque “[…] intervém na estrutura patriarcal da família” (Spillers, 2007, p. 302) que governa relações éticas e de desejo e expõe as circunstâncias nas quais terráqueos e alienígenas se tornaram íntimos.

Para isso, os homens terráqueos se juntam aos seres toxicamente sexuados de Ah-King e Hayward (2013), nos quais o sexo é um processo continuamente modulado por substâncias químicas disruptivas endócrinas em resposta a alterações ambientais, expondo uma vulnerabilidade compartilhada. Em todo caso, ambos se encontram com Spillers (2021, p. 66) na negação do poder associado ao falo em reger o passado e o presente, “reivindicando monstruosidade”. O amor entre T’Goi e Gan reivindica uma efervescente dança monstruosa de relações carnais de interdependência ecológica mútua entre e com estranhos alienígenas. Nesse terreno da vulnerabilidade corporal, a cabeça da família mononuclear é cortada não apenas porque a percepção da penetrabilidade é dolorosa, mas também porque é desgenerificante. Nem por isso é menos erótica:

Ainda assim me despi e me deitei ao lado dela. Sabia o que fazer, o que esperar. Tinha sido instruído minha vida inteira. Senti a ferroada familiar, narcótica, ligeiramente agradável. Então, a sondagem cega de seu ovipositor. A perfuração foi indolor, cômoda. Penetrando com tanta facilidade. Ela ondulava lentamente encostada em mim, os músculos dela forçavam o ovo a sair de seu corpo para dentro do meu. […] Ela soltou um grito de dor abafado e eu esperei ser engaiolado entre seus membros. Como não fui, eu me agarrei a ela outra vez, sentindo-me estranhamente envergonhado

(Butler, 2020, p. 43).

Essa entrega interrompe o corpo como propriedade individual de um sujeito fechado em si mesmo e nos lembra que, quaisquer que sejam as noções de autonomia e livre arbítrio a que possamos aspirar, somos vulneráveis uns aos outros. Não afirmamos nenhuma novidade que outra Butler (2021) não tenha indicado em um mundo ensimesmado pela defesa agonizante do self como fortaleza diante da guerra e de onde insurgem criaturas vistas como inimigos a serem exterminados. Contudo, a conexão apaixonada entre o menino e a alienígena interroga as narrativas de sexo reprodutivo e abre espaço para histórias transversais em que o estranho não é empurrado para a zona de abjeção, coabita-se com ele. Se a ética da não-violência de Butler (2021) implica diluir fronteiras individuais do corpo, a simbiose reprodutiva supõe uma intimidade corporal, em que o estranho é uma força erótica de deslocamento habitável, do lado de dentro, nem self, nem outro, na qual a diferença é o potencial emergente de uma teia mútua e múltipla de relações entre diferentes corpos e ambientes. Se a différance de Derrida (2001) se aproveita do duplo sentido latino de diferir, adiar e espaçar, nessas intimidades estranhas, diferir é alterar-se pela incorporação do outro, que, como mostrou Margulis e Sagan (2002c), é o que faz da simbiose propulsão da vida.

O amor entre Gan e T’Goi oferece uma figuração visceral de como intimidades estranhas caracterizam ecologias da devastação, não apenas articulando formas de agência queer imanentes a criaturas inumanas, mas também demonstrando como a relacionalidade da vida é mais infamiliar do que pensamos. Na insistência de Bennett (2010, p. 4), “[…] à medida em que humano e a coisidade se sobrepõem, nós também somos inumanos”. Dessa vulnerabilidade, deriva-se uma ressonância erótica, uma experiência de abertura que é outro nome para uma poética ambiental queer emergida da fricção íntima entre corpos estranhos e irrigada pela aparente perversidade de investimento no infamiliar. O ato corporal de Gan hospedar os ovos da alienígena, o gesto de deixá-la penetrá-lo, é a condição para chegar, enfim, à “[…] posição de ‘enviesado’, de alguma forma, as linhas diagonais que pode traçar no tecido social, as quais permitem fazer aparecerem virtualidades” (Foucault, 1981, p. 39). O laço erótico transcorpóreo instaura linhas em co-operação e com-partilhamento e o estranho inumano torna-se condição para seguir vivendo.

O amor intespécies não é, portanto, um obstáculo insuperável; é um encontro sem fusão ou integração, sem pressupor homogeneização, “[…] mas [que] se refere ao encontro de heterogêneos, que se tornam outros enquanto continuam a ser os mesmos” (De La Cadena, 2015, p. 280). Através dele, seres diferentes se conectam, mas essa conexão é “[…] também o ligar de sua divergência, o seu tornar-se com o que eles não são sem tornar-se o que eles não são” (De La Cadena, 2015, p. 280). O entrelaçamento corporal da reprodução sugere que o objetivo dos terráqueos de alcançar a igualdade requer a promoção de um amor queer, uma intimidade estranha tão dolorosa quanto habilitadora; um certo erotismo, efetuando um despojamento das temporalidades espetaculares de crise e transcendência. Isso envolve contar desse emaranhamento amoroso interespécies em cenários de devastação – extinções de espécies, mas também das obliterações silenciosas de seres que poderiam ter existido, de histórias que poderiam ter sido, de histórias que ainda estão por vir, de histórias que ainda não acabaram.

Um Título Especulativo

Nosso título é uma combinação herética. Uma parte dele é extraída de um comentário de Butler (2020) sobre o conto ao afirmar que “[…] em primeiro plano, é uma história de amor sobre dois seres muito diferentes” (Butler, 2020, p. 43). Outra parte tem uma dívida com uma passagem de Mil platôs na qual Deleuze e Guattari (2011) retomam A lógica da vida de Jacob (1983) e a comparação que o biólogo realiza entre as transferências de material genético promovidas por vírus com os “[…] acasalamentos abomináveis caros à Antiguidade e à Idade Média” (Jacob, 1983, p. 311). Ainda na década de 1970, a Jacob (1983) já atentava que os vírus são um componente essencial da criação da vida. Em resenha sobre esta obra, Foucault (2015a, p. 269) dispara: “A bactéria: [...] uma pura repetição anterior à singularidade do indivíduo. No curso da evolução, o ser vivo foi uma máquina de reduplicação, bem antes de ser um organismo individual”. Porém, é somente a partir da década de 1990 que a pesquisa em virologia trouxe conexões significativas sobre o papel dos vírus na evolução da vida na Terra para além da perspectiva da doença. Embora constituam o limite negativo da teoria da simbiogênese de Margulis, não é paradoxal incluí-los em sua afirmação sobre como os microrganismos “[…] desenvolveram inovações que nós agora associamos a animais e plantas: reprodução, predação, movimento, autodefesa, sexualidade e muitas outras” (Margulis, 2014, p. 93).

Em revisão dessa literatura, Villarreal (2005) sugere que os vírus subvertem a ideia de que a vida multicelular possa existir sem eles e afirma que a introdução de um “outro” viral é central para a evolução da vida. Antes da célula, existiam os vírus. Zimmer (2011) nota ainda que essa “[…] ideia de que os genes de um hospedeiro poderiam ter vindo dos vírus é quase filosófica em sua estranheza” (Zimmer, 2011, p. 48). Somos viralmente constituídos.

Gostamos de pensar nos genomas como nossa identidade final. […] Mas se a maioria dos genes de um organismo chegou em seu genoma em um vírus, ele ainda tem uma identidade própria distinta? Ou é apenas uma mistura de genes, remendados pela evolução? É como se o mundo estivesse cheio de monstros híbridos, com linhas claras de identidade borradas.

Os microbiologistas estão se acostumando com as raízes virais dos micróbios que estudam há décadas. E quando os micróbios eram os únicos organismos com muita evidência de genes importados de vírus, poderíamos tentar ignorar essa estranheza filosófica pensando nela apenas como um acaso de formas de vida ‘inferiores’. Mas agora não podemos mais encontrar conforto dessa maneira. Se olharmos dentro do nosso próprio genoma, vemos vírus. Milhares deles

(Zimmer, 2011, p. 48-49).

Escolhemos, ainda, outra epígrafe tomada da música Bichos Escrotos dos Titãs (1986). Toda essa escrita foi motivada por uma pergunta dela derivada: e se ensinássemos biologia desde os abomináveis amores entre e por criaturas escrotas? Em edição de qualquer dicionário de português, sabe-se: escroto é um adjetivo pejorativo para quem ou aquele que não tem boas qualidades morais, é moralmente torpe. Escroto também é um substantivo para nomear, em anatomia humana, o saco musculucutâneo em que estão contidos os testículos e o epidídimo. Polivalência das criaturas escrotas: é no interior da figura do Homem – em toda sua extensão jurídica, política e econômica –, assim, com letra maiúscula, é nas suas partes baixas que afloraram uma série de criaturas escrotas, a ponto de só serem reconhecidas, quase sempre, no interior de uma legião de alienígenas morais que encontram múltiplas possibilidades animadas de proliferação nas condições orgânicas e inorgânicas geradas nos cenários de despossessão ecológica. Nessas paisagens, nós nos deparamos com circunstâncias exorbitantes, uma aberração em relação ao curso esperado e a usual invisibilidade é catapultada para a superfície do discurso.

Em virtude disso, não fechamos os olhos para os efeitos desigualmente distribuídos de nossa economia de domesticação generalizada, como se expressa Hage (2017), em que o racial, o colonial e o ecológico se encontram, mas essa posição pode ser insuficiente se tomarmos essas criaturas escrotas e os mundos pelos quais essas criaturas nos arrastam apenas sob a ótica do “encontro com o poder” (Foucault, 2015b, p. 203). Já que o racismo e a exploração ambiental estão intrinsecamente articulados, Hage (2017) demonstra como nossas narrativas distópicas estão tomadas por um medo racial branco no qual animais e outros entes inumanos tomariam subitamente o poder. A contrapelo, a propagação alucinante de microrganismos evidencia o colapso de mundos puros e conspurca a batida tecla das histórias de tragédia que se abatem sobre o antropos. Não para dizer que a crise ecológica não existe, mas que o anunciado fim do mundo não é o fim do mundo propriamente dito, somente o fim de um certo mundo, algo que Krenak sintetizou em “[…] a Terra pode nos deixar para trás e seguir o seu caminho” (Ortega, 2020, s/p). O convite para as criaturas escrotas participarem do jantar ou quando elas nos dão o que jantar nos leva à provocação de Ferreira da Silva (2021b, p. 198) de “[…] liberar nossa imaginação e dar boas-vindas ao fim do mundo como nós o conhecemos”.

Resguardadas as distâncias, essas criaturas compartilham daquilo que Collins (2016) nomeou de uma estrangeiridade dentro [outsider whitin]. Collins (2016) apelou para como a posição de mulheres negras proporcionava um ponto de vista diferente quanto à subjetividade, à família e à sociedade, incitando para que abraçassem essa posição. As proliferações das criaturas escrotas em paisagens arruinadas esgarçam os fios de uma diferença que estaria do outro lado, e nos fazem sentir uma estranha diferença dentro que (cor)rompe o corpo como unidade monista e traz à tona mundos queers em suas histórias de intimidade ilimitada. Abomináveis amores entre estranhos é, assim, um signo para como estamos amalgamando duas leituras diferentes; a sobre como viver juntos de Butler (2018) e o conceito de intimidade ilimitada derivado da cuidadosa etnografia de Dean (2009) sobre a cultura barebacking entre homens gays, na qual descreve as possibilidades eróticas latentes no encontro com a alteridade e na abertura do corpo a um jogo com estranhos. Esse jogo prático-poético com estranhos bem poderia ser incluído nas respostas às impossibilidades de escolher com quem se vai viver e nas obrigações de cuidar da vida do outro porque dela dependemos para existir, “[…] o que significa que a própria ética requer certa desorientação do discurso” (Butler, 2018, p. 21).

Para Butler (2018, p. 21), essa interrupção é uma […] “abertura ao não familiar, uma despossessão do solo anterior, e até mesmo um desejo de ceder ao que não se pode conhecer de imediato dentro dos campos epistemológicos estabelecidos”. Criaturas escrotas expõem como os processos mais vigorosos e potencialmente produtivos que moldam o mundo não são aqueles que começam com o ator epistêmico central do humanismo liberal – o indivíduo autônomo –, mas se iniciam com sua desorientação e transformação dentro de circuitos de relações aberrantes e associações abomináveis que impulsionam a vida. A “estranha sexualidade” (Margulis; Sagan, 2002b, p. 43) de microrganismos é uma economia queer “tão estranha quanto a ficção científica” (Margulis; Sagan, 2002b, p. 43) por quebrar o primado bio-ontológico do nascer, crescer e morrer e a sua temporalidade sexual reprodutiva e linear. Margulis e Sagan (2002b, p. 51) continuam: “[…] entregando-se ao sexo não-reprodutor, elas [as bactérias] disseminaram genes úteis por todo o planeta”, criando as condições para a vida eucarionte por meio de “[…] uma espécie de transmissão cultural genética” (Margulis; Sagan, 2002b, p. 51).

Para os autores, o sexo procarioto, com suas histórias variegadas e violentas de tempo geologicamente emaranhado, transmissão cósmica e alteração ontológica, foi a condição para a emergência de outras formas de vida, tratando-se não somente de uma desordem que emerge e toma sua forma pavorosa nas sombras lançadas pelo próprio projeto que deseja e exige ordem em primeiro lugar. Ao alterar a escala para os sistemas biogeoquímicos e fluxos genéticos, as criaturas escrotas colocam a contaminação e o parasitismo como uma produção integrante das paisagens simbióticas de interdependência ecológica. Mais ainda, como excedem até a categoria de vida, em vez de figurarem uma relação mortal que a mina, nos permite especular as interconexões que “[…] formaram um eixo planetário de informações bioquímicas” (Margulis; Sagan, 2002b, p. 51), uma escritura erótica da Terra que nos leva para longe da operação de aniquilação da civilização, mas para a criação involucionária (Hustak; Myers 2012). Essa criação é a “força caótica da natureza, […] o impredicável” (Halberstam, 2020, p. 3) e fala de “ecologias de corporificação muito mais instáveis” (Halberstam, 2020, p. 14) do que as narrativas de multiplicidade de desejos e corpos que os séculos XX e XXI nos fizeram crer.

Nosso movimento implica considerar o toque visceralmente carnal dessa pedagogia esquisita da intimidade das criaturas escrotas, cujos efeitos afetivos e materiais insistentes erodem o entrincheiramento subjetivo. Aludir ao abominável amor entre estranhos pode ressoar um ensino de biologia que seja mais sobre performar a poética ambiental de um viver com perturbado, respondendo aos efeitos dessa implicação mútua em mundos devastados, abraçando a monstruosidade que lhe habita, sem recorrer à abjeção e produzindo relações íntimas com o que nos provoca repulsa, sem apelar ao medo, mas mantendo a precaução e, assim, fazer aparecer “um certo efeito misto de beleza e terror” (Foucault, 2015b, p. 202). Nesse barroquismo, outra pergunta se segue: há espaço no ensino de biologia para contar essas histórias capazes de despertar essa abertura visceral à diferença desde dentro, histórias que tornassem possível amar as criaturas escrotas ou ainda amar a aberrância dos mundos que nos perpassam, se reproduzem através de nós e se constituem à revelia de nós e dos quais dependemos para continuar a viver?

Cultivar Histórias, Lições Microbianas

“Que você também se torne alguém que ama micróbios”. Com essa convocação, o periódico de biologia celular, Cell (2018, p. 1138), encerra o editorial de um volume especial sobre a fascinante vida dos microrganismos. Ao recorrer ao romance de Robin Sloan (2017), Sourdough, as duas páginas concluem que os “[…] micróbios com sua diversidade, complexidade e alcance em todos os ramos da vida têm muito a nos ensinar sobre nossa própria biologia e existência” (CELL, 2018, p. 1138). No livro de Sloan, Lois Clary, engenheira de software de uma startup de robótica com sede em São Francisco, Califórnia, se recupera do trabalho extenuante no Vale do Silício, alimentando-se de sopa apimentada e pão de fermentação natural, o sourdough. Suas refeições são pedidas em um restaurante ilegal, cujos proprietários, o padeiro Beoreg e seu irmão Chaiman, são imigrantes do povo Mazg, uma colônia de piratas exilados de sua ilha natal que sobreviviam comendo pães feitos a partir de uma pasta de farinha e água colonizada por bactérias e fungos. Quando os irmãos são obrigados a deixar o país por problemas com o visto, Beoreg pede a Lois que cuide do fermento para alimentá-lo e nutri-lo e, embora ela aceite a tarefa, não tem ideia de como realizá-la.

Em 2020, o pão de fermentação natural ganhou a cena pública. Notícias de jornais falavam em pãodemia, a febre de ocupar-se com panificação caseira (Pereira, 2020). “Como fazer pão?” esteve, naquele ano, entre os dez temas mais pesquisados do Google e o primeiro entre receitas culinárias8. A Associação Brasileira de Indústria do Trigo chegou a lançar nota oficial sobre como não havia risco de falta do produto no mercado brasileiro, embora a desarticulação das ações entre os governos federal, estaduais e municipais pudesse prejudicar a distribuição para algumas regiões do país (Barbosa, 2020). Porém, Sourdough é mais do que uma história sobre as aventuras de uma programadora de robótica aprendendo a fazer pães para nutrir o corpo e a mente. Não demora muito para Lois perceber que o novo objetivo é diferente: não se trata mais de resolver um problema de uma vez por todas e mover-se para o próximo e mais atraente, mas resolver o mesmo problema constantemente. “Assim, o problema continuava. Assim, o problema era talvez o ponto” (Sloan, 2017, p. 17) – afirma ela.

Sourdough faz o próprio exercício de permanecer com o problema e traçar as conexões material-afetivas entre corpos em diferentes escalas, ambientes e temporalidades. Não é coincidência que Beoreg se refira ao fermento como cultura no sentido biológico: uma coleção de células que devem ser cultivadas para prosperar. É preciso cuidar delas, tornar-se alguém capaz de amá-las. As incursões subsequentes de Lois ressaltam como o compartilhamento de histórias é necessário para o florescimento desse amor – ela e Beoreg trocam inúmeros e-mails – enquanto o fermento abre uma encarnada troca inebriante. “É apenas uma história” (Sloan, 2017, p. 67), escreve Beoreg em um de seus últimos e-mails para Lois, “há outra” (Sloan, 2017, p. 67). Lois aprende com essas criaturas invisíveis, as bactérias fermentadoras, que, nota Sagan (2021, p. 12), “[…] mostram a versatilidade da vida e insinuam a persistência evolutiva de alguns seres invisíveis de uma biosfera que inicialmente encontrava pouco ou nenhum oxigênio na atmosfera”.

Em certo momento, Lois é convidada a vender os pães que passou a fabricar em um mercado clandestino, no qual se realiza todo o tipo de experimentos selvagens com comida, a Feira da Medula. O evento é organizado por um misterioso benfeitor de nome homônimo, o Senhor Medula, vendedor de uma série de produtos, como bolos feitos em um biorreator e o mel de Chernobyl, e cujo desejo é perturbar a cadeia alimentar. “Parecia, também, uma nave vazia e, via de regra, você não entra em uma nave vazia sem primeiro saber o destino da tripulação” (Sloan, 2017, p. 147). Sem pestanejar, Lois entra na feira, experimenta o mel e, logo, o mercado do Senhor Medula se torna um ritual festivo através da bebida fermentada. Vai ficando explícito que é por meio de contar histórias fervilhantes de desidentificação e alteração de mundos que podemos “compor uma cosmopolítica mais vivível” (Haraway, 2016, p. 16). Nós estamos, aqui, nos aproximando de Tsing (2019, p. 133, grifos no original) e sobre como “[…] contar tais histórias nos oferece um lembrete das múltiplas escalas e trajetórias emaranhadas na criação dessas paisagens sociais. […] muitas histórias, humanas e outras, reúnem-se em lugares de socialidade mais que humana. Uma história só não é o suficiente”.

Porém, contar histórias múltiplas é uma questão repleta de dificuldades, se não facilmente engolfada pela linguagem da pedagogia, pressupondo “um amansamento antropomórfico, um assujeitamento moralizador” (Derrida, 2002, p. 70), que daria acesso a uma jornada autoespelhada de aprendizado. Uma das dificuldades está tanto na fé, que tal linguagem evidencia nas capacidades redentoras do humanismo, quanto na confiança depositada na distinção fundadora entre o eu e o outro. Essa distinção é corroída pela terrível oscilação poética das ecologias íntimas gestadas nas paisagens assoladas pela destruição e suas reverberações queers. A sequência de ações e interações, envolvendo Lois na preparação de pães com fermentação natural e a experimentação ritualística e alucinatória que a interpelação desencadeou, levou a remanejamentos, dando margem à operação de retomada do passado, de reocupação com mundos microbianos e aos processos de ressingularização do cuidado e do amor interespécies.

Ensinar biologia poderia ser um modo de cultivar histórias emaranhadas para alimentar essas intimidades estranhas; histórias de amor, isto é, de vulnerabilidade corporal a uma conexão erótica apaixonante, cuja infestação deixa marcas em nós, a despeito de nós; aberturas capazes de interromper “[…] nossa relativa independência e nossa separação uns dos outros [exacerbadas] pelo espírito norte-americano do invidualismo” (Margulis; Sagan, 2002b, p. 25). Para Margulis e Sagan (2002b, p.25), “[…] esse espírito tende a criar em nossa percepção um preconceito contra a realidade biológica básica de que somos sistemas abertos, cuja própria existência depende do fluxo de energia e matéria que nos perpassa”. Estamos dentro do “universo no cio” (Margulis; Sagan, 2002b, p. 25) e essa intimidade é inseparável de criar redes de afiliação e nutrir uma socialidade vasta o suficiente para abraçar um estranhamento incomum e nos envolver no trabalho de desafiar e refazer os termos da relacionalidade.

Lições microbianas: não contar histórias que representam ou incorporam o outro do humano para o humano, mas histórias nas quais é o inumano que incorpora as palavras e se manifesta através delas e entre elas, uma comunicação corporal através do/no mundo. É por isso que esse contar desenha uma ética do emaranhamento, ao estilo de Barad (2020). Não um apelo ao holismo, mas a retomada de uma relação emaranhada com a diferença, em que “[…] diferenciação é um ato material que não é sobre separação radical, mas, pelo contrário, [é] sobre construir conexões e compromissos” (Barad, 2020, p. 342). Abomináveis amores entre estranhos ofertam uma imagem de nós mesmos em que jamais fomos indivíduos. Somente somos “[…] corpo penetrável e opaco, corpo aberto e fechado […] com suas próprias fontes de fantástico” (Foucault, 2013, p. 10). Foucault (2013) discute esse encontro erótico em um ensaio que não é sobre ecologia, mas que pode ser relido junto à preocupação que nos insufla:

Seria talvez necessário dizer também que fazer amor é sentir o corpo refluir sobre si, é existir, enfim, fora de toda utopia, com toda densidade, entre as mãos do outro. Sob os dedos do outro que nos percorrem, todas as partes invisíveis de nosso corpo põem-se a existir, contra os lábios do outro os nossos se tornam sensíveis, diante de seus olhos semicerrados, nosso rosto adquire uma certeza, existe um olhar, enfim para ver nossas pálpebras fechadas. O amor, também ele, como o espelho e como a morte, sereniza a utopia de nosso corpo, silencia-a, acalma-a, fecha-a como se numa caixa, tranca-a e a sela. É por isso que ele é parente tão próximo da ilusão do espelho e da ameaça da morte e, se, apesar dessas duas figuras perigosas que o cercam, amamos tanto fazer amor, é porque no amor o corpo está aqui

(Foucault, 2013, p. 16, grifos do autor).

Nessa figura do “amor pelo avesso”, na expressão de Stephan (2020), podemos ouvir um eco da torção que os mundos microbianos realizam dentro de paisagens perturbadas e, se não devolvem mais a música ao mar em toda a sua amplitude, continuam, a cada encontro, a nos atrair para as possibilidades contidas na perturbação. Contemos essas histórias de amores abomináveis que já estão aqui, dentro das casas, dentro de nós mesmos, habitando nossos corpos quando a guerra se alastra. A natureza é, agora, o cenário da mais estranha das intimidades.

Notas

1Este texto é derivado do projeto de pesquisa intitulado Pensar (teoria de) currículo com os vírus: educação, ciências e imaginação queer financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

2Usamos a tradução proposta por Fausto (2021) para expressão em inglês unloved others.

3Sem pretender ser esgotante, ver Barad (2020), Alaimo (2009), Di-Chiro (2010) e Chen (2012).

4Foge ao escopo deste texto problematizar a incorporação pela linguagem da pedagogia das categorias de gênero e sexualidade, algo já realizado por um de nós (Ranniery, 2017a) que, em resumo, demonstra como as respostas à agenda feminista e LGBTQIA+, reduz categorias analíticas e políticas a determinados tipos de sujeitos alterizados como diferentes.

5Essa foi a opção dos tradutores Ernani Chaves e Romero Freitas para o termo alemão unheimliche.

6Inspirado pela música Enviadescer de Linn da Quebrada, Ranniery (2017b) propõe um trocadilho com os verbos enviar e descer, afirmando como enlaçamentos afetivos queers – amizade, parentesco e sexo – nas trajetórias escolares de meninos gays, torcem o conceito de currículo, ao mesmo tempo que o fazem descer ao nível dessas relações.

7Foi Wittig (2022) que descreveu a heterossexualidade como um sistema de pensamento que funciona, em muitos níveis, com base “na necessidade do diferente/outro em todos os níveis” (Wittig, 2022, p. 63). A partir dessa ponderação, um de nós (Ranniery, 2021) sugeriu que normatividade temporal linear subjacente às narrativas no ensino de biologia, incluindo da teoria da evolução e a insistência em obliterar as pontes entre natureza e cultura, tendem a tratar gênero e sexualidade como uma questão restrita a este último campo (humano) e, por efeito, aos considerados outros da heterossexualidade.

8Os dados podem ser acessados em: https://trends.google.com.br/trends/yis/2020/BR/.

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Recebido: 28 de Abril de 2022; Aceito: 21 de Setembro de 2022

Thiago Ranniery é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Mestrado Profissional em Rede em Ensino de Biologia da UFRJ. É Jovem Cientista Nosso Estado da FAPERJ e Bolsista de Produtividade em Pesquisa Nível 2 do CNPq. É Coordenador do Laboratório de Estudos Queers em Educação da UFRJ e Líder Pesquisador do BAFO! – Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo, Ética e Diferença.

E-mail: t.ranniery@gmail.com

Nathália Terra Barbosa é licenciada em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e é doutoranda em Educação pela UFRJ. Atua como professora de Química no Colégio de Aplicação da UFRJ.

E-mail: nathalia_tb@hotmail.com

Editores responsáveis: Luís Henrique Sacchi dos Santos; Leandro Belinaso Guimarães; Daniela Ripoll

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