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Educação em Revista

Print version ISSN 0102-4698On-line version ISSN 1982-6621

Educ. Rev. vol.34  Belo Horizonte  2018  Epub Sep 20, 2018

https://doi.org/10.1590/0102-4698194053 

Artigos

OS GÊNEROS TEXTUAIS EM AVALIAÇÕES DO ENADE DE LETRAS E EM CONCURSOS PÚBLICOS PARA SELEÇÃO DE PROFESSORES

TEXTUAL GENRES IN ENADE TESTS FOR LANGUAGES AND LITERATURE AND IN CIVIL SERVICE EXAMINATIONS FOR THE SELECTION OF TEACHERS

Andreia Rezende Garcia-ReisI  *
http://orcid.org/0000-0003-1209-5185

Míriam Fernanda CostaI  **
http://orcid.org/0000-0001-8989-2591

IUniversidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil.


RESUMO:

Esta pesquisa objetiva analisar instrumentos de avaliação a que são submetidos os alunos formados pelo curso de Letras: duas edições do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) e quatro provas de concursos públicos para seleção de professores de Língua Portuguesa, duas edições de concursos do estado de Minas Gerais e duas do estado do Rio de Janeiro. Na análise, foram destacados os gêneros textuais (BRONCKART, 2006; 2010) presentes nas questões, o domínio discursivo (MARCUSCHI, 2008) a que pertencem e as capacidades de linguagem (DOLZ, 2015; CRISTOVÃO e LENHARO, no prelo) por elas mobilizadas. Os resultados revelam que a diversidade textual é imperativa nas avaliações, sobretudo nas provas do ENADE e nos concursos do estado de Minas Gerais, assim como também são diversos os domínios discursivos a que pertencem os textos e as capacidades de linguagem exigidas. A partir de então, apontamos para a necessidade de os cursos de formação para a docência em Língua Portuguesa estabelecerem um diálogo com as orientações curriculares para o ensino dessa disciplina e com as demandas profissionais dos egressos do curso, considerando a configuração dos instrumentos de avaliação investigados nesta pesquisa.

Palavras chave: Gêneros textuais; Avaliação; Formação de professores

ABSTRACT:

The purpose of this study is to review the testing instruments taken by students graduated in Language & Literature Courses: two ENADE (National Student Performance Examination) and four civil service examinations created to select Portuguese Language teachers, being two editions of examinations for the state of Minas Gerais and two for the state of Rio de Janeiro. During the review, special attention was given to the textual genres (BRONCKART, 2006; 2010) contained in the questions, the speech domain (MARCUSCHI, 2008) to which they belong, and the language skills (DOLZ, 2015, CRISTOVÃO and LENHARO, in press) worked in the questions. The results show that textual diversity is imperative in the evaluations, especially in ENADE’s tests and in civil service examinations for the state of Minas Gerais, as well as the speech domains to which these texts belong and the required language skills. Based on this, we highlight the need for educational courses aimed at teaching Portuguese Language to establish a dialogue with the curricular guidelines for the teaching of this subject and with the professional demands of the course graduates, considering the configuration of the testing instruments investigated in this study.

Keywords: Textual genres; Testing; Teacher education.

INTRODUÇÃO

A pesquisa e a discussão sobre a formação de professores se faz, atualmente, mais que uma necessidade, se revela um imperativo frente aos contornos políticos e institucionais que envolvem as instâncias formativas, sobretudo as universidades, espaço de formação profissional por excelência. A partir do cenário de ataques à carreira e à profissão docente, consideramos relevante buscar instrumentos de fortalecimento e aperfeiçoamento dos debates sobre a formação de professores, como possibilidade de construção de novas configurações para a formação inicial.

Em respeito aos documentos orientadores das práticas de ensino de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997, 1998; JUIZ DE FORA, 2012), às pesquisas na área de ensino de línguas (BRONCKART, 2015; MAGALHÃES, GARCIA-REIS e FERREIRA, 2017), e por acreditar no potencial que estes apresentam em favor de uma educação emancipatória e voltada para a inserção social dos alunos da escola básica brasileira, acreditamos que a formação inicial em Letras deva contemplar práticas formativas que levem os estudantes ao desenvolvimento (1) de diferentes capacidades linguísticas e (2) de capacidades docentes para atuação como futuros professores dessa disciplina. Mais do que isso, o curso de Licenciatura em Letras deve proporcionar uma formação voltada para a compreensão do espaço escolar e do trabalho com a linguagem nesse espaço, de modo a possibilitar a atuação profissional de docentes engajados com os usos linguísticos que tanto podem libertar ou oprimir as pessoas em diferentes espaços de convívio político e social.

Em pesquisa desenvolvida recentemente e cujos resultados são apresentados em Garcia-Reis (2017) e em Garcia-Reis e Silva (no prelo), analisamos o Projeto Pedagógico do curso de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (2014) e documentos que regem o curso, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores (2015) e as Diretrizes para o curso de Letras (2001). O estudo aponta para uma fragilidade do curso relacionada à formação para a docência, refletida tanto na baixa carga-horária de disciplinas de caráter didático-metodológico, quanto nas ementas e referências bibliográficas das disciplinas, que pouco mencionam práticas contextualizadas de linguagem. Considerando tais resultados, uma nova etapa de investigação foi desenvolvida, em que foram contemplados instrumentos de avaliação dos egressos do curso de Letras: provas do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), edições de 2011 e 2014, e provas de concursos públicos para seleção de professores de Língua Portuguesa dos estados de Minas Gerais, ocorridas em 2012 e 2014, e do Rio de Janeiro, em 2013 e 2015, no sentido de analisar as questões propostas, sua configuração, os gêneros textuais a partir dos quais a questão é formulada, o domínio discursivo a que pertencem os gêneros das questões e as capacidades de linguagem (DOLZ, 2015; CRISTOVÃO e LENHARO, no prelo) nelas avaliadas.

Neste artigo, apresentaremos os resultados desta segunda etapa da pesquisa, de caráter bibliográfico e documental.1 A seção seguinte a esta introdução discute a fundamentação teórica de base para os estudos, a partir de pressupostos do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2006; 2015), de sua vertente didática (DOLZ, 2009), e de pesquisas já desenvolvidas que poderão contribuir para discutirmos os dados encontrados na investigação empreendida (CRISTOVÃO e LOPES, 2011; LEAL e SANTANA, 2015; MARINHO, 2010). Em seguida, propomos a análise de algumas questões das avaliações pesquisadas, visando ao cumprimento do objetivo estabelecido e à busca de considerações que nos levem a compreender as principais demandas desses instrumentos. Finalmente, faremos apontamentos finais pertinentes à pesquisa.

OS APORTES TEÓRICOS

A formação de docentes em Língua Portuguesa requer dos professores formadores e das instituições formativas a definição de alguns princípios a partir dos quais o curso está fundamentado, tendo como horizonte o perfil do egresso. No PPC-Letras/UFJF (2014), na seção que discorre especificamente sobre o perfil do egresso do curso, não há menção ao uso da linguagem como forma de ação na vida social, todavia, em seção subsequente, o documento aborda competências e habilidades específicas relacionadas ao campo de atuação profissional e, nela, vem explicitado que uma das competências a ser desenvolvida é o “domínio dos diferentes usos da língua portuguesa e de suas gramáticas” (PPC-Letras, 2014, p. 24).

Se compreendemos que o domínio de uma determinada língua só é conquistado pela vivência dessa língua em situações específicas e contextualizadas de interação entre sujeitos, seria preciso que, no interior do curso de Letras, os alunos tivessem oportunidades formativas de interação que os levassem a aprendizagens linguísticas diversas.

A concepção da linguagem a partir de um viés discursivo significa tratá-la como um fenômeno social, presente nas atividades sociais dos indivíduos e, mais do que isso, constitutiva dessas atividades e das interações nelas construídas (BAKHTIN, 2003). As atividades de linguagem estariam fundamentalmente presentes nas práticas coletivas dos seres humanos, de modo a planificar, regular e avaliar tais práticas. Segundo Bronckart (2010, p. 169), “A ação de linguagem designa o fato de que, em uma dada situação de comunicação, uma pessoa produz um texto, oral ou escrito, com um ou outro objetivo, para obter um outro efeito”. Assim, agir pela linguagem é agir a partir de uma determinada motivação, muito contextualizada pelos apontamentos da situação de comunicação em questão.

Para as autoras Machado e Cristovão (2006, p. 549), baseando-se em Bronckart (2005), um dos cinco princípios que fundamentam o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) seria o de que “a linguagem desempenharia um papel fundamental e indispensável no desenvolvimento [...] é ela que organiza, comenta e regula o agir e as interações humanas, no quadro das quais são re-produzidos ou re-elaborados os fatos sociais e os fatos psicológicos”. A importância da linguagem no quadro teórico-metodológico do ISD é consenso entre os autores estudiosos dessa teoria e, mais ainda, por aqueles que realizam pesquisas em sua vertente didática, como Schneuwly e Dolz (2004) e Rojo e Cordeiro (2004), por exemplo.

A realização efetiva de uma determinada ação de linguagem se dará por meio de textos, elementos esses que não são somente uma unidade linguística, mas comunicativa, em coerência com os aspectos que já discutimos anteriormente. Como unidade comunicativa, os textos se constituem a partir de características comuns, de recursos linguísticos próprios de uma determinada língua natural e, nesse sentido, pertencentes a determinado gênero (BRONCKART, 2010). Os gêneros de textos seriam então os produtos de diferentes configurações de escolhas linguísticas e sociais possíveis de serem feitas pelos sujeitos, escolhas essas que se encontram, naquele momento, estabilizadas pelo uso (BRONCKART, 2006).

Em perspectiva complementar, Marcuschi, ao refletir sobre a historicidade dos gêneros e reafirmar sua abrangência e objeto de estudo em diferentes áreas, menciona que os gêneros podem ser: “uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de ação social, uma estrutura textual, uma forma de organização social, uma ação retórica” (MARCUSCHI, (2008, p. 149). Embora não possamos desconsiderar essas compreensões do que se constituem os gêneros, a noção que mais se aproxima de nossas pesquisas é a noção de gênero como forma de ação social, exatamente por compreendê-los como um agir quase sempre pessoal orientado para o social, influenciado por modelos pré-construídos socialmente, culturalmente e coletivamente, à disposição dos sujeitos que realizam escolhas discursivas, “determinadas”, precisamente, por fatores sociais, linguísticos e psicológicos.

Ao assumir que os gêneros textuais são uma espécie de guia para os interlocutores e possibilitam inteligibilidade às ações retóricas, Marcuschi (2008, p. 159) acredita que os gêneros são entidades: “a) dinâmicas, b) históricas, c) sociais, d) situadas, e) comunicativas, f) orientadas para fins específicos, g) ligadas a determinadas comunidades discursivas, h) ligadas a domínios discursivos, i) recorrentes, j) estabilizadas em formatos mais ou menos claros”. Acreditamos que, realmente, todos os aspectos mencionados pelo linguista brasileiro caracterizam os gêneros de textos, conforme também os compreendemos.

A forte ligação entre o Interacionismo Sociodiscursivo e a teoria sócio-histórica de Vygotsky nos leva a compreender o papel da ferramenta e do instrumento nas atividades humanas. Segundo Friedrich (2012), os instrumentos seriam psicológicos, voltados para as atividades psicológicas dos seres humanos e atuantes na resolução de suas tarefas, seriam a condição posterior das ferramentas do mundo exterior e disponíveis no mundo. Assim, conceber os gêneros como instrumentos significa que, uma vez que eles sejam apropriados pelo indivíduo, constituir-se-iam verdadeiros instrumentos para seu agir (MACHADO e CRISTOVÃO, 2006). Nas palavras das autoras:

[...] os gêneros de texto se constituem como artefatos simbólicos que se encontram à disposição dos sujeitos de uma determinada sociedade, mas que só poderão ser considerados como verdadeiras ferramentas/instrumentos para seu agir, quando esses sujeitos se apropriam deles, por si mesmos, considerando-os úteis para seu agir com a linguagem. Portanto, podemos pensar que, no ensino de gêneros, se os aprendizes não sentirem necessidade de um determinado gênero para seu agir verbal, haverá muito maior dificuldade para sua apropriação (MACHADO e CRISTOVÃO, 2006, p. 551).

Os gêneros, então, só serão mediadores de ações comunicativas quando apropriados pelos sujeitos (MACHADO e LOUSADA, 2010) como instrumentos próprios, internalizados. Com isso, perguntamos: como nos apropriamos dos gêneros? A resposta a esta pergunta é, ao mesmo tempo, simples e complexa. Simples no sentido de acreditarmos que tal apropriação se dá em contextos de inserção social e em práticas discursivas contextualizadas das quais participamos cotidianamente. Por outro lado, complexa no sentido de que nossas práticas sociais não dariam conta de nos oferecer oportunidades bastante diferenciadas e diversificadas para vivenciarmos a experiência de interlocutores convocados a agir pela linguagem. Diante disso, é que defendemos a escola como espaço de trabalho com a diversidade dos gêneros de texto, com ênfase para as práticas de leitura, escrita e oralidade vivenciadas nas aulas da disciplina de Língua Portuguesa.

O trabalho com os gêneros textuais na escola deveria, como sugere Bronckart (2010) ao retomar Volochinov/Bakhtin, adotar uma perspectiva descendente, qual seja: partir de análises dos tipos de interações sociais contextualizadas para, em seguida, a análise dos gêneros produzidos nessas interações e, só então, a análise das unidades e estruturas linguísticas constitutivas dos gêneros. Essa abordagem metodológica coaduna-se com as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997; 1998), uma vez que sugerem privilegiar as práticas de uso da língua no ensino da disciplina para então partir para as atividades de análise linguística, voltando, num movimento cíclico, aos usos. Esse movimento metodológico permite realizarmos análises que partem das atividades sociais, para depois focalizarmos as atividades de linguagem, os textos, e, finalmente, seus componentes linguísticos.

Ao pensarmos na exploração do contexto social nas aulas de língua, logo nos remetemos ao conceito bakhtiniano de esfera de atividade, que, como cita Rojo (2009, p. 109), pode ser: “doméstica e familiar, do trabalho, escolar, acadêmica, jornalística, publicitária, religiosa, artística etc.”. Em tais esferas, nos portamos como produtores e receptores de discursos, assumindo diferentes papéis sociais. Marcuschi (2008) também aborda conceito semelhante, o qual denomina de domínio discursivo, que, para o autor, seria

uma esfera da vida social ou institucional [...] na qual se dão práticas que organizam formas de comunicação e respectivas estratégias de compreensão. Assim, os domínios discursivos produzem modelos de ação comunicativa que se estabilizam e se transmitem de geração para geração com propósitos e efeitos definidos e claros. Além disso, acarretam formas de ação, reflexão e avaliação social que determinam formatos textuais que em última instância desembocam na estabilização de gêneros textuais. E eles também organizam as relações de poder (MARCUSCHI, 2008, p. 194).

Alguns dos domínios explicitados pelo autor são: instrucional, jornalístico, religioso, da saúde, comercial, industrial, jurídico, publicitário, de lazer, interpessoal, militar e ficcional; lembrando que muitos gêneros podem ser comuns a mais de um domínio e que alguns domínios são mais produtivos quanto ao repertório de gêneros textuais.

Como a ação discursiva por meio dos gêneros é, para nós, algo importante a ser tratado pela escola, sobretudo nas aulas de Língua Portuguesa, a consideração do domínio discursivo a partir do qual um determinado gênero emergiu trata-se de um aspecto a ser discutido e compreendido pelos alunos em experiências de aprendizagem linguística. Nesse sentido, reforçamos a perspectiva de trabalho descendente, já mencionada, no planejamento das aulas dessa disciplina.

Schneuwly e Dolz (2004) argumentam em favor de um trabalho com os gêneros orais e escritos na escola e, a partir dele, o desenvolvimento de três capacidades de linguagem pelos alunos: a) capacidades de ação (CA), capacidades discursivas (CD), e capacidades linguístico-discursivas (CLD). Recentemente, Cristovão e Stutz (2011) elaboraram uma proposta de ampliação das três capacidades e criaram uma quarta: as capacidades de significação (CS), para a consideração do aspecto ideológico e do sentido mais amplo da atividade. Em seminário no ano de 2015, Dolz revela ser importante a consideração dos aspectos multimodais presentes nos textos e propõe a quinta capacidade, as multissemióticas (CMS), como foi demonstrado pelo autor por meio da imagem a seguir:

Fonte: Seminário 2015 - Palestra Prof. Joaquim Dolz (2/3). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Gps1x4tmFwk>. Acesso em: 01 dez. 2017.

FIGURA 1 Categorias de capacidades de linguagem 

A partir de tais capacidades, do trabalho de Cristovão e Stutz (2011) e de Cristovão et al. (2010), Lenharo (2016, p. 31-32), em pesquisa de mestrado, apresentou o quadro a seguir, que nos será útil neste artigo para analisarmos as questões do ENADE de Letras e de concursos públicos sobre as quais nos debruçamos ao longo da pesquisa.

continuação 

Fonte: Categorias e critérios elaborados por Cristovão e Stutz (2011) e Cristovão et al (2010) e expandidos por Cristovão e Lenharo (no prelo).

QUADRO 1 Capacidades de linguagem e critérios de classificação 

Como podemos perceber, uma proposta de ensino de Língua Portuguesa na escola com vistas ao desenvolvimento de diferentes capacidades de linguagem não poderá fugir das práticas de leitura, escrita, oralidade e análise linguística, práticas linguísticas centradas em textos, representativos de diferentes culturas. Nesse sentido, qual seria a contribuição da formação inicial do curso de Letras para que os graduandos tenham experiências linguísticas que, mais tarde, possam auxiliá-los no ensino de Língua Portuguesa nas escolas de educação básica? Como já defendemos em Garcia-Reis (2017), acreditamos que o curso de formação de professores poderia ocupar-se em oferecer atividades formativas diversas com finalidades sociodiscursivas, ou seja, experiências com a linguagem que levem os alunos à posição de analistas, produtores e interlocutores socialmente inseridos em práticas de letramento acadêmico e profissional.

Com relação à apropriação dos gêneros pelos estudantes, Marinho (2010, p. 383) defende que “o domínio de um gênero depende da experiência, da inscrição dos indivíduos nas esferas que os produzem e deles necessitam”. Por isso, argumentamos em favor da promoção de práticas formativas que proponham a formação profissional do professor de Língua Portuguesa pela escrita, ou seja, é possível que no interior do curso e de seu currículo haja eventos vários que levem os alunos à prática da linguagem numa perspectiva discursiva, como possibilidade não só de desenvolvimento profissional, mas também pessoal e identitário.

Ao discutir sobre o trabalho do professor e sobre a possibilidade de proporcionar aprendizagem aos alunos, Clot (2006, p. 28) afirma que:

Para simplificar, pode-se levantar a hipótese de que a estrutura da atividade do trabalho do professor é a mesma estrutura das atividades dos alunos. No fundo, os conflitos nas atividades do ofício de professor são conflitos de atividades que obedecem ao mesmo funcionamento que o das atividades dos alunos. Há, pois, uma estrutura comum da atividade. Em relação à formação dos professores, se nós lhes dermos a possibilidade, por técnicas adequadas, de se reapropriarem de suas atividades em seus conflitos, isso lhes poderia dar meios para pensar os conflitos de seus alunos. Em suma, seria um trabalho de autoanálise de suas atividades para melhor identificar os conflitos nos quais se encontram.

Assim é que concebemos um curso de formação de professores: um espaço de aprendizagem profissional que permita a reapropriação de conhecimentos, de vivências de práticas e de descobertas, de reflexão sobre os processos de aprendizagem linguística e de trabalho com a linguagem em espaços de ensino, prioritariamente, mas não exclusivamente. Se desejamos que os professores de Língua Portuguesa proponham práticas discursivas aos alunos, numa perspectiva dialógica, precisaríamos oferecer-lhes oportunidades de vivenciarem tais práticas nos contextos de formação, para que houvesse o encontro com os mesmos conflitos que futuramente oferecerão aos seus alunos.

No entanto, com relação à estrutura comum entre a formação do professor de Língua Portuguesa e as práticas de ensino e aprendizagem linguística na escola básica, identificamos algumas incoerências. Em pesquisa realizada recentemente e publicada em 2015, Leal e Santana evidenciam que as propostas curriculares deste início de século orientam que o ensino de Língua Portuguesa se dê a partir dos gêneros discursivos, uma vez que, das 26 propostas analisadas, 25 têm orientações teórico-metodológicas voltadas para o ensino dos gêneros, com forte influência da perspectiva bakhtiniana.

Para os autores, estaria claro que: “Os gêneros seriam, então, ferramentas para o agir, instrumentos culturais que estariam disponíveis para uso em diferentes situações de interação, para a produção e a compreensão de enunciados. Desse modo, a escola teria o papel de promover a apropriação desses instrumentos” (LEAL e SANTANA, 2016, p. 209). Além disso, “[...] os modos de apropriação desses objetos de aprendizagem não estão dados neles mesmos, sendo necessário construir uma teoria pedagógica que dê sustentação a tal proposta” (LEAL e SANTANA, 2015, p. 210). Em concordância com os autores, de que seria preciso construirmos propostas pedagógicas que deem sustentação à prática de linguagem por meio dos gêneros, voltamos nosso olhar aos cursos de formação em Letras, uma vez que pesquisas têm revelado fragilidades no que concerne à carga horária e ao conteúdo destinado à formação docente (GARCIA-REIS, 2017; GATTI , 2009, 2010; OLIVEIRA, 2006) para o desenvolvimento específico das práticas profissionais. Haveria, então, a sinalização para a revisão dos cursos de formação para a docência em Língua Portuguesa, devido termos, de um lado, uma clara orientação para a abordagem discursiva nas aulas dessa disciplina nas escolas básicas e, por outro lado, uma ausência dessa abordagem nos cursos de formação.

É nesse sentido que esta pesquisa tenta contribuir, ao mapear como estão configuradas as questões de avaliações do ENADE de Letras e de concursos públicos para a seleção de professores para escolas dos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Ao indagarmos o que trazem e o que avaliam essas provas, estamos buscando compreender o perfil de profissional esperado, tanto pelo INEP2 quanto pelos estados, por meio de suas instâncias secretariais de ensino. De modo algum, defendemos que os cursos de formação deverão estar a serviço de tais avaliações, ou mesmo pautar suas escolhas formativas por elas. No entanto, não poderíamos deixar de investigá-las, uma vez que sabemos dos ecos que produzem nos contextos de formação, além do impacto que poderão trazer à vida profissional dos estudantes recém-egressos do curso em questão.

A CONFIGURAÇÃO DAS PROVAS ANALISADAS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA

Nesta seção do artigo, apresentamos a metodologia de análise adotada na pesquisa aqui relatada e os resultados a que chegamos, problematizando-os e discutindo-os com os referenciais teóricos assumidos (BRONCRART, 2006; 2010; MARCUSCHI, 2008; CRISTOVÃO e STUTZ, 2011; CRISTOVÃO et al, 2010; DOLZ, 2015; LENHARO, 2016; GARCIA-REIS, 2017).

QUESTÕES METODOLÓGICAS

A metodologia utilizada nesta pesquisa foi qualitativa (BORTONI-RICARDO, 2008), uma vez que analisamos cada uma das questões propostas em duas edições da prova do ENADE (2011 e 2014) e em quatro provas de concurso para seleção de professores de Língua Portuguesa (anos finais do ensino fundamental e ensino médio), duas delas do estado de Minas Gerais e duas do estado do Rio de Janeiro. A escolha desses dois estados justifica-se (1) pela inserção da universidade e do curso em que atua uma das autoras deste artigo no estado de Minas Gerais; (2) pela proximidade da cidade de Juiz de Fora com o estado do Rio de Janeiro e (3) pelo interesse e procura pelos alunos recém-formados pelos concursos públicos dos dois estados.

A partir da análise das Diretrizes Curriculares para a formação de professores (2015) e do Projeto Pedagógico do Curso de Letras (2014), pesquisa anteriormente realizada e apresentada em Garcia-Reis (2017), vimos descritas as competências a serem desenvolvidas e o perfil do egresso previsto por esses documentos, o que nos permite, neste momento, investigar os instrumentos de avaliação mencionados com o objetivo de verificar como estão configurados e o que avaliam do profissional formado pelo curso de Letras.

Concordamos com Gomes e Felice (2016, p. 141) quando afirmam que o poder que emana das avaliações “consegue explicar seu papel de destaque assumido em todos os âmbitos sociais: não se trata apenas de avaliação escolar, mas também no trabalho, nas transformações sociais, nas políticas governamentais de todo tipo.”. Isto posto, acrescentamos que as avaliações têm tido reflexos nos cursos de formação profissional, sobretudo essas que serviram de análise na pesquisa aqui mencionada, devido a se constituírem avaliações dos discentes do curso e, em certa medida, do próprio curso.

A partir da leitura e análise das questões das avaliações investigadas, três categorias foram propostas: o gênero presente em cada uma das questões das provas (BRONCKART, 2006, 2010; MARCUSCHI, 2008), o domínio discursivo a que ele pertence3 (MARCUSCHI, 2008) e as capacidades de linguagem exigidas pelas questões (DOLZ, 2015; CRISTOVÃO e LENHARO, no prelo).

AS PROVAS DO ENADE - LETRAS LICENCIATURA (2011 E 2014)

A edição do ENADE-Letras (2011) constituiu-se por 40 (quarenta) questões, sendo assim distribuídas: Formação geral: 8 (oito) questões objetivas e 2 (duas) discursivas; Componentes específicos comuns: 17 (dezessete) questões objetivas e 3 (três) discursivas; Componentes específicos: com 10 (dez) questões objetivas tanto para Licenciatura quanto para Bacharelado. Além dessas questões, este instrumento de avaliação continha também um questionário de percepção da prova, composto por 9 (nove) questões, que avaliam a percepção e o sentido que os sujeitos avaliados atribuem à prova.

A edição do ENADE de 2011, de modo geral, abrangeu uma vasta diversidade de textos. Grande parte das questões emergiu de diferentes gêneros textuais, o que demandou dos estudantes conhecimentos linguísticos, compreensão leitora, escrita de textos dissertativo-argumentativos, ou seja, demandas relacionadas ao uso da língua em vários domínios discursivos.

A partir do arcabouço de questões que constituíram a prova e dos diversos conhecimentos e desempenhos que são esperados dos alunos, fizemos a opção por apresentar neste artigo apenas algumas das questões da prova do ENADE (edições 2011 e 2014) para então discutir as três categorias: o gênero de texto das questões; o domínio discursivo a que ele pertence e a capacidade de linguagem requisitada.

De modo a elucidar o que está posto na edição do ENADE (2011), recorremos à questão 25, que faz parte dos componentes específicos comuns:

Fonte: Prova do ENADE 2011.

FIGURA 2 Questão 25 ENADE 2011 

A questão anterior traz o gênero poema (do domínio discursivo ficcional), em duas propostas de atividades presentes em livros didáticos. No que se refere ao gênero poema utilizado na atividade, podemos destacar que ele foi utilizado como pretexto para tratar de aspectos gramaticais, puro ato de identificar e retirar dos textos informações neles contidas e nada mais, consistindo em uma atividade de localização de respostas, muito utilizada pelos livros didáticos, como aponta Marcuschi (2008), o que diverge das concepções propostas nos documentos oficiais (BRASIL, 1997; 1998) que propõem um trabalho com os gêneros na perspectiva das interações sociais.

Os excertos I e II, retirados dos livros, constituem propostas de atividades a partir do gênero “poema” e, nesse sentido, pertencem ao domínio discursivo que poderíamos chamar de educacional, em situações de ensino e de aprendizagem. Esta questão proporcionou também um diálogo entre a proposta de trabalho com os gêneros e os documentos oficiais, visando averiguar as concepções dos alunos perante tal proposta, assim como também possibilitou uma análise de como os textos vêm sendo abordados nos materiais didáticos.

Acreditamos que a questão 25 não avalia uma das capacidades de linguagem especificamente, mas, por outro lado, evoca conhecimentos de pelo menos duas delas quando propõe que o recém-formado analise as atividades dos livros didáticos e seja crítico com relação a elas, a partir do que orientam os PCN sobre o ensino de Língua Portuguesa, como mencionado nas alternativas. A capacidade de ação estaria presente, sobretudo, quando o aluno deveria construir representações sobre o contexto de produção e sobre a adequação do texto em dada situação de comunicação, tanto do gênero poema, quanto do suporte de textos que é um livro didático, quanto dos PCN, este do domínio educacional, para, em seguida, estabelecer as relações entre eles e responder à questão. Outra capacidade aqui demandada é a de significação, uma vez que seria necessário compreender a relação entre textos e reconhecer o percurso sócio-histórico dos gêneros presentes.

Observamos que, na questão 25, dois aspectos foram avaliados: um se houve apropriação dos conteúdos recebidos durante a formação por parte dos alunos, no que se refere às orientações dos documentos oficiais em relação ao ensino dos gêneros, e o outro ponto seria qual a concepção que os alunos têm sobre o tipo de atividade presente no material didático.

Vejamos agora o que propõe a questão 30, relativa ao componente específico do curso de licenciatura.

Fonte: Prova do ENADE 2011.

FIGURA 3 Questão 30 ENADE 2011 

A proposta desta questão parte de dois gêneros textuais: uma tirinha (situada nos domínios discursivos ficcional/lazer) e um fragmento de texto acadêmico (domínio discursivo instrucional: científico, acadêmico e educacional). Ao examinarmos a questão, partimos do pressuposto de que os dois gêneros dialogam entre si e abordam um tema bem pertinente no que se refere à prática docente e ao perfil esperado do egresso.

Para responder à questão, o recém-formado precisaria de conhecimentos sobre o gênero tirinha, aliar o verbal ao visual para compreender o texto, ler o fragmento de Vasconcellos e compreendê-lo, e, em seguida, relacionar o conteúdo dos dois textos.

Nesta questão, pressupomos que o conhecimento a ser avaliado seja o conteúdo temático trazido pelos dois textos, diretamente relacionado ao conteúdo das quatro afirmações. Com isso, identificamos vários dos critérios das capacidades de linguagem em avaliação na questão, como estes:

[...] posicionar-se sobre relações textos-contextos; levar em conta propriedades linguageiras na sua relação com aspectos sociais e/ou culturais; perceber a diferença entre formas de organização diversas dos conteúdos mobilizados; identificar a relação entre os enunciados, as frases e os parágrafos de um texto, entre outras muitas operações que poderiam ser citadas e compreender as relações de sentido entre elementos verbais e não-verbais do gênero[...] (CRISTOVÃO e LENHARO, no prelo).

As duas questões até aqui analisadas servem como sinalizadoras para os cursos de formação para a docência, uma vez que contemplam diversas capacidades linguísticas diretamente relacionadas à atuação do egresso do curso de Letras/Licenciatura.

Em relação à edição do ENADE-Letras (2014), ela também foi composta por 40 (quarenta) questões, porém com uma configuração um pouco diferente da edição de (2011)4. Sua organização foi a seguinte: Formação geral: 8 (oito) questões objetivas e 2 (duas) discursivas; Componentes específicos: 27 (vinte e sete) questões objetivas e 3 (três) questões discursivas e um questionário com 9 (nove) questões relativas à percepção da prova.

Assim como a edição do ENADE (2011), a prova do ENADE (2014), de modo geral, envolveu uma gama de gêneros textuais e partiu do mesmo princípio da edição anterior, com questões formuladas a partir de distintos gêneros textuais. A avaliação demandou dos recém-formados a elaboração de textos dissertativo-argumentativos que emergiram da leitura, análise e compreensão de textos de diferentes gêneros, além de conhecimentos gerais, específicos da área de formação e capacidades linguísticas diversas.

Após esta breve explanação sobre o ENADE (2014), passamos à análise de algumas questões, pelo mesmo prisma da edição anterior.

Fonte: Prova do ENADE 2014.

FIGURA 4 Questão 30 ENADE 2014 

No que se refere à composição da questão 30, podemos destacar que o gênero selecionado foi o texto acadêmico (pertencente ao domínio discursivo instrucional: científico, acadêmico e educacional). Com base em um texto de Geraldi (1984), ela exibe a diferença entre saber uma língua e saber analisá-la, com conhecimentos da nomenclatura nesse último caso, permitindo avaliar as escolhas metodológicas para o ensino de língua feitas pelo professor.

Acreditamos que esta questão demanda dos recém-formados quatro das cinco capacidades de linguagem: a de significação - por requisitar a compreensão de imbricações entre atividades praxiológicas e de linguagem, além do posicionamento sobre relações textos-contextos; a de ação - por exigir inferências sobre quem escreve o texto, para quem ele é dirigido, sobre qual assunto, quando o texto foi produzido, onde foi produzido, para que objetivo; a discursiva - por demandar a compreensão da organização do texto, como o seu layout, devido principalmente ao modo como foi organizada a questão 30; a linguístico-discursiva - por necessitar que o aluno faça relação entre os enunciados que compõem o texto, entre outras muitas operações intratextuais, como perceber as escolhas lexicais, por exemplo.

Vejamos mais uma questão da prova do ENADE (2014):

Fonte: Prova do ENADE 2014.

FIGURA 5 Questão 21 ENADE 2014 

A crônica é o gênero basilar desta questão, o qual pertence ao domínio discursivo ficcional e apresenta como característica a reflexão e interpretação de um assunto do dia a dia, além de muito frequentemente poder ser construída por tons de ironia, por exemplo. Conhecer o gênero crônica contribuiria para responder corretamente à questão, no entanto, as afirmações para análise não recaem especificamente sobre o gênero, convergem para aspectos estruturais da língua, quando apontam para as funções dos conectores que estão presentes no texto.

As capacidades de linguagem presentes nesta questão são a de significação, de ação, discursiva e linguístico-discursiva, com predominância das capacidades linguístico-discursivas, cujos critérios de classificação estão presentes no quadro 1 da seção anterior, sobretudo por apresentar nas três afirmações a serem avaliadas elementos que operam na construção do texto e nas unidades linguísticas.

Ao analisarmos as provas do ENADE (2011 e 2014) e suas configurações, consideramos que há uma coerência com o perfil do egresso do curso, como apontado no PPC-Letras da UFJF, por exemplo, quando o documento objetiva formar alunos com “domínio da língua portuguesa em suas diferentes modalidades, oral e escrita, nos registros formal e informal[...]” ou ainda com “domínio dos conteúdos básicos, abordagens, métodos e técnicas pedagógicas que são objeto dos processos de ensino e aprendizagem nos ensinos fundamental e médio” (UFJF, 2014, p. 17).

Para melhor elucidar os diversos domínios discursivos; os gêneros e as capacidades que compuseram as provas do ENADE-Letras, edições (2011 e 2014), elaboramos o seguinte quadro:

Fonte: Elaborado pelas autoras.

QUADRO 2 Domínios discursivos, gêneros e capacidades presentes no ENADE-Letras 2011 e 2014 

O quadro 02 revela a diversidade do repertório linguístico das provas mais recentes do ENADE-Letras, uma vez que as questões emergem sempre de textos, tais textos pertencem a diferentes gêneros textuais, que por sua vez são representativos de variados domínios discursivos e demandam várias capacidades de linguagem dos recém-formados. Por mais que não concordemos que avaliações como essas sejam tratadas como orientadoras dos cursos de formação profissional, não podemos também ignorá-las ou desconhecê-las, ao contrário, devemos analisá-las com a finalidade de compreender quais são suas características e sua relação com a formação oferecida pelos centros de educação superior. Quanto ao curso de Letras da UFJF, pesquisa recente no Projeto Pedagógico do curso (GARCIA-REIS, 2017) revelou a existência de lacunas na formação do docente de Língua Portuguesa, ao destinar uma carga-horária ainda bastante reduzida para as práticas de linguagem dos alunos, contrariando as exigências do ENADE, como apontadas no quadro 2.

Se compararmos nossos resultados com aqueles alcançados por Cristovão e Lopes (2011), vamos perceber muitas semelhanças, uma vez que as autoras, em pesquisa nas edições do ENADE de Letras de 2005 e 2008, também encontraram uma gama muito diversa de gêneros textuais nas avaliações (24 e 23 diferentes gêneros respectivamente), pertencentes a muitas esferas discursivas, muitas coincidentes àquelas por nós observadas e apontadas no quadro 2. As semelhanças nos resultados apontam para duas tendências já consolidadas nas edições do ENADE de Letras: a exigência (1) de capacidades linguísticas diversas voltadas para o uso linguageiro a partir da variedade textual presente na sociedade e (2) de capacidades reflexivas para atuação como docente de Língua Portuguesa, considerando documentos oficiais e pesquisas sobre o ensino de língua.

AS PROVAS DOS CONCURSOS ESTADUAIS PARA SELEÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA

Para análise das provas dos concursos, faremos o mesmo percurso das edições do ENADE (2011 e 2014), cuja reflexão se fez a partir das três categorias: o gênero, o domínio discursivo e a capacidade de linguagem das questões que compõem as provas.

A prova do concurso do estado de Minas Gerais, para o provimento do cargo de professor de Educação Básica (PEB-Nível 1-Grau A) de Língua Portuguesa do ano 2012 (doravante Concurso SEE/MG-PEB Língua Portuguesa 2012), apresentou 60 questões objetivas: 10 (dez) de Língua Portuguesa, 10 (dez) de Matemática e 40 (quarenta) questões de Conhecimentos específicos.

Esta prova apresentou poucos gêneros textuais e poucos textos nas questões, a maioria deles pertencente aos domínios discursivos instrucional (científico, acadêmico e educacional) e ficcional. Outra característica desta prova é que algumas questões foram compostas por pequenos fragmentos de textos ou frases retiradas deles, que serviram de base para várias questões, exigindo um retorno dos alunos a partes anteriores da prova para responder ao que foi pedido. As questões demandavam tanto compreensão leitora quanto conhecimentos específicos da área: os gramaticais, por exemplo.

A questão 27 SEE/MG-PEB Língua Portuguesa 2012 ilustra alguns aspectos mencionados:

Fonte: Prova SEE/MG - PEB Língua Portuguesa 2012.

FIGURA 6 Questão 27 SEE/MG PEB Língua Portuguesa 2012 

A questão 27 advém de um fragmento de texto científico pertencente ao domínio discursivo instrucional (científico, acadêmico e educacional), que serviu de base para as questões de número 24 a 28. Ao analisá-la, percebemos que, a partir de frases extraídas do texto, o candidato precisava ter conhecimentos sobre as conjunções e os sentidos que elas constroem juntamente com unidades linguísticas maiores, ou seja, um conhecimento gramatical aplicado ao texto, um conteúdo que muito provavelmente fora abordado ao longo da formação.

A capacidade de linguagem privilegiada nesta questão é a linguístico-discursiva, que tem como um de seus critérios “compreender e produzir unidades linguísticas adequadas à sintaxe, morfologia, fonética, fonologia e semântica da língua” (CRISTOVÃO e LENHARO, no prelo), pois entendemos que este era o objetivo principal da questão.

Outro exemplo é o da questão 44:

Fonte: Prova SEE/MG - PEB Língua Portuguesa 2012.

FIGURA 7 Questão 44 SEE/MG - PEB Língua Portuguesa 2012 

Esta questão foi elaborada com uma crônica de Luís Fernando Verissimo, pertencente ao domínio discursivo ficcional, gênero e domínio bastante presentes nas provas dos concursos investigados. O objetivo foi verificar a compreensão textual do candidato relacionada a características do português e à metalinguagem, uma vez que as alternativas apresentam nomenclatura específica para se referir a componentes linguísticos. De acordo com Marcuschi (2008), para a compreensão de um texto, é preciso utilizar não somente o recurso de leitura como decodificação, ou ler no sentido literal, mas fazer uso de conhecimento de mundo e das próprias experiências vividas para que a leitura produza sentidos (as inferências). É nesse sentido que compreendemos a questão 44, pois por mais cotidiana que seja a terminologia utilizada nas alternativas, ela é característica do universo escolar e sem este conhecimento específico, aliado aos conhecimentos de mundo, não seria tão fácil resolver a questão. Foram exigidas, portanto, do candidato, tanto capacidades de decodificação quanto de compreensão e inferências (MARCUSCHI, 2008). Assim, destacamos que pelo menos quatro (CS + CA + CD + CLD), das cinco capacidades de linguagem, estão presentes na resolução da questão 44, pois ela demanda vários dos critérios descritos no Quadro 1, como “Perceber as escolhas lexicais para tratar de determinado conteúdo temático” ou “(Re)conhecer a sócio-história do gênero”.

Com relação à prova do ano de 2014 (Concurso SEE/MG PEB Língua Portuguesa 2014), ela também foi constituída por 60 questões objetivas, porém as de Conhecimentos gerais distribuíram-se de maneira diferente da edição de 2012, sendo 10 (dez) de Língua Portuguesa, 7 (sete) de Matemática, 3 (três) de Direitos Humanos e 40 (quarenta) questões de Conhecimentos específicos. Esta edição do Concurso SEE/MG-PEB Língua Portuguesa, como exposto, se difere da edição do Concurso SEE/MG-PEB Língua Portuguesa 2012 em relação à sua constituição, pois incluiu questões referentes aos Direitos Humanos, conteúdo que a primeira não contemplava.

Um aspecto que nos chama a atenção nesta prova foi a atribuição de um grande percentual ao conhecimento da área e ao ensino, visto que aproximadamente 66% da prova contemplam questões voltadas ao ensino: ensino da língua, ensino de gramática na perspectiva da variação linguística, ensino de leitura e ensino de produção textual. No que se refere aos gêneros textuais, apesar de esta prova não conter uma grande variedade deles, estando mais restrita aos documentos oficiais, aos textos acadêmicos e aos textos literários, as questões estão muito atuais, pois dialogam muito de perto com as atuais pesquisas sobre o ensino de língua e com os documentos que o orientam, como os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Currículo Básico Comum do estado de Minas Gerais.

Vejamos um exemplo a seguir:

Fonte: Prova SEE/MG - PEB Língua Portuguesa 2014.

FIGURA 8 Questão 35 SEE/MG - PEB Língua Portuguesa 2014 

A frase introdutória da questão 35, embora não seja devidamente referenciada, está respaldada no Currículo Básico Comum do estado de Minas Gerais, pertencente portanto ao domínio educacional. A questão demanda do candidato um conhecimento sobre as orientações dos documentos oficiais em relação às estratégias de leitura e produção de textos, assim também como conhecimentos sobre o trabalho com gêneros do domínio literário. As capacidades presentes nesta questão são as de significação, as de ação, as discursivas e as linguístico-discursivas, por envolverem tanto a compreensão leitora quanto o trabalho com a linguagem na escola.

Vejamos outra questão do concurso do estado de Minas Gerais:

Fonte: Prova SEE/MG - PEB Língua Portuguesa 2014.

FIGURA 9 Questão 37 SEE/MG - PEB Língua Portuguesa 2014 

Ao fazer a leitura e examinar esta questão, constatamos que, assim como a anterior, ela tematiza o ensino, mais especificamente o ensino dos gêneros e textos, tomando como base o documento curricular do estado de Minas Gerais, texto cujo domínio é o educacional, com total relação com os conteúdos a serem tratados num curso de licenciatura de Língua Portuguesa.

De modo geral, verificamos que vários critérios de classificação das capacidades de linguagem estão presentes, dentre eles “Posicionar-se sobre relações textos-contextos”, uma vez que o candidato precisa compreender o enunciado da questão, cujo conteúdo foi extraído do currículo do Estado, e posicionar-se a favor ou contrário às opções de resposta apresentadas, de modo a fazer a escolha da opção incorreta.

Após nos debruçarmos sobre duas edições de concursos do estado de Minas Gerais, podemos afirmar que elas avaliaram uma série de conhecimentos relacionados ao ensino de língua. Além desta perspectiva, estas provas exigiram que os candidatos utilizassem seus conhecimentos prévios, realizassem inferências a partir dos textos e também os conhecimentos recebidos na sua formação, de modo a responder corretamente às questões. Ainda, é válido mencionar que tal configuração das duas edições analisadas dialoga com as propostas dos documentos oficiais orientadores do ensino de língua, o que pode ser confirmado por meio dos textos que foram utilizados na elaboração das questões, os quais grande parte fazem parte do domínio discursivo educacional, mais especificamente os documentos curriculares oficiais.

Com a intenção de exibir de forma geral os domínios discursivos, os gêneros e as capacidades de linguagem que se fizeram presentes nas questões das provas dos Concursos SEE/MG-PEB Língua Portuguesa 2012 e 2014, elaboramos o quadro 3:

Fonte: Elaborado pelas autoras.

QUADRO 3 Domínios discursivos, gêneros e capacidades presentes no concurso SEE/MG - PEB Língua Portuguesa 2012 e 2014 

Como já salientamos, o repertório de gêneros textuais da edição de 2014 não foi tão diversificado quanto o da edição de 2012, assim como o de domínios discursivos. Se compararmos os concursos de Minas com as edições do ENADE investigadas, fica claro também o quanto a diversidade de gêneros nesta avaliação foi maior. Por outro lado, as capacidades de linguagem demandadas dos candidatos se mantiveram as mesmas, ao compararmos os quadros 2 e 3, sinalizando que elas devem estar presentes nas práticas formativas ao longo do curso de Letras.

Na busca pelo cumprimento dos objetivos propostos na pesquisa aqui relatada, partimos para a análise das provas dos concursos do estado do Rio de Janeiro, para o provimento do cargo de Professor Docente I - Português, realizados nos anos de 2013 e 2015. A prova de 2013 (de agora em diante denominada de Concurso SEE/RJ Professor Docente I - Português 2013) apresentou a seguinte configuração: 50 questões objetivas, com 15 (quinze) de Português, 15 (quinze) de Conhecimentos pedagógicos e 20 (vinte) questões de Conhecimentos específicos.

Em relação aos aspectos gerais da prova, observamos que ela apresenta alguns gêneros e vários fragmentos de textos - a maioria sem a informação da fonte -, faz menção a diversos autores e documentos oficiais, abarca conhecimentos específicos, conhecimentos sobre determinados escritores da literatura e conhecimentos sobre história da língua, e, assim como as provas dos concursos SEE/MG-PEB Língua Portuguesa 2012 e 2014, esta também apresentou um mesmo texto de base para responder a várias questões. A seguir, eis algumas questões do concurso de 2013:

Fonte: Prova SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2013.

FIGURA 10 Questão 37 SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2013 

Na questão exposta anteriormente, apesar de não apresentar a fonte, pelo que foi posto no enunciado inferimos que se trata de um gênero oral do domínio discursivo interpessoal; a questão permite realizar uma reflexão e análise em relação às características de um gênero oral, com marcas de uma variedade linguística menos monitorada.

O candidato precisava demonstrar conhecimento sobre algumas características da modalidade oral do português, sobretudo de conversações espontâneas, comparar as opções de resposta, além de estabelecer relações com a norma culta, a fim de responder à questão. Apesar de abordar tais aspectos relativos à variedade linguística, a questão apresentou um foco no conhecimento da língua como estrutura, e não levou em consideração o contexto de comunicação, possibilidade que seria mais interessante e voltada aos usos linguísticos (BRASIL, 1998), ao invés de solicitar a identificação de marca da variedade linguística.

Quanto às capacidades de linguagem aqui presentes, observamos maior predominância da linguístico-discursiva, mais especificamente os critérios “Perceber as escolhas lexicais para tratar de determinado conteúdo temático” e “Compreender e produzir unidades linguísticas adequadas à sintaxe, morfologia, fonética, fonologia e semântica da língua”, com ênfase nas unidades micro da língua, referentes aos recursos de linguagem que operam na construção de textos.

A questão 50, a ser analisada a seguir, exige conhecimentos de prescrições da gramática tradicional:

Fonte: Prova SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2013.

FIGURA 11 Questão 50 SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2013 

Nesta questão, não há um gênero norteador a partir do qual a pergunta é formulada, há frases soltas para análise relacionada à norma culta da língua, numa configuração divergente das indicações de documentos oficiais (BRASIL, 1997, 1998), os quais orientam que devemos partir de um gênero de texto para trabalhar a funcionalidade da língua, de modo a explorar os aspectos gramaticais de forma contextualizada. Assim como na questão 50, o concurso de 2013 privilegia um conhecimento específico da língua de maneira descontextualizada em várias questões, o que nos leva a criticar negativamente o perfil de professor de Língua Portuguesa almejado nessa seleção, um perfil muito distante da perspectiva discursiva de ensino dessa disciplina aqui defendida.

A estrutura da prova do concurso do estado do Rio de Janeiro para o provimento do cargo de Professor Docente I - Português do ano 2015 (doravante Concurso SEE/RJ Professor Docente I - Português 2015) foi a seguinte: 50 questões objetivas - assim como a edição anterior - mas com distribuição diferenciada, pois contou com 10 (dez) questões de Português, 10 (dez) de Conhecimentos pedagógicos e 30 (trinta) de Conhecimentos específicos.

Se já tínhamos apresentado críticas ao Concurso SEE/RJ Professor Docente I - Português 2013 relacionadas à ausência de textos e ao perfil do professor de Língua Portuguesa a ser selecionado pela prova, vamos ampliá-las ainda mais à edição de 2015. Não podemos concordar com uma prova que se propõe a aprovar profissionais para a docência em Língua Portuguesa e que trata das questões linguísticas por meio de frases soltas e fragmentos de textos, pois estaríamos na contramão tanto de orientações curriculares para o ensino dessa disciplina quanto de pesquisas cuja ênfase é o tratamento da linguagem em espaços educacionais. A edição de 2015 contou apenas com dois textos completos, privilegiando, assim, uma análise superficial dentre tantas possibilidades de discutir os fenômenos da língua a partir da variedade textual.

Vejamos dois exemplos:

Fonte: Prova SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2015.

FIGURA 12 Questão 32 SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2015 

Fonte: Prova SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2015.

FIGURA 13 Questão 43 SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2015 

Constatamos assim que as provas do Concurso SEE/RJ Professor Docente I - Português 2013 e 2015 não tematizaram práticas de ensino, ao contrário, avaliaram conhecimentos gramaticais em detrimento de outras capacidades linguísticas que poderiam ter estado presentes.

A seguir, apresentamos o quadro síntese das provas do estado do Rio de Janeiro:

Fonte: Elaborado pelas autoras.

QUADRO 4 Domínios discursivos, gêneros e capacidades presentes no concurso SEE/RJ - Professor Docente I - Português 2013 e 2015 

Com a análise do quadro 4, podemos perceber que, embora tenha havido menção a uma pequena variedade de gêneros textuais, eles foram muito pouco explorados nas edições dos dois concursos, como já salientamos. Ao compararmos o quadro 4 com o 3, mas sobretudo com o 2, vamos notar uma grande discrepância quanto à variedade de gêneros textuais presente nas avaliações, visto que nas edições do ENADE e nos concursos do estado de Minas Gerais tanto o repertório de gêneros quanto o de domínios discursivos aos quais eles pertencem foi mais vasto, possibilitando abordar as cinco capacidades de linguagem e vários de seus critérios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do aporte teórico-metodológico do ISD, o presente artigo objetivou analisar as questões de avaliações dos egressos do curso de Letras, duas edições do ENADE e quatro edições de concursos públicos para seleção de professores de Língua Portuguesa, visando compreender a configuração das questões, o gênero textual nelas presentes, o domínio discursivo a que pertencem e as capacidades de linguagem demandadas aos recém-formados. Com os resultados obtidos, problematizamos a formação oferecida no interior dos cursos de Letras, sobretudo a formação dos licenciandos.

As avaliações investigadas trazem nas questões uma gama bastante diferenciada de gêneros e domínios, exigindo dos ex-alunos várias das capacidades de linguagem. As provas do ENADE e as dos dois concursos do estado de Minas Gerais apresentam configuração ainda mais diversificada se comparada à dos concursos do estado do Rio de Janeiro, por conterem questões que emergem de textos, cujos conteúdos relacionam-se à língua portuguesa, à literatura, ao modo como ensinar linguagem na escola, a conhecimentos de mundo, entre outros.

Acreditamos que os resultados desta pesquisa trazem implicações para a formação do docente de Língua Portuguesa, num movimento constante de diálogo que deve haver entre os documentos que prescrevem as práticas de ensino de língua, as escolhas formativas no interior dos cursos, o perfil dos egressos que os cursos objetivam formar e as demandas de inserção profissional dos recém-formados. Ao analisarmos as provas do ENADE e de concursos públicos para seleção de professores de Língua Portuguesa, revelamos o que elas esperam do profissional formado pelo curso de Letras e visamos contribuir para explicitar novos elementos para esse diálogo, sobretudo aqueles relacionados ao trabalho com as práticas discursivas nas aulas de língua da escola básica.

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1A pesquisa é parte das ações do grupo Interação, Sociedade e Educação (CNPq/UFJF).

2O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Sua missão é subsidiar a formulação de políticas educacionais dos diferentes níveis de governo com intuito de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país (PORTAL INEP, s/d). O Inep é responsável pela elaboração e aplicação do ENADE.

3Baseamos nossa análise do domínio discursivo apoiando-nos em Marcuschi (2008), como tratado anteriormente.

4A edição do ENADE (2011) concentrou em uma mesma prova questões de conhecimentos específicos do curso de Letras Licenciatura e de Letras Bacharelado, contendo 10 (dez) questões específicas para cada curso. Já a edição do ENADE (2014) traçou um percurso diferente, pois as provas foram específicas para cada curso: Letras Licenciatura (a que será aqui analisada) e Letras Bacharelado.

Recebido: 09 de Abril de 2018; Aceito: 14 de Agosto de 2018

Contato: Andreia Rezende Garcia-Reis, Rua Thiers Cerutti, 245, Bom Clima, Juiz de Fora|MG|Brasil, CEP 36.046-360

Doutora em Linguística pela UFRJ, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora e líder do Grupo Interação, Sociedade e Educação (CNPq/UFJF). E-mail:<andreiargarcia@yahoo.com.br>.

Pedagoga e pós-graduada em Alfabetização e Letramento pela Faculdade Metodista Granbery, professora da Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora e da Rede Estadual de Minas Gerais e pesquisadora do Grupo Interação, Sociedade e Educação (CNPq/UFJF). E-mail:<miriamfernandajf@yahoo.com.br>.

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