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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. Rev. vol.34  Belo Horizonte  2018  Epub 20-Set-2018

https://doi.org/10.1590/0102-4698197406 

Dossiê

PEDAGOGIA DA CRUELDADE: RACISMO E EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE NEGRA1

Nilma Lino Gomes1  *
http://orcid.org/0000-0002-0767-2008

Ana Amélia de Paula Laborne2  **
http://orcid.org/0000-0001-9689-6558

1Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte, MG, Brasil.

2Universidade Estadual de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte, MG, Brasil.


RESUMO:

A juventude negra é o foco central do artigo. Para compreendê-la buscou-se analisar a relação entre juventude, desigualdade, raça e racismo na conformação da situação de extermínio da juventude negra. O texto apresenta e discute dados estatísticos sobre homicídios da juventude negra e os interpreta à luz das discussões sobre a branquitude e o racismo. Compreendendo a violência como um fenômeno multicausal discute ainda o racismo como a macrocausa dessa situação, fruto da ideia de raça que se construiu desde os tempos coloniais no Brasil. Raça e racismo se tornaram ideias e práticas ainda mais complexas após a abolição da escravatura possibilitando a política de branqueamento. Elas fazem parte da estrutura de desigualdade vivida pela população negra brasileira. A análise também aponta o protagonismo da juventude negra na denúncia da situação de violência por ela vivida, indo além da ideia de extermínio e politizando-a como genocídio.

Palavras-chave: Juventude negra; Racismo; Extermínio; Educação; Violência

ABSTRACT

Black youth is the central focus of this article. To understand it, we sought to analyze the relationship between youth, inequality, race and racism in the conformation of black youth’s extermination. The text presents and discusses statistical data on homicides of black youth and interprets them in the light of the discussions on whiteness and racism. Understanding violence as a multi-causal phenomenon, this paper also discusses racism as the macro-cause of this situation, fruit of the idea of ​​race that was built since colonial times in Brazil. Race and racism became even more complex ideas and practices after the abolition of slavery making possible the racial whitening policy. They are part of the structure of inequality experienced by the Brazilian black population. The analysis also points out the protagonism of black youth in denouncing the situation of violence they experienced, going beyond the idea of extermination and politicizing it as genocide.

Keywords: Black youth; Racism; Extermination; Education; Violence

INTRODUÇÃO

(...) Por outro lado, a truculência é a única garantia do controle sobre territórios e corpos, e de corpos como territórios, e pelo outro, a pedagogia da crueldade é a estratégia de reprodução do sistema (SEGATO, 2014).

O direito à vida é o principal direito humano. Um Estado democrático deve zelar pelo direito à vida dos seus cidadãos e cidadãs. Por isso, qualquer tentativa de ruptura com a institucionalidade democrática deve ser fortemente combatida, pois ela infringe o direito à vida da população como um todo, em especial, os segmentos em maior situação de desigualdade e vulnerabilidade.

Na cultura popular o direito à vida é o primeiro direito. O direito ao trabalho é o direito ao viver. O espaço deve garantir o direito à vida. O direito à saúde é também o direito à vida. O povo tem consciência de que “se eu tenho garantido o direito de viver, sou cidadã, sou cidadão, sou ser humano”.

Porém, diante do acirramento da desigualdade no mundo e no Brasil cabe-nos perguntar: o direito à vida está sendo garantido? Lamentavelmente, sabemos que não. É um dos mais negados. Os dados dos Índices de Vulnerabilidade Juvenil, dos Atlas e Mapas da Violência nos mostram essa dura realidade. Os movimentos sociais, as ações coletivas, os grupos culturais progressistas têm amplamente denunciado nos fóruns políticos, marchas, passeatas, conferências, encontros e redes sociais o quanto o nosso presente tem sido ameaçado pela violência. A violência é a negação do direito à vida.

Importante compreender que quando se nega o espaço, o trabalho, a saúde, a terra, o alimento, a educação nega-se o direito à vida. A vida deveria ser o mais estruturante de todos os direitos, pois é um direito humano fundamental.

Esse artigo discute e analisa um tempo-espaço-ciclo crucial para a continuidade da nossa vida em sociedade: a juventude. Violar o direito à vida da nossa adolescência e juventude é condenar o nosso futuro à pena de morte.

Dentre o grande leque de abordagens sobre o direito à vida da juventude brasileira, tomarei como foco de análise as interrelações entre juventude e raça. Por isso, o sujeito principal das reflexões a seguir será a juventude negra.

Qual é a relação entre a garantida do direito à vida e a juventude negra? Como esse direito tem sido afetado pelo racismo? Será que a vida dos nossos jovens negros ao invés de ser garantida está sendo, na realidade, criminalizada? Há um extermínio da vida dessa juventude? Um genocídio? Quem luta para garantir o direito à vida dos nossos jovens negros? A educação se preocupa com essas questões?

O EXTERMÍNIO DOS JOVENS NEGROS: O QUE NOS FALAM OS DADOS ESTATÍSTICOS?

Os dados e as estatísticas sobre a situação de negação do direito à vida da juventude negra são alarmantes. Todos eles revelam o alto índice de letalidade que assola a nossa juventude de maneira geral e a negra, em particular.

Diante de dados tão assustadores perguntamos: o que se pode esperar de uma sociedade que expõe os seus jovens a um grau alarmante de violência? Que extermina os seus jovens? E, mais ainda, quando esse extermínio tem como recorte de crueldade o fato de a maioria desses jovens serem homens e negros? As ciências criminais serão capazes de nos ajudar a descriminalizar essa juventude e se contrapor ao seu extermínio? O sistema de justiça consegue, de fato, fazer justiça? A educação se preocupa com essa questão?

A justiça será capaz de condenar aqueles que são protagonistas desse extermínio? Os direitos humanos serão capazes de proteger esses jovens? O Estado assumirá sua função de proteger a vida dos jovens negros e condenar o seu extermínio? A escola, principalmente a pública, entenderá o seu papel de proteção à vida e não somente de ensinar matemática e português? De preparar para o ENEM? De ascensão social? Como falar de ascensão social em contextos escolares nos quais as salas de aula iniciam o ano com um determinado número de adolescentes e jovens vivos e terminam com a metade da turma morta em situações mais diversas de violência?

Em um dos meus encontros com organizações da juventude negra uma jovem me fez uma afirmação de muita lucidez e sofrimento para alguém com apenas 20 anos de idade. Segundo ela: ‘A vida do jovem negro não tem valor. Qualquer um pode nos matar. Somos um incômodo para essa sociedade. Somos vistos como extermináveis para a polícia, para o tráfico, para as milícias, para a classe média. Não podemos circular na cidade sem olhares de medo e reprovação. Isso não é vida.”

Essa afirmação está presente no nosso imaginário social e educacional. A nossa sociedade é capaz de produzir uma série de mecanismos que acobertam e garantem impunidade aos violentadores e aos agressores. E acusam os jovens negros, mesmo que eles não sejam culpados. A cor da pele, quanto mais escura, mais se torna uma marca que estigmatiza. A periferia e a favela como locais de moradia, são suficientes para que o extermínio seja decretado.

No nosso cotidiano é comum ouvirmos frases como: “bandido bom é bandido morto” “direitos humanos só servem para proteger criminosos”. “O ECA só serve para proteger a adolescência criminosa e violenta, por isso é preciso reduzir a maioridade penal”. “Negro parado é suspeito e correndo é ladrão”.

O estereótipo do suspeito número um e a imagem que amedronta a classe média é: o jovem negro da favela com alguma coisa na mão que sempre será interpretada pela polícia como arma ou droga, mesmo que seja somente um saquinho de pipoca. Como me disse um jovem negro militante: “No Brasil, a cor do medo é negra!”

Mas, como os próprios sujeitos, adolescentes e jovens negros, criminalizados e exterminados reagem e resistem e tentam libertar-se e emancipar-se dessa situação? A juventude negra tem publicizado a sua situação de violência. Essa denúncia tem alcançado diferentes fóruns e atores políticos que atuam em prol das questões juvenis, tais como, a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Encontro Nacional de Jovens Negros (ENJUNE), os coletivos negros partidários ou não, militantes orgânicos do Movimento Negro ou não e pesquisadores da temática da juventude. A pauta do extermínio da juventude negra vem se transformando de denúncia em luta por direitos.

Atualmente, o universo da cultura Hip-Hop (rappers, grafiteiros, DJ’s e MC’s) e o movimento da juventude negra e a juventude quilombola que antes eram os protagonistas quase isolados dessa denúncia não mais estão sós. O movimento pelos direitos humanos, defensores públicos, ministério público, a CPI da Câmara dos Deputados que investigou o assassinato de jovens negros e a CPI do Senado sobre assassinato de jovens, hoje, reconhecem a situação perversa de extermínio da juventude negra no Brasil. Uns assumem mais a situação e fazem coro com a juventude negra denunciando que a situação é mais do que extermínio. O número de homicídios e assassinatos apontam para uma situação de genocídio.

O termo genocídio, construído e politizado na militância negra e pela juventude negra, não é uma construção do momento atual. Ele foi ressignificado e ampliado, mas já se fazia presente na análise de Nascimento (1978) ao discutir e denunciar a história de violência imposta aos negros e negras durante e após o processo da escravidão.

Esse mesmo termo foi adotado pelo Senado Federal no relatório final da CPI Assassinato de Jovens. De acordo com Farias (2016):

Esta CPI, em consonância com os anseios do Movimento Negro, bem como com as conclusões de estudiosos e especialistas do tema, SF/16203.78871-55 34 assume aqui a expressão GENOCÍDIO DA POPULAÇÃO NEGRA como a que melhor se adequa à descrição da atual realidade em nosso país com relação ao assassinato dos jovens negros. O Brasil não pode conviver com um cotidiano tão perverso e ignominioso. Anualmente, milhares de vidas são ceifadas, milhares de família são desintegradas, milhares de mães perdem sua razão de viver. A hora é de repensarmos a ação do Estado, mais particularmente do aparato policial e jurídico, como forma de enfrentar essa questão. Para que em um futuro próximo tenhamos uma nação mais justa e igualitária onde as famílias, as mães e irmãos não tenham mais que chorar pela morte desses jovens (p. 33). (Grifos do autor).

O relatório da CPI da Câmara dos Deputados (2015) que investigou a violência contra jovens negros e pobres também ratificou a ideia de genocídio. O documento cita o prefácio de Fernandes (1978) à obra de Nascimento (1978). Nessa passagem, ao analisar sociologicamente a situação da população negra sob os efeitos da escravidão e do racismo institucional instaurado no Brasil pós-escravista, Florestan Fernandes concorda com as argumentações de Abdias do Nascimento e adota o termo genocídio.

há um genocídio institucionalizado, sistemático, embora silencioso. Aí não entra nem uma figura de retórica nem um jogo político. (...) A abolição, por si mesma, não pôs fim, mas agravou o genocídio; ela própria agravou o genocídio; ela própria intensificou-o nas áreas de vitalidade econômica, onde a mão-de-obra escrava ainda possuía utilidade. E, posteriormente, o negro foi condenado à periferia da sociedade de classes, como se não pertencesse à ordem legal. O que o expôs a um extermínio moral e cultural, que teve sequelas econômicas e demográficas (p. 21).

Se a interpretação sociológica e da militância negra da década de 1970 já permitia analisar a situação de violência sofrida pela população negra como genocídio, podemos imaginar o que os autores diriam se pudessem ter assistido como esse quadro se agravou com o passar dos anos e atingiu de forma ainda mais contundente a juventude negra.

Cerqueira, Lima e Bueno et al (2017), ao produzirem o Atlas da Violência (2017) relatam que: “de cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras. Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra” (p. 30).

A análise dos dados desvela uma realidade denunciada pelos movimentos da juventude negra e movimento negro brasileiros: a morte letal de jovens negros não é causada apenas devido ao fato de serem na sua maioria pobres e viverem em situação de maior vulnerabilidade. Ela é atravessada fortemente pela raça. Ou seja, ser negro é um determinante para que a violência incida com mais força sobre essa parcela da população. Essa constatação não é nada mais do que a afirmação da existência do racismo, mesmo tendo este sido considerado como um crime inafiançável e imprescritível, desde a Constituição Federal de 1988.

De fato, ao se analisar a evolução das taxas de homicídios considerando se o indivíduo era negro ou não, entre 2005 e 2015, verificamos dois cenários completamente distintos. Enquanto, neste período, houve um crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros, a mortalidade de indivíduos não negros diminuiu 12,2%. Ou seja, não apenas temos um triste legado histórico de discriminação pela cor da pele do indivíduo, mas, do ponto de vista da violência letal, temos uma ferida aberta que veio se agravando nos últimos anos (CERQUEIRA, LIMA e BUENO et al, 2017, p. 30).

Os estudos do Atlas da Violência (2017) também chegaram a uma conclusão que antes (e ainda hoje) era considerada por alguns setores como “ideológica” e não um dado real: mesmo com a melhoria das condições de vida da população devido as políticas realizadas no período de 2005 a 2015, a violência letal recai com maior incidência sobre o segmento negro da população. Essa constatação é muito séria, pois nos permite refletir o quanto as políticas de ações afirmativas voltadas para a população negra ainda não se enraizaram no interior das chamadas políticas universais. Ou seja, para superar o racismo e a desigualdade racial, as políticas sociais deverão, necessariamente, considerar os dados de raça/cor. Ao serem formuladas deverão ser aplicadas com a intencionalidade de corrigir desigualdades raciais que tornam ainda mais precárias a situação de pobreza, vulnerabilidade, fome e violência da população negra brasileira.

Há ainda um dado pouco estudado e analisado: as jovens mulheres negras e a violência. O Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2017 (BRASIL, 2017), ao trazer o recorte de gênero pela primeira vez, revela que as jovens negras com idade entre 15 e 29 anos têm 2,19 vezes mais chances de serem assassinadas no Brasil do que as brancas na mesma faixa etária.2 No mesmo sentido, o Atlas da Violência (2017) mostrou que entre 2005 e 2015 a taxa de homicídios de mulheres brancas teve redução de 7,4%, enquanto a taxa de mortalidade de mulheres negras aumentou 22%.

O recorte de gênero ajuda a visualizar a distribuição da violência que recai sobre a mulher negra, sobretudo as jovens, e nos permite, inclusive, indagar sobre a incidência do feminicídio negro juvenil nos dados levantados. Essa é uma questão que ainda precisa ser devidamente considerada pelas pesquisas e pelo movimento feminista.

No topo da desigualdade entre as taxas de homicídio estão o Rio Grande do Norte, onde as jovens negras morrem 8,11 vezes mais do que as jovens brancas, e o Amazonas, cujo risco relativo é de 6,97 (o risco relativo é a variável que considera as diferenças de mortalidade entre brancos e negros).

Em terceiro lugar aparece a Paraíba, onde a chance de uma jovem negra ser assassinada é 5,65 vezes maior do que a de uma jovem branca. Em quarto lugar vem o Distrito Federal, com risco relativo de 4,72.

Nos estados de Alagoas e Roraima não foi possível calcular a razão entre as duas taxas por não ter sido registrado nenhum homicídio de mulher branca nessa faixa etária (15 a 29 anos) em 2015. As taxas de mortalidade entre jovens negras nesses estados, no entanto, foram altas: 10,7 e 9,5 mortes por 100 mil habitantes, respectivamente (BRASIL, 2017, p. 40).

As desigualdades constatadas pelo Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência evidenciam a perversa articulação entre vulnerabilidade social, desigualdade regional, racismo, gênero e raça.

Negros e negras sofrem enormes disparidades em diversos setores da vida social. No mercado de trabalho dados recentes divulgados pelo IBGE mostram que negros ganham 59% dos rendimentos de brancos. Além disso, representam 70% da população que vive em situação de extrema pobreza, concentram maiores taxas de analfabetismo do que brancos - 11% entre negros e 5% entre brancos - (PNAD, 2016), além de constituírem mais de 61% da população encarcerada (DEPEN, 2014), embora representem 54% da população (IBGE). Ou seja, as disparidades e violência ultrapassam o ciclo da juventude. Estão presentes ao longo da vida da população negra. E, considerando a juventude como um ciclo importante na trajetória social e identitária da nossa sociedade é grave a sentença de morte que a perversa articulação entre racismo e vulnerabilidade social impõe a essa parcela da população que, antes, deveria ser muito mais cuidada pela sociedade, Estado e mundo adulto.

No entanto, é frustrante a conclusão do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência sobre o assunto. Ela apenas sinaliza para a necessidade de políticas de ações afirmativas. Não aponta algum caminho possível para a superação do quadro. E não anuncia nenhum tipo de responsabilidade do Estado diante do quadro alarmante de violência que atinge jovens negros e negras.

Se diante do contexto apresentado os dados aqui expostos não trazem grandes novidades, à exceção do enfoque conjunto entre raça e gênero, ao menos constituem novas evidências empíricas das desvantagens cumulativas a que está exposta a população negra no Brasil. Assumir que a violência letal está fortemente endereçada à população negra e que este é um componente que se associa a uma série de desigualdades socioeconômicas é o primeiro passo para o desenvolvimento de políticas públicas focalizadas e ações afirmativas que sejam capazes de dirimir essas iniquidades. (BRASIL, 2017, p. 47)3.

Essa argumentação frágil em torno da constatação da gravidade da situação reforça a tese defendida por vários grupos dos movimentos juvenis que denunciam que estamos diante de algo maior do que o extermínio fortalecendo a tese do genocídio da juventude negra. Tese esta que tem o poder de indagar o Estado e a sua visão eufemística diante de um quadro tão grave. Assumir, de fato, a seriedade do que está acontecendo implica ao Estado, a justiça e demais instituições envolvidas ir além da indicação da necessidade de políticas públicas de ações afirmativas. Elas precisam ser acompanhadas de ações práticas. É importante reconhecer que as políticas de ações afirmativas só terão eficácia se acompanhadas de efetivo montante de recursos públicos, de articulação interministerial e interinstitucional, da superação da impunidade aos atos violentos praticados contra a juventude negra pela política, milícia, tráfico e pelos autointitulados cidadãos “de bem” que se julgam no direito de matar jovens negros pela simples suspeita de um ato infracional sem provas. Implicará, também, na urgente articulação e coparticipação entre União, Estados, municípios e DF, na revisão da política nacional de segurança pública, na desmilitarização das polícias e um posicionamento democrático do sistema de justiça e do Congresso Nacional.

Mais um outro fator deve ser considerado. Ainda não conseguimos, até o momento, avançar numa questão importante e que está intrinsecamente relacionada com as mortes letais da população, sobretudo a pobre, negra e jovem: o auto de resistência. Em caso de resistência à prisão, o Código de Processo Penal autoriza o uso de quaisquer meios para que o policial se defenda ou vença a resistência. Determina também que seja lavrado um auto, assinado por duas testemunhas - o auto de resistência. Muitas vezes, tais registros escondem execuções em “confrontos” que nunca aconteceram, mas o policial afirma ter atirado para se defender.

Há uma movimentação histórica de alguns parlamentares na Câmara dos Deputados, defensores dos direitos humanos e de entidades dos movimentos sociais na denúncia do caráter preconceituoso e racista que se esconde por trás do auto de resistência. Quando se quer desviar o foco da questão, o que é feito constantemente, apela-se para a discussão sobre segurança e a vida dos policiais e não se debate que, num Estado democrático de direito, a existência da polícia militar é um legado da ditadura, no Brasil. Teoricamente, ela existe para dar segurança ao cidadão, mas as práticas (denunciadas dos cidadãos, de familiares das vítimas, testemunhas oculares, registro de flagrantes por câmeras de segurança ou filmados por moradores e denúncias dos órgãos da justiça) têm nos mostrado que, em muitas situações, ela serve mais para ameaçá-lo de morte e executá-lo em nome de uma suposta segurança pública.4

Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que, entre 2009 e 2013, as polícias brasileiras mataram 11.197 pessoas em casos listados como autos de resistência - seis mortes por dia, sabendo que o total é subnotificado, icos para o problema.

pois alguns Estados não repassaram dados ao FBSP.

O relatório final da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens (FARIAS, 2016) cita a pesquisa do sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Michel Misse, realizada em 2005, no Rio de Janeiro, indicando que, entre os inquéritos de autos de resistência, 99,2% foram arquivados ou nunca chegaram à fase de denúncia. A juventude negra está dentro desse quadro.

ALGUMAS INICIATIVAS DE ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA

O extermínio da juventude negra se tornou uma questão social tão séria que os governos são instados a apresentar medidas e políticas para superação desse quadro. Em nível federal, tivemos no período de 2014 e 2015, o Plano Juventude Viva, coordenado pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). O Plano reuniu ações de prevenção para reduzir a vulnerabilidade de jovens negros sujeitos a situações de violência física e simbólica, a partir da criação de oportunidades de inclusão social e autonomia para os jovens entre 15 e 29 anos.

Esse plano priorizou 142 municípios brasileiros, distribuídos em 26 estados e no Distrito Federal, que em 2010 concentravam 70% dos homicídios contra jovens negros. A relação incluía as capitais de todos os estados brasileiros. Foram 11 ministérios envolvidos. Juntos, eles articularam ações de 44 programas em 96 municípios, todos em prol na redução da vulnerabilidade dos jovens em situações de violência física e simbólica, a partir da criação de oportunidades de inclusão social e autonomia; da oferta de equipamentos, serviços públicos e espaços de convivência em territórios que concentram altos índices de homicídio; e do aprimoramento da atuação do Estado por meio do enfrentamento ao racismo institucional e da sensibilização de agentes públicos para o problema.5

Essa e outras ações do poder público em nível federal, estadual, municipal e distrital sempre desencadearam discussões sobre quais seriam as causas e as consequências da situação de violência e extermínio que assola os jovens negros. Mas não chegaram a uma conclusão comum.

Organismos internacionais têm se posicionado diante dessa situação, bem como algumas personalidades do meio artístico. No dia 07 de novembro de 2017, a Organização das Nações Unidas (ONU), no Brasil, lançou a campanha “Vidas Negras”, pelo fim da violência contra jovens negros.

A iniciativa envolveu os 26 organismos da Equipe de País da ONU e vinculou-se à Década Internacional de Afrodescendentes com o objetivo de sensibilizar sociedade, gestores públicos, sistema de Justiça, setor privado e movimentos sociais a respeito da importância de políticas de prevenção e enfrentamento da discriminação racial.

Ao lançar a campanha, a ONU considera o racismo como uma das principais causas históricas da situação de violência e letalidade a que a população negra está submetida. E para endossar a posição do órgão, foram apresentados os dados do Mapa da Violência.

Mesmo com o posicionamento de organismos internacionais, as ações em nível do Estado, no Brasil, ainda são tímidas. Tem sido muito mais enfática a consciência social e política, a publicização dos dados sobre violência e vulnerabilidade com recorte raça/cor por órgãos e institutos de pesquisa e a denúncia dos mais diversos movimentos e ações coletivas da juventude negra. Estes últimos podem ser visualizados pela leitura das páginas no facebook e canais do Youtube protagonizados por jovens negros e negras contendo as suas próprias análises e declarações, a fim de informar e esclarecer a juventude e população em geral sobre a agravante situação de violência.

Existem também formas diversas de estímulo e afirmação da identidade negra juvenil quer seja por meio de encontros e debates nacionais, tais como o Encontro Nacional da Juventude Negra (ENJUNE), de eventos auto-organizados como as Marchas do Orgulho Crespo e o Movimento Encrespa, além de passeatas em vários lugares do país, nos quais os jovens denunciam a situação da juventude negra, sempre nomeando-a como genocídio.

É possível dizer que, nos últimos anos, tem aumentado a consciência política sobre a situação de extermínio da juventude negra. Além da denúncia, a vontade política e jurídica de alguns setores em conhecer as causas desse extermínio vem sendo despertada. Dentre as causas mais citadas teríamos: a violência urbana, a pobreza e a vulnerabilidade social, o tráfico, a ausência de uma política democrática de segurança. Somado a elas existiria, ainda, toda uma situação de falta de acesso à educação escolar, a ausência de equipamentos públicos de lazer nos bairros pobres, vilas e favelas, baixa ou pouca inserção no mercado de trabalho de maneira digna, pouco acesso aos bens culturais, disputa entre os próprios jovens resultando em morte por armas de fogo.

No roll das causas apontadas estariam ainda o frágil sistema de segurança pública no Brasil, os impedimentos constitucionais para que a União possa atuar mais fortemente junto aos Estados com ações eficazes de segurança pública debatida com a comunidade, os autos de resistência, a impunidade policial, a impunidade dos traficantes.

Observando o conjunto das causas em grandes categorias podemos agrupá-las em: sociais, educacionais, culturais, institucionais, de desigualdade e pobreza. Mas fica sempre a pergunta: essas são, de fato, as causas do extermínio da juventude negra? Não há mais alguma outra que a sociedade e o Estado insistem em omitir?

AFINAL, QUAIS SERÃO AS CAUSAS DO EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE NEGRA?

Todas as causas apontadas anteriormente contribuem para o extermínio da juventude negra. Ele é um fenômeno multicausal. Mas, existe uma macrocausa que gera toda a violência que se volta contra essa juventude e que não tem sido discutida pelas políticas públicas e nem tem sido analisada com profundidade pelas ciências sociais e humanas, com destaque para o campo da educação: o racismo.

De acordo com o relatório da CPI da Câmara dos Deputados (2015) que investigou a violência contra jovens negros e pobres: “a vergonhosa quantidade de mortes dos afrodescendentes é o sintoma mais agudo de uma patologia social que sangra a dignidade brasileira, o racismo. Tal qual o mito da cordialidade, a ideia de que o nosso País vive uma democracia racial não resiste a uma análise séria” (p.18).

A campanha Vidas Negras: pelo fim da violência contra a juventude negra no Brasil (ONU/BR) assumiu publicamente que o racismo é a macrocausa do extermínio da juventude negra. Em relação a situação dos jovens negros apontada pelos dados oficiais a campanha defende que: “esta morte precisa ser evitada e, para isso, é necessário que Estado e sociedade se comprometam com o fim do racismo - elemento chave na definição do perfil das vítimas da violência”.

De acordo com a ONU, a pesquisa realizada pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e pelo Senado Federal, revela que 56% da população brasileira concorda com a afirmação de que “a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco”. O dado revela como os brasileiros têm sido indiferentes a um problema que deveria ser de todos.

Ainda segundo a ONU/BR, o Brasil está entre os 193 países que se comprometeram com a agenda 2030 de desenvolvimento sustentável, tomando a decisão de não deixar ninguém para trás. “Se o racismo tem deixado os jovens negros para trás, ele precisa ser enfrentado”, defende a campanha. “Vidas Negras” é mais do que uma campanha, segundo a ONU/BR. Ela objetiva convidar aos brasileiros e brasileiras a entrar nesse debate e promover e apoiar ações contra a violência racial. Artistas negros e negras de renome nacional foram convidados a gravar peças publicitárias e o site da organização dá orientações, apresenta dados, vídeos e discussões sobre a temática. As peças publicitárias circularam na mídia convencional e nas redes sociais. Foi um momento importante de conscientização da população sobre a problemática da violência que assola a juventude e uma denúncia ao racismo que faz com que a violência se intensifique para os jovens negros levando-os à situação de extermínio.

A MACROCAUSA DO EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE NEGRA

O extermínio da juventude negra está envolto em uma causa perversa que permeia todas as outras aqui discutidas, a saber, o racismo que persiste em nossa sociedade desde os tempos coloniais. Essa perversidade se esconde na sua suposta invisibilidade, visto que, uma das artimanhas do racismo, no Brasil, é se esconder. Ora ele se esconde atrás da questão de classe, ora do Estado, ora da vulnerabilidade, ora da pobreza. Um racismo estrutural, estruturante e ambíguo. A sua principal característica, é a sua capacidade de se afirmar através da sua própria negação.

De acordo com Borges Pereira (1996):

(...) Dentre tantas outras características do modelo racial brasileiro - características que o definem e não permitem que seja comparado com outros que o mundo conhece - a ambiguidade é uma delas. Combatê-la, sim. Estigmatizá-la não conduz a lugar algum. Ignorá-la, também não. A ambiguidade é o dado de uma realidade desafiadora e movediça, plena de meios-tons, e como dado deve ser tratada (p.75).

A ambiguidade do racismo brasileiro permite que o mesmo turve a nossa visão. E nos faça focar em outros fenômenos como causas do trato desigual, criminoso e violento da população negra que a impede de usufruir de direitos e justiça social. Na medida em que os nossos olhos se desfocam do racismo como a macrocausa de uma grande maioria dos nossos problemas sociais, as soluções apresentadas nunca atingem, de fato, o problema real.

O racismo não é uma mera consequência da violência que assola a juventude negra brasileira. Ele também não é um epifenômeno da questão de classe ou somente uma questão do Estado. O racismo é violento e produz violência. Uma violência que incide sobre determinados sujeitos, portadores de sinais diacríticos específicos, frutos de uma ancestralidade negra e africana. No imaginário sociorracial, aos portadores desses sinais soma-se tudo de negativo que a violência racista construiu no contexto das relações de poder, na luta de classes, na desigualdade de gênero e sexual.

Para Munanga (1996), “o racismo brasileiro na sua estratégia age sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz; é ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente em seus objetivos” (p. 215).

Imbricado historicamente nas relações de poder, reeditado e acirrado pelo sistema capitalista, o racismo beneficia-se dos efeitos psicológicos que consegue produzir, principalmente, nas elites e na classe média. Um deles é o medo. As classes detentoras do poder econômico, político e midiático induzem grande parte da sociedade por meio dos meios de comunicação em massa, das igrejas fundamentalistas, dos seus representantes no Congresso Nacional, a se sentirem vítimas de determinados coletivos sociais diversos, ou seja, daqueles que foram ensinados a temer: os negros, os pobres, a população LGBT, os Sem Teto, os Sem Terra, entre outros. A esses coletivos são imputados todo tipo de crime, violência e distorção justificando os próprios atos de violência e a injustiça a eles dirigidos. E nessa neurose coletiva, parte da grande massa populacional brasileira passa a projetar no outro, no seu igual, um sentimento de medo que, na realidade, é o medo de si mesma.

Como argumenta Bento (2002):

Assim, o medo e a projeção podem estar na gênese de processos de estigmatização de grupos que visam legitimar a perpetuação das desigualdades, a elaboração de políticas institucionais de exclusão e até de genocídio. Adorno e Horkheimer (1985) destacam que os mais poderosos impérios sempre consideraram o vizinho mais fraco como uma ameaça insuportável, antes de cair sobre eles. Afirmam que o desejo obstinado de matar engendra a vítima; dessa forma ela se torna o perseguidor que força a legítima defesa (p. 35).

Nesse contexto, a branquitude, associada ao racismo, as desigualdades sociais e as relações de poder são combustíveis potentes para o acirramento da violência racista.

De acordo com Schucman e Cardoso (2014):

A branquitude significa pertença étnico-racial atribuída ao branco. Podemos entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia racial, um poder de classificar os outros como não-brancos, dessa forma, significa ser menos do que ele. Ser branco se expressa na corporeidade, isto é, a brancura e vai além do fenótipo. Ser branco consiste em ser proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais (p. 05).

Guerreiro Ramos (1957), ao afirmar que o “problema do negro brasileiro” seria, na verdade, uma “patologia do branco”, nos alerta para os elementos da branquitude que vão embasar o trato da questão racial no Brasil. Segundo o autor, uma visão exótica da população negra construída a partir dos estudos anteriores à década de 1950 contribuiu para que os negros se tornassem tema a ser pesquisado pelos especialistas. Ao refletir sobre a questão do negro a partir de sua própria experiência vital, reafirmando sua identidade negra, Guerreiro Ramos propõe que uma sociologia autenticamente nacional poderia romper com essa perspectiva que enfoca o “negro tema”, analisando o “negro vida” e rompendo com uma visão eurocêntrica e homogeneizante da população negra no Brasil. (RAMOS, 1957, p. 128)

Assim, o problema do negro só existe quando acreditamos que a sociedade deveria ser composta por brancos. O negro é visto como problema porque o branco é a norma, o ideal a ser perseguido em nossa sociedade. Ramos (1957) aponta o caráter patológico da psicologia coletiva brasileira diante da adoção desse padrão estético branco em uma sociedade composta majoritariamente por negros e mestiços.

A adolescência e a juventude negra e pobres, faveladas, com a sua cor, suas roupas, sua linguagem, seu destemor, sua possibilidade de circulação no espaço urbano (mesmo com as insistentes tentativas de segregação racial nos territórios) se configuram nessa produção histórica da branquitude e do medo como coletivos ameaçadores. Esses mesmos coletivos confrontam corajosamente a violência. Uma das formas de enfrentamento tem sido o universo da cultura, da música, da arte, como por exemplo, a Cultura Hip Hop.

Souza (2016), ao estudar o movimento Hip Hop em Florianópolis afirma:

A grande parte destas populações se encontra em espaços urbanos de grandes cidades e sobre estes espaços dão formas as suas manifestações. Estes são espaços urbanos renegados ou esquecidos na cidade, mas que produzem formas de visibilidade, nem sempre aceitas e, muitas vezes, marginalizadas. E nessa conturbação urbana situo mais um dos tantos paradoxos que fazem parte do Movimento Hip Hop, ou seja, são em bairros e espaços da cidade em que a violência e a pobreza são mais atuantes que manifestações artísticas, dentro dessa Cultura Hip Hop, vão surgir para mudar a própria cidade nas quais estes espaços se encontram. Estes espaços não só passam a ser visibilizados, mas mudam a forma de visibilização dos mesmos (p. 103).

A análise da autora pode ser ampliada para interpretar a movimentação, as formas de contestação e circulação juvenil e negra em outros contextos urbanos brasileiros. Além do Hip Hop poderíamos citar muitas outras expressões de resistência dessa juventude: o funk, o charme, o pagode e os bailes blacks que aos poucos vão sendo retomados de forma ressignificada.

Se o negro de um modo geral é visto pelos poderes instalados e eivados de branquitude como ameaça, exterminá-lo também pode significar impedir a continuidade de toda uma geração e uma raça considerada inferior. Ativistas do Movimento Negro têm alertado para as novas formas de eugenia do século XXI já que o projeto de branqueamento da nação pós-abolição foi frustrado e a imigração europeia do século XIX e início do XX não conseguiu fazer com que o projeto de uma nação branca desejado pelas elites políticas, intelectuais e econômicas do pós-abolição se concretizasse.

De acordo com Pereira (2008):

(...) As estatísticas expressam em número e percentuais a preocupação que perpassava pelos políticos e intelectuais da época: havia um “perigoso” equilíbrio entre o contingente branco e o não branco na população brasileira. Deixar que esse desequilíbrio se rompesse a favor do segmento branco por meio da reprodução natural da população era aguardar um processo histórico-biológico longo e de resultados imprevisíveis, talvez indesejados. As teses a favor da imigração de povos ideais brancos, latinos e católicos, que iriam, rapidamente, fazer a balança pender para o lado dos brancos, perpassavam toda a retórica da época (...) (p. 278).

Em um evento, uma mulher negra e militante do movimento dos povos e comunidades tradicionais disse para o público: “Ser mãe de um jovem negro, hoje, é uma operação de alto risco. Enquanto a mãe branca de classe média diz ao seu filho para levar o agasalho quando este sai no sábado à noite, nós, mulheres e mães negras, dizemos aos nossos filhos: cuidado com a polícia, se for parado não responda com grosseria, leve os documentos sempre, não ande sozinho.”

Nesse mesmo evento outra mulher negra e mãe disse: “O extermínio da juventude negra é uma nova forma de eugenia. Matam-se os jovens, homens, negros e pobres e assim inviabilizam que mais crianças negras venham a nascer.”

Compreender o extermínio da juventude negra levando em conta os processos de dominação, a política de branqueamento e a mestiçagem que se instauraram no Brasil pós-abolição é um estudo que precisa ser feito com mais profundidade. E também é preciso compreender como o mito da democracia racial na sua forma perversa de se arraigar nas mentes e corações consegue, inclusive, atenuar a crueldade dessa situação amplamente atestada pelas pesquisas oficiais e denunciada pelos movimentos sociais. Tudo isso se torna ainda mais complexo no contexto das desigualdades socioeconômicas e com o acirramento do capitalismo que acarretam ainda mais violência e medo. Essa realidade merece análises muito mais densas do que aquelas que comumente são feitas pelo campo educacional quando se discute e investiga a juventude e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Sobre a ausência do aprofundamento da discussão sobre a juventude e a EJA populares e negras na produção teórica educacional Arroyo (2017) lança uma série de indagações. O autor questiona até que ponto ao estudarmos os jovens e os adultos das periferias urbanas, a condição juvenil, a cultura, as desigualdades, os encarceramentos e os dados sobre o extermínio da juventude negra e pobre, em uma perspectiva crítica, compreendemos o quanto esses sujeitos vivem tempos de uma nova segregação social-racial. Essa segregação afeta, principalmente, a juventude popular. Indo mais a fundo, o autor questiona até que ponto esse tipo de análise tem discutido que estamos diante da juventude do medo. Segundo ele, os coletivos de educadores e educandos populares devem garantir espaços-tempos nas áreas do conhecimento ou em temas de estudo para compreender não somente o que dizem os dados estatísticos. É preciso entender que estamos diante de uma situação perversa: a produção de um medo mais radical que afeta a nossa juventude:

“perder a vida por ser jovem, por ser negro, pobre, periférico. É o medo mais radical. A cor do medo é negra. O primeiro direito humano, o direito à vida, está ameaçado. Será conveniente ampliar essa condição de juventude do medo. Não só a extermínios, mas a ter de viver o direito à vida ameaçado pelo desemprego, subemprego, pela instabilidade e precarização de seus trabalhos, pela precarização dos espaços de seu viver: sem teto, sem transporte, sem-terra, sem serviços públicos de saúde e educação. Viver uma vida tão precária, sem horizonte, sem prazo é ser obrigado a viver na insegurança, no medo (ARROYO, 2017, p. 236-237).

Compreender a juventude do medo, como afirma o autor, exige do campo educacional o entendimento da articulação entre os aspectos históricos, sociais e raciais presentes na vida da juventude negra. Só assim compreenderemos a radicalidade da afirmação categórica do jovem militante negro durante o debate desencadeado após uma conferência. “No Brasil, a cor do medo é negra!”

Segundo Bento (2002), esse sentimento do medo associado à população negra vem de longe. Ele tem uma relação estreita com os processos de branquitude e racismo.

Esse medo assola o Brasil no período próximo à Abolição da Escravatura. Uma enorme massa de negros libertos invade as ruas do país, e tanto eles como a elite sabiam que a condição miserável dessa massa de negros era fruto da apropriação indébita (para sermos elegantes), da violência física e simbólica durante quase quatro séculos, por parte dessa elite. É possível imaginar o pânico e o terror da elite que investe, então, nas políticas de imigração europeia, na exclusão total dessa massa do processo de industrialização que nascia e no confinamento psiquiátrico e carcerário dos negros (p. 35-36).

Em sua obra Onda negra, medo branco (1987), Célia Marinho de Azevedo já nos apresentava como o ideal do branqueamento nasce do medo e como esse sentimento está na essência do preconceito e da representação que é feita da população negra. Foi justamente esse medo que potencializou uma política de imigração europeia por parte do Estado brasileiro, uma forma encontrada à época pela elite branca para resolver o problema de um país majoritariamente não-branco.

É importante, então, compreender que a violência que incide sobre a juventude negra tem raízes históricas mais profundas. Quanto mais desiguais os sujeitos se encontram na vida social, mais o medo do outro, do diferente é produzido naqueles e por aqueles que ocupam o topo das relações de poder. Quanto mais se luta por justiça social e igualdade e os segmentos discriminados conseguem algum tipo de mobilidade social e melhoria de condições econômicas e de vida, mais as elites têm medo de que eles se aproximem. E, ainda, que passem a almejar e disputar, em condições de maior igualdade, os lugares dos quais foram historicamente excluídos.

Talvez aqui esteja uma das possíveis explicações do aumento da violência contra a população negra, sobretudo a juvenil: a paulatina mudança na situação de desigualdade multidimensional sofrida pela população negra, no período de 2002 a 2015, possibilitando a ampliação do acesso e oportunidades. Contudo, como aponta (CERQUEIRA, LIMA, BUENO et al):

Os dados mais recentes da violência letal apontam para um quadro que não é novidade, mas que merece ser enfatizado: apesar do avanço em indicadores socioeconômicos e da melhoria das condições de vida da população entre 2005 e 2015, continuamos uma nação extremamente desigual, que não consegue garantir a vida para parcelas significativas da população, em especial à população negra (p. 33).

Esse período merece ser analisado sob o prisma das questões colocadas por Bento (2002), ou seja, as dimensões psicossociais do racismo no contexto da branquitude e do branqueamento. As políticas de igualdade racial desenvolvidas pelo governo federal, de 2003 a 2016, e as ações afirmativas consideradas constitucionais, em 2012, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) causaram uma inflexão no acesso da população negra a setores antes por ela pouco ocupados: universidade e concursos públicos. Além disso, o clima das ações afirmativas explicitou as tensões sobre as diferentes interpretações sobre raça, quem é negro e quem é branco, no Brasil, contribuiu para a visibilidade da luta quilombola pelos seus territórios, visibilizou a questão do direito à regulamentação dos territórios quilombolas por meio do decreto 4887/03, publicizou os atos de intolerância/violência religiosa praticados contra as comunidades e povos tradicionais e de terreiro, ou seja, o universo mítico-religioso afro-brasileiro.

Foi um contexto em que os negros e as negras e as suas demandas ganharam maior visibilidade pública e política. A juventude negra passou a circular em espaços que antes lhes eram interditados, a consciência racial e periférica assumiu novos contornos e um perfil mais indagador e de denúncia. Os corpos negros da juventude passaram a ocupar espaços com uma estética afirmativa, via valorização dos cabelos crespos e a presença de uma estética da periferia que passa a ser mais valorizada.6 Os poderes instaurados e a branquitude foram desafiados. As elites econômicas, políticas, midiáticas e fundamentalistas religiosas no poder se sentiram terrivelmente ameaçadas.

A juventude negra também passou a se movimentar em espaços considerados pelas elites e classes médias brancas como parte da sua propriedade privada (aeroportos, shoppings, universidades, restaurantes, lojas, livrarias, shows e espaços culturais). Para uma sociedade que ainda cultiva o imaginário escravagista, LGBTfóbica, machista e capitalista esse tipo de convivência tornou-se insuportável, mesmo que ainda fosse em condições desiguais.

Do ponto de vista psicossocial, o medo e a projeção apontados por Bento (2002) recrudesceram e a violência aumentou. No imaginário social e racial brasileiro ainda é proibido ao sujeito considerado como suspeito número um, como “elemento perigoso”, sair do seu lugar e invadir outros territórios.

As instituições do Estado, que historicamente têm o seu alto escalão ocupado por uma classe média e elite medrosas e rancorosas, liberaram e autorizaram a violência, através da força do principal braço armado do Estado, ou seja, a polícia. Além disso, parte do sistema de justiça não se posiciona favorável aos jovens negros como vítimas, mas, sim como vilões. O legislativo, mesmo que em nível federal tenha sido realizada a CPI que investigou o assassinato de jovens negros, se faz representado majoritariamente pelos setores conservadores, capitalistas, militares, ruralistas e fundamentalistas que justificam o uso da violência proferindo o discurso de que é preciso garantir a segurança pública da população, para as “pessoas de bem”.7

A população pobre e majoritariamente negra (preta e parda) se vê encurralada pela desigualdade, milícia, polícia, tráfico, racismo. As armas chegam às periferias na mesma velocidade em que chegam as drogas. As balas perdidas se multiplicam.

Essa ebulição só produz mais violência e morte. E os jovens negros e pobres se tornam as principais vítimas. Os dados estatísticos apresentados no início desse artigo não nos deixam negar. A situação é dramática: eles são exterminados pelo Estado e pelos diferentes grupos de disputas de poder no asfalto e no morro. Situação essa, que leva a uma parcela dessa juventude a também matar uns aos outros. São vítimas se matando entre si. A autoexterminação é um dos produtos de uma situação da perversa articulação entre desigualdade, racismo e violência estruturais que não foi inventada por eles.

Mas a juventude negra está atenta à sua própria situação. E sabe muito bem interpretar a complexidade e a perversa articulação entre raça e classe na construção de desigualdades sociorraciais que aprofundam o seu extermínio. Entendem como os jovens negros são vistos no contexto do racismo e da ótica do capital. Compreendem que, além da ideia de serem considerados como seres perigosos e suspeitos provocando medo e a repulsa, os jovens negros, principalmente os homens, são vistos como inúteis e descartáveis pela lógica do capital. A soma dessa visão negativa, estereotipada e racista resulta em uma coisa só: extermínio. E, na interpretação dos movimentos juvenis e do Movimento Negro: genocídio. Como alerta o historiador e Integrante do Núcleo Cultural Força Ativa e ativista do movimento Hip-Hop, Goes (2008):

A cidade agora está se “fabricalizando” (FERRARI, 2005) e uma quantidade de jovens que não está no processo de produção, do ponto de vista do capital, tem de ser exterminada. Somos vistos sob a ótica do capital como inúteis e supérfluos e isso se materializa, também, por meio do Estado. Por isso, nos destroem por meio da venda de drogas, dizimando a nossa população, argumentando que estão combatendo o tráfico de drogas; nos exterminam por meio da fome e das doenças e resgatam os cienticifismos lombrosianos de Nina Rodrigues (BENEDITO, 2005), reproduzidos nos programas televisivos que dizem que temos má índole, difundindo ideologias, afirmando que fazemos parte de um grupo populacional denominado de “sub-raça”, que não temos História, dentre outras argumentações usadas para justificar a destruição daqueles que não valem nada para o capital. Essa é uma das questões que precisamos atentar: o Estado está nos dizimando. Em nossa atualidade, após as mudanças do mundo do trabalho, isto é, com a ofensiva do capital: as pessoas do mundo inteiro tornaram-se inúteis. É por isso que a classe dominante cria essas políticas de genocídio (p.24).

SUPERAR O RACISMO: NOSSO GRANDE DESAFIO

O racismo é estruturante dos padrões capitalistas de apropriação/expropriação do trabalho, da terra e do conhecimento. E precisa ser superado. Ele se dá nas relações pessoais, nas instituições, está arraigado em nosso imaginário, práticas e nas estruturas sociais.

O grande salto está em compreender que o racismo precisa ser entendido como a principal causa do extermínio da juventude negra. Se a violência contra essa juventude é multicausal, então, reafirmamos que o racismo é a macrocausa dessa violência. Ele é por si só violento. Inspira outras formas de violência, mas não se origina da violência socioeconômica ou do Estado. Como foi discutido nesse artigo, ele é anterior a eles. No Brasil, suas raízes datam do processo de invasão colonial, no século XVI, com a invenção da ideia de raça nas Américas (GOMES, 2012).

Segundo QUIJANO (2005), a ideia de raça, em seu sentido moderno, não era conhecida antes do Descobrimento da América. Talvez ela tenha se originado como referência as diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados, mas desde muito cedo foi construída como referência a supostas estruturas biológicas diferenciais entre esses grupos. A formação das relações sociais fundadas na ideia de raça produziu nas Américas novas identidades sociais - índios, negros, mestiços -, bem como redefiniu outras. Aquilo que era considerado identidade pautada em procedência geográfica ou país de origem, tal como espanhol, português e, posteriormente, europeu, passou também a adquirir, em relação a essas novas identidades, uma conotação racial. Na medida em que as relações sociais que se configuravam eram de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias, aos lugares e aos papéis sociais correspondentes, como se deles fossem constitutivas, e, por conseguinte, ao padrão de dominação que se impunha.

De acordo com o autor, a posterior constituição da Europa com uma nova identidade, depois do seu contato com as Américas, e a expansão do colonialismo europeu ao restante do mundo possibilitaram a elaboração de uma perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela veio, também, a elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não europeus. Isso significou, historicamente, a reelaboração e a legitimação das antigas formas, noções e práticas de relações de superioridade e inferioridade já existentes entre dominantes e dominados, antes mesmo da exploração colonial da América.

A ideia de raça passou por esse complexo processo e se tornou um potente instrumento de dominação social universal, pois dela passou a depender outro igualmente universal e mais antigo: o gênero. Os traços fenotípicos foram associados as questões de ordem cultural, mental e sexual. Nesse sentido, “a raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade. Em outras palavras, no modo básico de classificação social universal da população mundial” (QUIJANO, 2005, p. 230).

A campanha da Rede de Mulheres Negras da Bahia ao se posicionar contra o extermínio da juventude negra adotou como lema: “Parem de nos matar!” Esse apelo não significa parem de nos matar porque somos pobres. E nem parem de nos matar porque moramos nas vilas e favelas. A denúncia é: - parem de nos matar porque somos jovens negros.

O que isso quer dizer? Que os jovens negros trazem na corporeidade as características de uma raça ainda vista como inferior, violenta, perigosa. Se estiverem caminhando ou parados segurando o que quer que seja nas mãos, quer seja uma lata de óleo ou um cano para consertar um carro, se estiverem voltando da universidade ou de um baile funk, se estiverem conduzindo o seu próprio carro ou carregando o seu filho fruto de um casamento interracial em um supermercado, eles sempre serão considerados no imaginário social violento e racista como suspeitos número um. E serão vítimas de abordagem policial violenta, terão seus direitos como cidadãos negados, correm o risco de serem assassinados. Eles têm a cor do medo.

Podemos nos perguntar: o que os jovens negros esperam dos órgãos de justiça? E da escola? Esperam ser reconhecidos, considerados e tratados como cidadãos e cidadãs de direitos. Os jovens negros esperam que seja feito, de fato, justiça às suas denúncias e causas, superando tantas injustiças históricas que os segregam assim como segregaram os nossos antepassados.

FINALIZANDO

Quais são as perspectivas políticas de libertação da juventude negra desse racismo estrutural, estruturante e exterminador? Elas vêm dos próprios jovens negros.

Há um movimento novo no cenário protagonizado por esses jovens. A raça, usada e vista como fonte de extermínio pela sociedade, é por eles transformada e ressignificada como símbolo de afirmação, de luta e emancipação. Os cabelos crespos, as religiões de matriz africana, o mundo da cultura, da música, a entrada na universidade via cotas, o empreendedorismo negro e juvenil principalmente no mundo da comunicação e do design, são alguns dos espaços que têm sido tomados, hoje, pelos jovens negros e negras. Em todos esses espaços eles levam a denúncia: Parem de nos matar. Parem de nos matar quer sejamos negros de classe média ou pobres. Parem de nos matar com medidas socioeducativas que nos deseducam. Parem de nos matar com a desculpa de que o Estado precisa zelar pelas pessoas de bem. Outro orgulho negro vem surgindo. Consciente e resistente. E ele está nas escolas de Educação Básica e no Ensino Superior.

Apesar de serem vítimas do extermínio, os jovens negros se recusam a ocupar esse lugar. O lugar da vítima é o lugar de morte. E a morte tem sido um algoz da população negra e pobre brasileira. E dos jovens negros. Eles querem viver. A morte sempre esteve ao lado da população negra desde a infância. Morte e racismo. Morte e violência. Os jovens negros buscam um sentido ético na nossa sociedade. E por isso, constroem alternativas de viver.

Os jovens negros nos falam de várias maneiras. A música é um espaço de fala e grito, de denúncia e de anúncio. Suas duras letras de música são um brinde para a vida, na medida em que descrevem com tamanho realismo tanta ameaça de morte e o seu desejo de viver. Comparemos, por exemplo, as letras das músicas de rap dos jovens negros, de hoje, com as letras das músicas dos jovens brancos de classe média e de esquerda dos anos 1960 que lutavam contra a ditadura militar. Trata-se de outra métrica, outro verso, outra poética. Outra leitura política. São realidades duras, porém, distintas e com o recorte racial.

Os jovens negros nos reeducam a olhar para eles e compreender a sua luta pela vida e pela emancipação. Convocam-nos a participar da sua luta por sobrevivência e existência. O que nós temos a lhes dizer?

Somos nós, mundo adulto, consciente e, principalmente, aqueles que integram as lutas por emancipação e contra as desigualdades que temos que nos perguntar se estamos mesmo envidando esforços para a mudança dessa situação de extermínio. Para alcançarmos uma sociedade mais justa é preciso se contrapor ao racismo estrutural e estruturante que mata a nossa juventude negra. E entender como o racismo se esconde em meio de tantos argumentos, causas e consequências, a ponto de ocupar, nas análises sobre extermínio e violência realizadas pelos diversos setores da sociedade e do Estado, um lugar secundário.

A juventude negra nos interpela. Repolitiza a ideia de extermínio e introduz o conceito de genocídio contrariando as regras e convenções internacionais dos direitos humanos e a própria ONU e inspirando-se nas denúncias e análises argutas de Nascimento (1978). Essa coragem só poderia vir daqueles que desde crianças, veem a morte tão próxima e, mesmo assim, insistem em continuar vivendo e existindo. E é essa juventude que nos alerta:

Refletir a luz negra na cara de pau

De um país estrategicamente embranquecido

Ocupar páginas em branco

Com alguns escurecimentos necessários

Desenhar outros horizontes

Em minhas vistas cansadas

Da monotonia padronizada

Da visão distorcida

Provocada pela televisão

Preto no branco

Procurar a inclusão de outros tons

Diante da hegemonia dos estereótipos

Desafiar o mito da democracia racial

Preto no branco

Ocupar páginas em branco

Com palavras negras

Para refletir a nossa luz.

(Preto no Branco - Cristiane Sobral)

REFERÊNCIAS

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1O título desse artigo é uma tradução livre do espanhol, inspirada no artigo: SEGATO, Rita Laura. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Puebla: Pez em el Árbol, 2014.

2O Índice traz dados de 2015 e foi elaborado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), pela Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

3Uma ação de coparticipação e cooperação na área da segurança pública entre União e entes federados seria uma saída democrática para essa e outras situações de violência. Essa proposta é muito diferente de uma intervenção do exército, como aconteceu com o Estado do Rio de Janeiro. Esta, sim, pode ser considerada como uma medida autoritária, mesmo que tenha como argumento a sua autorização pela Constituição Federal. O governo Temer junto com o Congresso Nacional decidiu, no mês de fevereiro de 2018, realizar uma intervenção na área de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro até 31 de dezembro do mesmo ano. Com isso, a responsabilidade de gerir essa área, que é estadual, passa para as mãos do governo federal, representado por um interventor, a saber, um general do Exército. O Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, à época, teve que entregar o cargo. A violência e a insegurança geradas por essa ação do governo está longe de garantir a segurança pública, antes, contribui para o aumento da criminalização dos moradores das vilas e favelas do Rio de Janeiro. Esse clima abriu caminho para um dos atos violentos que chocou o país e a comunidade internacional: o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL, em 14/03/2018. Marielle, mulher negra, pobre, lésbica, moradora da Favela da Maré, era uma árdua defensora dos direitos humanos e relatora da comissão legislativa da Câmara Municipal responsável por monitorar a intervenção e seus efeitos sobre a vida da população.

4O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 356 votos a 61, o regime de urgência para o Projeto de Lei 4471/12, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e outros, que especifica procedimentos para apurar casos de morte violenta envolvendo ações policiais, acabando com o chamado auto de resistência. A intenção é evitar que os excessos no uso de violência nas ações policiais não sejam investigados sob o argumento de cumprimento do dever. No entanto, no momento de escrita desse artigo, o referido projeto ainda se encontra em tramitação, fazendo parte da solicitação do deputado Ivan Valente (PSOL), no dia 27/02/2018, de um requerimento de inclusão na Ordem do Dia de proposições legislativas para agenda prioritária de medidas para enfrentar a crise da segurança pública. Em 22/03/18 o documento se encontrava na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA), com a seguinte observação: “Despacho exarado no Requerimento n. 8.128/2018, conforme o seguinte teor: “Junte-se aos autos da Proposta de Emenda à Constituição n. 446/2009 e do Projeto de Lei n. 4.471/2012. Publique-se” (www.camara.gov.br/proposiçõesWeb). Acesso em 18/04/2018.

5No momento, não temos informações precisas sobre a continuidade do Programa a não ser aquelas inseridas no site oficial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do governo federal que aponta para uma série de ações de retomada em 11/08/2017 do Plano Juventude Viva, que foi idealizado e realizado no primeiro e segundo mandatos da presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff. (www.seppir.gov.br) acesso em 18/04/2018.

5De acordo com GENTILI e CAMPELO (2017), o período de 2002 a 2015 representa um recorte de tempo onde um conjunto de decisões políticas - nas esferas social e econômica - visou a redução da pobreza e da desigualdade no Brasil (p.16).Os autores alertam para o fato de que, nesse período, as políticas de ampliação de renda, de expansão dos investimentos em infraestrutura, de universalização e enfrentamento das iniquidades se constituíram em elementos cruciais para a redução da desigualdade no país. (CAMPELO e GENTILI, 2017, p. R26)

6A chamada bancada BBB, ou seja, do Boi, da Bíblia e da Bala.

Recebido: 02 de Maio de 2018; Aceito: 02 de Julho de 2018

Contato: Nilma Lino Gomes, Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Av. Pres. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha, Belo Horizonte|MG|Brasil, CEP 31.270-901

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Pós-Doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra e em Educação pela UFSCAR. Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Pesquisadora do Programa Ações Afirmativas na UFMG. E-mail:<nilmagomes@uol.com.br>.

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Pós-Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Minas Gerais. Professora Pesquisadora do Programa Ações Afirmativas na UFMG. E-mail:<anaplaborne@yahoo.com.br>.

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