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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.35  Belo Horizonte jan./dez 2019  Epub 12-Mar-2019

https://doi.org/10.1590/0102-4698194676 

Artigos

MECANISMOS REDISTRIBUTIVOS NA ASSISTÊNCIA FINANCEIRA DA UNIÃO NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

CACILDA RODRIGUES CAVALCANTII  *
http://orcid.org/0000-0001-7222-8061

ROSIMAR DE FÁTIMA OLIVEIRAII  **
http://orcid.org/0000-0002-2212-4018

I Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil.

II Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação, Belo Horizonte, MG, Brasil.


RESUMO:

O artigo analisa a influência de condicionantes técnicos, redistributivos e político-partidários na assistência financeira da União no âmbito da educação básica, levando em consideração os mecanismos de indução do governo federal nos programas de assistência legal e voluntária. A análise é realizada a partir de dados de transferências da União para os municípios oriundos do Portal da Transparência, no período de 2004 a 2014. Utilizando-se análise de regressão múltipla, apresentam-se evidências empíricas de que os mecanismos de indução do governo federal influenciam as transferências para municípios com baixos indicadores educacionais e com menor receita própria, porém, ficam limitados a um pequeno grupo de ações, não sendo capazes de promover a equidade entre os entes federados na dimensão dos recursos financeiros.

Palavras-chave: Federalismo; Financiamento da Educação; Assistência da União; Equidade

ABSTRACT:

This article analyzes the influence of technical, redistributive and political-party factors in the Brazilian Union’s financial assistance to basic education, considering the federal government’s induction mechanisms in programs for legal and voluntary assistance. The analysis was performed based on data about Union’s transfers for the municipalities, found in the Transparency Website, during the period of 2004 to 2014. Using multiple regression analysis, empirical evidences are presented, showing that the federal government’s induction mechanisms influence the transfers for municipalities with low educational indicators and income. However, these mechanisms are restricted to a small group of action, being unable to promote equity among federated entities regarding financial resources.

Keywords: Federalism; Education Funding; Union Assistance; Equity

INTRODUÇÃO

Uma das características fundamentais de sistemas federais é a instituição de mecanismos para facilitar a colaboração intergovernamental, especialmente, em federações onde o vertical fiscal gap - o descompasso entre a arrecadação de recursos e a necessidade de oferta de serviços públicos - é muito grande. Em todas as federações, como mostra Watts (2008), as transferências intergovernamentais têm sido o principal mecanismo utilizado para o alcance da equidade fiscal, embora com diferentes arranjos, tendo em vista as características de suas assimetrias.

No Brasil, cujas assimetrias são muitas, tanto verticais quanto horizontais, as transferências intergovernamentais têm constituído importante mecanismo para a garantia de receitas para a maioria dos municípios brasileiros. No campo das políticas públicas de educação, os arranjos de transferências intergovernamentais, combinam transferências constitucionais, legais e voluntárias. As transferências legais e voluntárias da União compreendem sua ação de assistência técnica e financeira que, em conformidade com EC nº 14/1996, é a forma de a União exercer sua função supletiva e redistributiva em relação aos demais entes federados, com vistas a garantir a equalização de oportunidades educacionais e o padrão mínimo de qualidade. As transferências legais compreendem a complementação ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef)/Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação(Fundeb) e os Programas de Assistência legal, tais como: o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Nacional de Transporte Escolar (PNATE), o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), o Programa Especial de Fortalecimento do Ensino Médio e o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos. As transferências voluntárias envolvem tanto as transferências organizadas por meio de programas (a maioria) como aquelas realizadas por meio de convênios específicos.

Este artigo tem como foco a assistência realizada exclusivamente por meio dos programas de assistência técnica e financeira, que envolvem tanto Programas de Assistência Legal (PAL) quanto Programas de Assistência Voluntária (PAV), com o objetivo central de analisar se o novo desenho da política de assistência técnica e financeira da União para os municípios, introduzido a partir de 2004 e que culminou no Plano de Desenvolvimento da Educação, em 2007, resultou em maior equidade na distribuição dos recursos entre os entes federados. Para tanto, testa-se a influência dos mecanismos de indução do governo federal em confronto com as condições técnico-administrativas dos municípios e os condicionantes político-partidários no recebimento de recursos dos programas de assistência da União pelos governos municipais.

O artigo se inicia com a apresentação de alguns argumentos teóricos acerca da relação entre transferências intergovernamentais, equidade e assimetrias no campo do federalismo brasileiro. Em seguida, com base no modelo de assistência da União que tomou forma a partir de 2004, busca-se, por meio de análise de regressão múltipla, avaliar se esse modelo concorreu para maior redistribuição dos recursos desses programas, tendo em vista o alcance de maior equidade na federação brasileira, no que se refere aos recursos financeiros.

ARGUMENTOS TEÓRICOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS E EQUIDADE NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Diversos estudiosos do campo do federalismo, tanto no âmbito da ciência política quanto da economia do setor público, tais como Musgrave (1959), Obinger, Leibfried e Castles (2005), Arretche (2010, 2012), argumentam em favor da concentração da autoridade decisória e do aparato regulatório no governo federal para a garantia da equidade e da unidade necessária em uma federação. Segundo Arretche (2010, p.191),

os estados federativos que concentram autoridade regulatória na União criam mecanismos institucionais que operam na direção da redução das desigualdades. Contudo, a possibilidade de divergência dos governos locais, uma característica intrínseca de estados federativos, tende a produzir mecanismos que operam no sentido da divergência de políticas entre jurisdições. Consequentemente, estados federativos que combinam regulação centralizada e autonomia política dos governos locais tendem a restringir os patamares da desigualdade territorial. Este resultado é explicado por duas tendências apenas aparentemente contraditórias, isto é, o papel regulatório do governo central opera no sentido da uniformidade, ao passo que a autonomia dos governos locais opera no sentido da divergência de políticas.

No caso brasileiro, Arretche (2004, 2010, 2012) afirma que o governo federal dispõe de recursos para influenciar a agenda dos governos subnacionais, pois tem amplas prerrogativas constitucionais que lhe garantem a autoridade decisória e o poder de regulação da macro política social. Um desses recursos é o desenho que o governo imprime a cada política pública, que pode incorporar mecanismos para diminuir a desigualdade entre as unidades da federação.

Abrucio (2010) destaca outro aspecto que pode também influenciar nos repasses de recursos, bem como no seu potencial para a diminuição das desigualdades - as grandes diferenças regionais e a pouca capacidade político-administrativa de alguns entes federados em propor e coordenar políticas. Na análise do referido autor, a complexidade da relação entre transferências intergovernamentais e desigualdade no Brasil, deve-se, em parte, ao fato de que a autonomia dos entes federados está estreitamente ligada não somente ao grau de dependência financeira, mas também às formas das relações de poder local, ao grau de democratização da gestão pública e à capacidade político-administrativa que os entes desenvolvem. No Brasil, historicamente, esses aspectos apresentaram relações assimétricas, de forma que

a conquista da posição de ente federativo, na verdade, foi pouco absorvida pela maioria das municipalidades, uma vez que elas têm uma forte dependência em relação aos outros níveis de governo. Existe um paradoxo federativo na situação: quando tais cidades recebem auxílio e não desenvolvem capacidades político-administrativas podem perder parte da autonomia; mas, caso fiquem sem ajuda ou não queiram tê-la, podem se tornar incapazes de realizar a contento as políticas públicas. (ABRUCIO, 2010, p. 45)

Assim, o exercício da autonomia para a maioria dos municípios está, ainda hoje, extremamente condicionado à posição que estes assumem no quadro das desigualdades sociais, econômicas e políticas dentro da federação.

Rezende (2007, 2010, 2012) e Santos (2009) enfatizam que as transferências intergovernamentais, sobretudo as condicionadas e voluntárias, sempre apresentarão limites para equalizar nacionalmente os padrões de acesso a políticas públicas, pois estas não são capazes de modificar a dinâmica do investimento dentro da região menos desenvolvida, ou seja, as transferências impactam na criação de demanda local por oferta de bens, mas não necessariamente na produção dos bens a serem ofertados, pois seu poder de internalizar capacidade produtiva é baixo e, em geral, nestes casos, provocam mais a dependência do que a autonomia.

Nessa mesma direção, Mendes (2013) destaca que as transferências tendem a ser afetadas pela estrutura de investimento e de capacidade administrativa já estabelecidas historicamente nas regiões mais desenvolvidas, perpetuando as desigualdades intra e inter-regionais, ou seja, os estados e municípios com maior estrutura administrativa e fiscal tendem a receber mais recursos das transferências governamentais, sejam elas constitucionais, legais ou voluntárias.

No campo específico da educação, são poucos os estudos que abordam os efeitos redistributivos das transferências intergovernamentais. Destacam-se na última década dois estudos nessa direção - Cruz (2009) e Araújo (2013). O primeiro tem como foco as ações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o segundo, o Fundeb.

Araújo (2013), a partir dos argumentos de Arretche (2012), apresenta evidências de que a diminuição das desigualdades de recursos entre as unidades da federação para a oferta e a manutenção da educação depende amplamente de mais aporte de recursos oriundos da União e de mecanismos de distribuição com foco para as desigualdades territoriais, dado os limites de receita própria da maioria das unidades da federação.

Cruz (2009), ao estudar a ação supletiva e redistributiva da União por meio dos programas do FNDE, mostra que, embora exista uma coerência dos critérios estabelecidos com a preocupação de direcionar os recursos da assistência financeira do Ministério da Educação (MEC), prioritariamente, para as localidades com os mais baixos indicadores de oferta e qualidade da educação, as transferências executadas não são coerentes com tais critérios, ou seja, essas transferências não estariam sendo realizadas com vistas a promover maior equidade entre as unidades da federação.

Sendo assim, a literatura sobre o federalismo brasileiro fornece elementos que apontam para diferentes fatores que podem influenciar o repasse de recursos de assistência técnica e financeira da União para os entes federados subnacionais, em especial, os recursos das transferências voluntárias, tais como: o desenho das políticas de assistência técnica e financeira, a capacidade político-administrativa dos governos, a capacidade fiscal dos entes e as relações político-partidárias entre governo federal e governos subnacionais.

Sobre este último aspecto, alguns estudos acerca dos condicionantes político-partidários nas transferências voluntárias da União divergem quanto às evidências de que pertencer à coalizão partidária do governo federal impacta no recebimento desses recursos. Enquanto Duchateau e Aguirre (2007), Ferreira e Bugarin (2007) e Soares (2012) encontraram correlação positiva entre recebimento de transferências voluntárias da União e o pertencimento de prefeitos e governadores à coalização partidária do presidente da República, Arretche e Rodden (2004) afirmam que não há evidências de que o Presidente favoreça os governadores com repasses de recursos.

O presente trabalho é um esforço na direção dos estudos sobre transferências intergovenamentais no campo específico da educação, que pretende ampliar abordagens já realizadas no campo da relação entre federalismo e financiamento da educação, em especial aqueles que tratam da dimensão redistributiva dos recursos tendo em vista a promoção de maior equidade na federação brasileira, a exemplo dos estudos de Cruz (2009) e Araújo (2013).

INFLUÊNCIA DE CONDICIONANTES POLÍTICOS, TÉCNICOS E REDISTRIBUTIVOS NAS TRANSFERÊNCIAS DOS PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E FINANCEIRA DA UNIÃO

A política de assistência técnica e financeira da União para a educação básica incorporou, a partir de 2004, um conjunto de arranjos que aumentou a influência da União sobre a agenda educacional dos governos subnacionais, em especial, dos governos municipais, com a adoção de mecanismos redistributivos em forma de diferentes critérios com vistas ao atendimento das diversificadas condições educacionais das unidades federadas, vinculados, a partir de 2007, ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e ao Plano de Ações Articuladas (PAR).

Os novos arranjos resultaram em aumento das transferências per capita por meio dos programas de assistência técnica e financeira da União. O valor/aluno1 transferido aos governos subnacionais, por meio dos programas de assistência técnica e financeira (legal e voluntária) passou de R$ 94,61, em 2004, para R$ 207,31, em 2014, sendo o maior valor atingido no ano de 2010 (R$ 262,58).

Análise das transferências dos programas de assistência da União ao longo do período de 2004 a 2014, considerando esfera governamental e regiões, realizada por Cavalcanti (2016), mostrou que, apesar da priorização dos governos municipais das regiões Nordeste e Norte na assistência voluntária da União, a partir de 2007, com a política do PDE, os governo estaduais dessas regiões receberam valor/aluno superior ao dos governos municipais, tanto no que se refere aos Programas de Assistência Legal (PAL) quanto aos Programas de Assistência Voluntária (PAV). Tal situação não foi observada em relação às demais regiões. Assim, pode-se inferir que há uma correlação entre desigualdade territorial e o ente federado municipal.

Diante de tais resultados, busca-se, por meio de análise de regressão múltipla, avaliar a influência dos mecanismos de indução do governo federal em contraposição a outros fatores que podem também influenciar nas transferências de recursos dos programas de assistência da União destinados à educação básica para as unidades subnacionais, a exemplo da capacidade administrativa e fiscal dos governos. Para essa análise apenas as transferências para os municípios no período de 2004 a 2014 serão consideradas, uma vez que estes constituem o alvo principal da assistência voluntária da União e dada a relação observada entre a desigualdade de recursos e os governos municipais. Sendo assim, o nível de análise são as transferências anuais recebidas pelos municípios, compreendendo um total de 52.708 transferências anuais distribuídas a 5.295 municípios, 95% do total de municípios brasileiros.

Para a construção do banco de dados utilizou-se o software Stata (Statistics Data Analysis), que permite construir banco de dados com o nível de programação desejado, além de possuir uma linguagem relativamente simples e diversos comandos pré-programados que facilitam a manuseio dos dados. O banco de dados do município se caracteriza pelo formato de painel com efeito fixo, em que cada ente é representado por uma série de dados ao longo de um período de 11 anos (2004 a 2014). A escolha do método não teve como objetivo captar os efeitos longitudinais das variáveis e sim de controlar os efeitos não observados constantes no tempo e que possam estar correlacionados com as variáveis explicativas do modelo estatístico.

Para determinar apenas os recursos de transferências dos programas de assistência legal e voluntária da União para a educação básica, os dados foram filtrados considerando a função, subfunção e códigos dos programas e ações. Foi considerada a Função 12 (Educação), excluindo-se: (a) as subfunções 364 (Ensino Superior), 363 (Ensino Profissional), 302 (Assistência Hospitalar e Ambulatorial), 212 (Cooperação Internacional), 122 (Administração Geral), 571 (Desenvolvimento Científico), 572 (Desenvolvimento Tecnológico e Engenharia), 573 (Difusão do Conhecimento Científico e Tecnológico), 301 (Atenção Básica); (b) a subfunção 128 (Formação de Recursos Humanos) quando associada ao código da ação 6315 (Qualificação de Docentes em Nível de Pós-Graduação); (c) a subfunção 126 (Tecnologia da Informação) quando associada à ação 4172 (Serviços de Comunicação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa); (d) Os programas 1062 (Desenvolvimento da Educação Profissional e Tecnológica) e 1073 (Universidade do Século XXI). Essas subfunções, ações ou programas foram excluídos porque se referem a transferências de recursos para a educação superior ou para órgãos da administração federal, portanto, não se destinam à educação básica e à rede municipal de ensino (foco de nossa análise). Considerando também que esta análise tem como foco apenas os programas de assistência técnica e financeira do governo federal para o ente municipal, que compõem o modelo de política em debate, foram excluídas as ações 304 (Complementação ao Fundef) e 0C33 (Complementação ao Fundeb), 09DK (PAED), 2991 (Funcionamento do Ensino Médio na Rede Federal). Foi considerada também a Função 14 (Direitos da Cidadania), incluindo-se apenas a Subfunção 366 (Educação de Jovens e +Adultos), que compreende recursos destinados ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). Destaca-se ainda que a exclusão da ação 09DK (PAED) deve-se ao fato de que este programa se destina exclusivamente às entidades sem fins lucrativos que ofertam educação especial.

A variável dependente - transferência anual por aluno dos programas de assistência técnica e financeira da União aos municípios para a oferta e manutenção da educação básica - foi testada em quatro modelos diferentes, utilizando-se a seguinte equação de regressão:

Yi=β0+β1Xi1+β2Xi2++βp-1Xi,p-1+εi

Onde:

β0, β 1,..., β p-1, são os parâmetros dados pela inclinação da reta, ou seja, a variação esperada em Y quando X aumenta uma unidade;

X i1 ,..., X i,p-1 são os valores das variáveis independentes conhecidas, ou seja, as transferências per capita;

?i (Erro) são independentes com distribuição N(0, ?2)

i=1,2,...,n.

O Modelo 1, considera as transferências dos programas de assistência técnica e financeira em sua totalidade, independentemente dos tipos de programas. Nos demais modelos, as transferências foram organizadas de acordo com as características dos programas quanto à forma de adesão dos entes federados subnacionais. Os programas selecionados para compor cada modelo, dentro da tipologia adotada, foram aqueles que movimentaram maior volume de recursos no período, abrangendo também maior número de municípios.

Assim, o Modelo 2 compreende as transferências de programas do Tipo 1 (PNAE e PDDE), programas de assistência legal cujos valores são per capita para todos os municípios, sob os mesmos critérios.

No Modelo 3 estão contidas as transferências dos programas Tipo 2, que compreendem programas com critérios diferenciados de seleção dos beneficiários, estabelecidos pelo MEC/FNDE com foco na situação educacional dos municípios. Tais programas expressariam um tratamento desigual, via indução do governo federal, para corrigir desigualdades. Para este grupo foram selecionados o Projovem, o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância) e o Caminho da Escola.

No Modelo 4 estão os programas do Tipo 3, os quais são abertos a todos os municípios, dependendo da apresentação de projetos ou de planos. Tais programas expressariam mais a capacidade do ente de apresentar projetos, bem como de atender a outros requisitos do MEC/FNDE para receber os recursos. Fazem parte deste grupo o Programa Brasil Alfabetizado e o Programa de Reestruturação da Rede Física Pública da Educação Básica.

Os resultados da análise de variância (ANOVA)2 indicaram que, nos modelos 1 e 3, somente a variável “Existência de Plano Educacional” não interagiu com a variável dependente. Já no do modelo 4, foram as variáveis “IPRFEM” (Índice de Precariedade da Rede Física Escolar Municipal) e “Escolaridade do gestor” que não demostraram esse efeito. Por fim, no Modelo 2, todas as variáveis afetam a variável dependente, indicando ser o modelo melhor ajustado. Ainda que o teste indique a não iteração de algumas variáveis, em alguns modelos, optou-se por mantê-las, uma vez que o objetivo é comparar um mesmo modelo explicativo para as diferentes variáveis, bem como uma variável nos diferentes modelos. As variáveis independentes foram organizadas em três grupos, conforme Quadro 01.

Fonte: Banco de dados das autoras.

QUADRO 1 Variáveis do modelo de regressão 

O IDEB, embora se considere as diversas críticas sobre seus limites enquanto aferidor de qualidade da educação pública, é o indicador geral utilizado pelo MEC/FNDE para a orientação de sua política de assistência técnica e financeira desde 2007 e por isso, foi incorporado como uma variável (de caráter geral) para avaliar os efeitos dos mecanismos de indução do governo nas transferências. Considerando também a grande quantidade de missing nos anos iniciais do ensino fundamental,3 optou-se por trabalhar apenas com o IDEB dos anos finais do ensino fundamental, de forma a aumentar a confiabilidade.

O IPRFEM foi construído especificamente para esta pesquisa tendo em vista a grande quantidade de programas de assistência voltados para a melhoria da estrutura física da escola. Portanto, a condição física da rede escolar (inadequada) foi um fator considerado na indução do governo federal. O IPRFEM foi calculado com base nos seguintes dados do Censo Escolar: local de funcionamento inadequado da escola (barracão, casa de professor, igreja, galpão); abastecimento de água inexistente ou inadequado (cacimba, poço, rio, córrego); esgoto sanitário inexistente; destinação de lixo inadequada; ausência de dependências básicas (biblioteca, laboratórios, quadra esportiva, banheiros com acessibilidade); ausência de equipamentos pedagógicos essenciais (copiadora, vídeo cassete, TV, Datashow, computador, impressora, internet). Para cada grupo de componentes foram atribuídos pesos diferentes, levando em conta os diferentes graus de impacto do componente na condição de precariedade do estabelecimento escolar4. Assim, para o tipo de espaço de funcionamento da escola foi atribuído peso 35/100; para os componentes referentes à infraestrutura básica (abastecimento de água, esgoto e lixo) atribuiu-se peso 25/100; para a componente dependência básica, o peso foi de 25/100 e; para equipamento pedagógico, 15/100. Portanto, o indicador varia de 0 a 1, sendo que a pontuação máxima representa a pior condição. O cálculo foi realizado para cada escola da rede municipal, a partir da soma das pontuações obtidas nas variáveis. Para obter o resultado do indicador no nível da rede escolar foi calculada a média simples dos valores obtidos por todas as escolas municipais.

O segundo grupo agrega um conjunto de variáveis com o fim de testar os efeitos das condições dos municípios de exercer sua autonomia na implementação de políticas sobre o recebimento de recursos: existência de Conselho Municipal de Educação (CME); existência de Plano Municipal de Educação (PME); escolaridade Gestor Municipal com nível superior, com graduação e com pós-graduação; percentual de estatutários na administração direta do município; percentual de receita própria. Com exceção da última variável, que foi construída com base nos dados do banco de dados Finanças do Brasil/Secretaria do Tesouro Nacional (FINBRA/STN), as demais são oriundas da Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) “Perfil dos Municípios Brasileiros”. Vale destacar que tais variáveis são proxies para avaliar o efeito da capacidade de gestão e financeira dos entes municipais no recebimento de recursos dos programas de assistência técnica e financeira, ou seja, são os indicadores mais próximos que foram encontrados para representar a capacidade de gestão e financeira dos entes municipais, ainda que reconheçamos os limites de tais variáveis como expressão da capacidade de gestão dos municípios, o pressuposto é que elas expressam um município com sistema de ensino mais organizado e com mais potencial para atender às exigências do MEC/FNDE, bem como apresentar projetos de iniciativa própria.

O terceiro grupo é composto pela variável de pertencimento do prefeito à coalizão partidária do presidente da República, que tem como intuito testar o efeito de condicionantes político-partidários no recebimento de recursos e funciona também como variável de controle em relação às demais.5 Esta é uma variável dummy, codificadas em sim (1) ou não (0).

A análise de regressão multivariada utiliza o mesmo modelo teórico-explicativo e a mesma variável dependente (transferências dos programas de assistência técnica e financeira da União aos entes subnacionais para a oferta e manutenção da educação básica), porém, foram construídos quatro modelos de regressão com formas diferentes de composição da variável dependente, conforme já explicitado. A Tabela 1 apresenta os resultados da regressão múltipla para esses quatro modelos.

TABELA 1 Fatores de influência das transferências de programas de assistência técnica e financeira da União para os Municípios. Brasil, 2004 - 2014 (Valor/aluno) 

VARIÁVEIS Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4
Total Prog. Tipo 1 Prog. Tipo 2 Porg. Tipo 3
IDEB-Anos Iniciais 0.398*** 0.258*** 0.219*** 0.649***
(0.612) (0.582) (0.192) (0.369)
IPRFEM 0.310*** 0.00114 0.120 -0.112
(0.0592) (0.000318) (0.0135) (-0.00805)
Existência de PME 0.0868*** 0.0367*** 0.0469 0.0310
(0.0589) (0.0365) (0.0192) (0.00850)
Existência de CME 0.243*** 0.157*** 0.278*** 0.382***
(0.139) (0.132) (0.0824) (0.0826)
Percentual de estatutários 0.00121*** 0.000998*** -0.00385** 0.00278**
(0.0429) (0.0520) (-0.0761) (0.0367)
Escolaridade do Dirigente da Educação - Graduação 0.151*** 0.0726*** -0.0310 0.0435
(0.0984) (0.0695) (-0.0118) (0.0113)
Escolaridade do Dirigente da Educação - Pós-graduação 0.212*** 0.136*** -0.114 0.134*
(0.143) (0.135) (-0.0452) (0.0361)
Percentual de Receita Própria -0.00173 0.000761 -0.000100 0.00938
(-0.0135) (0.00872) (-0.000554) (0.0305)
Prefeito pertence à coalizão do Presidente da República 0.0522*** 0.0462*** 0.0352 0.0539
(0.0355) (0.0461) (0.0144) (0.0147)
Constante 2.829*** 3.177*** 3.638*** 0.0434
Observações 52,708 52,675 6,575 13,529
Número de Municípios 5,295 5,295 3,782 4,168
R² within 0.2155 0.2034 0.0171 0.0749

Observação: Coeficientes Beta Normalizados entre parênteses. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1. Fonte: Banco de dados das autoras (origem dos dados: Portal da transparência, Censo Escolar, FINBRA, IBGE, TSE).

O Modelo 1 envolve as transferências de todos os programas de assistência técnica e financeira para um total de 5.295 municípios que constam no banco de dados da pesquisa, envolvendo 52.708 observações. Neste modelo, as duas variáveis que visam a avaliar os mecanismos de indução do governo federal - uma geral (IDEB) e outra específica (IPRFEM) - no repasse de recursos apresentaram impactos positivos em sentidos opostos.6 Quanto maior o IDEB do município, mais este recebe transferências. Mantendo-se todas as outras variáveis constantes, o aumento de 1.0 no IDEB implica em um aumento de 40% no recebimento de recursos dos programas de assistência técnica e financeira. Esse resultado indica que a priorização de municípios com menor IDEB para receber assistência voluntária da União não apresentou magnitude suficiente para influenciar no recebimento de recursos da assistência técnica e financeira da União em sua totalidade. Já em relação ao IPRFEM o resultado mostra que quanto mais precária é a rede física escolar do município, mais ele recebe recursos dos programas de assistência técnica e financeira em seu conjunto. Tomada a escala de 0 a 10 desse indicador, o aumento de uma unidade nessa escala corresponde a um aumento de 31% no recebimento de recursos, mantendo-se todos os demais fatores constantes. Este resultado pode ser explicado tanto pelo grande volume de recursos operacionalizados por programas de assistência voluntária voltados para municípios com rede física escolar em condições de precariedade, quanto pelo impacto desse indicador na rede escolar municipal, pois 35,7% dos municípios brasileiros possuem IPRFEM igual ou superior a 5.0.

Em relação às variáveis que visam a avaliar a influência da capacidade técnico-administrativa do município e, consequentemente, como as condições destes exercerem sua autonomia influenciam no recebimento de recursos, todas as variáveis apresentaram coeficientes positivos. Municípios que têm CME receberam 24,3% mais recursos que aqueles que não o têm, mantendo-se as demais variáveis constantes. Municípios cujo dirigente da educação possui nível superior de ensino recebem 15,1% a mais de recursos do que municípios em que o dirigente municipal de educação tem escolaridade inferior; e quando o gestor possui escolaridade em nível de pós-graduação a diferença é maior ainda, de 21,2%.7 A existência de Plano Municipal de Educação e o percentual de estatutário no quadro de funcionários do município apresentaram impacto menor. Os municípios que têm PME recebem 8,7% a mais de recursos que os demais; e, a cada 1% de aumento de funcionários na condição de estatutário no município, há apenas 0,1% de aumento no recebimento de recursos dos programas de assistência técnica e financeira da União, mantendo-se as outras variáveis constantes. Essas variáveis em seu conjunto indicam que municípios com maior capacidade técnico-administrativa têm maiores possibilidades de receber recursos dos programas de assistência técnica e financeira da União como um todo.

A variável capacidade fiscal do município foi a única que não apresentou significância estatística, indicando, portanto, que no conjunto dos dados do Modelo 1 (modelo com maior número de observações), esta não é uma variável explicativa das transferências do governo federal.

A variável de influência político-partidária apresentou pouco impacto no recebimento de recursos dos programas como um todo, pois quando o prefeito municipal pertence a um partido que integra a coalizão partidária do presidente da República, o aumento de recebimento de recursos é de apenas 5,2% a mais em relação aos outros municípios, mantendo-se todas as outras variáveis constantes.

Em síntese, quando se trata das transferências de recursos do conjunto dos programas de assistência técnica e financeira da União, há influência tanto dos mecanismos de indução do governo federal quanto das condições educacionais e da capacidade técnico-administrativa do município, tomada aqui, principalmente, como componentes de um sistema municipal de educação mais organizado, dada a maioria das variáveis desse grupo. Por outro lado, os resultados expressam também a influência das características das redes de ensino de cada município, considerando que, no conjunto dos programas, as transferências legais representam o maior volume de recursos, conforme já foi explicitado na seção anterior.

Faz-se necessário avaliar agora como se comportam as variáveis quando as transferências desses programas são desagregadas em conformidade com suas características, ou seja, conforme cada um dos grupos que foram determinados.

Conforme já explicitado, o Modelo 2 compreende as transferências de dois programas de assistência legal (PNAE e PDDE), cujos valores são per capita para todos os municípios sob os mesmos critérios e expressariam, portanto, um tratamento igual a todos os entes. Neste caso, as diferenças que se estabelecem seriam decorrentes das características de cada rede de ensino e não de critérios diferenciados dos programas. O número de municípios envolvidos nesse grupo foi de 5.295, com um total de 52.492 observações.

Em relação às variáveis que visam a avaliar os mecanismos de indução do governo federal no repasse de recursos, apenas o IDEB apresentou impacto significativo. Municípios com IDEB mais alto recebem mais transferências dos programas que compõem este modelo, porém em menor magnitude em relação ao primeiro modelo. O aumento de 1.0 no IDEB implica em um aumento de 25,8% no recebimento de recursos dos programas do Grupo 1, mantendo-se as demais variáveis constantes. O IPRFEM não apresentou significância estatística no Modelo 2 e, considerando o grande número de observações (52.675), podemos afirmar que esta não constitui uma variável que explica as transferências dos programas em questão, o que é coerente com os resultados da pesquisa documental, pois nenhum programa de transferência legal tem tal situação como critério de valor diferenciado.

Em relação às variáveis de influência da capacidade técnico-administrativa do município, todas as variáveis apresentaram impacto positivo no recebimento de recursos, porém seu efeito é menor quando comparado ao Modelo 1. A existência de CME no município aumentou o recebimento de recursos em 15,7% em relação aos demais, menor, portanto, do que no Modelo 1. A existência de PME neste grupo de programas aumentou o recebimento de recursos apenas em 3,67%. Em relação ao nível de escolaridade do gestor, sua influência no recebimento de recursos foi bem menor em comparação ao primeiro modelo - apenas 7,26% a mais que municípios cujo gestor possui escolaridade inferior; e, no caso de escolaridade em nível de pós-graduação, a diferença passa para 13,6%. O efeito da variável percentual de estatutário no quadro de funcionários do município continuou muito pequeno (como no Modelo 1) - a cada 1% de aumento de funcionários na condição de estatutário no município, há um aumento de apenas 0,1% no recebimento de recursos dos programas do grupo 1. A variável receita própria praticamente não apresentou efeito na influência de recebimento de recursos neste modelo. A cada aumento de 1% na receita própria, há um aumento de apenas 0,07%.

A variável político-partidária, pertencer ao partido da coalizão partidária do Presidente da República, também não apresentou significância estatística, portanto, não constitui uma variável explicativa das transferências nesse modelo.

Em resumo, o resultado do Modelo 2 é um tanto óbvio: as transferências dos programas universais com critérios iguais para todos os municípios são pouco influenciadas pelos mecanismos de indução do governo federal e pela capacidade técnico-administrativa dos municípios. Portanto, podemos inferir que o que prevalece neste modelo é a condição educacional já instalada, ou seja, a característica da rede escolar de cada município. Sendo assim, pode-se afirmar que critérios iguais não favorecem maior recebimento de recursos por parte dos municípios em situação educacional desfavorável ou com pouca capacidade técnica-administrativa, embora não seja propriamente adequado afirmar o contrário, já que a influência tanto das condições educacionais quanto daqueles de capacidade técnico-administrativa foi bem menor que no primeiro modelo.

O Modelo 3, compreende as transferências dos programas com critérios diferenciados de seleção dos beneficiários (Projovem, Proinfância e Caminho da Escola), estabelecidos pelo MEC/FNDE, com foco na situação educacional dos municípios, os quais expressariam um tratamento desigual, via indução do governo federal, para corrigir desigualdades. Considerando a característica desse grupo, o número de municípios reduz em relação aos modelos anteriores (n=3.782), com 6.575 observações, o que pode explicar o grande número de variáveis sem significância estatística. Neste modelo, apenas três variáveis apresentaram significância estatística e magnitudes suficientes (IDEB, CME, percentual de estatutário) para explicar a variável dependente.

Os resultados apontam que municípios com melhor IDEB continuaram recebendo mais recursos, mesmo em programas que têm o seu desenho e os beneficiários prioritários definidos pelo MEC. Porém, em comparação com os demais modelos, neste, a influência do IDEB nas transferências de recursos foi menor. Mantendo-se tudo mais constante, o aumento de 1.0 no IDEB implica em um aumento de 22% no recebimento de recursos dos programas que integram este modelo. O impacto do IDEB no recebimento de recursos dos programas deste modelo cai 3,8% em relação ao modelo anterior; 17,8% em relação ao primeiro modelo e 43% em relação ao Modelo 4. Isto significa que municípios com IDEB mais alto continuaram a receber mais recursos dos programas mais induzidos pelo MEC, porém em escala bem menor que nos demais grupos de programas.

No conjunto de variáveis que se destinam a avaliar a influência da capacidade técnico-administrativa dos municípios no recebimento de recursos dos programas em análise, apenas a existência de CME teve significância estatística para explicar a variável dependente. A existência de CME no município implicou em um aumento de 27,8% em relação aos municípios que não o têm, mantendo-se as demais variáveis constantes. A variável que analisa a influência da capacidade fiscal do município, bem como a variável de ordem político-partidária não apresentaram significância estatística e, considerando também sua baixa magnitude (muito próxima de zero), não é uma variável explicativa das transferências nesse modelo.

Os resultados do Modelo 3 não permitem afirmar que municípios mais pobres (com menor percentual de receita própria), com a rede física escolar mais precária e com menor IDEB receberam mais recursos de programas induzidos pelo MEC, portanto, não confirmam a hipótese que guiou o modelo estatístico, mas é coerente com as estatísticas descritivas que evidenciam que municípios das regiões Norte e Nordeste, os mais priorizados nessas políticas, continuaram recebendo menos recursos de transferências voluntárias.

O Modelo 4, reúne as transferências de programas abertos a todos os municípios, sendo o recebimento de seus recursos dependente da apresentação de projetos ou de planos por parte do município, portanto, dependem mais da iniciativa do governo municipal. Neste grupo de programas foram beneficiados 4.168 municípios, com 13.529 observações.

Nesse modelo, as variáveis que testam a influência dos mecanismos de indução apresentaram resultados consoantes aos pressupostos da pesquisa. Foi neste modelo que o IDEB mostrou maior efeito no recebimento de recursos. O aumento de 1.0 no IDEB equivale a um aumento de 65% no recebimento de recursos, mantendo-se os demais fatores constantes.

No que se refere ao conjunto de variáveis de medida da capacidade técnico-administrativa dos municípios, apenas as variáveis “existência de CME”, “percentual de estatutários” e “escolaridade do dirigente em nível de pós-graduação” apresentaram significância estatística para explicar o recebimento de recursos dos programas incluídos no Modelo 4. A existência de CME no município aumentou o recebimento de recursos para 31% em relação aos demais, mantendo-se as outras variáveis constantes. Esse percentual é maior que em todos os demais modelos. Em relação ao nível de escolaridade do dirigente municipal de educação, com nível de formação em pós-graduação, ocorreu um aumento de 13,9% em relação àqueles que possuem escolaridade de nível inferior à graduação. A variável de percentual de estatutário no quadro de funcionários do município não apresentou grande impacto, embora tenha aumentado em relação a todos os outros modelos, de forma que, neste, a cada 1% de aumento de funcionários na condição de estatutário no município, há um aumento de 0,3% no recebimento de recursos do grupo. Portanto, pode-se afirmar que municípios com melhores condições de oferta educacional recebem mais recursos quando estes dependem de iniciativas do governo municipal.

Por fim, vale ressaltar que os valores R² são relativamente baixos, indicando que no Modelo 1 e no Modelo 2, respectivamente, penas 21,6% e 20,3% da variância das transferências dos municípios são explicadas pelas variáveis do modelo. Portanto, cabe considerar que outras variáveis não incluídas no modelo podem explicar melhor as transferências. Há que se considerar também que a maioria dos indicadores utilizados são proxies para as variáveis testadas.

CONCLUSÕES

O resultado da análise de regressão indica que municípios com melhores condições de oferta educacional receberam mais recursos da assistência da União ao longo do período analisado, porém, há indicações de que os mecanismos de indução do governo federal melhoraram a situação dos municípios em condições mais desfavoráveis.

Os resultados dos Modelos 2 e 4 indicam que sob tratamento simétrico - seja por meio de critério iguais para todos, seja por meio de “disputa” - os recursos dos programas tendem a beneficiar municípios em melhores condições educacionais ou com maior capacidade técnico-administrativa. Esses fatores se manifestam como características da rede escolar que acabam por incidir sobre o recebimento dos recursos dos programas, em função de suas características.

Os resultados do Modelo 3 possibilita afirmar que os municípios mais pobres (com menor percentual de receita própria) e com condições educacionais mais desfavoráveis não são os mais beneficiados com recursos de transferências voluntárias da União para a educação básica, mesmo com a adoção de mecanismos de indução pelo governo federal para alterar tal realidade. Porém, cabe observar que, nesse modelo, o IDEB apresentou influência menor que nos demais modelos, indicando que a adoção de mecanismos de indução não é suficiente para alterar tal realidade, mas ameniza o efeito dos municípios com maior IDEB no recebimento de recursos.

Os resultados do Modelo 1 explicitam como os dois primeiros grupos de variáveis - condição de oferta da educação e capacidade técnico-administrativa - se complementam porque operam, em grupos diferentes. Assim, quando se consideram as transferências de recursos dos programas de assistência técnica e financeira da União em sua totalidade, há influência positiva tanto do mecanismo de indução do governo federal quanto da capacidade técnico-administrativa do município.

Os resultados corroboram os argumentos de Mendes (2013) acerca da influência da infraestrutura já estabelecida nos municípios no recebimento de recursos e também os argumentos de Abrucio (2010) acerca da influência da capacidade técnico-administrativa dos municípios, no quadro da desigualdade territorial que marca a federação brasileira.

Por outro lado, os resultados mostram também que mecanismos de indução do governo federal podem se sobrepor aos fatores de capacidade técnico-administrativa, na direção dos argumentos de Arretche (2010, 2012, 2015a, 2015b) de que as políticas importam e, mais ainda, o desenho delas importa para a diminuição das desigualdades. No campo específico das políticas de assistência técnica e financeira da União para a oferta e manutenção da educação básica, os resultados da análise de regressão apontam para o efeito positivo do desenho dos programas analisados na diminuição da desigualdade de recursos entre os municípios brasileiros, porém ainda limitados diante do grau e da diversidade da desigualdade entre os municípios.

Desse modo, os resultados, trazem novos elementos para o aspecto analisado por Cruz (2009). Não se pode propriamente afirmar que existe distorção dos critérios dos programas que visam a direcionar os recursos da assistência financeira do MEC, prioritariamente, para as localidades com os mais baixos indicadores de oferta e qualidade da educação e o resultado de suas transferências, pois os fatores de indução do governo federal mostraram influenciar as transferências de recursos para municípios em condições educacionais desfavoráveis. Além disso, houve um grande aumento no valor/aluno recebido pelos municípios das regiões Norte e Nordeste. Porém, os mecanismos de indução ainda não apresentam escopo suficiente para alterar o quadro de desigualdade, de modo que, mesmo com aumento em escala menor comparativamente aos municípios das regiões Norte e Nordeste, no período estudado, municípios de outras regiões continuam recebendo mais recursos.

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1Em valor real, atualizado pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), em setembro de 2015.

2A análise de variância (ANOVA) é um método para se testar a igualdade de três ou mais médias populacionais (hipótese nula) através da análise das variâncias amostrais. Os resultados indicam se a interação entre a variável dependente e as variáveis testadas são significativas

3A base de dados do INEP não apresenta o IDEB dos anos iniciais do ensino fundamental para diversos municípios, principalmente, no período de 2004 a 2009.

4Este é um critério arbitrário das autoras, baseado no conhecimento da rede física escolar e na experiência com o trabalho pedagógico em diversas escolas.

5Os dados para esse grupo de variáveis foram gentilmente cedidos pela Professora Márcia Miranda Soares, do Departamento de Ciência Política da UFMG, para uso exclusivo desta pesquisa.

6Observe-se que o IDEB e o IPRFEM têm escalas em sentidos contrários. Na escala do IDEB, quanto maior o coeficiente, melhor a situação educacional; na escala do IPRFEM, quanto maior o coeficiente, pior é a situação da rede física escolar.

7Tanto a variável de escolaridade em nível de graduação quanto de pós-graduação é em relação à escolaridade inferior a graduação - ensino médio ou outra - categoria omitida pelo modelo por ser a referência analítica

Recebido: 15 de Abril de 2018; Aceito: 21 de Setembro de 2018

Contato: Cacilda Rodrigues Cavalvanti, Travessa Santa Luzia, nº 4 - Bairro Anil, São Luís|MA|Brasil, CEP 65.046-490

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Doutora em Educação pela UFMG. Professora do Departamento de Educação II da UFMA. E-mail:<cavalcanticacilda@gmail.com>.

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Doutora em Educação pela USP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFMG. E-mail:<rosimarfoliveira@gmail.com>.

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