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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.35  Belo Horizonte jan./dez 2019  Epub 17-Jun-2019

https://doi.org/10.1590/0102-4698206349 

Artigos

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NAS ESCOLAS PÚBLICAS PARANAENSES: AVALIAÇÃO DE UMA POLÍTICA EDUCACIONAL EM AÇÃO

MARY ÂNGELA TEIXEIRA BRANDALISE1  *
http://orcid.org/0000-0003-3674-5314

1 Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, Uvaranas, PR, Brasil.


RESUMO:

Este artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa avaliativa sobre a política educacional paranaense focada na promoção do uso das Tecnologias da informação e comunicação (TIC) nas escolas públicas estaduais que aderiram ao projeto CONECTADOS, coordenado pela Diretoria de Políticas e Tecnologias Educacionais da SEED/PR, em 2016. Os instrumentos de coleta de dados foram: a) questionário online, para gestores escolares; b) entrevista semiestruturada com coordenadores do projeto em âmbito estadual. As dimensões avaliadas foram: a infraestrutura das TIC na escola; a participação da equipe gestora, dos professores e alunos; a integração das TIC nas práticas pedagógicas e os resultados alcançados. A análise dos dados empíricos fundamentada na teoria da política em ação de Ball, Maguire e Braun (2012) possibilita inferir que as escolas envolvidas iniciaram um processo de integração das TIC nas práticas pedagógicas que poderá dar suporte para a construção da cultura digital nos contextos escolares.

Palavras-chave: Avaliação de políticas educacionais; Tecnologias educacionais; Teoria da política em ação; TIC na escola

ABSTRACT:

This paper presents the partial results of an evaluative research about the education policy of Paraná, Brazil, focused on promoting the use of Information and Communication Technologies (ICT) in the state public schools that have joined the project CONECTADOS, coordinated by the Policy Department and Educational Technologies of the State Secretariat of Education of Paraná (SEED-PR), in 2016. The instruments of data collection were: a) online questionnaire for school managers; b) semi-structured interview with the project coordinators at the State level. The dimensions assessed were: the ICT infrastructure in the school; participation of the management team, teachers and students; integration of ICT in pedagogical practices and the results achieved. The analysis of the empirical data based on Ball, Maguire and Braun’s (2012) polity theory in action makes it possible to infer that the schools involved started a process of integration of ICT in pedagogical practices that could support the construction of digital culture in school contexts.

Keywords: Evaluation of educational policies; Educational Technologies; Theory of polity in action; ICT in school

INTRODUÇÃO

Toda política educacional diz respeito às decisões que o Estado toma em relação à educação. Assim, os programas não são propostos de forma isolada; em geral, compõem um conjunto de ações de uma determinada política e, por isso, caracterizam-se por sua ligação e institucionalização na administração do Estado. Nesse contexto, a análise de uma política educacional, em cujo âmbito podem existir vários programas e projetos, implica examinar a sua intencionalidade, a qual pode ser clara ou obscura, bem como seu alcance no contexto educacional. Desse modo, é possível desenvolver um estudo visando a análise da política (mais ampla) ou de determinados programas ou projetos que a integram.

Os projetos ligados a determinados programas de uma política educacional têm estruturas menos formais e temporárias, são mais flexíveis. Um programa é constituído por uma variedade de ações, as quais têm um caráter contínuo. Os projetos, por sua vez, têm um horizonte temporal mais limitado que o programa (FERNANDES, 2011). Um programa pode conter certo número de projetos por meio dos quais se busca atingir os objetivos nele estabelecidos. Para a análise de um programa, faz-se necessário considerar o conjunto de projetos que o compõem. Contudo, pode-se optar pela análise de um projeto dentre os que integram determinado programa e/ou política educacional.

A análise crítica da trajetória de políticas educacionais, seus programas e seus projetos, pode valer-se de diferentes referenciais analíticos. Mainardes (2018, p. 189) considera que “[...] o objeto de estudo da política educacional é a análise das políticas educacionais formuladas pelo aparelho de Estado, em seus diferentes níveis e esferas (federal, estadual, municipal)”. O autor explica que há três níveis de análise de políticas educacionais inter-relacionados: no primeiro, localizam-se as pesquisas sobre a formulação, a implementação, a avaliação de políticas e de programas, resultados e consequências; o segundo nível abrange a identificação de mecanismos mais gerais que determinam a configuração das políticas educacionais; e o terceiro nível refere-se à identificação de agendas mais amplas das políticas, ou seja, as estruturas e os condicionantes mais gerais das políticas educacionais. O terceiro nível pode conter o segundo, o qual pode conter o primeiro (MAINARDES, 2018).

Nesse sentido, este artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa avaliativa que se insere no primeiro nível de análise de políticas educacionais, pois refere-se à avaliação do Projeto CONECTADOS desenvolvido em escolas públicas paranaenses no período de 2015-2016. Além desta introdução e das considerações finais, o texto está organizado em três partes: a primeira aborda a política proposta para inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas escolas públicas paranaenses via Projeto CONECTADOS; a segunda discute os pressupostos da teoria da política em ação ou da atuação política e do ciclo de políticas para análise e avaliação de políticas, programas e projetos educacionais; na terceira, faz-se a análise da política em ação a partir dos dados empíricos coletados.

POLÍTICA PARA INSERÇÃO DAS TIC NAS ESCOLAS PÚBLICAS PARANAENSES VIA PROJETO CONECTADOS

As relações sociais, na atualidade, são construídas com a utilização de diversos artefatos tecnológicos, dentre eles os notebooks e netbooks, tablets, celulares, aliada à flexibilidade de acesso à internet, com o uso wireless e da computação nas nuvens. Devido a essa ampliação das condições e das possibilidades de uso de diferentes mídias no espaço virtual, o ciberespaço,1 a cultura digital cada vez mais se acentua na sociedade. Para Kenski (2013, p.62) a “[...] cultura contemporânea está ligada à ideia da interatividade, da interconexão e da inter-relação entre pessoas, e entre essas e os mais diversos espaços virtuais de produção e disponibilização de informações”.

A incorporação em diferentes setores sociais de diversas perspectivas sobre o impacto das tecnologias digitais e da conexão em rede na sociedade fez emergir um fomento para a criação de políticas públicas para o digital e para o surgimento do termo “cultura digital” (CARVALHO JUNIOR, 2009). A complexidade de conceituar cultura digital é discutida por Iannone, Almeida, Valente (2016, p. 57), quando evidenciam que “[...] não é a tecnologia que determina ou contribui para a evolução da cultura digital, mas que ela deve ser reconhecida a partir do recente desenvolvimento tecnológico e de outros conhecimentos que foram construídos nas últimas décadas”.

A cultura digital, como qualquer outro tipo de cultura, é uma construção humana, resultados de transformações tecnológicas e mudanças sociais. A portabilidade é um dos aspectos importantes na cultura digital com as novas tecnologias, tornando os aparelhos cada vez mais sofisticados, agregando diferentes e diversas funcionalidades que permitem conectar-se, comunicar-se, editar textos e imagens, em qualquer tempo e lugar, e, dentre eles, o contexto escolar.

Diante desses avanços tecnológicos, há um forte movimento para a disseminação da cultura digital na sociedade atualmente e, por consequência, na educação, fazendo com que se reflita sobre as práticas pedagógicas e a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem realizado nas escolas. Nessa acepção:

A cultura digital pode ser compreendida como a imersão plena nas redes, e enquanto tal, ela exige repensar a escola, com o fim de gerar cultura não apenas com tecnologias, mas, sobretudo, com vivências, descobertas e experiências de produção e socialização. Ou seja, mediante a imersão ativa dos participantes nos diversos espaços das redes tecnológicas que estão presentes no nosso cotidiano. (PISCHETOLA, 2016, p. 51).

No entanto, as tecnologias por si só não são garantia de uma educação democrática, mas, sim, uma das possibilidades de participação do mundo digital e das redes sociais de comunicação, condições necessárias para formação e vida de todo cidadão.

Embora a inserção e a democratização das tecnologias na educação venham se constituindo objeto das políticas educacionais, de programas e de projetos, a análise dos efeitos e dos impactos do uso pedagógico das tecnologias nas escolas evidenciaram que o uso das TIC, em muitos casos, se limita a atividades pontuais, sem uma efetiva integração curricular. No entanto,

[...] a escola que participa da cultura digital e dialoga com ela assume papel central na formação de estudantes com autonomia para tomar decisões, argumentar em defesa de suas ideias, trabalharem grupo, atuar de forma ativa e questionadora diante dos acontecimentos, dificuldades e desafios, e participar do movimento de transformação social. Nesta escola, o potencial das TIC é incorporado às suas práticas por meio da exploração da mobilidade, da conexão e da multimodalidade, para permitir a autoria do estudante, que busca informações em distintas fontes; estabelece novas relações entre as informações, os conhecimentos sistematizados e aqueles que emergem das conexões nas redes ou são gerados nas experiências de vida; (reconstrói) conhecimentos representados por meio de múltiplas linguagens e de estruturas não lineares; interage e trabalha em colaboração com pares e especialistas situados em distintos lugares. (IANNONE; ALMEIDA; VALENTE, 2016, p. 62).

Na perspectiva defendida pelos autores é que o projeto CONECTADOS2 foi concebido em 2015 para as escolas públicas paranaenses, pela Diretoria de Políticas e Tecnologias Educacionais (DPTE) da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR), visando atender ao Plano de Metas do Governo do Estado do Paraná (2015-2018), a ação 6 do Programa Minha Escola Tem Ação (META)3 e as Diretrizes para uma Política Nacional de Inovação e Tecnologia Educacional 2017-2021.4

O Programa META tem como propósito o fortalecimento da gestão escolar visando à melhoria da qualidade de ensino da Educação Básica paranaense e a redução das taxas de abandono e de reprovação, aprovação por conselho de classe e distorção idade/ano nas escolas. O projeto CONECTADOS, nele inserido, foi implantado e desenvolvido, em 2016, em setenta escolas do Estado do Paraná, e previa a manutenção de recursos tecnológicos a fim de ampliar o acesso às TIC em diferentes ambientes do espaço escolar, para além dos laboratórios de informática, considerando o desenvolvimento de sistemas de informática e a formação de profissionais para uso pedagógico de recursos digitais. Assim sendo, um dos eixos centrais do projeto CONECTADOS é a promoção do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas escolas públicas paranaenses devido à importância e à necessidade de inclusão da escola e de toda a comunidade escolar - gestores, professores, alunos, pais - na cultura digital da sociedade.

O objetivo central do projeto foi estimular a diversificação das práticas pedagógicas nas escolas, com a distribuição de tablets educacionais, ampliando o acesso aos recursos tecnológicos às escolas, aos professores e aos alunos, e contribuir para a melhoria do processo de ensino e de aprendizagem, da organização e da gestão da escola. Em função do objetivo definido, além de atender à ação 6 do Programa META, o projeto CONECTADOS perpassa também as demais ações definidas, como se pode constatar nos objetivos específicos traçados:

- ofertar aos profissionais da educação envolvidos neste processo, atuantes nas escolas indicadas, formação para a administração e uso dos equipamentos distribuídos;

- fomentar o acesso a objetos digitais de aprendizagem consolidando o uso do repositório digital de conteúdos da Seed-PR;

- estimular o uso de aplicativos disponíveis (on-line e off-line) por meio de propostas metodológicas diferenciadas;

- incentivar a prática de produção de objetos educacionais a partir do acesso às ferramentas e aplicativos disponíveis na internet;

- promover o intercâmbio de práticas e diferentes abordagens de ensino com o uso de tablets educacionais entre professores;

- avaliar os efeitos do uso de tablets educacionais na prática pedagógica e na organização escolar. (PARANÁ, 2015, p. 4).

Para a concretização desses objetivos, foram traçadas cinco ações que envolveram: a) adesão dos Núcleos Regionais de Educação (NRE) e seleção/adesão das escolas; b) distribuição dos kits de equipamentos nas escolas; c) instalação de rede de acesso à intranet/internet (com ou sem fio) nas escolas e no acompanhamento técnico; d) oferta de formação continuada para o uso de tecnologias; e) pesquisa, acompanhamento e avaliação das ações desenvolvidas durante o projeto (PARANÁ, 2015, p. 5).

O desenvolvimento do projeto iniciou-se com o convite da DPTE, da (SEED-PR), para todos os NRE paranaenses, os quais tinham a opção de aderir ou não ao projeto. Dos 32 NRE que integram a Rede Estadual de Ensino, apenas quatro não aderiram ao projeto. Os NRE indicaram as escolas que atendiam aos critérios5 definidos no projeto, totalizando um conjunto de 70 escolas estaduais participantes. A escola que aderiu à participação no projeto recebeu um kit de equipamentos contendo 60 tablets, quatro roteadores, cartões de memória e um HD externo, compromisso por parte da SEED-PR de instalação de rede de acesso à intranet/internet (com ou sem fio) nas escolas e acompanhamento técnico.

Além dos equipamentos e suporte técnico, foi ofertada a formação continuada para o uso de tecnologias para os técnicos-pedagógicos dos NRE, gestores e professores participantes das escolas, abordando as ferramentas off-line presentes no tablet, os aplicativos e os recursos educacionais digitais compatíveis com os dispositivos e encaminhamento de propostas de trabalho para utilização do tablet com os alunos. No início do Projeto CONECTADOS, a Seed-PR fez parceria com a Google e utilizou o Google Classroom. Os professores e os alunos que integravam o Projeto receberam um e-mail especial e, junto ao e-mail, o aplicativo. Na formação continuada dos técnicos pedagógicos, das equipes pedagógicas das escolas e nos grupos de estudos, foram apresentados os recursos do aplicativo, bem como as possibilidades de utilização das ferramentas disponíveis na sala de aula. Aos técnicos pedagógicos coube o repasse dos conteúdos estudados aos professores das escolas participantes em encontros de formação continuada, a fim de contribuir para a realização de diferentes práticas pedagógicas com uso das tecnologias nas salas de aula.

As ações desenvolvidas durante a realização do projeto foram acompanhadas e avaliadas pela DPTE e pelos técnicos pedagógicos, por meio de diferentes procedimentos: visitas quinzenais às escolas participantes, registros das visitas e práticas exitosas, questionários online e entrevistas aos participantes e socialização dos resultados em eventos e publicações.

A TEORIA DA POLÍTICA EM AÇÃO OU DA ATUAÇÃO POLÍTICA: PRESSUPOSTOS PARA ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS, DE PROGRAMAS E DE PROJETOS EDUCACIONAIS

O referencial analítico escolhido para a avaliação do Projeto CONECTADOS foi a abordagem do ciclo de políticas, formulada por Stephen Ball e Richard Bowe (1992), e a teoria da política em ação de Ball, Maguire e Braun (2012). Ball e Bowe propuseram o ciclo de vida da política, no livro Reforming education and changing schools, publicado em 1992, considerando cinco contextos:6 o contexto da influência, o contexto da produção de texto, o contexto da prática, o contexto dos resultados/efeitos e o contexto da estratégia política.

Na proposição de Ball e Bowe (1992), o contexto de influência é onde as políticas são pensadas, discutidas, iniciadas, e os discursos políticos são construídos a partir de influências globais/internacionais, nacionais/locais e da articulação entre elas. É nele que grupos de interesses diversos entram em disputa para influenciar a definição das finalidades políticas e sociais da política a ser criada. A análise e a avaliação desse contexto da política podem ser realizadas por meio de pesquisa bibliográfica, com procedimentos variados para coleta de dados, como: análise documental, entrevistas com formuladores e profissionais envolvidos, grupos focais.

O contexto de influência tem uma relação simbiótica, porém não simples ou evidente, com o segundo contexto, denominado de contexto da produção de texto, o qual se refere aos textos políticos produzidos, tanto os oficiais quanto outros originários de outras fontes impressas ou digitais, tais como reportagens, pronunciamentos, vídeos, leis, entre outros. Enquanto o contexto de influência está geralmente relacionado a interesses mais estreitos e ideologias dogmáticas, os textos políticos normalmente estão articulados à linguagem do público de interesse.

Os textos políticos representam a política, embora nem sempre sejam coerentes e claros, e, por vezes, são até contraditórios. Nessa acepção, as políticas são intervenções textuais e carregam limitações materiais e estruturais. A avaliação, nesse contexto, pode ser feita por meio da análise de textos e de documentos, entrevistas com autores de textos de políticas, entrevistas com os envolvidos, entre outros procedimentos (MAINARDES, 2006).

As respostas aos textos políticos têm consequências reais que são vivenciadas no contexto da prática. De acordo com Ball e Bowe (1992), o contexto da prática é onde a política está sujeita à interpretação e à recriação, e produz efeitos e consequências que podem representar mudanças e transformações significativas na política original. Para os autores, o ponto-chave é que as políticas não são simplesmente “implementadas” dentro dessa arena (contexto da prática), mas estão sujeitas à interpretação e, então, a serem “recriadas”. Os profissionais que atuam no contexto da prática não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, mas eles o veem com suas experiências, com seus valores e propósitos, porque

[...] as políticas normalmente não nos dizem o que fazer, elas criam circunstâncias nas quais o espectro de opções disponíveis sobre o que fazer é reduzido ou modificado ou nas quais metas particulares ou efeitos são estabelecidos. Uma resposta ainda precisa ser construída no contexto, contraposta ou balanceada por outras expectativas. Tudo isso envolve algum tipo de ação social criativa. (BALL, 2006, p. 17).

A interpretação e a recriação da política no contexto da prática produzem, portanto, efeitos e consequências que podem acarretar mudanças e transformações significativas na política original. A análise e a avaliação da política no contexto da prática pressupõem o levantamento de dados nos espaços institucionais em que a política é desenvolvida por meio de entrevistas, de observações, de análise documental, de grupos focais, entre outros (MAINARDES, 2006).

As políticas públicas, contudo, mais que resultados, produzem efeitos e impactos, o que constitui o quarto contexto do ciclo de políticas, o contexto dos resultados/efeitos. Questões de justiça, de igualdade e de liberdade individual, gerados pelas políticas, devem ser analisadas considerando-se o impacto e as interações com as desigualdades existentes. A análise e a avaliação da política, nesse contexto, envolvem a análise de documentos e de dados qualitativos e quantitativos coletados por meio de entrevistas, de grupos focais, de grupos de discussão, entre outros.

Na abordagem do ciclo de políticas, os efeitos produzidos pelas políticas podem ser de duas naturezas: a) efeitos de primeira ordem, relacionados às mudanças na prática ou na estrutura de atuação da política; b) efeitos de segunda ordem, relacionados ao impacto dessas mudanças quanto às questões de acesso social, oportunidade e justiça social. Por isso, Stephen Ball, em entrevista a Mainardes e Marcondes (2009), afirma que os resultados e os efeitos de uma política são, em geral, uma extensão da prática. Ball explica que:

Resultados de primeira ordem decorrem de tentativas de mudar as ações ou o comportamento de professores ou de profissionais que atuam na prática. Resultados de segunda ordem também acontecem, ou pelo menos alguns deles acontecem, dentro do contexto de prática, particularmente aqueles relacionados ao desempenho, a outras formas de aprendizado. Obviamente, outros resultados só podem ser observados a longo prazo e desaparecem dentro de outros contextos de realização. (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 306).

O quinto contexto, o da estratégia política, “[...] envolve a identificação de um conjunto de atividades sociais e políticas que seriam necessárias para lidar com as desigualdades criadas ou reproduzidas pela política investigada” (MAINARDES, 2006, p. 55). Nesse contexto, segundo Ball (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 306), “[...] o pensar sobre as políticas e o discurso das políticas podem ser mudados pela ação política. Assim, eles podem ser subsumidos e integrados ao contexto de influência”.

Na discussão sobre a abordagem do ciclo de políticas, fica evidente que, para análise e avaliação de políticas educacionais a partir desse referencial analítico, há de considerar-se que os contextos que as integram não têm dimensão temporal ou sequencial, e não se constituem em etapas lineares ou verticalizadas, mas são integrados e inter-relacionados. Tal perspectiva teórica permite a compreensão do processo político como dialético e multifacetado, a partir da articulação das perspectivas dos contextos macro (o Estado) e micro (espaços institucionais) sociológicos (MAINARDES, 2006). Ainda, complementa Ball:

Os contextos podem ser pensados de outra maneira e podem ser “aninhados” uns dentro dos outros. Assim, dentro do contexto de prática, você poderia ter um contexto de influência e um contexto de produção de texto, de tal forma que o contexto de influência dentro do contexto da prática estaria em relação à versão privilegiada das políticas ou da versão privilegiada da atuação. Assim, podem existir disputas ou versões em competição dentro do contexto da prática, em diferentes interpretações de interpretações. E, ainda, pode haver um contexto de produção de texto dentro do contexto de prática, na medida em que materiais práticos são produzidos para utilização dentro da atuação. Assim, podem existir espaços dentro de espaços. (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 306).

Recentemente, Ball, Maguire e Braun (2012), avançando mais ainda nos estudos sobre o ciclo de políticas, propuseram a teoria da política em ação (theory of policy enactment) ou da atuação política, publicada no livro How schools do policy: policy enactments in secondary schools,7 na Inglaterra, em 2012.8 O termo policy enactment é de difícil tradução. Na língua portuguesa, pode ser entendido como as políticas são colocadas em ação em determinado contexto. A teoria da política em ação “[...] rejeita a noção de que as políticas são implementadas. Elas estão sujeitas a processos de tradução e de interpretação no contexto da prática” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 12).

Na perspectiva defendida pelos autores, as políticas são traduzidas, interpretadas e materializadas de várias maneiras pelos sujeitos nela envolvidos. A interpretação consiste em uma leitura inicial da política com o objetivo de aproximar-se de seu sentido, questionando qual o significado do texto político para os envolvidos e como colocá-lo em ação. A interpretação é um processo político institucional, é uma vinculação com as linguagens da política, enquanto que a tradução está mais próxima da linguagem da prática.

A tradução consiste de um processo interativo de criação de textos institucionais e de colocação desses textos em ação e, para isso, pode-se utilizar de táticas que incluem a realização de palestras, reuniões, encontros, planos, eventos, bem como produzir artefatos e emprestar ideias e práticas de outros contextos, adquirir materiais, consultar websites oficiais e receber suporte oferecido por membros das autoridades locais. “A interpretação é sobre a estratégia e a tradução é sobre táticas, mas elas também são por vezes, intimamente entrelaçadas e sobrepostas. Elas trabalham juntas para registrar ou abordar assuntos e inscrever o discurso nas práticas” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 72).

A elaboração de políticas para/nas escolas, segundo os autores, é entendida como “[...] um conjunto complexo de processo de interpretação e tradução, que são contextualmente mediados e institucionalmente concebidos” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 198). Nessa perspectiva, é relevante trazer novamente o pensamento de Ball, em entrevista a Mainardes e Marcondes (2009), quando afirmou:

[...] quero rejeitar completamente a idéia [sic] de que as políticas são implementadas. Eu não acredito que políticas sejam implementadas, pois isso sugere [sic] um processo linear pelo qual elas se movimentam em direção à prática de maneira direta. Este é um uso descuidado e impensado do verbo. O processo de traduzir políticas em práticas é extremamente complexo; é uma alternação entre modalidades. A modalidade primária é textual, pois as políticas são escritas, enquanto que a prática é ação, inclui o fazer coisas. Assim, a pessoa que põe em prática as políticas tem que converter/transformar essas duas modalidades, entre a modalidade da palavra escrita e a da ação, e isto é algo difícil e desafiador de se fazer. E o que isto envolve é um processo de atuação, a efetivação da política na prática e através da prática. (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 305).

Os autores afirmam que colocar as políticas em prática é um processo complexo, não linear, sofisticado e criativo, porque elas entram em ação em condições materiais diferenciadas, com recursos variados, em relação às tarefas específicas, ou seja, a teoria da atuação da política atribui ao contexto um papel fundamental. As dimensões materiais, estruturais e relacionais precisam ser incorporadas na análise de políticas, a fim de que se possa compreender melhor a atuação da política em âmbito institucional. Tais condições são denominadas dimensões contextuais da atuação da política. São elas:

- contextos situados (por exemplo: histórias da escola, cenário local, matrículas);

- culturas profissionais (por exemplo: valores, compromissos e experiências dos professores e gestão nas escolas);

- contextos materiais (por exemplo: recursos humanos, financeiro, infraestrutura, tecnologia);

- contextos externos (por exemplo: nível e qualidade de apoio da autoridade local, pressões e expectativas do contexto político mais amplo, como classificações, índices e taxas a serem atingidas, rankings, exigências e responsabilidades legais). (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 38).

A relevância da definição das dimensões contextuais, segundo os autores, consiste em primeiro lugar no fato de que as políticas são colocadas em ação em ambientes, tais como as escolas, que se diferem muito nas questões de recursos humanos, materiais e financeiros, na infraestrutura, no histórico das instituições, no perfil socioeconômico dos alunos, entre outros aspectos. Em segundo lugar, que a escola é geralmente concebida como uma organização homogênea sem o devido reconhecimento das diferentes culturas, histórias, tradições, valores, compromissos, que nela coexistem. Por fim, os autores explicitam que as pressões externas sobre o desempenho da escola, para atender determinadas metas, é sempre determinante nas ações que ela realiza.

Uma política, um programa ou um projeto educacional sofrem inúmeras influências nos contextos onde são colocados em ação, ou seja, o contexto é único para cada escola, para cada instituição, é uma força atuante e não apenas um pano de fundo nelas operado. “O contexto inicia e ativa processos de políticas e escolhas que são continuadamente construídos e desenvolvidos, tanto de dentro quanto de fora, em relação aos imperativos e às expectativas de política” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 42). Assim sendo, o contexto é um fator mediador no trabalho de atuação das políticas realizado nas escolas.

Considerando o breve diálogo estabelecido com os autores sobre a abordagem do ciclo de políticas, a teoria da atuação política e as dimensões contextuais, pode-se apontar a importância de pesquisas voltadas à análise de políticas educacionais, quando colocadas em ação em contextos variados, ou seja, como elas são recontextualizadas, interpretadas e traduzidas, nos espaços formativos e nas instituições escolares. A pesquisa avaliativa realizada sobre o projeto CONECTADOS, desenvolvido nas escolas públicas paranaenses, foi fundamentada em tais pressupostos teóricos, “[...] considerando que investigar a escola na cultura digital significa considerá-la como unidade fundamental de ação e formação do professor e do estudante, de pais e responsáveis, da comunidade escolar como um todo” (IANNONE; ALMEIDA; VALENTE, 2016, p. 64).

As unidades de referência definidas para a realização da pesquisa foram: a escola, os gestores da escola (diretor e equipe pedagógica) e os gestores públicos, cujas dimensões pesquisadas estão especificadas no Quadro 1.

Fonte: Dados da pesquisa.

QUADRO 1 Universo de pesquisa, unidades de análise e dimensões de investigação propostas na Pesquisa Projeto Conectados 

CONECTADOS NO CONTEXTO DAS ESCOLAS PÚBLICAS PARANAENSES: A ATUAÇÃO POLÍTICA DE COORDENADORES E DE GESTORES ESCOLARES

Nesta seção, analisa-se como os sujeitos que participaram do projeto CONECTADOS colocaram essa política em ação (enactment), em um processo de interpretação e tradução (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012), a partir da avaliação de seus formuladores/coordenadores, integrantes da DPTE (SEED-Pr) e das escolas que aderiram ao projeto, representadas pelos diretores e pelas respectivas equipes pedagógicas.

Os procedimentos de coleta de dados foram: a) análise dos documentos do projeto CONECTADOS; b) entrevistas semiestruturadas com os coordenadores do projeto; c) questionário online elaborado no Google Docs, contendo questões abertas e fechadas, encaminhado para 70 escolas participantes do projeto.

Os dados empíricos coletados junto às equipes gestoras foram extraídos dos 59 questionários online respondidos pelas escolas. Cada uma delas recebeu um código com a letra “E” (Escola), seguida de uma numeração, sendo as escolas assim identificadas E1, E2, E3, ..., E59. De modo análogo, os coordenadores do projeto, da DPTE, estão identificados por C1, C2, C3, C4.

Considerando as dimensões da pesquisa (Quadro 1), foram elaborados os indicadores de avaliação do projeto quanto: à adesão dos NRE e das escolas ao projeto; à participação da equipe pedagógica na formação continuada e no desenvolvimento do projeto; à participação dos professores da escola na formação continuada e no grupo de estudos; ao planejamento das atividades pelos professores; à utilização dos tablets nas salas de aula; aos resultados/efeitos do uso dos tablets nas práticas pedagógicas dos professores, na aprendizagem dos alunos e na organização da escola.

A análise dos dados coletados foi realizada em uma perspectiva qualiquantitativa, e os depoimentos dos coordenadores às entrevistas e da equipe gestora das escolas às questões abertas do questionário foram organizados conforme a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo - DSC, de Lefèvre e Lefèvre (2005a, 2005b).9

A opção pela metodologia do DSC foi considerada como adequada, uma vez que ela possibilita observar o pensamento coletivo sobre um determinado tema a partir da reunião do pensamento individual presente nos depoimentos dos respondentes, que, neste estudo, foi a avaliação do projeto CONECTADOS.

Em termos metodológicos, o pensamento coletivo está mais validamente presente no indivíduo que no grupo, uma vez que o pensamento coletivo é a presença, internalizada no pensar de cada um dos membros da coletividade, de esquemas sociocognitivos ou de pensamento socialmente compartilhado. Para obter o pensamento coletivo, é preciso, então, convocar os indivíduos, um a um, o universo ou uma outra amostra representativa de uma coletividade, para que cada indivíduo possa expor seu pensamento social internalizado, livre da expressão psicossocial do grupo, e para que o conjunto dessas individualidades opinantes possa representar, sociológica e estatisticamente, uma coletividade. (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005b, p. 20).

Explicam os autores que o sujeito coletivo se expressa por meio de um pensamento social, ou seja, de um “eu” coletivo que, ao mesmo tempo, sinaliza a presença de um sujeito individual. Dessa forma, “[...] o DSC é uma estratégia metodológica que, utilizando uma estratégia discursiva, visa tornar mais clara uma dada representação social, bem como o conjunto das representações que conforma um dado imaginário” (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005a, p. 19).

Para a elaboração do DSC parte-se dos discursos em um estado bruto que são submetidos a um trabalho analítico inicial de decomposição que consiste, basicamente, na seleção das principais ancoragens e/ou ideias centrais presentes em cada um dos discursos individuais e em todos eles reunidos, e que termina sob uma forma sintética, onde se busca a reconstituição discursiva da representação social. (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005a, p. 20).

A metodologia do DSC é formada pelas figuras metodológicas: expressões-chave, ideias centrais e discursos do sujeito coletivo. As expressões-chave (ECH) são transcrições que revelam a essência do depoimento dos respondentes, ou seja, mostra o conteúdo de determinados trechos de forma descritiva, sendo a matéria-prima do pensamento coletivo. A ideia central (IC) é a descrição do sentido de um depoimento ou de um conjunto de depoimentos.

O DSC é constituído pela reunião de ECH contidas nos depoimentos, os quais têm IC de sentido semelhante ou complementar (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005a, p. 20). Assim, um DSC constitui-se um discurso síntese redigido na primeira pessoa do singular formado pelas ECH de uma mesma IC. Após a coleta dos dados, o DSC pode ser elaborado manualmente ou com a utilização do software Qualiquantisoft,10 considerando os seguintes procedimentos:

  • transcrição literal das respostas dos sujeitos participantes da pesquisa;

  • leitura de cada resposta para identificação das expressões-chave;

  • seleção das expressões-chave presentes em cada resposta;

  • identificação das ideias centrais das expressões-chave;

  • reunião das expressões-chave de cada uma das ideias centrais;

  • elaboração do DSC a partir das expressões-chave, contidas nas ideias centrais, encadeando-as narrativamente de modo que apresentem uma estrutura clara e coesa, a fim de expressar o pensamento coletivo dos sujeitos da pesquisa.

No exemplo seguinte, é possível observar o processo de organização e de análise dos dados, conforme a metodologia do DSC. Após a leitura do corpus empírico transcrito, foram extraídas as expressões-chave contidas em cada uma delas, as quais revelavam a essência do pensamento individual dos sujeitos da pesquisa sobre os processos de formação continuada desenvolvidos no projeto. No Quadro 2, está apresentado um fragmento desse processo metodológico.

Fonte: Dados da pesquisa.

QUADRO 2 Expressões-chave extraídas das respostas dos gestores ao questionário de pesquisa 

As expressões-chave agrupadas no Quadro 2, conforme a similaridade e a complementaridade de sentidos, compõem a ideia central (IC): importância do processo formativo para os professores das escolas participantes do Projeto CONECTADOS. Considerando que, na metodologia do DSC, a reunião das expressões-chave contém a essência dos depoimentos individuais, ao serem organizadas, elas formam um todo discursivo, denominado de Discurso do Sujeito Coletivo, que pode ser assim apresentado:

DSC: Importância do processo formativo para os professores das escolas participantes do Projeto CONECTADOS:

O tempo para a formação foi muito valioso, acarretando troca de experiências e planejamento interdisciplinar (E11). Os professores receberam mais informações sobre informática, sentiram-se mais preparados para trabalhar com novas tecnologias e metodologias com os alunos, implementando assim suas aulas e tornando-as mais atrativas (E17). Importante também foi a busca do conhecimento dos docentes para utilizar novas ferramentas; a disponibilidade e prontidão do professor-tutor em sanar sempre dúvidas (E8), e a presença e acompanhamento do funcionário do NRE para dar o suporte necessário para que o Projeto acontecesse (E41) e, por fim, a troca de experiências e interesse dos professores, que mesmo estando sobrecarregados permaneceram no curso até o final da formação (E33).

Esse DSC é formado pelas expressões-chave de cinco participantes da pesquisa, identificados nesse exemplo por E8, E11, E17, E33, E41. Como a proposta metodológica do DSC enfatiza o pensamento coletivo, a identificação do sujeito no corpo do DSC pode ou não ser inserida, opção que cabe ao pesquisador. Neste artigo, optamos por utilizá-las em todos os Discursos do Sujeito Coletivo.11

A organização, a apresentação e a discussão dos resultados da pesquisa estão na sequência do texto, em cinco eixos de análise: I) adesão das escolas ao projeto CONECTADOS; II) infraestrutura das TIC e o uso dos tablets nas escolas; III) participação da equipe gestora, dos professores e dos alunos no projeto; IV) integração das TIC nas práticas pedagógicas e os resultados/efeitos alcançados; V) desafios e perspectivas das TIC nas escolas públicas paranaenses.

ADESÃO DAS ESCOLAS AO PROJETO CONECTADOS

A adesão ao projeto foi considerada muito boa por 53% das escolas participantes, boa por 42% e regular por 5% delas. Os coordenadores da DPTE explicitaram como se deu esse processo de inserção no projeto pelos NRE e escolas a eles vinculadas, como revela o DSC1:

DSC1: O processo de adesão ao Projeto CONECTADOS pelas escolas estaduais:

O projeto foi apresentado a todos os NRE. A estes também foi consultada a participação. Quatro NRE do Estado não aderiram ao CONECTADOS, alegando excesso de atividades e impossibilidade de atendimento dentro dos moldes apresentados. Para os NRE que aderiram, foi solicitada a indicação de escolas dentro de critérios pré-estabelecidos. Ao indicarem as escolas, os NRE deveriam fazer uma reunião com o gestor e equipe pedagógica das escolas, apresentando o projeto e verificando se estas escolas aceitariam participar. Os NRE, quando nos encaminharam as escolas indicadas, já nos passaram os nomes daquelas que haviam aceito o desafio. Vale lembrar que as escolas indicadas para os NRE que não aderiram foram remanejadas para outros NRE (C4). As escolas, ao aceitarem, conheciam toda a metodologia de trabalho proposta para o projeto. No termo de adesão que elas assinaram, isso estava bem determinado: qual seria o papel da Secretaria, qual seria o papel do Núcleo e qual seria o papel da escola durante todo andamento e desenvolvimento do projeto (C1). Entre a reunião com as escolas em novembro de 2015 e o início das atividades em março de 2016, tivemos uma troca de gestão em algumas escolas, pois houve eleição de diretores. Em algumas escolas, esse foi um fator complicante, pois o novo gestor entendia que não havia assumido tal compromisso. Para nós, esse entendimento foi curioso pois atribui a uma única pessoa e não ao coletivo da escola a participação em projetos. Nessas escolas, podemos afirmar que não obtivemos um retorno positivo (C4).

O DSC1 expressa que a opção pela adesão ao Projeto CONECTADOS se deu conforme os contextos situados dos NRE e das escolas estaduais, o que se justifica, porque o “[...] contexto é uma força ‘ativa’, não é apenas um pano de fundo com as quais as escolas têm que operar. O contexto inicia e ativa processos de políticas e escolhas que são continuadamente construídos e desenvolvidos” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 42). Outro aspecto que fica evidente nos depoimentos é que os valores, os compromissos, as experiências da equipe gestora são fatores decisivos para a gestão da política na escola. As escolas têm culturas profissionais, perspectivas e atitudes distintas que se constituem temporalmente e refletem as respostas políticas de forma singular, dependendo de como elas são compreendidas pelos atores.

INFRAESTRUTURA DAS TIC E O USO DOS TABLETS NAS ESCOLAS

As escolas que aderiram ao projeto CONECTADOS pertencem a diferentes NRE do Paraná. São, portanto, oriundas de regiões e municípios diversos, de diferentes contextos sociais e econômicos, e com diferentes estruturas organizacionais e físicas. Foram quase unânimes nos depoimentos dos respondentes tanto as fragilidades da estrutura física para a alocação de equipamentos tecnológicos dessas escolas quanto a qualidade das redes de internet, rede wireless, devido à baixa velocidade e à capacidade para atendimento dos grupos de alunos participantes. Aliada a essas deficiências, somou-se a qualidade dos tablets enviados às escolas, pois o funcionamento deles era demasiadamente lento, não possibilitando, muitas vezes, a utilização de aplicativos nas atividades planejadas pelos docentes. A utilização dos tablets foi considerada regular por 43% das escolas, boa por 38% e muito boa apenas por 19% deles, dados que revelam as diferenças contextuais das escolas com suas dificuldades materiais e estruturais, como se pode constatar nos depoimentos contidos nos DSC 2, 3, 4:

DSC2: Tablets com recursos tecnológicos defasados/obsoletos:

O projeto foi um marco na história de nosso colégio, e, apesar de muitos entraves, foi um grande sucesso (E8). O Projeto CONECTADOS é muito bom, estimula a aprendizagem e torna as aulas mais atrativas. Entretanto, os tablets não funcionaram, foi necessário usar os laboratórios de informática e os celulares dos alunos, quando estes os possuíam (E13). A utilização dos tablets nas salas de aula se deu de forma regular devido à baixa qualidade dos dispositivos móveis; assim sendo, os alunos preferiram usar seus próprios smartphones (E37). Para que possamos ser CONECTADOS, é preciso investir em internet de alta qualidade e tablets modernos. A maioria dos tablets está obsoleta. Sem isso, CONECTADOS é utopia (E1).

DSC3: Necessidade de investimentos para melhorias das redes de internet das escolas pela mantenedora:

Além disso, a rede de conexão com a internet é insuficiente, inviabilizando o trabalho com os tablets nas salas de aula. Aguardamos a liberação do recurso para ampliação da rede que estava previsto no momento da adesão ao projeto CONECTADOS (E13). Somos favoráveis à inovação e utilização das mídias no processo de ensino e aprendizagem, porém jamais será eficiente e atingirá os resultados pretendidos se a mantenedora não proporcionar condições adequadas de instalação e potência da internet nas escolas (E4).

Também os coordenadores da SEED-PR se manifestaram quanto à utilização dos tablets no projeto CONECTADOS apontando as reformulações que aconteceram:

DSC4: Reformulações no projeto inicial devido às fragilidades materiais e estruturais das escolas:

A gente percebeu isso em relação aos tablets bem no começo do projeto. A proposta inicial era focar o tablet e uma infinidade de aplicativos com ele. Mas, por conta de algumas questões técnicas, isso acabou ficando meio inviável, pela capacidade de processamento do tablet, por exemplo, porque algumas coisas para os quais os professores queriam utilizar o tablet não davam conta. Mas nós conseguimos perceber isso logo nos primeiros meses do grupo de estudo e a gente acabou modificando a nossa proposta inicial para não só pensar no tablet, mas também em outros recursos que eles tinham na escola, inclusive nos dispositivos móveis dos alunos. Então, não sei se dá para dizer, que no 3º ou 4º encontro do grupo de estudos para frente o foco não era mais somente o tablet, mas todos os dispositivos que estavam disponíveis na escola (C1). [...] mesmo com essas dificuldades, o projeto aconteceu, e às vezes pela falta de conexão, você ter que trabalhar com conteúdo off-line, ou seja, você acabava dando um jeito de chegar lá também, isso foi interessante (C2).

Os depoimentos revelam como a política foi interpretada, traduzida e modificada no contexto da prática, face às fragilidades na infraestrutura das escolas quanto à qualidade das redes de internet, ou seja, devido aos contextos materiais das escolas para utilização de novas tecnologias - como referem Ball, Maguire e Braun (2016) -, e o não cumprimento da liberação de recursos financeiros pelo Estado, conforme definido na proposição inicial do projeto. Ao depararem-se com a qualidade insuficiente dos tablets para rodar determinados aplicativos nas atividades em sala de aula, os professores buscaram alternativas com outros dispositivos móveis como, por exemplo, os celulares dos alunos, o que revela que a política em ação foi recontextualizada e modificada, conforme as condições materiais disponíveis nas salas de aula e nas escolas participantes. Ficou assim evidente que os contextos materiais das escolas tiveram um impacto considerável sobre o Projeto CONECTADOS (a política) em ação.

PARTICIPAÇÃO DA EQUIPE GESTORA, DOS PROFESSORES E ALUNOS NO PROJETO

A participação das equipes pedagógicas das escolas nos encontros de formação continuada foi considerada muito boa por 61% e boa por 39% dos gestores que participaram da pesquisa. Já a participação dos professores foi avaliada como muito boa por 41%, boa por 51% e regular por 8% deles. Quanto à participação dos professores nos grupos de estudo, 41% dos gestores a consideraram muito boa, 54% boa e 5% regular. Quanto ao planejamento das atividades pelos professores, 49% consideraram como muito bom, 42 % como bom e 8% como regular. As respostas ao questionamento sobre a participação nos encontros de formação colocaram em destaque a formação referente à utilização da tecnologia nas práticas pedagógicas:

DSC5: A importância do processo formativo desencadeado nas escolas:

O tempo para a formação foi muito valioso, acarretando troca de experiências e planejamento interdisciplinar (E11). Os professores receberam mais informações sobre informática, sentiram-se mais preparados para trabalhar com novas tecnologias e metodologias com os alunos, implementando assim suas aulas e tornando-as mais atrativas (E17). Importante também foi a busca do conhecimento dos docentes para utilizar novas ferramentas; a disponibilidade e prontidão do professor-tutor em sanar sempre dúvidas (E8), a presença e o acompanhamento do funcionário do NRE para dar o suporte necessário para que o Projeto acontecesse (E41) e, por fim, a troca de experiências e interesse dos professores, que mesmo estando sobrecarregados, permaneceram no curso até o final da formação (E33).

O processo formativo desencadeado nas escolas pelo projeto CONECTADOS, segundo os depoimentos contidos no DSC5, foi uma oportunidade para os participantes construírem capacidades para fazer a gestão do uso pedagógico das tecnologias na sala de aula, o que permite inferir que a formação continuada dos professores é um dos elementos-chave para a inserção das TIC na escola, pois desencadeia reflexões pedagógicas coletivas e “[...] exige pôr em discussão práticas didáticas estabelecidas e cenário de ensino-aprendizagem conhecidos [...]. Trata-se de discutir, de forma aberta com os professores, sobre as vantagens e desvantagens das TICs na educação, buscando sinais de abertura e estimulando a autorreflexão” (PISCHETOLA, 2016, p. 126). Os depoimentos contidos nos DSC6, 7 e 8 confirmam esse processo:

É necessário que haja o fomento das novas tecnologias no contexto educacional, que os professores sejam capacitados e tenham as condições para promover a inclusão digital e melhorar o ensino-aprendizagem tendo os recursos como instrumentos de mediação do processo de ensino-aprendizagem. Por maiores que sejam os desafios, é preciso enfrentá-los e o CONECTADOS é meio de promover esse processo e até mesmo reivindicar melhores condições no que concerne à aquisição de novas tecnologias e à capacitação para tal (E52).

O que vale ser ressaltado é o envolvimento tanto da equipe pedagógica, quanto dos professores e alunos na realização das atividades. O grupo foi além das expectativas, abraçando as propostas de trabalho numa abordagem ampla e objetiva, e a comunidade escolar foi mobilizada no que tange à inclusão digital no contexto educacional (E10). Nas aulas em que são utilizados os recursos tecnológicos, os alunos participam mais ativamente e apresentam menos problemas de disciplina (E31). Houve maior integração entre os alunos, maior aceitação ao uso das novas tecnologias (E9). Os alunos que participaram se sentiram importantes e melhoraram seu desempenho (E5).

Os coordenadores da SEED-PR, ao avaliaram a participação dos sujeitos das escolas no projeto CONECTADOS, destacaram que:

DSC8: A participação dos sujeitos das escolas durante a realização do projeto:

Os que estavam diretamente envolvidos com o projeto, a gente percebeu um grande engajamento, um grande entusiasmo com o projeto, mas destes que estavam diretamente envolvidos. A ideia era justamente criar uma célula e expandir, ou seja, a gente até está nesse processo de expansão, ou seja, a gente plantou a semente, plantou a ideia, ela precisa crescer ali dentro daquele ambiente escolar, para depois a gente poder transpor para outros ambientes, mas precisa consolidar naqueles nos quais já foram trabalhados (C2). Se a escola se engajou e se envolveu, a equipe pedagógica foi extremamente presente, replicou e estimulou os professores no andamento do projeto. É claro que a gente teve alguns casos que por uma infinidade de questões que independiam da escola e da equipe pedagógica, eles não conseguiram estar presentes, até por conta de todas as demandas que eles têm dentro da escola (C1).

A participação dos envolvidos no projeto CONECTADOS, em todos os momentos de seu desenvolvimento, revelou o compromisso da grande maioria dos sujeitos que o integrou, compromisso que favoreceu o uso de novas tecnologias no contexto da escola e da sala de aula, qualificando o processo de ensino e de aprendizagem e gerando um movimento institucional disseminador de uma nova cultura, a cultura digital, como defendem Iannone, Almeida, Valente (2016).

INTEGRAÇÃO DAS TIC NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E OS ESULTADOS/EFEITOS ALCANÇADOS

A utilização dos tablets e outros dispositivos móveis, e seus resultados e efeitos nas práticas pedagógicas, na aprendizagem dos alunos e na organização da escola, foi avaliada pelos participantes conforme dados apresentados na Tabela 1:

TABELA 1 Avaliação dos resultados/efeitos do Projeto Conectados - 2017 

Resultados /Efeitos Muito bom Bom Regular
Os resultados/efeitos do uso dos tablets e/ou outros dispositivos móveis nas práticas pedagógicas dos professores 29% 44% 27%
Os resultados/efeitos do uso dos tablets e/ou outros dispositivos móveis na aprendizagem dos alunos 22% 49% 29%
Os resultados/efeitos do desenvolvimento do projeto na organização da escola 32% 54% 14%

Fonte: Dados da pesquisa.

A avaliação dos resultados/efeitos do projeto CONECTADOS revela que eles foram considerados bons, uma vez que os maiores valores percentuais se concentrarem no item “Bom” da escala de avaliação (44%, 49%, 54%). A variabilidade das opiniões fica evidenciada no DSC9, quando os depoentes explicam os resultados/efeitos observados:

DSC9: A utilização pedagógica das TIC nas práticas pedagógicas:

Os resultados foram satisfatórios, sendo que com a adesão deste projeto os professores passaram a incluir os dispositivos móveis como o tablet e o celular na prática pedagógica, e também o laboratório de informática passou a ser mais utilizado no decorrer do projeto. As tecnologias estão ao alcance da maioria das pessoas e inseri-las no processo ensino-aprendizagem faz com que haja a ampliação do conhecimento e a melhoria da qualidade do ensino (E26). O projeto oportunizou a utilização pedagógica de diversas mídias educacionais. Sabemos da importância da aprendizagem móvel e a utilização desses equipamentos. A prática docente pode apresentar mudanças na qualidade do trabalho desenvolvido no ambiente escolar. Foi possível perceber a necessidade de adequação a esse estilo de aprendizagem, pois os alunos têm maior interesse de aprender dessa forma (E7).

DSC10: Os efeitos da utilização das TIC no processo de ensino, avaliação e aprendizagem:

A diversificação metodológica a partir do trabalho com as novas mídias melhorou a qualidade do processo de ensino e aprendizagem (E1). As aulas ficaram mais atrativas e dinâmicas e, também, houve uma mudança significativa na forma de avaliar os alunos (E18). Constatamos que os tablets fornecidos estão sendo utilizados por muitos professores em sala de aula, como instrumentos de fonte de pesquisas em vários sites, dos mais variados assuntos. Isso é muito importante para a aprendizagem dos alunos (E22).

O objetivo do projeto CONECTADOS foi estimular a diversificação das práticas pedagógicas, por meio da distribuição de tablets educacionais e da ampliação do acesso aos recursos tecnológicos às escolas, aos professores e aos alunos. Além disso, contribuir para a melhoria do processo de ensino e de aprendizagem e para a organização e gestão da escola. Nesse sentido, pode-se inferir que, embora a política tenha sido recontextualizada no contexto da prática, devido às condições contextuais das escolas e da mantenedora, a atuação dos professores e das equipes pedagógicas, ao transformarem os textos políticos (interpretarem e traduzirem) em situações viáveis dentro da complexidade do ambiente de sala de aula em que eles se materializaram, foi fundamental. Como afirmam Ball, Maguire e Braun (2016, p. 198), “[...] as políticas serão abertas a mudanças situadas; elas podem integrar-se em formas mais antigas de trabalho - a história de discursos anteriores - e tornar-se invisíveis ou afirmadas dentro de novas tecnologias e novas formas de fazer a escola”.

DESAFIOS E PERSPECTIVAS DAS TIC NAS ESCOLAS PÚBLICAS PARANAENSES

Ao avaliarem o desenvolvimento do projeto, os coordenadores da SEED-PR apontaram que um dos desafios foi a superação de preconceitos e de resistências ao uso pedagógico das tecnologias, no interior das escolas, como expressa o pensamento coletivo do DSC11:

DSC 11 - Superação das resistências ao uso pedagógico das tecnologias nas escolas:

A primeira questão importante é a quebra do preconceito com a tecnologia dentro do estabelecimento de ensino, porque a gente sabe que ainda existe uma relutância em sala de aula; enfim, se não houver realmente um projeto para aquilo, se estiver tudo solto, não haverá aula e cada um fica com seu aparelho, com seu dispositivo, seu tablet .... Acho que o primeiro momento foi essa quebra de estigma, ou seja, a tecnologia está aqui e ela pode e deve estar em sala de aula, dentro da escola (C2).

Outro aspecto evidenciado nas entrevistas com os coordenadores do Projeto CONECTADOS foi que a cultura digital é uma construção coletiva, e a formação de professores precisa adotar uma postura crítica, que ao mesmo tempo valorize a introdução das TIC no currículo e favoreça o desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras no interior das escolas, tendo o processo de ensino e de aprendizagem como foco central. “O uso intensivo das mais novas tecnologias digitais e das redes transforma as dimensões da educação e dá à escola o ‘tamanho do mundo’ [...]. Exige investimento maciço em equipamentos, pesquisas permanentes para atualização das tecnologias, programas e softwares” (KENSKI, 2010, p. 124, grifo da autora).

DSC12: Cultura digital como construção coletiva e contínua no contexto escolar:

Esse projeto, ele é um primeiro passo, é uma construção, e ela leva tempo. Então, uma coisa é um professor trabalhar com uma tecnologia sozinho, na sua disciplina na escola, à maneira dele. Outra coisa é uma escola que abraça uma ideia e quer desenvolver. Isso passa primeiro pela adesão, depois alguns participaram de formação, discussão e reflexão, e chegaram até o final, outros não. E alguns nem chegaram a participar. É muito provável que, se formos hoje às escolas, o quadro de professores não seja mais o mesmo, e tenha se modificado. Então, essa construção de cultura, de cultura digital nas escolas, demora um pouco de tempo. A gente não pode ter essa ansiedade de ter resultados muito rápidos (C3).

A cultura digital nas escolas, como bem expressa o DSC12, exige uma nova mentalidade de educação que considere a relevância e o poder educacional das novas tecnologias no contexto escolar. É um processo de construção coletiva que pressupõe participação dos gestores, dos professores e dos alunos, exigindo mudanças na estrutura e no funcionamento das escolas e nos espaços e tempos de ensino e aprendizagem (KENSKI, 2010), envolvendo os contextos externos, cujas pressões e expectativas exercem influência na gestão da política na escola, neste caso a DPTE, os NRE e as equipes gestoras das escolas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos resultados da pesquisa, a partir da teoria da política em ação de Ball, Maguire e Braun (2016), evidenciou como as escolas lidaram realmente com as demandas que se apresentavam, ou seja, como ela foi realizada no contexto da prática. Os diferentes modos que elas criativamente trabalharam para desenvolver as práticas fora dos textos da política do projeto CONECTADOS, em função de suas realidades situadas, foram contextualmente mediados e institucionalmente concebidos, o que gerou um processo de recontextualização que produziu práticas heterogêneas, dependendo dos atores da política e de como ela foi teorizada em cada escola.

Como uma política educacional paranaense desenvolvida com o propósito de fomentar a cultura digital nas práticas pedagógicas das escolas estaduais, pode-se afirmar que o projeto CONECTADOS possibilitou para as escolas envolvidas dar os primeiros passos para a construção da cultura digital na escola, e que ela pode e deve estar em sala de aula, e na escola. No entanto, acredita-se que ainda são necessários o aprimoramento e a continuidade das ações, bem como a ampliação do projeto CONECTADOS, a fim de viabilizar a construção da cultural digital nas escolas públicas paranaenses.

A distinção entre implementação de políticas e atuação de políticas está em que, enquanto muita atenção é voltada a avaliar a implementação da política, ou seja, o quanto ela é bem desenvolvida na prática, pouco atenção é dada para a compreensão e a documentação das maneiras pelas quais as escolas realmente lidam com demandas de política em função de suas realidades situadas - um processo de recontextualização que produz algum grau de heterogeneidade na prática.

A pesquisa revelou a necessidade de melhorias nos contextos materiais das escolas, ou seja, na infraestrutura, para o uso pedagógico das TIC na sala de aula. Além disso, denotou a importância da mobilização contínua dos sujeitos da escola - gestores, professores, alunos e pais - à participação das ações do projeto, considerando a cultura profissional e os contextos situados das escolas participantes.

A formação continuada dos gestores e dos professores foi considerada um elemento chave para a integração das TIC nas práticas pedagógicas cotidianas realizadas na escola, pois dá suporte técnico e pedagógico às dificuldades que surgem no processo de ensino e de aprendizagem. Ainda que o projeto CONECTADOS tenha envolvido apenas 70 escolas estaduais em 2016, os resultados da pesquisa permitem inferir que mudanças ocorreram tanto na organização das escolas como no trabalho docente voltado à integração das TIC nas práticas pedagógicas.

Cabe ainda mencionar que, na avaliação do projeto CONECTADOS, realizada pelos coordenadores da DPTE, resultados similares aos encontrados nesta investigação foram apontados. São eles: a) há necessidade da renovação do parque tecnológico nos estabelecimentos de ensino; b) a participação dos professores é mais efetiva quando o coletivo escolar é convidado a participar de determinadas ações do Projeto; c) há fragilidades na visão e nas competências quanto à utilização de tecnologias digitais por parte da gestão e dos professores das escolas; d) há necessidade de formação continuada adequada à realidade de cada estabelecimento de ensino (PARANÁ, 2016).

Considerando os resultados da experiência do Projeto CONECTADOS 2015-2016 , o Plano de Metas do Governo do Estado do Paraná (2015-2018), a ação 6 do Programa Minha Escola Tem Ação (META), as Diretrizes para uma Política Nacional de Inovação e Tecnologia Educacional 2017-2021 e a pesquisa realizada na Rede Estadual de Educação do Paraná, intitulada Guia EduTec,12 o projeto foi reformulado e reeditado em 2017 como CONECTADOS 2.0, com o objetivo de “[...] favorecer e ampliar a discussão e o uso de tecnologias educacionais, com a comunidade escolar de 500 estabelcimentos de ensino público estaduais em 2017 e outras 500 em 2018” (PARANÁ, 2016, n.p.).

A contribuição da teoria da atuação para análise de políticas, de programas e de projetos, levando em consideração os resultados iniciais da pesquisa avaliativa que originou este texto, possibilitou a compreensão da política educacional para inclusão das TIC nas escolas públicas paranaenses, a partir da articulação das perspectivas do contexto macro da SEED-PR e do contexto micro das instituições escolares. Desse modo, a teoria da atuação da política atribui aos contextos e aos sujeitos neles inseridos um papel fundamental na política em ação.

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PISCHETOLA, Magda. Inclusão digital e educação: a nova cultura da sala de aula. Petrópolis: Vozes; Rio de janeiro: PUC-Rio, 2016. [ Links ]

1“O ciberespaço significa os novos suportes de informação digital e os modos originais de criação, de navegação no conhecimento e de relação social por eles propiciados. O ciberespaço constitui um campo vasto, aberto, ainda parcialmente indeterminado, que não se deve reduzir a um só de seus componentes. Espaço que existe (não no mundo físico) no interior de instalações de computadores em rede e entre elas, por onde passam todas as formas de informação.” (KENSKI, 2010, p. 134).

2As informações sobre o projeto CONECTADOS estão disponíveis no endereço eletrônico: <http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1544>.

3No programa META, estão definidas sete linhas de ação a serem desenvolvidas nas escolas públicas estaduais: 1) projeto político pedagógico e plano de ação: consolidação e monitoramento; 2) práticas pedagógicas: proposta curricular e trabalho docente; 3) formação continuada para todos os profissionais da educação alinhadas ao plano de ação; 4) acompanhamento da ampliação da jornada escolar; 5) mobilização contínua e permanente da comunidade escolar nas ações da escola e fortalecimento das instâncias escolares: 6) tecnologia educacional: prática pedagógica e gestão escolar; 7) monitoramento e avaliação contínua do desempenho da gestão escolar.

4Disponível em: <http://www.consed.org.br/media/download/5adf3c4e10120.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018.

5Os critérios definidos foram: a) A escolha das escolas deverá respeitar diferentes realidades escolares do território paranaense, ou seja, contemplar escolas da Educação Especial, da Educação de Jovens e Adultos e do Ensino Regular com suas especificidades. b) Escolher, preferencialmente, escolas localizadas no município sede do Núcleo. c) Selecionar escolas de médio porte (entre 500 a 1000 alunos). d) Observar se a direção e o corpo docente da escola são receptivos ao uso de tecnologias em sala de aula. e) Escolher, preferencialmente, um estabelecimento de ensino que tenha conexão banda larga disponível. Optar por aquelas com melhor conexão. (PARANÁ, 2015, p. 7).

6A literatura internacional sobre análise de políticas é bastante vasta, e uma série de abordagens analíticas têm sido formuladas. A abordagem proposta por Taylor (1997) sugere a necessidade de se explorar os contextos, textos e consequências das políticas. Isso implica buscar analisar a trajetória das políticas desde seus antecedentes até seus resultados/efeitos. Uma outra abordagem propõe a análise de cinco diferentes contextos do que se denomina ciclo de políticas: contexto de influência, produção do texto, contexto da prática, resultados ou efeitos e contexto da estratégia política. (BOWE; BALL, 1992; BALL, 1994).

7O livro foi traduzido e publicado pela Editora UEPG em 2016 com o título: Como as escolas fazem as políticas: atuação em escolas secundárias.

8A investigação que deu origem à obra foi um estudo de caso realizado em quatro escolas públicas secundárias e uma particular, com dois objetivos centrais: o primeiro, de cunho teórico, com o propósito de desenvolver uma teoria da política em ação; e o segundo, de cunho empírico, para realizar a exploração crítica da atuação de três políticas em ação, em contextos semelhantes, porém diferentes. As questões norteadoras da pesquisa foram: 1ª) “Como indivíduos e grupos de atores diferentes interpretam e atuam política em contextos específicos de múltiplas demandas de políticas, dados os recursos disponíveis para eles?”; 2ª) “Como e de que maneira fatores socioculturais, históricos e contextuais afetam as maneiras pelas quais as escolas atuam as políticas?”; 3ª) “Como diferenças entre escolas podem ser explicadas na atuação das políticas?” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 25).

9Para aprofundamento sobre a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo consultar: LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana Maria Cavalcanti. Depoimentos e discursos: uma proposta de análise em pesquisa social. Série Pesquisa, v. 2. Brasília: Liber Livro, 2005b.

10O Qualiquantisoft é um software desenvolvido na Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Sales & Paschoal Informática, com o objetivo de facilitar a análise de dados em uma perspectiva qualiquantitativa, nas quais é utilizada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. Disponível para download em: <http://www.spi-net.com.br/html/software.html>.

11Os Discursos do Sujeito Coletivo são apresentados no texto em fonte 11 e em itálico porque são textos oriundos dos depoimentos dos sujeitos participantes da pesquisa organizados conforme a metodologia do DSC e não de citações longas.

12Disponível em: <http://guiaedutec.com.br>. Acesso em: 25 jun. 2018.

Recebido: 03 de Julho de 2018; Aceito: 22 de Outubro de 2018

Contato: Mary Ângela Teixeira Brandalise, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Programa de Pós-graduação em Educação, Campus de Uvaranas

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Doutora em Educação: Currículo pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Política Educacional e Avaliação - GEPPEA/UEPG, cadastrado no CNPq. E-mail:<marybrandalise@uol.com.br>.

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