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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.35  Belo Horizonte jan./dez 2019  Epub 02-Jul-2019

https://doi.org/10.1590/0102-4698195849 

Artigos

“GESTÃO DEMOCRÁTICA” NO ENSINO PÚBLICO: UM PARADOXO DO ESTADO NEOPATRIMONIALISTA BRASILEIRO? - O CASO DO CEARÁ

CLARICE ZIENTARSKII  *
http://orcid.org/0000-0002-8453-5429

HERMESON CLAUDIO MENDONÇA MENEZESI  **
http://orcid.org/0000-0002-8278-3410

SONIA DE OLIVEIRA DA SILVAI  ***
http://orcid.org/0000-0002-5897-6239

IUniversidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.


RESUMO:

Este trabalho tem por objetivo discutir as possibilidades presentes na Gestão Democrática do Ensino Público, com ênfase no estado do Ceará, estado que tem sua estrutura administrativa marcada pelo ordenamento neopatrimonialista, cujos princípios se fazem presentes na gestão da coisa pública, estabelecendo um paradoxo ao projeto de “modernização” da administração pública (Nova Administração Pública - New Public Management). Na busca por respostas às questões pesquisadas, o estudo se ampara, como teoria do conhecimento, no materialismo histórico dialético e nos clássicos da ciência política nacional sobre o Estado brasileiro. Conclui-se que a gestão democrática se estabelece no campo do enfrentamento, na luta por hegemonia, no espaço da disputa política e, no contexto do Ceará, ela não acontece no sentido pleno, como conquistas sociais, principalmente porque estas não são atingidas espontaneamente, elas são fruto das tensões do processo histórico, em construção coletiva, sempre imersas na realidade concreta da vida. Esse processo participativo opera-se na superação de velhos hábitos de uma gestão centralizadora ou que concebe a democracia como um princípio apenas jurídico.

Palavras-chave: Gestão Democrática; Neopatrimonialismo; Nova Gestão Pública

ABSTRACT:

This work aims at discussing the possibilities present in the Democratic Management of Public Education, with emphasis on the state of Ceará, state that has its administrative structure marked by the neopatrimonialist planning, whose principles are present in the public management, establishing a paradox to the “modernization” project of New Public Management. In the search for answers to the questions researched, the study is based, as a theory of knowledge, on dialectical historical materialism and the classics of national political science about the Brazilian State. It concludes that democratic management is established in the field of confrontation, in the struggle for hegemony, in the space of political dispute and, in the context of Ceará, it does not happen in the full sense, as social achievements, mainly because they are not reached spontaneously, they are a product of the tensions of the historical process, in collective construction, always immersed in the concrete reality of life. This participatory process operates in overcoming old habits of centralizing management or the conceptions of democracy as a legal principle only.

Keywords: Democratic management; Neopatrimonialism; New public management

INTRODUÇÃO

A gestão da “coisa pública” no Brasil guarda peculiaridades indissociáveis do tipo de sociabilidade construída a partir do Período Colonial e cujo molde foi densamente talhado na fase monárquica. A nação que emerge desse contexto foi marcada pelo impasse entre tradição - sedimentada na mentalidade sociopolítica lusitana (mandonista e patriarcalista), e modernidade - advinda dos países que adotaram o modelo liberal de sociedade caracterizado pela não intervenção do Estado na economia, pela vigência do princípio da igualdade formal e pela garantia de direitos individuais fundamentai A tensão entre tradição e modernidade produziu um arranjo cujas rupturas e continuidades caracterizam o Estado brasileiro, acomodado no contrato social contemporâneo - o capitalismo. Nessa esteira, ao longo da história brasileira, processou-se como forma de organização político-social uma concepção de democracia liberal burguesa. As propaladas “transformações” que marcaram a trajetória da consolidação desse Estado, sempre opondo/acomodando as percepções de tradicional e moderno, não alteraram a realidade brasileira, sobremodo em um dos aspectos que mais a caracteriza: a relação intrincada entre Estado e Neopatrimonialismo, sedimentada na teia de interesses sócio-políticos das elites locais, que se locupletam na conversão da coisa pública - res pública - em coisa privada - res privata. (BOBBIO, 2017; MAZZEO, 2015). E, se a separação entre o bem público e o privado é elemento essencial para a constituição de uma Gestão Democrática do Estado, por seu turno, das instituições públicas, tem-se um paradoxo no que concerne à implantação de uma democracia substantiva no Brasil.

Como no verbete “leis para inglês ver”, a democracia e o delineamento das políticas públicas foram tomando forma em terras brasileiras, entre anelos emancipatórios e recrudescimentos ditatoriais. Na segunda metade da década de 1980, com o fim da tenebrosa Ditadura Civil-Militar (1964-1985), assistiu-se à (re)democratização do país cuja progênie,a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases - LDB nº 9.394/1996, intensificou mudanças na política educacional do país, como a “implantação” da Gestão Democrática do Ensino Público.

O poder público promoveu ações objetivando a “modernização” do Estado que conduziria, no dizer de seus arautos, à consolidação do Estado Democrático de Direito e à eficiência da máquina pública. Nesta perspectiva, em sintonia com organismos multilaterais [Fundo Monetário Internacional (FMI); Banco Mundial; Organizações das Nações Unidas (ONU); Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO);e, Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal)], a proposta de LDB nº 9.394/1996 de Darcy Ribeiro, de caráter privatista (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011; SAVIANI, 2013; 2016), bem como as reformas educacionais advindas desta Lei, consubstanciavam o proclamado ideário de “modernização”e de superação das “raízes do Brasil” - patrimonialista, clientelista, coronelista, analfabeto, ineficiente,dentre outros traços - por meio de uma educação formal, nos moldes da civilidade liberal burguesa.

A partir dessas premissas iniciais, neste artigo discutem-se as possibilidades presentes na Gestão Democrática do Ensino Público no Ceará, patrocinada por um Estado que tem sua estrutura administrativa marcada por ordenamentos neopatrimonialistas cujos princípios de “modernização” da administração pública (Nova Administração Pública) são por essas práticas encapsuladas. O que permite desvelar as sutilezas presentes na implantação dos mecanismos (Sistema) que ratificam esse princípio de Gestão que pressupõem vigorosa participação da sociedade.

Desse pressuposto, emergem as problematizações que norteiam este estudo: É possível a materialização da Gestão Democrática do Ensino Público na estrutura organizacional e administrativa do Estado cearense? Que relações sócio-políticas, na simbiose entre Estado e neopatrimonialismo, podem-se depreender da implantação ou inibição dos mecanismos que compõem a Gestão Democrática?

Tem-se como hipótese preliminar, neste trabalho, que predomina, nos aspectos que regem a Gestão Democrática, um hibridismo paradoxal, isto é, se por um lado, reforçam-se os mecanismos de participação da sociedade civil, por outro lado, sua implantação reforça o caráter instrumental, legitimador de políticas educacionais adequadas às tendências do capitalismo globalizado.

O captar desse movimento em uma realidade contraditória na qual as correlações de força, os antagonismos de classe e, dentre outros, os interesses presentes na execução das políticas educacionais desvela as leis que regem os fenômenos pesquisados. A realidade não é um complexo de coisas acabadas, mas um processo de complexos que estão em mudanças contínuas e ininterruptas de devir. A essência é o próprio movimento da “coisa” ou a “coisa em si” (DUARTE, 2004), logo, não um mero conhecer, mas um meio e método de transformar o conhecimento, de analisar o objeto real, os fatos reais, o mundo objetivo e sua inter-relação entre o pensamento e o ser.

Nas pesquisas e estudos orientados pelo materialismo histórico dialético, a coleta e a articulação de dados objetivos e subjetivos como mediação para a compreensão dos fenômenos investigados, parece ser um conditio sine qua non, como contraprovas históricas. Triviños esclarece que:

O materialismo histórico é a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade. O materialismo histórico significou uma mudança fundamental na interpretação dos fenômenos sociais que, até o nascimento do marxismo, se apoiava em concepções idealistas da sociedade humana. (TRIVIÑOS, 1987, p. 50).

No âmbito da pesquisa em educação, a utilização de dados qualitativos-quantitativos é enriquecedora. Se a luta de classes é o motor da história, e a classe proletária compõem os subalternos, desprovidos de bens e direitos, sua condição sócio econômica é medida por dados quantitativos que devem ser decodificados em dados qualitativos.

Marx (2013), em O Capital, percorre as vielas da estatística, construídas entre as tramas da exploração social e do trabalho, quantificadas nos vis salários pagos aos trabalhadores (crianças, mulheres, idosos e homens) e nas deploráveis e extenuantes horas de trabalho. A percepção da (des)ordem ditada pelo capital, que mercantiliza a educação e a própria vida humana, pode ser percebida de forma densa, seguindo os passos de Marx, no uso dialético dos dados qualitativo-quantitativos.

Neste sentido, para negar ou confirmar a hipótese da pesquisa, a mesma ancora-se no Materialismo Histórico Dialético, utilizando uma abordagem qualitativa-quantitativa, embora se recorra a pensadores não marxistas para tratar de abordagens específicas, em cujos campos tais intelectuais são referência. Ademais, busca-se aporte teórico sobre o Estado brasileiro nos clássicos da ciência política nacional, processo cuja complexidade não se restringiu ao fim do período de subordinação do Brasil ao Império Português e à controversa (re)democratização do país. Isso se justifica, tendo em vista as mudanças na estrutura político-social-econômica do país, sob o controle das elites dominantes, do processo de Independência ao advento da República, e suas mutações, que buscaram e buscam implementar transformações sem alteração do status quo.

Para alcançar as metas delineadas neste artigo, o mesmo foi estruturado em cinco seções, sendo a primeira a introdução; na segunda seção,discorre-se sobre a formação do Estado brasileiro, com vistas à tematização do conceito de patrimonialismo e sua perspectiva hodierna - o neopatrimonialismo; na terceira seção realiza-se uma breve análise do neopatrimonialismo no âmbito político-institucional e político-administrativo,tendo como foco a gestão pública no estado no Ceará, com ênfase no que se constata a partir da década de 1980, período marcado pela incorporação dos princípios gerencialistas e de governança pública por parte do Estado brasileiro/cearense; a quarta seção discute sobre a Gestão Democrática do Ensino Público no Ceará, tendo como objeto de análise o funcionamento dos Conselhos Municipais de Educação (CMEs); e, à guisa de conclusão, são reafirmados aspectos discutidos ao longo do estudo em pauta.

O ESTADO NEOPATRIMONIALISTA BRASILEIRO: O DILEMA DEMOCRÁTICO

Para Restrepo (1990), em artigo instigante sobre a sociedade civil e o Estado, a fim de se compreenderem as relações sociopolíticas na América Latina, “nenhum dos clássicos europeus oferece uma noção satisfatória, embora todos contribuam com um marco referencial importante e elementos de análise que devem ser conservados, corrigidos ou complementados” (RESTREPO, 1990, p.62). Nessa questão, Restrepo guarda similitude com Florestan Fernandes, importante pensador da sociologia crítica brasileira que, ao desenvolver uma abordagem dialética do movimento da sociedade, o faz atento às especificidades da história brasileira.

Fernandes (2006) percebeu a formação sociopolítica do Brasil não como uma estrutura e modo de agir político permanente, mas uma formação que avança em espiral, acomodando transformações e permanências. Sua metodologia, ao combinar de forma coesa influências de Hegel, Marx e Weber (CHIEZA, 2006), identifica o descompasso singular do capitalismo no plano local, o que só foi possível ao evitar analogias ou conclusões apressadas, como equiparar o senhor de engenho ao burguês.

Compreender as sutilezas que engendraram o desenvolvimento, seja do Estado à sociedade civil ou do capitalismo à democracia liberal burguesa no Brasil, é uma das tarefas mais hercúleas da historiografia e da ciência política e perpassa primeiramente por um entendimento da conjuntura nacional. A capacidade deliberativa dos novos formatos participativos, assentados na constitucionalidade advinda com a Carta de 1988 - a Constituição, tem ocorrido em meio à nova ordem “sócio metabólica do Capital” decorrente do neoliberalismo e da reestruturação produtiva (MÉSZÁROS, 2015), aos quais o capitalismo brasileiro, periférico e em desigualdade com o centro econômico, é politicamente orientado (FAORO, 2005).

Essa hegemonia do discurso neoliberal no Brasil tem consolidado o que Dagnino (2004) denominou de “confluência perversa”: a convivência contraditória entre o projeto de Estado mínimo - que exime o poder público de suas atribuições sociopolíticas - e o projeto participativo da sociedade - com sua busca por direitos, que emergiu com o fim dos governos autoritários. Essa convivência revelou-se assimétrica, tendo em vista que as conquistas sociais não se operaram de forma equitativa nas relações entre Estado e sociedade civil (DAGNINO, 2004).

Na deterioração da res publica ena baixa participação popular na coisa pública - fenômenos que caracterizam a subversão dos fundamentos democráticos - evidenciam-se as interpretações de Holanda (2013) e Faoro (2005) acerca da ausência de racionalismo, formalidade e legalidade no que tange ao exercício da função pública - a distribuição de cargos públicos e a consequente execução dos mesmos no Brasil. Ambos, a partir das concepções teóricas de Weber (1991; 1999), buscaram destrinchar essa extensa teia de peculiaridades, responsáveis, na ótica desses autores, pelo subdesenvolvimento do Brasil, utilizando, para tal fim, a categoria weberiana de patrimonialismo.

Se a formação do Estado moderno é orientado por um triplo balizamento: a ideia de soberania - resultado de um longo e gradual processo de concentração e centralização de poder, a despatrimonialização do poder - a separação entre direito público e privado, implicando na separação entre rendas e patrimônio estatal e privado, e a despersonalização - distinção entre o poder político e seu titular (TORRES, 1989, p. 47-75), estes não são traços predominantes no Estado brasileiro, o que lhe dá características peculiares. Como salienta Nogueira:

[...] a teoria do Estado e sua organização no Brasil teve expressão na forte tendência para o modelo liberal e (...) este serviu para o aparato burocrático-legal que daria sustentação ao funcionamento e à independência das instituições políticas; contudo, foi evidentemente a fragilidade das estratégias voltadas para a conciliação do Estado patrimonial, que como tal se mantinha, como o modelo liberal do exercício do poder (...). (NOGUEIRA, 1994, p. 35)

Em consonância com esses aspectos do patrimonialismo, Filgueiras (2009) coloca que:

[...] a tradição política brasileira não respeita a separação entre o público e o privado, não sendo o caso brasileiro, um exemplo de Estado moderno legitimado por normas impessoais e racionais. O patrimonialismo é a mazela da construção da República, de maneira que ele não promoveria a separação entre os meios de administração e os funcionários e governantes, fazendo com que esses tenham acesso privilegiado para a exploração de suas posições e cargos. (FILGUEIRAS, 2009, p. 388).

Para Faoro (1993, 2005), esse patrimonialismo que caracteriza a tradição política brasileira vale-se de um liberalismo metamorfoseado, que avança ou recrudesce à medida que os interesses das camadas dominantes se beneficiam ou são ameaçadas pela liberdade sociopolítica e econômica. Essa lógica do Estado e da própria elite brasileira concorreu para que não lográssemos a modernidade, bem como uma democracia ampla, e sim uma modernização conservadora (FERNANDES, 2006).

Diante das transformações sociopolíticas e socioeconômicas que impactaram a sociedade a partir da segunda metade do século XX, essa clássica tipologia weberiana de patrimonialismo passou a ser questionada, sendo considerada inadequada à nova ordem mundial, caracterizada pelo processo de modernização e avanço da democracia nos mais diversos países ao redor do mundo. Guenther Roth (1968) e, posteriormente, Shmuel Noah Eisenstadt (1973) realizaram uma distinção entre o patrimonialismo “tradicional” e uma versão moderna desse sistema, denominado de “neopatrimonialismo”, cuja diferença, de acordo com Bruhns:

[...] se situa (...) no âmbito da relação privado/público. No patrimonialismo, todas as relações (políticas e administrativas) entre governantes e governados são de cunho privado: “não há qualquer diferenciação entre domínio público e privado”. No neopatrimonialsimo, a distinção público/privado existe, ainda que apenas formalmente, e é aceita. O exercício “neo-patrimonial” do poder se dá “no quadro e com a reivindicação de um quadro estatal (stateness) moderno de tipo legal-racional”. (BRUHNS, 2012, 63).

O neopatrimonialismo consiste, portanto, em um fenômeno no qual o Estado de base racional-legal “coabita” com um sistema informal patrimonial. Mas, nesta relação, as decisões sobre o gerir a coisa pública estão fora das instituições formais do Estado e encontram-se concentradas nas mãos da elite política e de seus pares, interligados em uma rede de influências e interesses clientelísticos. Essa rede de influência ramifica-se na troca de favores às ofertas de emprego e/ou cargos, na defesa de políticas públicas, visando privilegiar empresas ou interesses particularistas, dentre outras.

As mudanças operadas no campo teórico envolvendo a interpretação “tradicional” e a “versão moderna” de patrimonialismo precisam ser pensadas à luz da capacidade de as práticas políticas se adaptarem a novos contextos econômicos, tendo as relações sociais clientelistas como um de seus dínamos. Essa relação se justifica pelo fato de o clientelismo ser considerado “como um meio do Estado e dos políticos atenderem demandas específicas das populações mais pobres e integrá-las ao sistema político e uma forma de se cooptar novos grupos sociais”. (BEZERRA, 1999, p.27).

A despeito da modernização, da emergência dos movimentos sociais e das mudanças legais que institucionalizaram canais de participação social na gestão do Estado, as práticas clientelistas perduram no Brasil. A perenidade dessas práticas deve-se, em grande medida, ao fato de elas comporem a vida política brasileira enquanto um continuum, e não um adendo a ela. (AVELAR e LIMA,2000).

Esse fenômeno, por seu turno, é reforçado pela realidade brasileira, marcada pela exclusão social e pelas relações de dependência, aspectos que reafirmam as características do clientelismo, no qual:

[...] predomina um certo consenso de que as relações assim denominadas se caracterizam especialmente por serem relações do tipo assimétricas, isto é, são estabelecidas entre pessoas (patrão e cliente) que não possuem o mesmo poder (econômico e político), prestígio e status. Além disso, ela se distingue por ser uma relação do tipo pessoal (em que predominam os contatos face a face), pela troca de serviços e bens materiais (gentilezas, deferência, lealdade e proteção) entre os parceiros e pelo seu conteúdo moral (que remete frequentemente à honra dos parceiros). (BEZERRA, 1999, p.14).

Para tanto, na relação clientelista:

[...] é essencial o papel do político enquanto mediador entre as demandas e as decisões capazes de atendê-las. Os mecanismos impessoais e universalistas de canalização e processamento de demandas cedem lugar a vínculos de cunho pessoal entre líderes e sua rede de indivíduos ou grupo subordinados. (...) Essa mediação como que privatiza a obtenção de um bem público, na medida em que o patrocínio de um político influente aparece como requisito necessário para o acesso a serviços públicos fornecidos pelo Estado ou para solução de questões específicas. (DINIZ,1982,p.217).

As implicações dessas relações clientelísticas para a vida política brasileira, para o exercício de uma da democracia e mais especificamente para o funcionamento da Gestão Democrática são nefastos, o que pode ser visto como:

[...] um problema do ponto de vista democrático, pois opera sob o princípio da dádiva, implicando sentimentos de lealdade e empenho individual. O eleitor, ao invés de se identificar com seu grupo ou classe, como trabalhador e cidadão, se identifica como beneficiário de um político influente, tornando a política inacessível sem a interferência das relações pessoais. (KUSCHNIR, 2000, p.141-142).

A reprodução do clientelismo, sua capacidade de transmutar-se, alterando sua fonte de recursos, liga-se de forma umbilical às questões teóricas que circundam o debate sobre o patrimonialismo, pois ambos incorporam práticas mais próprias da época contemporânea. Nessa perspectiva, o debate da inadequação do patrimonialismo como categoria de análise da realidade brasileira teve outro desdobramento.

Neste prisma, tendo à frente Luiz Werneck Vianna (1999) e Jessé Souza (1998), iniciou-se uma revisão crítica das interpretações de matriz weberiana sobre a formação do Estado e da sociedade. Souza retomou os clássicos do patrimonialismo brasileiro, buscando identificar as distorções e exageros dessas(es) obras/autores, que ele qualifica como “sociologia da inautenticidade”, questionando os “determinismos” em relação ao subdesenvolvimento do país. Em seu trabalho, “A ética protestante e a ideologia do atraso brasileiro”, Souza (1998) classifica os intérpretes do patrimonialismo brasileiro em duas linhagens: a vertente “culturalista” - sob a influência de Sergio Buarque de Holanda; e, a vertente institucionalista - sob os auspícios de Raymundo Faoro e Simon Schwartzman.

Segundo a concepção weberiana, o Estado, quanto ao seu processo de formação, pode ser: Contratualista - parte-se da ideia de que o Estado moderno precisa de um contrato social, um acordo entre os membros da sociedade, a fim de preservar a ordem social (Para usufruírem de tal ordem os membros da sociedade abrem mão de certos direitos individuais, reconhecendo a autoridade, igualmente sobre todos, de um conjunto de regras, de um regime político ou de um governante, sendo esse o modelo dos Estados Europeus); ou, Patrimonialista - “corresponde àqueles em que um poder centrípeto, de forte tendência patriarcal, os sobrepôs às outras forças sociais, tratando-as como instâncias domésticas, sobre as quais se estendia implacável a autoridade do rei” (RODRÍGUES, 1994, p.43).

Para Vianna (1999) e Souza (1998), os intérpretes de matriz weberiana - Holanda, Faoro e Schwartzman - chegaram à conclusão de que a elite dominante se apossa do patrimônio público, mirando a concretização de seus objetivos particulares. Todavia, há problemas nessa linhagem interpretativa, pois ela recai em um “determinismo”, perdendo de vista as particularidades do Brasil, marcado pela convivência contraditória entre o mundo rural, o sistema de dependência social, a administração racional-legal e o patrimonialismo. Existiria não uma cultura do atraso, mas um capitalismo dependente do Estado e vice-versa; “politicamente orientado”, constituindo “uma modalidade patológica de acesso ao moderno” (VIANNA, 1999, p. 176).

Diante do panorama analisado até o presente momento, independente da interpretação sobre a formação do Estado nacional e sua relação com o neopatrimonialismo, constatam-se as dificuldades de operacionalização dos formatos participativos do cidadão - tomado aqui como o indivíduo portador de direitos e deveres e que participa da condução do poder político. Seja de Holanda, passando por Faoro e Schwartzman, até Vianna e Souza, evidencia-se uma sociedade atrofiada, em conexão com um Estado hipertrofiado e patrimonialista. Paradoxalmente, tem-se um padrão autoritário de organização do Estado brasileiro, respaldado, na atualidade, pelo modelo neoliberal, que mantém as estruturas sociopolíticas e econômicas excludentes.

A própria ideia de “modernização”, em conluio com os princípios neopatrimonialistas, faz perdurar uma democracia de forte caráter conservador-autoritário, posto que não visa a uma real ampliação dos mecanismos decisórios e, consequentemente, a uma extensão da participação política, mas sim a uma transferência de responsabilidades, principalmente em áreas como as referentes à política social. Os interesses das elites locais e sua teia de relações ainda são obstáculos para o real exercício da sociedade civil na gestão da coisa pública, como se verifica a seguir.

A NOVA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A “ACOMODAÇÃO” AO NEOPATRIMONIALISMO

A busca dos movimentos sociais e das organizações civis por autonomia reverberou na crítica a concepção de administração da coisa pública. A dimensão técnico-burocrática passou a ser confrontada com a realidade concreta da máquina pública brasileira, marcada pelo neopatrimonialismo - lógica contraditória e conflituosa da administração do Estado, em virtude da convivência entre a ordem tradicional e a moderna (FILGUEIRAS, 2009; NOGUEIRA, 1994; VIANNA, 1999). Vozes dissonantes da estrutura político-governamental começaram a criticar a forma laissez-faire brasileira1 de administrar, passando a propor uma mudança de paradigma administrativo: uma dimensão político-filosófica de caráter humano-institucional/pluralista (ênfase na mobilização da sociedade civil e na sua atuação enquanto “ator” de mudanças sociais).

No caso do Ceará, que neste estudo é enfatizado, na década de 1980, as críticas centraram-se contra o Pacto dos Coronéis que perpetuava as práticas oligárquicas e clientelistas, que, segundo os grupos autoproclamados “modernizadores”, eram as culpadas pelo atraso econômico do Nordeste. Entidades ligadas à indústria nascente, como a Centro Industrial do Ceará (CIC), iniciaram ações políticas para reorganizar o mapa do poder no estado. Financiados pelo CIC, iniciaram-se uma série de fóruns para debater economia e política, com a participação, inclusive, de figuras representativas da esquerda brasileira, como a economista Maria da Conceição Tavares. Nesse ínterim, na onda de denúncias contra a prática neopatrimonialista no Ceará, setores da esquerda, com amplo apoio dos movimentos sociais, conseguiram eleger a candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) à Prefeitura de Fortaleza (1985), Maria Luíza Fontenele, derrotando o candidato do governo, Paes de Andrade, em uma das viradas eleitorais mais emocionantes da história fortalezense. (BARREIRA, 1992).

Na busca por também eleger representantes para a esfera governamental, o CIC organizou o “grupo das mudanças”, dando apoio à candidatura de Tasso Jereissati, em 1986, ao governo do estado, como alternativa ao clientelismo e à corrupção dos coronéis. Vitorioso, contra o governista Adalto Bezerra, Tasso coloca-se como novo paradigma das relações entre o Estado, a economia e a sociedade. O setor público passaria, no dizer dos ideólogos “tassistas”, a ser gerido por princípios universalistas, por um modelo legal de dominação, na perspectiva weberiana, compreendido como burocrático, eficiente e como um outro“modelo oligárquico”, agora não ligado à terra, mas a indústria, ou seja, “modernizado”(MARTIN, 1993). O forte discurso empresarial da eficiência constituiu o cerne da novidade apresentada à cena política cearense pelos “jovens empresários”, como salienta Francisco de Oliveira:

Que os empresários sempre fizeram política, isto é, obvio ululante, uma espécie de axioma nelson-rodriguiano. Mas não a fazem pelos meios e com as formas da política. (...). A novidade consiste em empresários que querem fazer a política enquanto empresários, e imprimem à política as características da atividade empresarial, segundo a ideologia weberiana. (OLIVEIRA, 1993, p. 2).

Os intensos debates em torno da profissionalização administrativa da coisa pública tornaram-se tema recorrente na agenda política nacional e cearense (GONDIM, 1995; ALBUQUERQUE, 2005). Na esteira desse ideário de “profissionalização” e “modernização”, o próprio modelo burocrático weberiano passou a ser questionado, diante da busca por soluções para a crise fiscal do Estado, em razão da ascensão de valores neoliberais; da complexificação social e das disputas concorrenciais por investimentos privados (internos - guerra fiscal entre os estados e municípios da federação; e externos - disputas por mercado, investimentos das empresas transnacionais, participação nos blocos econômicos, etc.) e de mão de obra. Intensificou-se a influência da administração derivada do setor privado sobre o setor público, possibilitando o avanço de concepções como o Gerencialismo, a Governança Pública, ou seja, a New Public Management2.

O modelo burocrático weberiano caracteriza-se pela formalidade (responsabilidade e dever), impessoalidade (baseado na função e linhas de autoridade) e, profissionalismo (baseado no mérito como critério de justiça e diferenciação) (KEINERT, 2000; GUERREIRO RAMOS, 1989). Além disso, vincula-se ao modelo taylorista (administração científica) de divisão de tarefas (os que elaboram/gerenciam - pensam; e, os operadores - executam/força braçal)e, portanto, mostrava-se inadequado para o contexto institucional da globalização do Estado em crise fiscal; e, da reestruturação produtiva, iniciada no final do século XX (assentado no neoliberalismo e no toyotismo).

Diferentemente da burocracia weberiana, os novos modelos administrativos passam a ser vistos como avançados e dinâmicos. O Gerencialismo, segundo Secchi (2009), seria identificado com duas práticas: a Administração Pública Gerencial (APG) e o Governo Empreendedor (GE). Modelos que “compartilham os valores da produtividade, orientação ao serviço, descentralização, [e] eficiência na prestação de serviços (...).” (SECCGI, 2009, p. 356). A APG seria definida por seus princípios de eficiência, neutralidade, flexibilidade, alocação racional de recursos; enquanto a GE seria norteada por dez mandamentos, dos quais dois são de extrema relevância: o catalizador - “os governos não devem assumir o papel de implementadores de políticas públicas sozinhos, mas sim harmonizar a ação de diferentes agentes sociais (...)”; e a orientação para o mercado - “os governos devem promover e adentrar na lógica competitiva do mercado, (...) agindo como intermediários na prestação de certos serviços, [e] criando agências regulatórias (...)” (SECCGI, 2009, p. 357).

No que concerne à Governança Pública (GP), segundo Secchi (2009), esta se traduz numa “mudança do papel do Estado (menos hierárquico e menos monopolista) na solução de problemas públicos”, ligando-se às políticas neoliberais. O Estado seria ineficiente, por tal razão deveria estar submetido à orientação “de organismos internacionais (blocos regionais, Nações Unidas, FMI, Banco Mundial), em favor de organizações não governamentais (mercado e organizações não governamentais) e em favor de organizações locais (...).” (SECCGI, 2009, p. 359.

O choque teórico também se fez presente na forma de governar no Ceará. Um dos traços mais distintivos do “governo das mudanças” passou a ser a articulação entre o projeto de governança e a governabilidade. A eficiência e a “modernidade” passaram a ser instrumentos de legitimação do poder, o que gerou a necessidade de um novo realinhamento da correlação de forças das elites tradicionais cearenses; além da acomodação do “moderno” com o tradicional, como o controle dos movimentos sociais (foi implementado o programa de “agentes de mudanças” - líderes comunitários treinados e remunerados para atuar sob a égide de órgãos oficiais). (MOTA, 1992, p.112; BARREIRA, 1991).

Na conjugação de interesses, as elites políticas acabam encontrando na própria demanda social por autonomia, direitos, superação da exclusão social ou econômica os mecanismos para se fortalecerem politicamente. Essa conjunção, todavia, não pode ser explicada apenas pela correlação de forças partidárias ou ideológicas, na medida em que existem interesses político-familiares que remontam à própria estruturação do Estado brasileiro e de organização da sociedade civil.

Para Maurício Duverger, em Os Partidos Políticos (1967) - obra cujas ideias foram de forte influência no pensamento sociológico brasileiro após 1950 - a análise da política deve ser realizada a partir das estruturas partidárias, das siglas e dos resultados numéricos nas eleições, em detrimento da compreensão social, dos entrelaçamentos envolvendo família, sociedade civil, partido e Estado. Nessa mesma esteira, existe a concepção de que a relação família e política só se opera no plano local, sem conexão com o âmbito nacional. Contrariamente a essas duas posições analíticas, este trabalho se ampara na concepção de que “[a] racionalização, burocratização e modernização do campo político (...) não foram capazes de suprimir a presença de famílias dominando a política nas mais diferentes esferas de poder (...)” (OLIVEIRA, 2017, p. 176-177). Nessa lógica, Oliveira sintetiza a discussão ao afirmar que o estado do Ceará é, talvez, entre todos os estados do Nordeste, o mais encarniçadamente oligárquico (OLIVEIRA, 1978, p. 55)-(Vide Tabelas 1-04, na sequência do trabalho, onde se constata que dos 184 municípios cearenses, em 83 as mesmas famílias dominam há muitos anos o cenário político). A estrutura/ordem política brasileira “não está calcada no ideário político republicano”, mas “está correlacionada a elementos do mundo privado, das formas de dominação, das relações e dos vínculos de parentesco, de compadrio, de cumplicidade e de amizade” (OLIVEIRA, 2017, p.167-169).

O Brasil experimentou transformações na burocratização do Estado, no gerir a coisa pública, no avanço participativo da sociedade, mas essas transformações não lograram anular as formas estruturais de dominação não racionais existentes na sociedade e na própria dinâmica governamental. Neste sentido, subsistem no Estado brasileiro, um modelo híbrido de administração entre os ideários de modernização - com a Nova Administração Pública - e o neopatrimonialismo, ou por sua gênese, o patrimonialismo. Modelo que, camuflado no universo capitalista brasileiro, preserva o controle do Estado nas mãos de grupos políticos, por décadas, como se depreende das tabelas (01, 2, 3, a 4) abaixo, que retratam a realidade cearense e brasileira:

TABELA 01 Localização de clãs pelo Ceará (Municípios em que parentes de prefeitos ocupam uma das três secretarias: saúde, educação e assistência social) 

1. Abaiara 18. Carnaubal 35. Ibaretama 52. Milhã 69. Pindoretama
2. Acaraú 19. Cascavel 36. Ibicuitinga 53. Miraíma 70. Piquet Carneiro
3. Acopiara 20. Catarina 37. Independência 54. Missão Velha 71. Pires Ferreira
4. Altaneira 21. Choró 38. Ipaporanga 55. Mombaça 72. Porteiras
5. Antonina do Norte 22. Chorozinho 39. Ipu 56. Monsenhor Tabosa 73. Potengi
6. Aquiraz 23. Coreaú 40. Itaiçaba 57. Moraújo 74. Potiretama
7. Aracoiaba 24. Crato 41. Itapipoca 58. Mulungu 75. Redenção
8. Araripe 25. Deputado Irapuan Pinheiro 42. Itapiúna 59. Nova Olinda 76. Reriutaba
9. Arneiroz 26. Ererê 43. Jaguaretama 60. Novo Oriente 77. São Benedito
10. Assaré 27. Eusébio 44. Jaguaribara 61. Orós 78. São Luis do Curu
11. Aurora 28. Forquilha 45. Jaguaribe 62. Pacajus 79. Solonópole
12. Barbalha 29. Frecheirinha 46. Lavras da Mangabeira 63. Pacatuba 80. Tianguá
13. Barreira 30. Graça 47. Madalena 64. Pacajá 81. Tururu
14. Barro 31. Granjeiro 48. Marco 65. Palhano 82. Varjota
15. Baturité 32. Groaíras 49. Martinópole 66. Palmácia 83. Várzea Alegre
16. Bela Cruz 33. Guaramiranga 50. Massapê 67. Pedra Branca
17. Cariús 34. Hidrolândia 51. Milagres 68. Pereiro

Fonte: “A primazia dos clãs: a família na política nordestina”, de Vanuccio Pimentel (2013). In. Jornal o Povo, 07/02/2016.

TABELA 02 Presença de clãs em prefeituras do Nordeste 

Região Municípios investigados Presença de clãs em
Piauí 224 62,95%
Alagoas 101 51,49%
Maranhão 216 48,15%
Sergipe 75 46,67%
Ceará 183 45,36%
Rio Grande do Norte 167 43,71%
Pernambuco 182 37,91%
Bahia 417 35,49%
Paraíba 223 25,11%

Fonte: “A primazia dos clãs familiares na política nordestina”, de Vanuccio Pimentel (2013), In. Jornal o Povo, 07/02/2016.

TABELA 03 Parlamentares com parentes por região 

Região Câmara Senado
Nordeste 63% 59%
Norte 52% 67%
Cento-Oeste 44% 42%
Sudeste 44% 67%
Sul 31% 67%
Total 49% 60%

Fonte: ONG transparência Brasil (novembro de 2014), In. Jornal o Povo, 07/02/2016.

TABELA 04 Relações familiares por partido (principais partidos, excluídos aqueles com apenas um representante) 

Partido Câmara Senado
PMDB 65% 89%
PSDB 54% 70%
PSD 59% 33%
PSB 56% 67%
PP 58% 80%
PT 27% 29%
P 47% 33%
PTB 60% 33%
DEM 55% 80%
PDT 47% 57%
SD 60% 100%

Fonte: ONG transparência Brasil (novembro de 2014), In. Jornal o Povo, 07/02/2016.

Afere-se das tabelas elencadas que a estrutura de poder se encontra imbricada em laços familiares e de compadrio. Os chamados clãs políticos comandam pelo menos 83 prefeituras no Ceará - 45% do total de municípios - estão amplamente presentes no poder legislativo federal, estão diluídos nos mais diversos partidos políticos e controlam, em nível de amostragem, a esfera pública nordestina. Os laços político-partidários aparentam ser meros mecanismos de um jogo político cujo fim é a preservação do controle da coisa pública para usufruto privado. Essa ordem político-familiar está arraigada na política nacional e, no Ceará, a ocupação dos cargos públicos reporta-se aos séculos XVIII-XIX, ainda ao período colonial. Esse capital (fundamentado no poder político e econômico), acentuado no ethos do grupo, foi sendo transmitido ao longo do tempo. Seja na fase do coronelismo ou na contemporaneidade com o neopatrimonialismo, os grupos familiares buscam permanecer no poder instrumentalizando o aparato público em seu benefício.

Ao analisarem-se as estruturas de poder familiar no Ceará contata-se que esse usufruto do público, mediante a ocupação de cargos públicos, bem como por meio da elaboração de Leis, Projetos, Políticas Públicas, etc., são instrumentos fundamentais para a garantia do poder - como fonte de receita espúria ou barganha de favores envolvendo eleitores e ou beneficiários destas trocas, a clientela. (MONTE, 2016; MARINHO; NOBRE, 2017). Este aspecto ajuda a entender por que tantos grupos familiares se mantêm no poder como, por exemplo, nos municípios de: Granja - a família Arruda possui mais de meio século de poder à frente do município; Inhamuns - o poder principia no período da República Velha, onde a família Feitosa exerce forte influência na região; São Gonçalo do Amarante - a família do ex-governador do Ceará, Lúcio Alcântara, domina a política do município há mais de 50 anos; Morada Nova - as tradicionais famílias Castro e Girão, controlam o município desde o século XIX, quando, em 1877, foi eleita a primeira Câmara Municipal;Na Região do Cariri - a família Bezerra de Menezes constitui o grupo político-econômico há mais de 50 anos; Sobral - o domínio dos Ferreira Gomes remonta ao século XIX, tendo como figura mais destacada o ex-governador Ciro Gomes (inclusive sendo apresentado como um provável candidato à Presidência da Repúblicaem 2018).

Na contemporaneidade, a complexa relação político-partidária e as estruturas familiares vão se amoldando à lógica capitalista, apropriando-se dos ideários de modernização, competência e profissionalismo presentes na Nova Administração Pública. A partir da relação clã-política-economia-administração, vê-se a contínua metamorfose ou adequações de teorias políticas e administrativas, dentre outras práticas, à ordem neopatrimonialista brasileira, objetivando a manutenção do status quo, dando novos contornos a práticas tradicionais da política e do gerir a coisa pública. É nesse cenário que os três modelos organizacionais (weberiano, Gerencialismo e a Governança Pública) apresentam distinções, e no qual se destaca o aspecto mais relevante para o presente estudo: a concepção de cidadão na órbita burguesa:

No modelo burocrático, o cidadão é chamado de usuário dos serviços públicos. Na retórica dos modelos APG e GE, os cidadãos são tratados como clientes, cujas necessidades devem ser satisfeitas pelo serviço público. Sob o guarda-chuva da GP, os cidadãos e outras organizações são chamados de parceiros ou stakeholders, com os quais a esfera pública constrói modelos horizontais de relacionamento e coordenação. (SECCGI, 2009, p. 363).

Nessa perspectiva da cidadania burguesa, no plano educacional, até a década de 1980 a administração da educação pública reproduzia, de forma majoritária, uma concepção centralizadora de forte visão unificadora e tecnicista (KEINERT, 2000). Havia pouco espaço para a historicidade, o conflito e a subjetividade dos indivíduos políticos. Os cidadãos eram compreendidos como “homens organizacionais”, “homens econômicos” com o objetivo de maximizar o lucro (GUERREIRO RAMOS, 1989). A crítica desferida ao modelo de administração burocrático weberiano e o advento de novas teorias administrativas, aliados à inserção dos movimentos sociais, à efervescência constitucional e à repulsa a práticas autoritárias geraram críticas por parte de setores da sociedade civil ligados à educação. O modelo de administração educacional vigente sofreu mudanças, substituiu-se o termo administração por gestão, incorporando o conceito ao cotidiano das escolas e às secretarias de educação dos estados e municípios.

Tais reformas foram implementadas tanto pela forte pressão da sociedade civil, que almejava a autonomia (política, financeira, etc.) da escola, participação deliberativa da comunidade no gerir seu funcionamento e na construção do Projeto Político Pedagógico - P.P.P (PARO, 2008), como, também, elas caminharam em sincronia orquestral com a agenda internacional (Conferência Mundial de Educação para Todos - EPT - Jomtien, 1990; Consenso de Washington - 1995; Conferência Mundial de Educação para Todos - EPT - Dakar, 2000), ditada pelos organismos internacionais, que exigiam a implementação de reformas que atendessem às necessidades oriundas da reestruturação produtiva do Capital. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011). Além disso, delineava-se no Brasil uma ampla “reforma do Estado”, a qual foi implementada na década de 1990, a partir do documento Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), organizado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), estando à frente da pasta o Sr. Bresser Pereira (1995-1998), e que foi influenciada pelas novas formas gerenciais: a Administração Pública Gerencial (APG) e o Governo Empreendedor (GE) e, sobretudo, pela Governança Pública (GP).

Com intensos debates envolvendo as diversas concepções teóricas (sociológica, política e administrativa) em torno da forma de administrar as unidades educacionais públicas, buscou-se desenvolver uma nova cultura institucional, de matriz organizacional, objetivando enxugar custos operacionais dos espaços escolares, alinhando-as a novas formas de gestão. (RAMOS, 2009). Nesse viés, foram implantadas políticas e ações como o Plano Decenal de Educação (PDE), a reformulação e aprovação da nova Lei de Diretrizes e Base - LDB nº 9394/96, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental Lei n° 9.424 - FUNDEF (posteriormente substituído pelo FUNDEB), dentre outros. Assim, dentre os pressupostos que são defendidos, insere-se a gestão democrática da escola pública, instituída por meio da Constituição Federal de 1988 e a LDB nº 9.394/96.

A GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO: O CASO DO CEARÁ

As deliberações da Lei de Diretrizes e Bases - LDB nº 9.394/96, refletindo a onda (contra) reformista do Estado brasileiro, estabeleceu no título II, artigo 3º parágrafo VIII - “gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino”; que, em seus artigos nº 14 e 15, afirma o seguinte:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes;

Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público. (LDB, Lei nº 9.394/96).

Neste sentido, a Secretaria de Educação Básica (SEDUC/CE), alinhada à conjuntura nacional e internacional, desenvolveu, no plano local, os projetos Todos pela Educação de Qualidade para Todos e o Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS/SEDUC 95/98), contemplando a promoção da política da Gestão Democrática nas escolas, a qual:

[...] implica num processo de aprendizagem político e organizacional tanto para os professores/diretores como para os alunos, seus pais e a própria população, pois terão que assumir responsabilidades enquanto dirigentes técnicos e políticos, conviver com pontos de vista diferenciados, comprometer-se com o projeto pedagógico da escola onde estão inseridos (CEARÁ: PDS/SEDUC 95/98, p.05). (grifo nosso).

Tais passagens são reveladoras da capacidade político-ideológica do Estado burguês de capitanear “bandeiras” dos movimentos sociais, ressignificando-as. Para Maria da Glória Gohn, “observa-se que há um total e completo esvaziamento do conteúdo político da mobilização e a sua transfiguração em processo para atingir resultados”, além de lançar a Gestão Democrática em um “cenário conturbado e contraditório, (...) e se institucionalizam também como políticas focalizadas, muitas vezes manipulatórias e compensatórias”. (GOHN, 2001, p.58-59; p.62).

Assim, tendo em vista que, no sistema neoliberal, o mercado, com a anuência do Estado, regula as relações sociais e político-econômicas, a escola tinha e tem a tarefa de preparar o “capital humano” para o mercado de trabalho. A Gestão Democrática, revestida do discurso de descentralização e autonomia, passa a ser um dos motes da reforma governamental-burguesa ao vincular a desresponsabilização do Estado com a educação pública, uma vez que o Estado busca transferir, por meio dela, a responsabilidade de políticas públicas para a sociedade.

A institucionalização da Gestão Democrática do Ensino Público no Ceará, subvertida aos ditames neoliberais de gerenciamento, representou uma descentralização da administração, agora denominada gestão escolar, umbilicalmente ligada à centralidade do diretor, o que se evidencia no documento da Secretaria de Educação O Diretor faz a Diferença (04/04/1985), que trata da eleição dos diretores das escolas. Esta centralidade acabou gerando mudanças, visando manter o status quo, reproduzindo no cotidiano da escolha (eleitoral) dos gestores (diretores) das escolas públicas práticas do cotidiano político-eleitoral brasileiro- sistema clientelista e mandatário do poder local.

Ramos (s/d), em seus estudos sobre a Gestão Democrática no Governo Das Mudanças - Ceará (1995-2001), apresenta depoimento de um representante do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará (SINDIUTE), muito esclarecedor da relação entre a eleição de diretores e as elites locais:

(...) a gestão democrática não é só a questão da eleição. Esta é um dos aspectos que também tem sido usado, mas que reproduz o processo político eleitoral, a máquina, o dinheiro, a bandalheira que era, em certas situações, tanto na capital e muito mais no interior. Que reproduz a mesma patifaria existente nas eleições parlamentares do executivo onde pesa muito o fator econômico, no financiamento da campanha e no vínculo com o político também que atua. (SINDIUTE/SILVA, In RAMOS, s/d, p. 3)

A forma como foi conduzida a eleição de diretores traz no seu âmago as relações de interesses das elites políticas, refletindo um simulacro de legalidades que visam, muitas vezes, a constituição de bases político-eleitorais, subvertendo os ideários sociais de autonomia. Além disso, o próprio processo de descentralização, sem uma preparação prévia nas estruturas municipais ou uma organização da própria colegialidade da sociedade civil em torno da escola, criou possibilidades para o enfraquecimento da Gestão Democrática e sua apropriação para fins políticos.

Assim, também a municipalização, com a transferência de despesas do Governo central para os Municípios, ao invés de alicerçar bases democráticas nos sistemas político-administrativos locais agudizou práticas clientelísticas e neopatrimonialistas. No âmbito educacional, a descentralização não respeitou as imensas disparidades econômicas dos municípios a nível nacional e regional.

Na mesma esteira, a criação de políticas de equalização, como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério (FUNDEB)-Lei nº 11.494/2007, não resolveu os problemas educacionais (SAVIANI, 2007). Na realidade, criou-se um mecanismo auspicioso para as finanças municipais e para seus governantes. A questão da qualidade real da educação foi preterida em prol das estatísticas. A constituição e implantação dos Sistemas Municipais de Educação, que envolvem a Gestão Democrática, acabaram sendo instituídos em virtude da obrigatoriedade legal, bem como pela receita financeira vinculada a tal implantação.

No estado do Ceará, em seu conjunto, em oitenta e três por cento (83%), dos 184 municípios pesquisados, existe Conselho Municipal de Educação - C.M.E (Tabela05), ou seja, um total de cento e cinquenta e dois (152) municípios. Desse conjunto, em apenas dezesseis por cento (16%) dos municípios o C.M.E credencia as escolas (conforme demonstrado na Tabela06), revelando a fragilidade na efetivação da Gestão Democrática no Ensino Público, e o interesse apenas formal da lei, a qual é necessária para a liberação das verbas do antigo FUNDEF, atual FUNDEB.

TABELA 05 Existe Conselho Municipal de Educação (CME) no município? 

Frequência Percentual
Não 32 17
Sim 152 83
Total 184 100

Fonte: Legislação Municipal (Tabela montada pelo grupo de pesquisa)

TABELA 06 O Conselho Municipal credencia as escolas? 

Frequência Percentual
Não 127 84
Sim 25 16
Total 152 100

Fonte: Legislação Municipal (Tabela montada pelo grupo de pesquisa)

Em relação à existência de ato legal que institui o Sistema de Educação (retratado na Tabela07), em apenas 40% dos municípios pesquisados existe o ato legal que institui o Sistema Municipal de Educação. Ao levantarem-se esses mesmos dados por Coordenadoria regional de desenvolvimento da Educação -CREDE, constata-se (como demonstram as Tabelas08 e 09), que ao distanciar-se da zona metropolitana de Fortaleza, em direção às zonas mais interioranas,há uma considerável diminuição na institucionalização do Sistema Municipal de Educação e C.M.E., seja pela dependência financeira e técnica do município diante do estado, ou por interesse apenas financeiro do governante municipal, que deseja obter a verba do FUNDEB, mas não lhe interessa a politização do espaço escolar.

Romper com a concepção de participação fluida (eleições de diretores, assembleias esporádicas, reuniões para tomada de decisões secundárias, etc.) e sem maiores consequências para a organização das políticas educacionais é um dos desafios da Gestão Democrática, a qual pressupõe a criação de mecanismos e dispositivos de participação, o que corriqueiramente não agrada a amplos setores da política brasileira. Nesse prisma, compreende-se que o simples ato legal de criar tais instrumentos (mecanismos e dispositivos) não garante relações democráticas. A escola é um espaço de luta por hegemonia (GRAMSCI,2004), no qual os sujeitos da classe dos subalternos têm corriqueiramente sua participação limitada pela classe dominante e por seus interesses.

As tabelas retratam, em seu conjunto, as contradições manifestas na implantação de uma Gestão Democrática em um país como o Brasil, partindo da realidade do Ceará.

TABELA 07 Existe Conselho Municipal de Educação (CME) no município? 

Crede Não Sim Total Crede Não Sim Total Crede Não Sim Total
1 0 8 8 8 3 10 13 15 3 2 5
2 1 14 15 9 0 6 6 16 1 6 7
3 5 2 7 10 0 13 13 17 1 6 7
4 5 1 6 11 4 3 7 18 2 10 12
5 0 9 9 12 1 7 8 19 2 4 6
6 2 18 20 13 1 10 11 20 1 9 10
7 0 6 6 14 0 7 7 21 0 1 1
Total 32 152 184

Fonte: Legislação Municipal- representa o número de municípios de cada CREDE que possuem ou não CME (Tabela montada pelo grupo de pesquisa GEPGE/UFC)

TABELA 08 Há ato legal que institui o Sistema Municipal de Educação? 

Crede Não Sim Total Crede Não Sim Total Crede Não Sim Total
1 0 8 8 8 9 4 13 15 2 3 5
2 12 3 15 9 2 4 6 16 2 5 7
3 5 2 7 10 6 7 13 17 6 1 7
4 6 0 6 11 6 1 7 18 9 3 12
5 4 5 9 12 2 6 8 19 5 1 6
6 13 7 20 13 4 7 11 20 10 0 10
7 2 4 6 14 5 2 7 21 0 1 1
Total 110 74 184

Fonte: Legislação Municipal (Tabelamontada pelo grupo de pesquisa)

A criação do ato legal que institui o Sistema Municipal de Educação e a existência do Conselho Municipal de Educação (CME) no município são mecanismos que devem ser apropriados (quantitativa e qualitativamente) pela classe dos subalternos em sua luta por hegemonia, rompendo com a participação apenas figurativa. A criação do Conselho Municipal de Educação respalda-se legalmente na Constituição Federal de 1998, na LDB nº 9.394/96, no Plano Nacional de Educação, Lei 10.172 de 09/01/01, bem como nos princípios da gestão democrática e participativa do ensino público, com funções normativa, consultiva, deliberativa e fiscalizadora. Os dados levantados indicam que 152 municípios cearenses criaram o CME para atender às prerrogativas legais, pois, conforme dados coletados junto à União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME/CE), dos 152 municípios que possuem Conselho Municipal de Educação, apenas 25 (16%) credenciam as Escolas e 127 (84%) dos Conselhos não credenciam as Escolas.

Os dados acima apresentados, em relação ao Sistema Municipal de Educação, que tem por objetivo possibilitar aos municípios criar suas próprias regras de gestão educacional, o que consagra o poder local como espaço de decisões significativas para a sociedade, são reveladores das práticas centralizadoras e clientelistas. Ainda, os dados mostram que os municípios mais distantes da capital são os que não possuem SME e, “coincidem” com muitos dos municípios em que proliferam os clãs familiares; já os municípios cujas CREDES localizam-se na região metropolitana de Fortaleza, em sua ampla maioria, criaram seu SME. Assim, de acordo com o PNE 2014/2024, Lei nº 13.005/2014:

Art. 9o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contados da publicação desta Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade.

Esta prerrogativa, em consonância com a LDB nº 9.394/96, deixa clara, por um lado, a importância dos SME e, por outro lado, indica o compromisso dos municípios com os princípios democráticos. O fato de os municípios não atenderem a esses preceitos exige a luta permanente dos movimentos sociais, da sociedade civil, dos componentes do circuito educativo, tendo em vista a possibilidade de tornar a Gestão Democrática do Ensino Público um instrumento que contribua para transformar a sociedade, a ordem política, buscando a superação da ordem sociometabólica imposta pelo Capital.

Nesse sentido, utiliza-se o conceito de participação de Bordenave (1994), segundo o qual o homem não nasce sabendo participar: “A participação é uma habilidade que se aprende e se aperfeiçoa. Isto é, as diversas forças e operações que constituem a dinâmica da participação devem ser compreendidas e dominadas pelas pessoas” (BORDENAVE, 1994, p. 47). Coutinho afirma que:

O processo de crescente democratização, de socialização da política, choca-se com a apropriação privada dos mecanismos de poder. Temos aqui uma contradição: o fato de que haja um número cada vez maior de pessoas participando politicamente, participando organizadamente, constituindo-se como sujeitos coletivos, choca-se com a permanência de um Estado apropriado restritamente por um pequeno grupo de pessoas, por membros da classe economicamente dominante ou por uma restrita burocracia a seu serviço. (COUTINHO, 2002, p.17).

Como salienta Bordenave (1994, p.14), “(...) a participação popular e a descentralização das decisões mostram-se como caminhos mais adequados para enfrentar os problemas graves e complexos” que afetam a sociedade atual. O que nos conduz à percepção de que a escola pública é um campo profícuo de enfrentamento das desigualdades sociais (re)produzidas pelas políticas econômicas do Estado contemporâneo.

Bordenave, ao discorrer sobre a “participação provocada, dirigida ou manipulada (...) por agentes externos, que ajudam outros a realizarem seus objetivos” aponta que a emancipação humana só é possível se no Estado democrático houver o “fazer parte, tomar parte, ter parte, ser parte”. (BORDENAVE, 1994, p. 22).

Segundo Paro (2008), os mecanismos e espaços de participação, como Conselhos de Educação e Escolar - Conselhos Municipais de Educação (C.M.E.) -, Plano Municipal de Educação, eleição de Diretores, dentre outros, são potencialidades a serem exploradas para a efetivação da Gestão Democrática, que deve ser compreendida para além de mera prerrogativa legal, contida na Constituição de 1988e na Lei de Diretrizes e Bases - LDB nº 9394/96. Tal fato deve-se à imensurável relevância da implantação de tais mecanismos para se atingir uma educação e participação social que possibilitem espaços democráticos, auxiliando na luta por uma educação para além do capital, que rompa com a mercantilização da educação (MÉSZÁROS, 2008).

É importante, em um processo de Gestão Democrática, que esses espaços não sejam apenas referendados como mera formalidade; mas que sejam desenvolvidas e garantidas condições necessárias para a participação da sociedade. Sobre isso, Gohn afirma que “(...) é necessário desenvolver algumas condições e articulações; é preciso dar peso político a essa representação (...) à luta dos segmentos sociais (...) pela democratização dos espaços públicos” (GOHN, 2001, p. 64).

A Gestão Democrática está envolta, portanto, em uma conjuntura sociometabólica cuja lógica institucional/instrumental assemelha-se à dinâmica de algumas associações públicas, que, ao serem criadas, objetivam atender as orientações dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, desenvolvendo o conceito de clientes-consumidores (população-alvo), a fim de ampliar a eficiência dos órgãos públicos. Essa ação repercutiria na redução de custos da máquina pública (com a redução das despesas com políticas públicas), possibilitando ao Estado superávits nas contas públicas e imediata capacidade de pagamento de suas dívidas, contraídas junto a grandes instituições financeiras internacionais. Como mecanismos de pressão para o cumprimento de seus objetivos, tais organismos condicionam a liberação de verbas à adoção de suas políticas. Farias (2000), em seu trabalho Clientelismo e Democracia Capitalista: elementos para uma abordagem alternativa, esclarece que:

A estrutura organizacional das Associações - o legalismo, o burocratismo - contribui para a continuidade do vínculo das lideranças ao Estado. Encontram-se ligados aos programas a manipulação de estatutos, as cláusulas contratuais, a contabilidade, o gerenciamento - elementos que terminam transformando as lideranças das Associações mais em funcionários do Estado do que em representantes dos setores populares. Esse fato revela os limites da participação comunitária, uma vez que ela pode ser, com relativa facilidade, apropriada pelos esquemas políticos dominantes, transformando-se em um mecanismo de conquistas eleitoreiras. (FARIAS, 2000, p. 49). (grifo nosso).

Nesse jogo político, no espaço educacional, a instabilidade profissional, as perseguições administrativas, os baixos salários, as relações de dependência, dentre outros fatores, acabam criando condições de difícil superação das práticas manipulatórias que envolvem e subvertem os anelos sociais, fortalecendo a mentalidade de que é muito “desconfortável” ser oposição, ou estar apartado da esfera de influência do poder governamental. O que conduz à máxima do coronel Manoel Inácio, do sertão pernambucano: “O Governo mudou, mas eu não mudo: fico com o Governo”, ou, como dissera um de seus discípulos: “Em política, eu sou intransigente: voto no Governo.” (FAORO, 2005, p. 551).

O exercício consciente do controle social por parte dos componentes dos C.M.E está vinculado ao modelo de gestão da política da própria sociedade. Uma vez constituídos os C.M.E., isso não garante sua atuação de forma a atender os quesitos para o pleno exercício de uma Gestão Democrática. Ainda sobre isso Gohna firma:

Para que tenham eficácia e efetividade na área em que atuam, e na sociedade de uma forma geral, é necessário desenvolver algumas condições e articulações; é preciso dar peso político a essa representação e consequência à luta dos segmentos sociais que acreditaram e lutaram pela democratização dos espaços públicos (GOHN, 2006, p. 10).

Adotar uma nova prática de gestão que efetivamente reproduza concepções democráticas, rompendo com paradigmas alienantes de nossa sociedade capitalista e neoliberal, culturalmente estabelecidos, é muito difícil, pois em Estados cuja ordem democrática é frágil e gera espaços políticos esvaziados de poder decisórios, não existe a cultura da participação, especialmente porque, conforme Wood (2003), a democracia é incompatível com o capitalismo. Essa incompatibilidade materializa-se: na existência de poucos espaços democráticos; no escasso tempo de que a classe trabalhadora dispõe para a participação política. .

Exige-se, contra essa tendência, uma contínua ação de enfrentamento por parte da sociedade civil, a qual deve impedir que falsos democratas se apropriem dos cargos administrativos e/ou representativos, ação típica de “lideranças” neopatrimonialista, que subvertem o público ao privado. Paro (2001), ao discorrer sobre a Gestão Democrática e sua real efetivação, mediante a atuação dos C.M.E., alerta sobre os falsos democratas:

Há pessoas trabalhando na escola, especialmente em postos de direção, que se dizem democratas apenas porque são “liberais” com alunos, professores, funcionários ou pais, porque lhes “dão abertura” ou “permitem” que tomem parte desta ou daquela decisão. Mas o que esse discurso parece não conseguir encobrir totalmente é que, se a participação depende de alguém que dá abertura ou permite sua manifestação, então a prática em que tem lugar essa participação não pode ser considerada democrática, pois democracia não se concede, se realiza: não pode existir “ditador democrático”. (PARO, 2001, p. 18-19).

Além da subversão da ideia de C.M.E, outra tendência presente na ação de apropriação do ideário de Conselho, por parte dos grupos hegemônicos ligados ao Estado e à elite burguesa, é a permanência de uma prática clientelista por parte dos poderes locais, como afirma Gohn:

A lei vinculou-os ao Poder Executivo do Município, como órgãos auxiliares da gestão pública. É preciso, portanto, que se reafirme em todas as instâncias, seu caráter essencialmente deliberativo, já que a opinião apenas não basta. Nos municípios sem tradição organizativa-associativa, os conselhos têm sido apenas uma realidade jurídico-formal, e muitas vezes um instrumento a mais nas mãos dos prefeitos e das elites, falando em nome da comunidade, como seus representantes oficiais, e não atendendo minimamente aos objetivos de controle e fiscalização dos negócios públicos. (GOHN, 2006, p. 8).

Esta afirmação de Gohn leva a compreender a conjuntura política cearense e talvez explique o fato de que a criação dos Sistemas e Conselhos e sua efetivação estejam ligadas a oligarquias que se instalaram no Estado, enraizando-se no interior, mas exercendo influência no governo do Estado. Diante deste amalgama jurídico, social e político, ao se analisar empiricamente a realidade dos C.M.E no estado do Ceará, tem-se um cenário desalentador, que nos conduz ao entendimento dos motivos que geram a predominância da falta de recursos, da infraestrutura precária, do predomínio do caráter meramente consultivo dos conselhos, da participação residual dos conselheiros nas reuniões, do baixo grau de institucionalização, da limitada autonomia, da forte dependência em relação aos poderes executivos Estadual/Municipal, da forte influência do poder local, muitas vezes atuando com intensa ingerência, do uso político eleitoral dos conselhos, da instrumentalização dos conselhos com o fim de alocação/liberação de verbas dos órgãos governamentais e da própria condição imposta à classe trabalhadora pelo modo de produção vigente, dentre outros aspectos.

Na contramão dos ideários burgueses de manutenção da ordem econômica, política e social imposta pelo modo de produção que valoriza o capital, em detrimento da condição humana, a Gestão Democrática pode e deve ser pensada, assim como seus mecanismos, como meios que conduzem à compreensão da ligação que se estabelece entre sociedade, educação e Estado; uma relação inserida no campo de disputa por hegemonia, de correlação de forças. Considera-se que o espaço público é estratégico, lócus privilegiado de ações que se contrapõem e espaço de embates que refletem o antagonismo de classes, que caracteriza a sociedade capitalista em plena reestruturação produtiva, onde “o proletariado [neste caso, os sujeitos que compõem o espaço educativo, mormente professor e o gestor escolar, devem abandonar] (...) a mentalidade corporativista (...)”. Devem, portanto, deixar “de defender apenas seus interesses imediatos, grupais, convertendo-se assim (...) em classe que assume e faz suas todas as reivindicações das camadas trabalhadoras” (COUTINHO, 2012, p. 68), que são exatamente as características do modo de produção vigente, que separam, hierarquizam, individualizam em um caráter individualista. Nesse prisma, defende-se a importância da apropriação pela classe trabalhadora dos espaços que o próprio modo de produção capitalista oferece, no sentido de formar as massas para a transformação do modelo, ou seja, eles não são um fim em si mesmo, mas um meio para tal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Investigar a materialização da Gestão Democrática do Ensino Público no Estado cearense e quais relações sócio-políticas podem-se depreender da implantação ou inibição dos mecanismos que a compõem foram os principais desafios deste trabalho. Diante destas provocações, salienta-se que não foi possível aprofundar a análise de todos os problemas suscitados na pesquisa, tendo em vista tratar-se apenas de um artigo, mas espera-se que o estudo contribua para o entendimento das relações entre Estado, neopatrimonialismo, sociedade civil, clientelismo, democracia e Gestão Democrática.

No delineamento e efetivação da Gestão Democrática o que se coloca é a consolidação da cidadania, ainda identificada por seu caráter burguês, e o controle do Estado pela sociedade civil, ou seja, alguns dos mecanismos na construção da democracia em um país como o Brasil. A atuação da sociedade civil, portanto, não pode ser pensada como instrumento justificador da política de desresponsabilização do Estado, e nem tão pouco a municipalização/descentralização pode ser instrumento de reforço do poder das elites no plano local. A Gestão Democrática precisa ser um meio para a concretude da democracia, ou seja, da gestão do ensino público como princípio construído pela ampla participação social.

Não se pode conceber a ideia de participação nos moldes ditados pelos organismos multilaterais, como Banco Mundial, ou projetos neoliberais que mercantilizam a educação, que empreendem reformas educacionais adequadas às políticas de reajustes financeiros adequados a lógica do Capital e que ampliam a exclusão socioeconômica e político-educacional. É preciso buscar uma Gestão Democrática que transcenda o marco legal, que efetivamente haja uma participação coletiva nos mais diversos procedimentos formais e regulamentares da escola, desde a elaboração do projeto político pedagógico; e com ampla participação nos conselhos e colegiados ou equivalentes.

Ao destacar-se, neste trabalho, especialmente a característica neopatrimonialista do Estado brasileiro, buscou-se localizar uma das principais resistências ao processo de Gestão Democrática do Ensino Público, pois até a mais dinâmica participação social e implantação de mecanismos e dispositivos democráticos teria dificuldades para funcionar, em virtude da apropriação da coisa pública e da sua conversão em coisa privada, em detrimento do bem comum, pelos governantes neopatrimonialistas e sua clientela.

Esta situação parece estar evidente quando se verifica que, nos municípios cearenses mais próximos à capital, os Conselhos e Sistemas Municipais foram instalados e possuem certa autonomia, especialmente quando se trata do credenciamento das escolas. Entretanto, quanto mais distantes da capital, as famílias e/ou grupos políticos de ranço clientelista e mandonista se perpetuam no poder, exercendo o mando/poder local. Nesse contexto, os conselhos e conselheiros, bem como os SME, quando existem, são meras figuras decorativas nas mãos desses governantes.

A burocratização do Estado no Brasil conseguiu gerar uma ordem administrativa racional-legal que se entranhou nas relações político-familiares, reforçando as estruturas de poder da elite hegemônica, gestando um híbrido entre o “moderno” e o tradicional, obstaculizando o desenvolvimento econômico do país. A maneira autocrática e autoritária do funcionamento do Estado impregna a forma de governar, impondo mudanças constantes nas políticas governamentais, ao alteradas ao sabor das conveniências políticas. Para corrigir esses e outros descaminhos, a (contra)reforma do Estado, em plena era da globalização e do neoliberalismo, buscou dinamizar a ordem produtiva (mediante políticas econômicas que dinamizassem a reestruturação produtiva internamente) e da eficiência pública (Nova Administração Pública). Nessa conjuntura, a Gestão Democrática insere-se como instrumento de desresponsabilização do Estado, de redução dos gastos públicos, mediante a municipalização e a instituição de sistemas nacionais de avaliação, sem, de fato, ser colocada como uma forma colegiada de administrar a escola pública.

Contrapor-se a essa lógica é um exercício. A gestão participativa é construída no campo do enfrentamento, na luta por hegemonia, no contexto da disputa política. A Democracia ou as conquistas sociais não são atingidas espontaneamente, elas são fruto das tensões no processo histórico dialético, uma construção coletiva, imersa na realidade concreta da vida. Esse processo participativo opera-se na superação de velhos hábitos de uma gestão centralizadora ou que concebe a democracia como um princípio apenas jurídico.

Não basta, portanto, mudar as terminologias de “administração” para “gestão”, ou transportar para a educação métodos de “organizar” ou “planejar” advindos da iniciativa privada. A educação não pode ser limitada tendo apenas como parâmetro resultados estatísticos, gestão por resultados. Ainda, não pode ser usada como forma de barganha ou beneficiamento de determinados grupos. A construção do saber, da subjetividade e da educação política precisam ser os norteadores da educação, e ao abrir espaço para a ampla participação social no cotidiano escolar, consolida-se a dimensão democrática. Dessa forma, a Gestão Democrática da Educação Pública poderia ser encarada como um mecanismo cuja formação/constituição é contínua e ininterrupta.

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1 Defende-se que no Brasil criou-se uma forma própria de administrar a coisa pública, tendo em vista as características políticas e sociais brasileiras, marcadas por um forte ranço tradicionalista que vem desde o processo de colonização. Nesse sentido, de um lado, a permanência e de outro, a busca intensa pelo processo de modernização, que inclui a administração.

2 De acordo com Abrucio (2006), há três variantes do modelo. Essas variantes dizem respeito a um processo de aperfeiçoamento e adaptação à administração pública. Trata-se do modelo gerencial puro, do Consumeirism e do Public Service Oriented, tendo este último avançado em temáticas de foro republicano e democrático (ABRUCIO, 1997; 2006)

Recebido: 22 de Abril de 2018; Aceito: 18 de Janeiro de 2019

Contato: Clarice Zientarski, Rua Waldery Uchôa, nº 01, Benfica, Departamento de Fundamentos da Educação, Fortaleza|CE|Brasil, CEP 60.0020-110

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Doutora em Educação. Professora no Departamento de Fundamentos da Edução e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail:<claricezientarski@yahoo.com.br>.

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Doutorando em educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisador com área de concentração em Estado, Políticas Educacionais, Trabalho e Educação. Coordenador do Grupo de Pesquisa Rede Mapa da Gestão Pública. E-mail:<azraellevi@gmail.com>.

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Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisadora com área de concentração em Estado, Políticas Educacionais, Trabalho e Educação. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Rede Mapa da Gestão Pública. E-mail:<sonialiver@gmail.com>.

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