SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.35BOAS PRÁTICAS EM AMBIENTES VIRTUAIS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM: UMA REVISÃO DE FORMA SISTEMÁTICA NA LITERATURAAÇÕES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: CAMINHOS PARA A PERMANÊNCIA E O PROGRESSO ACADÊMICO DE ESTUDANTES DA ÁREA DAS CIÊNCIAS EXATAS índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.35  Belo Horizonte jan./dez 2019  Epub 09-Jul-2019

https://doi.org/10.1590/0102-4698217851 

Artigos

A-TRADUZIR O ARQUIVO DA DOCÊNCIA EM AULA: SONHO DIDÁTICO E POESIA CURRICULAR

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.


RESUMO:

Dotado de um teor ensaístico, este artigo pensa a docência no avesso da doxa educacional, da opinião pública, do espírito majoritário, do consenso burguês, da Voz do Natural, da violência do preconceito e da geleia geral espalhada com as bênçãos do poder. Discute o arquivo da docência, com o qual a Aula é feita, trabalhando-a como um conceito filosófico, que se forja num encontro tradutório entre Currículo e Didática. Realiza experimentações de escrita-e-leitura acerca do tratamento onírico desse arquivo, bem como do direito dos professores de sonhá-lo poeticamente. Conclui que cabe ao professor permanecer em vigília: ato de resistência, preparado no Currículo, conjurado na Didática, lutado na Aula.

Palavras-chave: A-traduzir; Docência; Aula; Poética; Sonho

ABSTRACT:

Endowed whith essay features, this paper regards teaching as opposed to the educational doxa, the public opinion, the majority spirit, the bourgeois consensus, the Voice of the Natural, the prejudice violence and the common beliefs spread with the blessing of power. It discusses the teaching file with which the Class is made by approaching it as a philosophical concept designed in a translated encounter between Curriculum and Didactics. It performs experimentations of writing-and-reading about both the dreamlike treatment of the file and the teachers’ right to dream of it poetically. It concludes that it is up to the teacher to stay alert: act of resistance prepared in the Curriculum, conjured up in Didactics, fought in Class.

Keywords: To-be-translated; Teaching; Class; Poetics; Dream

INTRODUÇÃO

Somos essa matéria de que se fabricam os sonhos.

William Shakespeare

Dotado de um teor ensaístico, este artigo utiliza o Método do Informe, para dar continuidade a posições de pesquisa, que pensam a docência no avesso da doxa educacional, da opinião pública, do espírito majoritário, do consenso burguês, da Voz do Natural, da violência do preconceito, da Ciência Régia, do Aparelho de Estado e da geleia geral espalhada com as bênçãos do poder (ADORNO, 2003; CORAZZA, 2013a; b; De ARAUJO; CORAZZA, 2018). Discute o arquivo da docência, com o qual a Aula é feita, trabalhando-a como um conceito filosófico (DELEUZE; GUATTARI, 1992), forjado num encontro tradutório entre Currículo e Didática. Realiza experimentações de escrileitura (escrita-e-leitura), desde o tratamento onírico desse arquivo, bem como do direito dos professores de sonhá-lo poeticamente.

A tradução do arquivo docente é uma tarefa (Aufgabe) (BENJAMIN, 2008) constante, como construção onírica e poética, desde que é parte de fazer ou de produzir a matéria1. Situada “a meio caminho da criação literária e da teoria” (BENJAMIN apud DERRIDA, 2002b, p. 29), tal tarefa encontra, na Aula, o seu tempo e espaço privilegiados, cuja equação pode ser condensada na fórmula EIS AICE - Espaço, Imagem, Signo, para o Currículo; Autor, Infantil, Currículo, Educador, para a Didática - (CORAZZA, 2017; 2018). Sendo próprio à traduzibilidade do arquivo afirmar-se como fiel ao sentido das matérias, sempre rebeldes, apresenta como seu correlato o intraduzível - ou a-traduzir (à-traduire) (DERRIDA, 2002b) -, que deixa escapar não o corpo do original; mas, conforme Benjamin (2009), a parte do corpo textual não comportada pela literalidade (Wörtlichkeit). Esse intraduzível está implicado por aquilo que perturba a reapropriação de sentidos; institui o desfalecimento das coordenadas cognitivas; prenuncia a morte do significado; é catástrofe em permanência do significante; ou seja, por tudo que, em Aula, é produzido pela criação poética e onírica: imagens, assinaturas, nomes próprios, figuras, acontecimentos.

Por ser a parte da matéria que não conseguimos traduzir (trans-ducere), o a-traduzir nos desafia e compromete a recontar um contar impossível, como escreve Derrida (2002b, p. 46): “Existe o a-traduzir. Dos dois lados ele designa e contrata”. Por isso, a necessidade de traduzir surge como uma tentativa de dar conta desse impossível. Quando o intraduzível retorna ao processo, o faz como poesia e sonho, impulsionando a tarefa tradutória docente. Lidando com os movimentos oscilatórios entre traduzir e a-traduzir, os professores demonstram, no exercício de sua profissão, independentemente de ser uma posição científica ou não, junto com Borges (2007, p. 265-266), “que os sonhos são a atividade estética mais antiga”.

CRIAÇÃO E CRÍTICA

Desde os estudos das traduções (trans)criadoras de Benjamin (2008), Campos (2013) e Derrida (2002a; b), consideramos a tradução como a estrutura ou a operadora central da docência e a principal tarefa dos professores: o seu dever-traduzir. Para exercer a docência - respondendo à pergunta O que fazemos criadoramente como professores? -, traduzimos as matérias de arte, ciência e pensamento; as quais são selecionadas, combinadas e dispostas pelo Currículo; e, na Aula, são retomadas pela Didática, a fim de serem atualizadas, reinventadas, recompostas; de modo a adquirirem potência de duração e validade de existência.

Na galeria das traduções, essa configuração “não deixa de conservar uma certa originalidade, a de uma família de acontecimentos irredutíveis na história da tradução, de sua problemática e de sua prática” (DERRIDA, 1998, p.144). Por seu intermédio, os professores adquirem um lugar afirmativo de sujeitos de letras, como autores, leitores, tradutores e poetas-pensantes; dedicados a comentários, paráfrases, interpretações e não-traduções - já que, muitas vezes, o tradutor somente “comenta, explica, parafraseia, mas não traduz” (DERRIDA, 2002b, p. 21) -, que levam a matéria original a sobreviver em sua própria língua e atravessar os tempos.

Em tal plano geral do nosso estudo, a primeiridade docente - a potência que traz a possibilidade de movimento, o vir-a-ser da multiplicidade, cheio de vida e variedade (PEIRCE, 2010) - é constituída pela traduzibilidade e pela intraduzibilidade, ou por traductibilidade e intraductibilidade (DERRIDA, 2002a). De dentro de si mesma, a traduzibilidade dá suporte à intraduzibilidade, como mais um fator da equação docente. Sofrendo a ação do contemporâneo, as traduções são operacionalizadas através de procedimentos didáticos e curriculares, não consistindo em simples especularização, duplicação ou repetição da matéria; tampouco em apropriação homogeneizadora de palavras ou na subsunção do mundo a conceitos; sequer na encarnação paradigmática do modelo de representação de uma essência.

São traduções que possuem uma relação assimétrica com os originais, visto que “toda tradução é aurática, uma relação de correspondência” (MATOS, 1999, p.12); embora esta correspondência seja construída em um espaço indefinido entre fidelidade e liberdade, continuidade e ruptura, coerência e transgressão; sem que aos tradutores esteja facultada a perda de respeito pelo caráter criador de cada matéria ou que possam considerar a contingência de sua língua e época como possuindo algo sagrado a preservar.

São traduções impulsionadas por interpretação e crítica, que se afirmam não como culto do belo, mas como operações monstruosas, que dão visibilidade ao saber dos outros, sem repeti-lo ou escondê-lo, ao transformar textos, fórmulas, valores, ideias, na novidade da sua energia. São traduções sujeitas a moções, dotadas de polaridade fluida e constantemente tensa: digressivas, anticartesianas, violentas, em curto-circuito com os originais; interrompendo a si mesmas, para renovarem contato com os componentes de cada matéria. Em função dessa condição, não há como não serem poéticas e oníricas, desde que carregam um pretenso pas-de-sens (sem sentido), que não significa a pobreza, “mas pas de sens, que seja ele mesmo, sentido, fora de uma ‘literalidade’” (DERRIDA, 2002b, p.71).

Esse tipo de tradução abala a crença na binaridade estanque entre prosa e poesia; liberando-nos para usar a poesia não como forma, mas como desvio da norma e da linguagem objetiva, que suporiam apenas descrever ou constatar uma dada realidade. Tradução poiética, usada no sentido etimológico de poesia como poiesis, poiein (produzir); desde que “perfaz uma Über-Erhebung (trans-elevação) na qual o elemento positivo da crítica ultrapassa de longe o negativo” (SELIGMANN-SILVA, 2007, p.21). Em meio à tal teoria tradutória, os professores conseguem pensar: na ausência de poesia na docência; na necessidade de poesia na docência; poeticamente a docência; o lugar da poesia na docência; a docência com um pensamento poético.

Assim, os professores reafirmam a sensação de um mundo recriado, cujo efeito abala as concepções tradicionais de conhecimento, verdade e fonte pura do sentido. Criam armações conceituais para assumir que as ações de pesquisar e escrever sobre docência consistem em produzir literatura, considerando “poema para toda a literatura, não somente no sentido restrito habitualmente para a ‘poesia’ por oposição ao ‘romance’” (MESCHONNIC, 2010, p. XVIII). As traduções docentes aparecem como oferendas, feitas pelos professores à humanidade, constituídas por associações, tais como as dos poemas e dos sonhos: plenas de tensão, inacabamento, desencontros, conexões, contágios.

A perspectiva de docência que daí deriva ocupa-se de tudo aquilo “que é designado, dado a fazer, dado a devolver” (DERRIDA, 2002b, p. 28). Docência que traduz: palavra escrita, oral e divina; gestos e consciência; ética e alfabetos; dicionários e novelas; culturas, línguas e literaturas nacionais; conhecimentos científicos e religiões; cartas, autores e ideias; valores e modos de existir (DESLILE; WOODSWORTH, 1998). Docência como ação humana singular, efetivada em um mundo pós-babélico, que formaliza, para um determinado presente, uma repercussão da tradição, sem pretensão de totalidade, além de emprestar uma aparência de antiguidade a acontecimentos recentes.

Buscando o próprio deslocamento, o intuito dessa docência é preservar o liame entre a matéria já criada e a sua reinterrogação; bem como aquilo que torna cada matéria estrangeira em relação às outras e a si mesma. Se existe aí alguma fidelidade é aquela dirigida à insuperável diferença entre as línguas de produção; pois é tal diferença que permite manter cada uma como criadora; ao mesmo tempo em que a sustenta como alteridade linguística, cultural e histórica. Fidelidade, dizia Pound (apud CAMPOS, 1992, p. 37), “ao ‘espírito’, ao ‘clima’ particular da peça traduzida”; à qual, o tradutor acrescenta, “como numa contínua sedimentação de estratos criativos, efeitos novos ou variantes, que o original autoriza em sua linha de invenção”.

Desse ponto de vista, a docência é epistemologicamente mortal, pois suas interpretações vão de encontro aos sentidos consagrados; e, portanto, também é crítica, na direção artística, que deixa de ser julgamento das obras de arte e se torna uma etapa do processo de autoconhecimento da matéria, como aperfeiçoamento. A tarefa docente consiste, dessa maneira, em uma cadeia infinda de traduções e de não-traduções: atenta às linhas de invenção das matérias; efetivada em um transitus constante; e num salto originário entre leitura e escritura. Cadeia, cuja insolubilidade é consequência da pluralidade de recriações do mundo, que transforma a docência em uma cantoria, que pode padecer de simetrias assustadoras e dissonâncias incômodas, como em um espetáculo teatral, ofício litúrgico ou concerto musical; situada na multiplicidade de uma ária, partitura, dança, peça, croqui, manuscrito; e tecida na dobradura entre o texto ancestral e o novo poema, formado pelo retorno de sentidos quase-abandonados ou perdidos.

Essa docência não pode ser concebida como mais um, dentre vários instrumentos de comunicação ou de informação; mas como uma tarefa de resistência, do mesmo modo que a arte: “a arte é aquilo que resiste, mesmo que não seja a única coisa que resista. Daí o entrelace tão estreito entre o ato de resistência e a obra de arte” (DELEUZE, 2016, p. 342). Ao traduzir, os professores não adquirem e transmitem, dominam e dão, acumulam e passam adiante; pois, se assim fizessem, aceitariam ser possível apreender, objetivamente, a exatidão de determinada matéria; a qual, por gênese, é inessencial, misteriosa e inalcançável: “Aquilo que o tradutor só pode restituir ao tornar-se, ele mesmo, um poeta” (BENJAMIN, 2008, p. 66).

Os professores são, no início, leitores e estudiosos profanos e mágicos; de imediato, críticos e poetas recriadores, que fazem o elo (tessera) - tanto complementação quanto oposição - entre o passado longínquo e o presente; e de cuja intepretação não-objetiva depende os rumos das matérias no futuro. Ao estudar os originais, apropriá-los em Currículo e atualizá-los na Didática, produzem novas intensidades, fazendo os autores desaparecerem naquilo que estão lendo, escrevendo e enunciando. Como poetas tardios, retiram o significado atribuído pelo autor-pai e quebram a sua falsa criação autógena, realizando afastamentos ou ocasionando novos erros sobre as matérias. Asseguram, assim, a sobrevida do espírito de cada matéria, para além da oposição entre vida e morte dos autores, obras, ideias: “Tal sobrevida dá um pouco mais de vida, mais que uma sobrevivência. A obra não vive apenas mais tempo, ela vive mais e melhor, acima dos meios do seu autor” (DERRIDA, 2002b, p. 33).

Por isso, a cada vez que uma tradução docente é posta em questão, é a própria existência de uma matéria que está sendo posta em xeque; a cada vez que um professor dá continuidade ao original, através dos efeitos do seu traduzir e a-traduzir, também dá prosseguimento à docência como tarefa; e ficam ele próprio e o seu ofício enovelados em uma atmosfera do frescor de a-vida-a-morte (CORAZZA, 1998; DERRIDA, 1995).

ANCILAR E ALEGORIA

Ao contrário do posicionamento ancilar, reservado pela tradição à tarefa docente, secundarizando-a, o movimento das traduções transcriadoras pode ser pensado como alegoria, no sentido de Benjamin (2009). Alegoria, cujos procedimentos colocam o professor como crítico e criador, ao lado do autor, porque faz vacilar a individualidade das matérias e embaralha a oposição entre modelo e cópia, que fundamenta a docência mimética. Articulada por essa ideia de docência, como um processo similar ao da crítica, em arte e na literatura, a concepção alegórica é voltada para a interpretação daquilo que cada original carrega de ímpeto inventivo, no tensionamento entre consciência e objeto, leitor e obra, mestre e discípulo.

A tarefa da docência processa um continuum de formas, que se autodeterminam, e que remetem aos originais, como se os professores trabalhassem, o tempo todo, em um intertexto infinito. Não é à toa que Willemart (2009, p. 62) afirma que a filiação e a intertextualidade, entre matéria de partida e de chegada, “existem de frente para trás. O nome do autor decorre de suas obras e não o contrário, ele não é seu pai”. A alegoria é uma das vias da crítica da representação, desde que o tropo - interpretação propositalmente falsificadora - serve como um meio para a expressão indireta ou não-literal. Substituindo palavras por outras palavras, o tropo alegórico é vivenciado pelos professores como um procedimento textual ou imagético, que não petrifica a sua tarefa tradutória, mas a transforma em um móbile, no qual não existe a fixidez do significado último.

A tradução docente consiste, desse modo, em uma cadeia interminável de passagens (ARAGON, 1996; BENJAMIN, 2009) entre significantes, como um medium, “enquanto ambiente, espaço onde ocorre a percepção, em oposição a uma acepção instrumental de ‘meio para um fim determinado’” (MACHADO apud BENJAMIN, 2012, p. 25-26). Medium, que tende não apenas para a ausência de sentido, mas para a imagem de leitura e para o gesto da escrita, ao jogar com a perda e com o vazio, numa litania de evasões, que se impõem como necessárias ao surgimento de novas formas. Enquanto tradução que alegoriza, a docência não reivindica qualquer presença, nem pode ser reduzida à posição subalterna de servir a alguma finalidade. Antes, funciona como uma força feliz, porque criadora, que destrói o pensamento da representação e a fala comunicativa, em seu império logocêntrico de discurso, lógica, razão, palavra de Deus; enfatizando a mera alusão, que insiste em não se inscrever, na negatividade sublime do enigmático, que é aquilo que não cessa de não se escrever.

Alegorizadas, as ações tradutórias destroem a aparência das matérias, abdicam da sua distância temporal e as arrancam do seu contexto de organismo. Logo, nas matérias, não há mais o peso emanado da natureza, que rege a relação entre palavras e significados. Ao invés disso, o professor-tradutor atua na circulação criativa de suas entradas e saídas, desconstruindo o contexto original e criando novos complexos em Aula. Como o seu maior desafio, cabe-lhe não apenas “saber partir de onde o saber terá partido, tomar nota desse saber originário pressuposto por toda delimitação crítica” (DERRIDA, 1998, p. 146); mas transcriar as matérias que são inesgotáveis como mensagem ou comunicação de sentido.

Sem tentativa de fragmentação nem facilidade de figuração; sem objetivar como destino final o leitor da língua de chegada; sem submeter-se ao transporte de uma língua para outra; o professor que alegoriza tem consciência de que suas traduções trazem à vida uma parte póstuma do saber. Ao ler e reescrever uma matéria, o professor não volta, simplesmente, a repô-la em sua época de origem; nem lhe impõe as problemáticas do presente; tampouco gruda-lhe pressupostos que desconsideram o que cada uma possui de princípio. Sabe que a escrileitura transcriadora de uma matéria exige o seu pincel, a sua pluma e o seu martelo, para guardar o que lhe é próprio, em termos de significação errante; sem, no entanto, restringir-se a ela.

Para funcionar como alegoria, cada matéria depende das traduções, de modo a prosseguir tendo uma existência de fato e exercer a intercomplementaridade das línguas, necessária para que a cultura e a civilização sigam o seu curso. Levar a cabo a tarefa docente é transcriar uma linguagem diabólica em humana, pensamentos em nomes, coisas em palavras, imagens em signos. Falar, ler, escrever e ensinar alegoricamente consistem em traduzir; sendo que toda a docência é feita de tradução; e cada tradução é também tradução de tradução; existindo, por conseguinte, camadas tradutórias, pelas quais as gerações de professores vêm se fazendo responsáveis. É por isso que leituras, falas e textos de professores despertam o desejo de mais leituras, falas e textos; o que leva as matérias a serem transportadas pela mobilidade dessas mesmas traduções.

Para que uma tradução não seja estéril nem improdutiva é preciso expressar o parentesco existente entre as línguas, já que todas elas apontam para uma língua pura ideal, de acordo com Benjamin (2008). Como enérgeia, pura ação criadora, interpretativa e crítica, a docência que alegoriza efetiva uma unidade de expressão e de conteúdo, que operacionaliza o relacionamento entre o original e a tradução “como um casal de amantes, que se completam mutuamente, apesar de cada um poder também levar uma vida autônoma e independente” (KOTHE, 1976, p. 63). Tal docência não possui qualquer menos-valia, mas exerce uma função de liberação de “uma potência de vida que estava aprisionada ou ultrajada” (AGAMBEN, 2018, p. 60). Liberação que ultrapassa os planos do significado, do significante e da significação, visto incidir uma latência de totalidade sígnica sobre cada matéria, que o alegorista se atribui a tarefa (impossível) de traduzir.

A-TRADUZIR UM ACONTECIMENTO

Em face dessas teses acerca de uma docência positivamente artistadora, para nossos propósitos, é imprescindível tornar a pensar o intraduzível de uma matéria. Isso porque, no processo de reapropriação de sentido, promovida pelo traduzir, o intraduzível é o elemento perturbador que integra todas as traduzibilidades, constituindo um problema teórico para a linguística contemporânea, afiança Mounin (1975, p.19):

se aceitarmos as teses correntes a respeito da estrutura dos léxicos, das morfologias e das sintaxes, seremos levados a afirmar que a tradução deveria ser impossível. Entretanto, os tradutores existem, eles produzem, recorremos com proveito às suas produções. Seria quase possível dizer que a existência da tradução constitui o escândalo da linguística contemporânea.

Rónai (1987, p.14) indaga se toda arte não seria formada, justamente, por essa impossibilidade: “o poeta exprime (ou quer exprimir) o inexprimível, o pintor reproduz o irreproduzível, o estatuário fixa o infixável. Não é surpreendente, pois, que o tradutor se empenhe em traduzir o intraduzível”. Ao considerar o poético e o onírico como os intraduzíveis da docência, encontramos, em Derrida (2002b, p.11), o nome próprio escrito ao lado da Torre de Babel: “ela mesma por pouco intraduzível, como um nome próprio”. Ao referir um significante puro a um acontecimento (CORAZZA, 2004) - àquilo que traduzimos e que queda para-ser-traduzido (to-be-translated) -, o dotamos, em sua anterioridade psíquica, de uma força performativa, igual à festa de viver, que se intensifica por amar a si mesma.

Um traduzível-intraduzível é pleno da multiplicidade irredutível das matérias, condição que não nos deixa atingi-lo, em sua suficiência, levando-nos a realizar traduções inadequadas. Justamente em função dessa multiplicidade, assente Derrida (2002b, p.11-12), é que há um “não-acabamento, a impossibilidade de completar, de totalizar, de saturar, de acabar qualquer coisa que seria da ordem da identificação, da construção arquitetural, do sistema e da arquitetônica”. Não que essa condição de extravio ocorra porque existe uma superioridade dos originais; mas porque é próprio do traduzir também o a-traduzir, isto é, a abertura do não-sentido para um novo discurso.

Acima de tudo, a tarefa tradutória é paradoxal, pois, se os professores devem traduzir, também não conseguem traduzir na íntegra nem a contento; ou, dito de outro modo, se a tradução é necessária, ela integra a ordem do impossível: “a tarefa necessária e impossível da tradução, sua necessidade como impossibilidade” (DERRIDA, 2002b, p. 21). Por conseguinte, os professores têm de lidar com o caráter incompleto das traduções e com as próprias soluções insatisfatórias; as quais poderiam parecer defeitos, mas que, de fato, são vitais, pois os impelem a prosseguir com o processo tradutório.

Por habitarmos um mundo pós-Babel é que estamos condenados a traduzir, isto é, que recebemos o encargo, a missão, o problema, a tarefa de traduzir, “à qual se está (sempre pelo outro) destinado: o engajamento, o dever, a dívida, a responsabilidade” (DERRIDA, 2002, p. 27). Talvez, mais do que qualquer outro profissional, o professor experiencie essa intimação do a-traduzir; visto que, para ensinar, tem necessidade de traduzir, não podendo não fazê-lo: “em relação ao texto a traduzir (eu não falo do signatário ou do autor do original), da língua e da escritura, do liame de amor que assina a núpcia entre o autor do ‘original’ e sua própria língua” (DERRIDA, 2002b, p. 28).

Endividado, pelo fato de ser herdeiro do arquivo docente; obrigado por um dever tradutório, diante da matéria; culpado por não restaurar o original na íntegra; personagem sobrevivente de uma genealogia (DERRIDA, 2001); o professor acaba virando um agente da transmutação de criações, levando o seu espírito de intérprete a substituir o espírito do autor do original. Contudo, a dívida de traduzir e de a-traduzir não deve ser entendida como uma ordem moral da herança, desde que “não passa entre um doador e um donatário, mas entre dois textos (duas ‘produções’) ou duas ‘criações’” (DERRIDA, 2002b, p. 33).

Como a-moral, a necessidade de não-poder-não-traduzir deve-se a uma sina de artista, qual seja, ao desejo do professor de trabalhar com a transformação e com a recriação, quando reivindica a sua principal herança: encontrar felicidade no trabalho poético e onírico da Didática e do Currículo, ao vivenciar a dramaticidade da Aula. Trata-se de uma libertação, apenas proporcionada pelo trabalho criador, realizado sobre a mesa da existência, por meio do qual os professores adquirem o direito de sonhar, abrindo as duas asas da imaginação, como uma Vitória helênica. Isso soa similar à descrição de Pessanha (1985, p. xxi) do trabalhador-artista, concebido por Bachelard, como um onirista ativo, que “cria a partir de seus próprios devaneios, autodeterminado por seus sonhos, por sua vontade de poder”.

O encargo artistador da docência tradutória é possibilitar as suas próprias condições de invenção; o que implica engendrar um solo comum para criações originais. Docência, como abertura direta para o jogo da diferença das matérias, engajada num processo de desdobramento contínuo. Docência pensada como oxímoro de criação absoluta, enquanto tradução para várias línguas ao mesmo tempo. Docência que consiste, ao mesmo tempo, em uma arte, um saber e uma technai da tradução, liberta da oposição entre conhecimento arraigado e conhecimento adquirido. Docência, que toma a tradução não como modo de representação, mas como medium de formas - afirmação explícita, insinuação, alusão codificada -, que revela a sua natureza poética e onírica, sem remissão à eternidade da matéria. Docência que realiza construções autônomas, aglutinando momentos de véspera com cenas de anteontem, e expressando o eterno retorno da diferença em seu caráter infinitivo.

As traduções docentes não encontram a sua validade no fato de se tornarem cópias de alguma realidade, tampouco de deformarem os originais; mas, ao contrário, tomam a forma de textos sonhados pelos sonhadores. Se essas traduções preservam alguns traços estruturais das matérias, mesmo que tenham alterada a sua configuração verbal, é porque nelas sobrevivem traços oníricos e poéticos (de criação) que são preservados. Por seu intermédio, os professores articulam dois registros: crítica à racionalidade da falsa consciência e à dialética que descarta a ilusão, em nome do combate à ideologia (ARROJO, 1992). Para ativar essa constelação, reportam-se à elaboração primária e secundária das traduções, o que implica inserir a metalinguagem na própria linguagem curricular e didática. Conseguem, assim, em Aula, agudizar uma crise permanente no social; o que, talvez, explique a histórica ambivalência de amor e ódio à sua tarefa.

ARQUIVO DE SONHO

No livro A interpretação dos sonhos, de 1899, Freud (2005a, p.144) escreveu o quão fácil era “mostrar que os sonhos muitas vezes revelam sem reservas o caráter de realização de desejo, de maneira que podemos nos admirar que a sua linguagem já não tenha sido compreendida há muito tempo”. Ao distanciar a docência da visão hermenêutica do mundo e da sua traduzibilidade total, bem como da semiotização dos saberes, podemos pensá-la, junto a Benjamin (apud KOTHE, 1976, p. 64), como tendo similaridade com a Traumdeutung, para a qual: “a interpretação do sonho é a interpretação que o próprio sonho já é”. Tal como o sonho, a docência não é um fenômeno acessório ou aleatório, mas um complexo trabalho psíquico e político, que expressa a realização de desejos dos professores por um trabalho vital.

Trabalho desejante, que integra a docência tradutória ao conceito de Bildung - tanto cultura quanto formação -, preserva o lado imaginativo que ultrapassa a realidade e evidencia o seu valor de alargamento de horizontes. Trabalho como o exercício de uma faculdade de sobre humanidade dos professores; os quais, ao traduzirem as matérias, passam pela tradução de si mesmos: “A partir dos primeiros românticos alemães [...], essa ideia do Ser como reflexão e constante ‘tradução de si mesmo’ torna-se paradigmática e substitui a concepção ontológica do Ser” (SELIGMANN-SILVA, 1998, p.161). Nas teorias poéticas e estéticas oitocentistas, o conceito de imagem poética surge como uma metáfora “do significante que não pode ser copiado num outro sistema linguístico” (SELIGMANN-SILVA, 2007, p. 32), mobilizando a descrição do ser não como construção constante, mas como um bastião da identidade natural; enquanto o estudo das teorias contemporâneas de tradução (DERRIDA, 1971; 1998) indica que podemos aplicar a figura do intraduzível não apenas ao poético, como também à paisagem onírica.

Nessa direção, a docência volta-se para um corpo verbal literário, para um gesto poético e para uma cena onírica, que não se deixam transportar para outra língua, pois consistem naquilo que a própria tradução não dá conta, como afirma Seligmann-Silva (2007, p. 33): “Deixar cair o corpo tal é a energia essencial da tradução. Quando ela reinstitui o corpo, ela é poesia. Nesse sentido, o corpo do significante, constituindo o idioma para toda a cena do sonho; o sonho é o intraduzível”. Como intraduzíveis, a poesia e o sonho fogem à lógica do sentido e servem à crítica da metafísica aplicada e do peso da carne dos dados. Assim, para interpretar e pensar a docência, importa agregar a fantasmagoria e a fantasia (CORAZZA, 2010) ao onírico; pois esse composto cultural a situa na interface entre o mundo fenomênico do arquivo e a dimensão supra-real dos arquétipos criados pelo processo de arquivamento (DERRIDA, 2001). Sem exaltação e sem visões proféticas, perseguimos uma poética do sonho de Aula, integrada pelo luto e pelo lúdico que indiciam as duas faces do drama barroco (DELEUZE, 2000): o luto de cada matéria original e o lúdico da Aula, feito pela Didática e pelo Currículo.

O arquivo de sonho funciona em todo ato transcriador, ao entrar em conflito com a negação do caos, através das aventuras didáticas e dos azares curriculares, que não salvaguardam o professor do inexpressivo e do disforme. Junto ao corpus musical, pictural, cinematográfico, científico, que compõem o arquivo docente, o sonho catalisa um estranhamento virtual da concretude do Chão da Escola e um descentramento da Sala de Aula. Pois, como escreveu Calderón de La Barca (1992, p. 47), o onírico não é o oposto da vigília, mas um seu pressuposto virtual: “Que é a vida? Um frenesi./Que é a vida? Uma ilusão,/uma sombra, uma ficção;/o maior bem é tristonho,/porque toda a vida é sonho/e os sonhos, sonhos são”.

Em função de uma filosofia poética, que incorpora o pensamento e a língua do sonho à docência, importa indagar, com Derrida (2002b, p. 5): “haverá uma ética ou uma política do sonho que não ceda ao imaginário nem à utopia e que, portanto, não seja de renúncia, irresponsável e evasiva”? Dotado de um dinamismo que afeta a Aula, o sonho de arquivo faz convergir o planejamento e a organização curriculares com a encenação didática, levando o professor a agir na transmutação da própria língua, bem como na pós-maturação de cada matéria. Ora, isso emaranha a vida do arquivo com a história do sonho; uma história a ser feita no território da educação, que ainda está por ser escrita; tal como Benjamin (apud ROUANET, 2008, p.88) conclama que as coisas banais e gastas pelo hábito adquiram novos contornos e possam se abrir a novas visibilidades:

A história do sonho ainda está por escrever, e compreender essa história significaria dar um golpe decisivo na superstição de estar-preso à natureza (Naturbefangenheit), por meio da iluminação histórica. O sonho participa do histórico... Ele não se abre para um azul distante. Tornou-se cinzento. Sua melhor parte é a camada de poeira sobre as coisas.

Confrontado com um mundo de coisas inertes, o cogito tradutório nos encaminha a alucinar a docência para poder sonhá-la; e, desse modo, retirá-la do contexto intelectual em que funciona como kitsch, coberta por camadas de poeira de ancestrais e arcaísmos. Sonhar a docência, como tarefa de autoformação dos professores, fortalece a reapropriação das forças fantásticas e maravilhosas da Aula, que emanam de obras, autores, ideias; para trazer, do fundo dos tempos, aquilo que passou, mas que é significativo para o presente e que maquina o rearranjo do que virá.

Ao escavar, cortar e exumar o arquivo didático e curricular, por meio do sonho sonhado, o professor movimenta a sua porção de personagem conceitual (DELEUZE; GUATTARI, 1992), feito um médico legista, um arqueólogo, um escavador de areias, um descobridor de cúpulas de antigos santuários. Ao rearticular o sonho docente e a sua interpretação, a pesquisa é posta a serviço da consciência coletiva dos professores; a qual recua até suas posições míticas, para superar o esgotamento, o inacabamento e a inoperosidade tradutórios, impregnando o velho do novo e gerando a utopia (BLOCH, 2005).

Vemos assim como, ao modo da obra literária, o sonho de arquivo docente possui a intemporalidade do inconsciente, que permite o encontro, em tramas infantis e adultas, com matérias que ainda não estão codificadas. Para ler e interpretar esse sonho, interessa saber qual é a função de cada matéria, na vida intelectual e psíquica dos tradutores, quer sejam eles o leitor, o escritor, o professor ou os alunos. Mostrar o onírico, atuando como princípio ontológico da docência, é dar a ver a própria imanência dessa profissão, por atribuir valência prazerosa e operância vital às forças desejantes dos professores.

Podemos, até mesmo, visualizar a Aula em vertigem, como se fosse uma Cidade de Sonho - feito a Paris do Segundo Império de Benjamin (2009) -, erguida com poesia curricular e com sonho didático, que podem, então, ser considerados passagens na Aula para a tradução do arquivo: da língua de partida para a de chegada; de um espaço territorial para o não-lugar; de um tempo ao intemporal; do estado de alerta para o sono; do dia para a noite; da disciplina para a matéria. Passagens compostas por impotências, perdas, sacrifícios, abandonos, escapamentos, que se movimentam em um campo de forças tensionadas, no entrelace entre a artistagem e a luta dos professores. Passagens, cujos sentimentos, razão e experiência avivam os afetos, combatem a complacência e a mornidão das posições adquiridas, a submissão a grupos majoritários e as repetições automáticas.

Durante o sonho de Aula, o professor encontra-se em uma fecunda solidão, povoada por vozes amigas e inimigas; vozes de influências, filiações, guerrilhas; vozes atormentadas, labirínticas, abissais, contraditórias; vozes que, apesar de todos os esforços, não requerem nenhuma tradução nem comunicação. Enquanto vai sonhando, o professor sabe que pode dormir, querer prosseguir dormindo, ou até mesmo acordar e sair correndo. Por esses motivos, junto a Deleuze (2016, p. 338), compreendemos o sonho como uma dimensão combativa, em prol do direito dos professores de sonhar o próprio sonho e não o dos outros:

O sonho daqueles que sonham diz respeito àqueles que não sonham. Por que diria respeito a eles? Porque, havendo sonho do outro, há perigo. O sonho das pessoas é um [sic] sempre um sonho devorador, que ameaça nos engolir. Que os outros sonhem é muito perigoso. O sonho é uma terrível vontade de potência. Cada um de nós é mais ou menos vítima do sonho dos outros. [...] Desconfiem do sonho do outro, porque se forem pegos no sonho do outro, estarão ferrados.

POEMA DE AULA

Na galáxia criadora e crítica do arquivo docente, a matéria trabalhada em Aula não funciona mediante tabelas interpretativas nem avaliações de sentido universal e fixo. A busca de alguma identificação para essa matéria - tal como a disciplinarização - é falsa; pois lhe é próprio adquirir significados diversos dos originais. É ainda inócuo tomar a matéria em um sentido restritivamente realista ou exigir que o texto curricular e as ações didáticas sejam rebaixados à categoria de meros documentos, como pretenderia qualquer diretriz didática ou uma base nacional comum curricular.

Isso porque a Aula é feita de matérias cifradas, plurívocas, muitas vezes herméticas; embora, em alguma medida, os professores as tornem inteligíveis, graças ao processo tradutório. Interpretar a Aula, por meio dos filtros da poesia e do sonho, é descobrir a sua estridência em uma série; implicando que, ao decifrá-la, desviemos da verdade o seu conteúdo manifesto, tal como Freud (2016a; b) torna comparável a análise dos sonhos com a tradução entre línguas. Desde que a Aula não contém um sentido original e o seu conteúdo latente é sempre passível de uma Entstellung (transposição), perante a concepção de um saber verdadeiro, o grau de mentira ou de falsificação das traduções “é o grau mesmo de verdade que se abriga e expressa na dimensão autônoma do sonho. O mesmo pode valer para a arte” (KOTHE, 1976, p. 68).

A interpretação artistadora da Aula é uma tarefa interminável, pois sempre será possível recomeçá-la em outra direção e chegar a outros sentidos, ou engendrar um sentido a mais, ou nenhum sentido, porque a cota de condensação dos seus componentes é indeterminável. Em decorrência, a Aula é passível tão-somente de interpretações literárias, isto é, seletivas, incompletas e lacunares; as quais se perguntam - Até onde posso ir? -, pois precisam manter o caráter autônomo do original, sob a condição de que a matéria processada constitua uma Aula; ou seja, transpasse o seu hic et nunc (aqui e agora) de surgimento.

O Sonho, a Poesia e a Aula tornam-se, desse modo, conceitos operatórios para pensar filosoficamente a docência, como se, por seu intermédio, pudéssemos constituir sistemas ou métodos, tais como: uma Sonhografia, uma Poemografia ou uma Aulografia. Nessa instância, o Currículo e a Didática surgem como imagens de cambiantes matizes, que se movimentam num tratamento permutativo entre o funcionalismo não estruturável, implicado no borramento da Aula, e uma linguagem onírica, expressa numa poética excessiva e transgressora.

Todavia, não nos iludamos com a excentricidade desses possíveis, pois existirá, sempre, a ferida da Aula, a cicatriz do Poema, o umbigo do Sonho; ou seja, algo obscuro e desconhecido, como um ponto, uma ponte ou uma ponta solta, que suspende e detém a conquista racional, levando-nos ao desconhecimento de nós mesmos. Isso porque cada Aula é um mundo sonhado. Cada mundo é um encontro de vidas aventureiras. Cada encontro é uma colheita de poemas. Cada Aula carrega um sonho assombrado e uma poesia miraculosa. Toda Aula produz um clinamen, como prorrogação da matéria anterior. Transforma a proveta docente na luminosidade de um sonho e na defloração de um poema. Sonho que retoma matérias já traduzidas, como as épicas e as trágicas, e poema que produz livremente: açougueiros de La Villette, comedores de fogo, cabanas de trapeiros, dançarinas de cordas, crianças do Parque Vigeland, punhais nos sorrisos, sóis danificados, escorpiões perdidos, lagartos de fumaça, ramagens da Floresta Negra, pedregulhos na água-viva, aleias de prata, tropas de silêncio, espectros e querubins.

Ao enfatizar a necessidade da poesia e a preciosidade do sonho para realizar o desejo dos professores por um trabalho criador, deixamos que a docência seja impulsionada pelos feixes de fogo dos devaneios, acumulados na história da pedagogia: sonho com um novo mundo, sociedade, cultura, relações; com um novo ser e melhor condição profissional; com novos professores e alunos; com a civilização reformada e a cultura inclusiva; com a completude sempre por chegar. Pois sabemos, com Bachelard (2013, p. 4), que, “na ordem da filosofia, só se persuade bem sugerindo os devaneios fundamentais, restituindo aos pensamentos sua avenida de sonhos”.

Operando um pensamento prismático de Aula, reivindicamos uma propedêutica poética e onírica para interpretar o histórico de nossos próprios sucessos e ruínas tradutórias; de modo a descrever uma prática política, que não acredite mais na possibilidade da repetição idêntica do original, em significados corretos e definíveis, nem na recuperação inequívoca das intenções de um autor. Se o sonho é o guardião do sono, a Aula pode ser considerada o momento áureo do despertar; embora conserve guardado, na algibeira, o seu perfil esfíngico. Ocorre que a Aula é, a um só tempo, o agora da cognoscibilidade, a forma da recordação e o instante crítico da escrileitura curricular e didática; embora possa ser também o sonambulismo, o sonho em movimento ou o sono com a vela acesa.

Considerando a docência como um “sono repleto de sonhos” (BENJAMIN, 2009, p. 436), aqueles professores que utilizam a racionalidade onírica, para pensar e trabalhar a Aula, talvez não saibam bem qual a diferença entre sonhar e pensar que sonham, como indaga Derrida (2002a, n.p.):

Entre sonhar e pensar que se sonha, qual é a diferença? E, antes, quem tem o direito de colocar essa questão? Será o sonhador, mergulhado na experiência de sua noite, ou o sonhador ao despertar? Um sonhador poderia, aliás, falar de seu sonho sem acordar? Poderia ele descrever o sonho em geral, analisá-lo de modo exato e mesmo empregar, com discernimento, a palavra ‘sonho’ sem interromper e trair, sim, trair, o sono?

Dessas indagações, podemos extrair uma primeira posição do professor como Artista de Aula; enquanto a segunda seria a do Cientista de Aula. Para a posição científica, ninguém pode manter um discurso sério e responsável sobre o sonho, tampouco contar um sonho, sem estar acordado. Tal severidade liga a Ciência de Aula ao eu soberano da consciência e ao imperativo racional vigilante; de maneira que o despertar encontra-se entranhado nessa posição e dela resulta. Já o Artista de Aula está implicado em uma perspectiva correspondente à “do poeta, do escritor ou do ensaísta, do músico, do pintor, do roteirista de teatro ou de cinema” (DERRIDA, 2002a, n.p.); consistindo em responder não, mas sim, talvez, porque isso pode acontecer algumas vezes, e assim por diante. Ou seja, ao contrário do Cientista, o Artista aceita que, na singularidade excepcional do sonho, possa expressar alguma verdade sonhada dormindo, seja de olhos fechados seja de olhos bem abertos.

No primeiro tratamento, encontramos a perspectiva de que os mais belos sonhos de Aula sejam estragados pela consciência desperta, que os atira na vala da pura aparência; no segundo, encontramos que as reflexões sobre a Aula não incidem sobre a vida do professor, cujos sonhos, se são feridos, movimentam-se a partir deles próprios. Enquanto professores, necessitamos indagar e responder sobre qual é a nossa posição perante o sonho, que carrega em si mesmo uma mácula (wie ein Makel) de imperfeição. Nessa condição, podemos lançar mão do paradoxo da possibilidade do impossível de Adorno (1992), de modo a nos sentir liberados para banir o sonho, sem traí-lo e sem assumir a posição de que sonhar é nefasto ao pensar.

Por isso, argumentamos que a experiência do sonho pode dotar os professores de maior lucidez imaginativa e adesão ao invisível, pois traz impossíveis para pensar o Currículo, a Didática e a Aula. Quando existe contato entre o sonho e a vida, podemos acordar na Aula, ficar de sentinela e, num único golpe, prosseguir com a poética docente. Mesmo acordados, continuamos a velar por nossos castelos no ar, visto que eles relacionam o possível do Currículo com o impossível da Didática. Essa ideia da possibilidade do impossível pode continuar a ser sonhada, enquanto, conscientemente, trabalhamos para a realização da Aula. Ainda que os sonhos dos professores não tenham a soberania da unanimidade e do sentido único, interessa prosseguir proliferando-os; pois eles sempre são pensados de modo incondicionalmente estranho (unheimlich): “Poemas assim como sonhos podem nos lembrar de algo que conscientemente não sabíamos, ou achávamos que não sabíamos, ou nos fazem recordar tipos de saber que julgáramos não serem mais possíveis para nós” (BLOOM, 1995, p. 95-96).

Acrescentemos a isso que Derrida (2002a, n.p.) afirma ser o sonho o elemento mais acolhedor “para o luto, para a obsessão, para a espectralidade dos espíritos e para o retorno dos que voltam [...] para a exigência de justiça, assim como para as esperanças messiânicas mais invencíveis”. Desde que cada época “não sonha somente a seguinte, mas ao sonhá-la a força a despertar” (BENJAMIN, 2009, p. 178), parece-nos que a Aula seja um dos últimos lugares hospitaleiros para sonhar, em comunidade intelectual, com outras épocas, vibrações, textos, erros, flores da razão e arquivos. Sonhos feitos com a força do camelo e a fúria do leão; com uma individuação processual; com um dialeto estrangeiro, nem materno nem paterno; numa inocente admiração filosófica diante da paisagem rostificada do mundo. Lá onde a língua onírica - inconsciente, infantil, feminina, animal - fala da Aula, lá começa a poética da docência a ser cultivada pela sensibilidade sonhadora do sonhador.

Aos professores, que estão abertos a interpretações da constância da docência como poesia, interessa manter um espírito que “ama a distância do futuro e do passado, as surpresas do cotidiano, os extremos, o inconsciente, o sonho, a loucura, os labirintos da reflexão” (SAFRANSKI, 2010, p.17). O sonho e a poesia não são meras ilusões a serem demolidas por ataques de consciência; ao contrário, ambos expandem a própria consciência dos professores, sinalizando o insólito dos sentidos primários e a efemeridade dos estágios intermediários entre o mundo sensorial e a metafísica das coisas. Na Aula, o sonho de arquivo não se apresenta em sua imediaticidade, mas é envolvido na teia da elaboração teórica, que resulta do caudal interpretativo, constituído pelo aspecto onírico, pela questão epistemológica e pela rememoração da história da docência. Nessa direção, a Aula adquire um acentuado caráter de “sonhar-para-a-frente, para além do dia que aí está” (BLOCH, 2005, p. 21), gerado por uma espécie de onirocrítica mental dos professores. Como afirmou Lênin (1981, p.188), em relação à nossa capacidade de sonhar:

Se o homem estivesse privado por completo da capacidade de sonhar, se não pudesse antecipar-se, uma ou outra vez, e contemplar com sua imaginação, o quadro inteiramente acabado da obra que começa a delinear com suas mãos, não consigo pensar que outros motivos o obrigariam a empreender e levar a cabo vastos e penosos empreendimentos no terreno das artes, das ciências e da vida prática...

Aula-obra, delineada por espelhos encantadores, presságios de espuma, enxame móvel. Jaula furibunda. Tarântula fula. Medula cápsula. Firula fábula. Mácula pústula. Cabala gárgula. Aula que cavalga, pica a mula e se cala. Aula de sílabas engasgadas. Aula desmanchada em fios de algodão. Aula desmarginada, precipitada por choques e solavancos, parodiada em contorções dolorosas. Aula submersa, empastada e viscosa. Aquário humano. Emoção tátil. Grumos sanguíneos. Pólipos sarcamotosos. Fibras amareladas. Cores cortantes. Estouro de panela de cobre. Ovo podre no albume. Velame que ruge. Limas esfoladoras de carnes. Aula em fantástica marxilárstica. Barragem de cobras. Casca, casa e concha. Estrela envenenada. Negrume gelatinoso do céu. Estridora de grânulos. Brechas de assombro. Tutano rançoso. Aula calosa e colossal. Altiva e enfurecida. Encharcada e espancada. Dementada e pensamenteada. Erínia e Medéia. Aula escrileitural, ora; feita em meio à vida (CORAZZA, 2012).

MATÉRIA RETROVADA

- Ela está retrovada! - Quem? - Madame Eternidade...

Arthur Rimbaud

Resta que, com esses conteúdos de pensamento sobre a docência, objetivamos engendrar uma retrovada de Aula, isto é, o desvio dos sentidos habituais, no achado de Torres Filho (1993): uma trouvaille, um retrovar, um retrouver. Levar a Aula a reencontrar o caminho da poesia e do sonho, que revêm com o sol e a lua. Refazer o instantâneo e os obstáculos no limite dos alunos e das matérias. Driblar o tempo e levar o verbo docente de volta ao princípio. Experimentar a tradução como poética ascensional. Intensificar a permuta com o ficcional para ativar a invenção. No meço do começo, ser professor como trovador, trobaudor, trouver, produzindo imagens de sonho no tropo da Aula, feito a criança que brinca de viver curiosa.

Do sonho das traduções depende a poética da Aula; a crítica depois da pós-crítica do Currículo; a transcriação no encalço da recriação da Didática. Por isso, as traduções são perigosas. Risco das sacadas súbitas demais. Da herança amaciada, mediada e medida. Das veredas cretadas e vertentes minguadas, que disseminam doenças e podridão de larvas. Do grande segredo apunhalado num lugar-comum. O professor precisa ter cuidado com as formas estabelecidas e unidirecionais. Zelar pela linhagem da criação e pelas traduções sem filiação definida. Valorizar o enlevo em suas leituras. Saltar com uma pernada para a escrita. Condensar o fluxo de influências. Fazer a docência como tarefa corajosa e voluptuosa de invenção. Cavar paradoxos de ângulos desencontrados. Usar a perspicácia para curto-circuitar o lirismo e o salvacionismo. Anunciar uma meia-ausência a ser descriptografada. Desconcertar o nomeado que era inominável. Dar forma retesada à Aula. Lançar seta ligeira e certeira ao Currículo. Misturar a penumbra alada à Didática.

O professor-tradutor sonha. Sonha mesmo que esqueça. Sonha ainda que não queira. Sonha até onde não sabe. Dá a florescer o gérmen da descoberta. Assinala e inflexiona com verve. Aliança a askesis purificadora com a leveza da graça. Pesquisa perplexidades para fazer poesia intelectual que tende ao witz (chiste). Encara instantes de fraqueza, momentos de desânimo, horas de aborrecimento. Hibridiza livros com contas coloridas. Enceta truques virtuosísticos de habilidade verbal e molas de equívocos. Procede a anacolutos, assonâncias, aliterações, anamorfoses. Movimenta uma parafernália de paronomásias, para inverter os ventos da sintaxe e armadilhar a cronologia. Apura a mão. Escova os poros da rotina para que não arrasem, só se arejem. Fala, gestualiza e erotiza a Aula, com uma língua onirofílica: língua de sonho, língua sonhada, língua que se sonha falar a si mesma em outras línguas.

Até aqui, com tinta de escrever, demos a ver o sonho didático e a poética curricular, no ato de traduzir e a-traduzir em Aula. Defendemos um pensar que sonha e um poema que pensa. Ensaiamos o que entendemos como Aula, no contrapelo da razão padrão. Encenamos ideias, como experimentação de escrileitura. Demarcamos o valor artistador do sonho e da poesia para a formação de professores pensantes. Destacamos a figura do professor, como tradutor e crítico, que exerce a função do irreal. Valorizamos as reinterpretações dos precursores para o arquivo docente. Sonhamos que a fraqueza curricular se inverte em força didática, mediante relações tradutórias, que rejuvenescem e embelezam as matérias. Contra o dogmatismo contemporâneo, sublinhamos que nos cabe, como poetas e sonhadores, permanecer em vigília. Vigília como a tarefa conjurada na Aula, preparada no Currículo e lutada na Didática. Tarefa artistada pelo professor, que trabalha e luta por um povo que falta, desde que não “há obra de arte que não faça apelo a um povo que ainda não existe” (DELEUZE, 2016, p. 343).

Ainda assim, o que faz com que essas teses, acerca do pensamento e da pesquisa da docência, não nos convençam completamente? Por qual carga desmedida de exigência, não nos regozijamos com o acionamento de algumas problemáticas acerca do processo tradutório? Por que não nos basta ressalvar o direito dos professores de sonhar a Didática e de poetizar o Currículo, efetivando-os na Aula? Por que não nos contentamos com os efeitos filosóficos, derivados do acervo dos estudos de Currículo e Didática, que foram postos na viagem desta escrita-e-leitura, que aqui ruma para o final? Por que ainda nos inquieta a vaguidade de alguns argumentos, que foram erguidos como andaimes para os vindouros traduzir e a-traduzir? Por que complicamos os caminhos dos interesses quiméricos, monumentos de areia, ciência que sucumbe, insignificâncias e depurações do arquivo, dos quais a Aula é guardiã e traidora?

Que desregramento é este que considera insatisfatório apontar o professor como um ser de sensação artística, coprodutor de ciência e de pensamento, usuário do embate entre matérias constituídas e aquelas ainda informes, para desenvolver a capacidade criadora de uma docência própria? Por que não nos satisfazemos com a ideia de que a docência consiste na atividade insciente do sonho e da poesia, que coloca em curso individuações dos códigos, da linguagem e dos sujeitos da educação? Não é suficiente acrescentar algo, que ainda não havíamos visto, e dá-lo a ver aos outros, sem escorregar numa frívola e inútil generalidade? Não conseguimos encontrar o nosso próprio ponto-de-basta, ao romper com as pré-noções acerca da docência espontânea e natural, e situar o professor como o executor de uma pesquisa intervencionista na realidade de sua atuação?

Por que não nos saciamos com o fato de luciferar a docência, mediante centelhas de buril cósmico, defumação e vestígios do novo, matérias eternas do notável e do interessante, que substituem a aparência de verdade e são mais pródigos do que ela? Por que nos parece indigente propor uma pesquisa da docência que sempre se está fazendo e não é nunca o que acaba? Por que ainda seria pouco dizer que as traduções dos professores funcionam como harpas eólicas, que não apenas tocam o sentido dos originais, mas os botam a voar? Escrever acerca do Currículo como epifania, para além da irrupção de um livro, de uma obra, de um mundo? Afirmar que a Didática pulsa na região obscura do sonho, manifesta numa projeção material, que remonta a fontes inumanas e delas ascende? Por que parece um entusiasmo mal recompensado falar da docência como um sofrimento do Juízo de Deus? Docência não engessada na fundamentação de julgamentos prescritos pela razão, mas sancionada pela filosofia da diferença, atenta aos devires dos professores às possibilidades de transformação das matérias?

É que, mesmo que os resultados deste artigo sejam inacabados, formados por discursos abertos e suspensos de iniciação, incitação ou exortação, próprios para estimular e intrigar a pesquisa sobre a Aula; mesmo que este texto, que aqui finda, não tampone um saber da verdade sobre a Didática e o Currículo; mesmo que, sem que saibamos de que modo, funcionem algumas de suas conjeturas, consequências, conclusões, sugestões, especulações; mesmo que o impossível de traduzir seja o nosso desespero, mas também a nossa maior desforra como professores-escritores; é preciso, ainda, indicar uma derradeira precaução de prudência. Precaução que utiliza a metáfora dos tradutores como barqueiros, em companhia de Meschonnic (2010, p. XXV), para a qual importa não proceder como Caronte, ou seja:

O que importa não é fazer passar. Mas em que estado chega o que se transportou para o outro lado. Na outra língua. Caronte também é um barqueiro. Mas ele faz atravessar os mortos. Aqueles que perderam a memória. É isto o que acontece a muitos tradutores.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor. Minima moralia. Reflexões a partir da vida danificada. Tradução Luiz Eduardo Bicca. São Paulo: Ática, 1992. [ Links ]

ADORNO, Theodor. O ensaio como forma. In: ADORNO, Theodor W. Notas de literatura I. Tradução Jorge M. B. de Almeida. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003, p.15-45. [ Links ]

AGAMBEN, Giorgio. O fogo e o relato: ensaios sobre criação, escrita, arte e livros. Tradução Andrea Santurbano, Patricia Peterle. São Paulo: Boitempo, 2018. [ Links ]

ARAGON, Louis. O camponês de Paris. Tradução Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Imago, 1996. [ Links ]

ARROJO, Rosemary(org.). O signo desconstruído: implicações para a tradução, a leitura e o ensino. Campinas, SP: Pontes, 1992, p. 71-79. [ Links ]

BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. Tradução Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2013. [ Links ]

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Tradução Francisco De Ambrosis Pinheiro Machado. Porto Alegre: Zouk, 2012. [ Links ]

BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor. Tradução Susana Kampff Lages. In: BRANCO, Lucia Castello(org.). A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin. Quatro traduções para o português. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2008. [ Links ]

BENJAMIN, Walter. Passagens. Tradução Iren Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. [ Links ]

BLOCH, Ernst. O princípio esperança I. Tradução Nélio Schneider. Rio de Janeiro: EdUERJ; Contraponto, 2005. [ Links ]

BLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Tradução Thelma Médici Nóbrega. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995. [ Links ]

BORGES, Jorge Luis. La pesadilla. In: BORGES, Jorge Luis. Obras completas III. Buenos Aires: Emecé Editores, 2007, p.257-271. [ Links ]

CALDERÓN DE LA BARCA, Pedro. A vida é sonho. Tradução Renata Pallottini. São Paulo: Escritta, 1992. [ Links ]

CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem e outras metas. São Paulo: Perspectiva, 1992. [ Links ]

CAMPOS, Haroldo de. Transcriação. Organizadores Marcelo Tápia, Thelma Médici Nóbrega. São Paulo: Perspectiva , 2013. [ Links ]

CORAZZA, Sandra Mara. Didática-artista da tradução: transcriações. Mutatis Mutandis, Medellin, v. 6, p. 185-200, 2013a. Disponível em: <Disponível em: http://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index.php/mutatismutandis/article/view/15378/13513 > Acesso em: 02 dez. 2016. [ Links ]

CORAZZA, Sandra Mara. Didaticário de criação: aula cheia. (Caderno de Notas 3. Coleção Escrileituras.) Porto Alegre: UFRGS, 2012. [ Links ]

CORAZZA, Sandra Mara(org.). Docência-pesquisa da diferença: arquivo de poética-mar. Porto Alegre: Doisa/UFRGS, 2017. [ Links ]

CORAZZA, Sandra Mara(org.). Fantasias de escritura: filosofia, educação, literatura. Porto Alegre: Sulina, 2010. [ Links ]

CORAZZA, Sandra Mara. História da infantilidade: a-vida-a-morte e mais-valia de uma infância sem fim. 1998. 619f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1998. Disponível em: <Disponível em: https://www.dropbox.com/s/scoxko9i9ghhylk/Sandra_Corazza_Tese.pdf?dl=0 > Acesso em: 07 jul. 2016. [ Links ]

CORAZZA, Sandra Mara. Inventário de procedimentos didáticos de tradução: teoria, prática e método de pesquisa. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.1, n.23, p.1-23, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413 24782018000100225&script=sci_abstract&tlng=pt > Acesso em:11 jun.2018. [ Links ]

CORAZZA, Sandra Mara. O que se transcria em educação? Porto Alegre: UFRGS; Doisa, 2013b. [ Links ]

CORAZZA, Sandra Mara. Pesquisar o acontecimento: estudo em XII exemplos. In: TADEU, Tomaz; CORAZZA, Sandra; ZORDAN, Paola. Linhas de escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p.7-78. [ Links ]

DE ARAUJO, Roger; CORAZZA, Sandra Mara. Método maquinatório de pesquisa. Pedagogía y Saberes, Bogotá, Colombia, v.49, n.1, p.67-80, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/PYS/article/view/8171/6364 > Acesso em: 01 jul.2018. [ Links ]

DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o barroco. Tradução Luiz B. L. Orlandi. Campinas, SP: Papirus, 2000. [ Links ]

DELEUZE, Gilles. Foucault. Tradução C☺ych. Qué hacer? Problemas candentes de nuestro movimento. Tradución Editorial Progreso. Moscu, URSS: Editorial Progreso, 1981. [ Links ]

MATOS, Olgária C. F. O iluminismo visionário: Benjamin, leitor de Descartes e Kant. São Paulo: Brasiliense, 1999. [ Links ]

MESCHONNIC, Henri. Poética do traduzir. Tradução Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Perspectiva , 2010. [ Links ]

MOUNIN, Georges. Os problemas teóricos da tradução. Tradução Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix, 1975. [ Links ]

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2010. [ Links ]

PESSANHA, José Américo Motta. Introdução. Bachelard: as asas da imaginação. In: BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Tradução José Américo Motta Pessanha et alii. São Paulo: DIFEL, 1985. [ Links ]

RÓNAI, Paulo. Escola de tradutores. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. [ Links ]

ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o anjo: itinerários freudianos em Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2008. [ Links ]

SAFRANSKI, Rüdiger. Romantismo: uma questão alemã. Tradução Rita Rios. São Paulo: Estação Liberdade, 2010. [ Links ]

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Haroldo de Campos: tradução como formação e “abandono da identidade”. Revista USP. São Paulo n. 36, p.158-171, 28 fev. 1998. Disponível em: <Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/26996/28771 > Acesso em: 01/03/2011. [ Links ]

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Leituras de Walter Benjamin. São Paulo: FAPESP; Annablume, 2007. [ Links ]

TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. Retrovar. São Paulo: Iluminuras, 1993. [ Links ]

WILLEMART, Philippe. Os processos de criação na escritura, na arte e na psicanálise. São Paulo: Perspectiva, 2009. [ Links ]

1Consideramos matéria no sentido filosófico de Deleuze (1991) e de Deleuze e Guattari (1992), como: a) o hyle que vai de Platão a Aristóteles; b) o Corpo sem Órgãos ou o plano de consistência; c) a matéria não formada, amorfa, indiferenciada, nebulosa; d) o material cru do qual os objetos do mundo são compostos; e) uma substância semioticamente não formada. Logo, não reduzimos o sentido de matéria ao de disciplina; embora cada disciplina, como um conjunto concreto formado, trabalhe uma determinada matéria, dando-lhe uma certa forma e não outra; o que lhe resulta ser composta de matéria e forma. Uma disciplina possui, assim, uma substância, visto consistir em uma matéria definida pela forma; diferentemente da matéria, que não a tem. O texto utiliza a noção de matéria, por vezes, numa remissão transversal àquilo que é considerado disciplina - física, francês, química, história, filosofia, teatro, etc. -; embora enfatize o conceito de matéria no sentido filosófico do pensamento da diferença; qual seja, como irredutível à disciplina, visto desta sempre transbordar, em função de sua natureza informe.

Recebido: 17 de Dezembro de 2018; Aceito: 20 de Fevereiro de 2019

Contato: Rua João Berutti, nº 185 - Chácara das Pedras, Porto Alegre|RS|Brasil, CEP 91330-370

*

Doutora em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pesquisadora de Produtividade do CNPq 1B. E-mail:<sandracorazza@terra.com.br>.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons