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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.35  Belo Horizonte jan./dez 2019  Epub 10-Nov-2019

https://doi.org/10.1590/0102-4698203727 

ARTIGO

COSMOPOLITISMO E PERFORMATIVIDADE: CATEGORIAS PARA UMA ANÁLISE DAS COMPETÊNCIAS NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

I Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, Paraná, Brasil.

II Instituto Federal do Paraná, campus Irati, Paraná, Brasil.


RESUMO:

O artigo discute as categorias de conformação das subjetividades adaptadas ao cenário social de crise do capital, especificamente as categorias cosmopolitismo e performatividade, e como a categoria de competências, enfatizada na Base Nacional Comum Curricular, se relaciona com elas. As reformas educativas neoliberais possuem o papel de produzir conformismo por meio da formação unilateral para o trabalho e para uma cidadania adequada às características deste tempo: precariedade do trabalho e aumento do desemprego, competitividade, repressão do Estado e o aniquilamento das resistências da classe trabalhadora e, como pano de fundo ideológico, o processo de deslocamento das responsabilidades para o âmbito individual. As competências são uma forma de adaptação do projeto educacional a este tipo de sociabilidade, que esvazia as qualificações profissionais para percursos laborais individuais, inseguros, sujeitos a constantes avaliações. Assim, o cosmopolita, como empreendedor de si mesmo, é o projeto de formação humana adequada ao espírito performático neoliberal.

Palavras-chave: Cosmopolitismo; Performatividade; Competências; BNCC

ABSTRACT:

The article discusses the categories of conformation of the subjectivities adapted to social scenario of the capital crisis, specifically the categories cosmopolitanism and performativity, and as the category of competences, emphasized on the National Curricular Common Base, relates to them. The neoliberal education reforms have the role of producing conformity by means of unilateral training for work and for a proper citizenship at this time features: job insecurity and rising unemployment, competitiveness, State repression and the annihilation of the resistance of the working class and, as ideological backdrop, the process of shifting responsibilities to the individual scope. The competences are a form of adaptation of the educational project to this kind of sociability, which empties the professional qualifications for individual employment pathways, insecure, subject to constant evaluation. Thus, the cosmopolitan, as an entrepreneur himself, is the design of suitable human formation to the neoliberal performative spirit.

Keywords: Cosmopolitanism; Performativity; Competences; BNCC

INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende levantar discussões sobre uma relação bastante profícua para a compreensão de como determinadas categorias teóricas verdadeiramente ganham vida por meio das reformas educativas neoliberais, no sentido de colocar os projetos educativos numa posição de subordinação (como ontologicamente o é de fato) ao capital em crise na contemporaneidade. Nesse sentido, o papel da educação é a formação de subjetividades adaptadas e adaptáveis ao cenário da crise social e econômica, para o que concorrem as categorias cosmopolitismo e performatividade, e em relação às quais se referencia a categoria competência presente na Base Nacional Comum Curricular - BNCC, que é a Resolução CNE-CP n. 2, de 22 de dezembro de 2017.

Popkewitz (2009) é a referência quanto à categoria cosmopolitismo, e é por este autor que compreendemos que a formação cosmopolita é aquela de sujeitos que não apenas se adaptem ao sistema, mas que, verdadeiramente, queiram isso, ou seja, trata-se de inculcar processos de conformismos e aceitação ativa do sistema de competitividade, naturalizado pelo sujeito cosmopolita, fruto da luta hegemônica das classes dominantes, em um momento de crise estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2011).

Ball (2005), por sua vez, é nossa referência para o estudo da performatividade, que se trata de uma “tecnologia política”, conforme os preceitos foucaultianos do autor. O ambiente social no qual o cosmopolita habita é um cenário repleto de julgamentos, comparações públicas de resultados, controles e avaliações contínuas, que exigem a todo o momento a atenção à produtividade e à relação custo-benefício das ações.

As competências, entendidas como a capacidade de mobilizar conhecimentos, habilidades e valores, referem-se à resolução de problemas num ambiente caracterizado, como vimos, pelo cosmopolitismo e performatividade, que é um cenário típico da sociabilidade neoliberal (ANDERSON, 2003; WATKINS, 2012; ROSS, GIBSON, 2007; RAMOS, 2001; SILVA, 2008; ZIBECHI, 2014). É por esta via da análise categorial das reformas educativas neoliberais (MELO, 2016), e tomando a BNCC especificamente, que se desenvolveu- este trabalho em três partes. Na segunda parte tratar-se-á das categorias fundantes da construção das subjetividades da sociabilidade neoliberal, que são o cosmopolitismo e a performatividade. Na terceira parte será tratada especificamente a categoria competência da BNCC, tratando-a como síntese ideológica de uma reforma educativa neoliberal, cujo objetivo é a formação de subjetividades adaptadas e adaptáveis ao cenário de crise do capital na especificidade brasileira.

COSMOPOLITISMO E PERFORMATIVIDADE: A FORMAÇÃO HUMANA UNILATERAL EM TEMPOS DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

As reformas educativas neoliberais, impulsionadas pelos Estados nacionais e influenciadas por agentes privados nacionais e internacionais, trazem em seu bojo um projeto de radical mercantilização da educação, tanto no sentido clássico, de formação do capital humano, do trabalhador produtivo, como uma fronteira para a realização do capital, tanto como investimento para a produção e promoção da mercadoria-educação, quanto pela luta pelo reparto dos fundos públicos.

De fato, as reformas educativas são parte constituinte das formas de regulação social e, logo, de dominação. Portanto, tocam relações de poder e, especificamente, entre saber e poder. O objetivo central parece ser o da produção do conformismo, tal como aclara Gramsci em clássica síntese presente no Caderno 13, parágrafo 7, dos Cadernos do Cárcere, quando analisa a obra O Príncipe, de Maquiavel.

Questão do ‘homem coletivo’ ou do ‘conformismo social’. Missão educativa e formativa do Estado, que sempre tem o fim de criar novos e mais elevados tipos de ‘civilização’ e a moralidade das massas populares mais vastas às necessidades de contínuo desenvolvimento do aparato econômico de produção, e, portanto, de elaborar inclusive fisicamente tipos novos de humanidade. (GRAMSCI, 1998, p.21).

Dado este objetivo de produção do conformismo, no entanto, ele nunca está pronto e acabado. Trata-se de uma relação em suspenso, em equilíbrio instável, que produz um “conflito subjacente” (HARVEY, 2014), o que explica que neste ponto haja uma forte interferência estatal no sistema educacional, no sentido de dar a ele uma organicidade e funcionamento de tal forma que aparente ser um projeto de todos e para todos, no sentido de um “pacto social” (FARIA, MELO, 2014).

No entanto, a forte presença estatal no sistema educativo se dá em um contexto de subordinação dos Estados nacionais ao amplo poder das corporações multinacionais e pela característica financeira do capitalismo, representados por organismos internacionais igualmente poderosos, com destaque para a Organização Mundial do Comércio - OMC, o Fundo Monetário Internacional - FMI, o Banco Mundial - BM, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE entre outros.

Assim, na prática, o que vemos são os Estados nacionais se convertendo em agências para a reprodução capitalista, tal como denunciou Mészáros (2011) em relação à crise de 2008 e o socorro que os EUA deram às grandes corporações financeiras daquele país. O setor financeiro, improdutivo, acaba por influir diretamente na crise do setor produtivo da economia.

Como resultado do desenvolvimento histórico sob a regra do capital na sua crise estrutural, na nossa própria época atingimos o ponto em que devemos ser submetidos ao impacto destrutivo de uma simbiose entre a estrutura legislativa do Estado da nossa sociedade e o material produtivo, bem como da dimensão financeira da ordem reprodutiva societária estabelecida. (MÉSZÁROS, 2011, p.25)

É neste cenário de dominação acachapante do capital em crise que advém as políticas neoliberais em geral e as políticas educacionais em particular. Assim, o eixo fundante da sociabilidade neoliberal é a transferência das responsabilidades da comunidade para os indivíduos (ROOS, GIBSON, 2007), que se atrela umbilicalmente à crença ideológica nas liberdades individuais e na livre iniciativa, que politicamente se reveste da ideia de “Estado mínimo”, acaba se transformando em uma fórmula mistificadora, haja vista a presença forte do Estado em vários setores, tal como comenta Gerson (2012, p.100).

O Estado reivindicou sua força para garantir o lucro e a privatização por meio da desregulamentação dos negócios (bancos, corporações, escolas charter) e a eliminação das regulações do projeto de direitos básicos das pessoas (trabalho, estudantes, professores, manifestantes, imigrantes etc.), enquanto simultaneamente, aumentava a regulação da punição e disciplina das pessoas.

No que tange ao papel coercitivo do Estado, este nada tem de mínimo. E, também, nada de mínimo tem o Estado nas mediações que faz junto ao capital financeiro e produtivo, no sentido de transferir recursos para a iniciativa privada.3

Justamente neste período de ascensão da repressão às formas de resistência social (ZIBECHI, 2014), as políticas neoliberais consumam outra faceta fundamental: a precarização do trabalho (ALVES, 2000; 2007; ANTUNES, 2004; 2005; CAVALCANTE, 2018; GOUNET, 1999; HARVEY, 2002; HOLANDA, 2001; KUENZER, 2007). A condição de precariedade é intrínseca à relação sociometabólica do capital, ou seja, a constituição como trabalho livre e assalariado já comporta em si esta condição, já que é, e sempre será, sob o sistema do capital, trabalho explorado. No entanto, a atual precariedade avança sobre as formas de trabalho que historicamente recebiam da parte dos Estados nacionais certa proteção social. A crise estrutural contemporânea, cujos marcos históricos remetem à crise do petróleo de 1973 e se perpetua até hoje, tem como característica o enfraquecimento das resistências da classe trabalhadora e, com isso, um avanço sobre o que antes eram direitos trabalhistas.

O processo de precarização do trabalho é, assim, um processo de supressão dos obstáculos constituídos pela luta de classes em relação à voracidade do capital. A precarização possui um sentido de perda de direitos acumulados no decorrer dos anos pelas mais diversas categorias de assalariados [...] é, assim, uma forma de ser sócio-histórico da condição ontológica da força de trabalho como mercadoria. Enquanto existir precariedade, isto é, enquanto existir subsunção do trabalho em relação ao capital, haverá possibilidade objetiva de precarização. (CAVALCANTE, 2018, p.26).

A faceta empírica desta condição sociometabólica do trabalho no sistema do capital é a enorme quantidade de desempregados e uma parcela significativa de contratos de trabalho por tempo determinado, por tempo parcial, por jornada de trabalho ou mesmo informal, sem nenhuma garantia estatal.

Portanto, em grandes linhas, é este o cenário social no qual são inseridas as reformas educativas e, consequentemente, é neste contexto que se procura produzir as subjetividades adaptadas à crise do capital, cujas principais características são o cosmopolitismo e a performatividade, que serão tratadas a seguir.

COSMOPOLITISMO: HISTÓRIA DE SALVAÇÃO INDIVIDUAL NO CONTEXTO DE UMA SOCIABILIDADE NEOLIBERAL

No âmbito da sociabilidade neoliberal, o projeto educativo torna-se projeto de subordinação da formação humana às demandas do mercado. A figura típica comumente encontrada é a do “empreendedor”, que nada mais é que o sujeito não conformado com sua situação e que, movido pela crença no sistema capitalista, age voluntariamente para melhor se colocar tanto no mercado, como empresário (até de si mesmo), quanto no mercado de trabalho. Para isso age racionalmente, nos limites possíveis dados pelo acesso às informações disponíveis, a fim de se qualificar, e se coloca sempre em posição de proatividade nos contextos laborais em que se encontra (WOLF, MELO, 2014).

O projeto educativo neoliberal, tal como expressa pela BNCC e a categoria competência, obedece aos preceitos dos projetos empresariais, que assim é resumido por Melo (2010, p.188) na sua análise da Confederação Nacional da Indústria - CNI.

Para os empresários interessa que os trabalhadores atuem para uma adaptação constante, visando sua empregabilidade, pois isso se reflete em maior produtividade; mas também interessa a estes empresários que os trabalhadores, nas empresas, sejam empreendedores no sentido de não se acomodar com as situações dadas e buscar constantemente melhorias nos processos de trabalho, liderança nas equipes entre outras características do ‘intraempreendedor’, ou seja, do trabalhador empregado empreendedor.

Aquele deslocamento das responsabilidades para os indivíduos ganha assim um substrato concreto na formação do perfil empreendedor, que se responsabiliza por sua formação inicial e continuada, bem como pela manutenção e desenvolvimento de sua carreira e/ou negócio.

Cêa (2007, p. 313) nos apresenta uma excelente síntese do empreendedorismo e o papel que este, como forma de salvação individual, representa em tempos de crise do capital.

Primeiro, o enfrentamento da problemática do desemprego, no atual contexto de relações capitalistas de produção, requer uma dupla condição: que os sujeitos busquem deliberadamente, formas próprias e autônomas de sobrevivência, e que os mesmos se proponham a tomar a iniciativa de empresariar suas individualidades. Segundo, na medida em que a pobreza e a miséria se aprofundam como elementos estruturais do movimento econômico e político em curso, é necessário que sejam administradas, papel que cabe ao Estado, uma vez que o mercado se constitui no espaço, por excelência, do laissez faire.

É neste quadro que o projeto burguês de educação visa inculcar o cosmopolitismo, forma de salvação individual, numa teia social esgarçada tanto pela crise do capital quanto pelas formas ideológicas de convivência da mesma e, também, pelas propostas burguesas de superação.

A educação é uma parte da longa engrenagem da produção e reprodução ampliada do capital, e como já dissemos, seu principal papel é o de produzir conformismos. Podemos dizer que o aprendizado de “resolução de problemas” é uma forma privilegiada que as reformas educativas neoliberais encontraram para isso, tal como defende Fullan (2002).

Um crítico a este fundamento neoliberal das reformas educativas é Popkewitz (2009), para quem a resolução de problemas possui duas funções: a primeira é o desenvolvimento de procedimentos de ensino que desenvolvam uma mentalidade adaptada à racionalidade pragmática, visando respostas objetivas. Mas é quanto à segunda função que a resolução de problemas se aproxima do cosmopolitismo.

A resolução de problemas rege os princípios de conduta como princípios morais, que se relacionam mais com o cosmopolitismo inacabado que com o raciocínio matemático per se. A resolução de problemas não trata somente de solucionar problemas! Uma instrução efetiva deve conseguir que as crianças ‘queiram’, além de que eles sejam ‘capazes de’. (POPKEWITZ, 2009, p.159).

Antes de prosseguir com a questão da resolução de problemas, importante destacar que o cosmopolitismo é uma herança da Ilustração, da racionalidade moderna, da formação do chamado “cidadão do mundo”, que nasce com a modernidade. Este sujeito racional, que age conforme finalidades (WEBER,1977), calcula riscos e aposta em estratégias e táticas para a sua vida, de modo individual, em conformidade com o advento da sociedade civil burguesa, que fragmenta as relações, individualizando as condutas e objetivos. O cosmopolita, portanto, é aquele que se guia por seus objetivos em meio a uma selva de muitos outros cosmopolitas que estão na mesma situação, e cujas histórias de salvação particular podem se chocar com a sua, impelindo à concorrência hobbesiana.

Portanto, a capacidade de resolver problemas apresenta esta dupla dimensão: de desenvolver a racionalidade, que se expressa nas condutas, na internalização e naturalização de modos de ser, em um mundo de incertezas e inseguranças derivadas da crise estrutural do capital.

Outra face do cosmopolitismo é o que Popkewitz (2009) denomina como “gestos duplos”, que é o movimento duplo de inclusão e exclusão pela mediação da normalização. “Normalizar significa uma tecnologia política e social de separação dos que possuem os requisitos cosmopolitas dos que não os possuem” (MELO, 2016, p.50). Em nível mundial o que produz este tipo de sociabilidade são processos de exclusões dos mais dramáticos, pois atingem, prioritariamente, as populações cujas lógicas de vida e sociabilidade não se adequam ao cosmopolitismo. “O sistema do capital, afinal de contas, não cria apenas mais mercadorias do que o necessário para o consumo, mas também faz com que milhões de pessoas sejam ‘sobrantes’ [...].” (MELO, 2016, p.51).

A normalização social é também refletida na escola e no sistema educacional. e As reformas educativas neoliberais são expressões deste processo. A educação escolar é uma agência normalizadora, afinando o que é e deve ser uma pessoa formada, o que é e deve ser o trabalhador produtivo, qual deve ser o currículo e o que não deve nele estar presente, como conteúdos e práticas educativas. Assim, a escola tanto ajusta os que são adaptados ao cosmopolitismo, quanto isola e exclui os que não possuem os requisitos para ser cosmopolitas, afinal: “A função manifesta da escola moderna é ensinar às crianças princípios cosmopolitas sobre a razão”. (POPKEWITZ, 2009, p.20).

A normatividade separa os empreendedores e os que não o são; separa os que o mercado pode capturar como força de trabalho e os que não se adaptam às suas exigências, ou que “sobram”. E em épocas de crise, esta seleção social torna nossa realidade ainda mais dramática. Segundo a OCDE, que classificamos como uma agência do cosmopolitismo.

Na medida em que as economias da OCDE baseiam-se cada vez mais no conhecimento, espera-se que os jovens tenham competências básicas sólidas para participar ativamente na sociedade e no mercado de trabalho. Os sistemas educativos devem garantir que os jovens alcancem um nível mínimo de competências transferíveis e úteis, não somente nas profissões e nos trabalhos, mas também em outros âmbitos, como a família e a vida social. (OCDE, 2015, p. 76).

Por esta exposição da OCDE percebe-se o caráter cosmopolita da reforma educativa, que estimula a adaptação ativa das novas gerações à economia capitalista, naturalizada como “sociedade do conhecimento” e de formação de subjetividades racionais, adaptadas e adaptáveis tanto ao mundo do trabalho, quanto para a vida social. Trata-se de incluir os “competentes” e, por consequência, excluir ou marginalizar os “incompetentes”, inadaptados e culpabilizados por não ser cosmopolitas.

Neste processo ocorre como um “desencantamento” (WEBER, 1992) da educação, reduzida a processos de mercantilização, de formação humana como “capital” para as empresas. A educação deixa de ser um fim em si mesma, passa a ser meio de encontrar os projetos de salvação particular. Muñoz (2002, p.192) resume assim este clima do projeto cosmopolita de educação.

Nesta rede de qualidades pela metade e eficácias empiricamente documentáveis e mensuráveis, a educação como experiência valiosa em si mesma; como espaço de desenvolvimento social e pessoal em sua mais ampla acepção e tradição é esvaziado ou seriamente alterado. E, assim, hipotecado e instrumentalizado, a serviço de resultados, dos produtos, dos diplomas mais rentáveis e resgatáveis no mercado de trabalho ou em outras transações pessoais e sociais.

Este “desencantamento”, pela via da desertificação neoliberal, (ANTUNES, 2004) encontra, na categoria performatividade, um importante reflexo e continuidade.

PERFORMATIVIDADE E O IMPÉRIO DO CONTROLE SOCIAL SOBRE OS SUJEITOS

Nesta parte do texto vamos focar os esforços na compreensão da performatividade, entendendo-a como expressão de uma forma de dominação social que afeta diretamente a educação. A performatividade, segundo Ball (2005), é uma tecnologia política, uma cultura organizacional e um método de regulação social, ou seja, ela:

emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança. Os desempenhos de sujeitos individuais ou de organizações servem de parâmetros de produtividade ou de resultado, ou servem ainda como demonstrações de ‘qualidade’ ou ‘momentos’ de promoção ou inspeção. (BALL, 2005, p. 543).

Desde já se explicita o fato de que nesta base assentada por Ball separam-se e hierarquizam-se os sujeitos que detém ferramentas, poder e/ou legitimidade de classificar, e aqueles que são classificados. No caso das reformas educativas neoliberais, os Estados são os grandes avaliadores dos sistemas educacionais, ou seja, são os “auditores” do sistema, mesmo que nem sempre os critérios sejam autonomamente construídos, dado o grau de dependência das agências internacionais como a OCDE e o PISA (MELO, 2016). E, ainda, o órgão de avaliação central nem sempre contribui com os meios disponíveis para a performance dos indivíduos e instituições avaliadas.

Voltando ao cerne da citação de Ball, a performatividade se assenta em juízos de valor heterogestados, ou seja, produzidos à revelia dos sujeitos avaliados. Estes juízos de valor são os julgamentos e, sobretudo, as comparações, estas sim a característica fundamental da performatividade. A comparação de resultados é a lógica mercantil deslocada para a avaliação performática dos sistemas, escolas e indivíduos na educação.

A performatividade é alcançada mediante a construção e publicação de informações e de indicadores, além de outras realizações e materiais institucionais de caráter promocional, como mecanismos para estimular, julgar e comparar profissionais em termos de resultados: a tendência para nomear, diferenciar e classificar. (BALL, 2005, p. 544).

Soma-se ao já anteriormente assinalado a característica performática da publicização dos resultados e comparações. Este cenário performático expõe sujeitos e instituições pela via dos resultados alcançados, sem, necessariamente, levar em consideração o processo e as limitações que acometem os sujeitos e instituições no seu processo de produzir resultados. No caso concreto das reformas educativas, todo o peso das avaliações acaba por recair sobre os professores e sobre as escolas.

Ademais, neste clima performático, acabam surgindo medidas como as famosas premiações de professores e escolas, que favorecem a criação de meios obscuros de alcance de resultados competitivos, gerando fraudes e processos cotidianos nem sempre saudáveis nas relações educativas. Assim sintetiza Ball (2005, p. 549).

É o efeito generalizado da visibilidade da avaliação que, penetrando em nossa maneira de pensar a respeito de nossa prática, produz a performatividade. Muitas vezes, as exigências de tais sistemas geram práticas inúteis ou até mesmo danosas que, no entanto, satisfazem os requisitos de desempenho. No âmbito de uma matriz de avaliações, comparações e incentivos relacionados com o desempenho, os indivíduos e as organizações farão o que foi necessário para se distinguir ou sobreviver.

O que temos aqui é a transformação de uma complexa relação educativa, que envolve subjetividades mediadas pelas relações sociais e por conteúdos curricularizados, em apenas números, porcentagens colocadas em quadros de comparação. No entanto, o mesmo esforço performático não é dado para a construção de um clima saudável nas escolas. Como afirma Ball (2005) o que passa a importar é apenas nossos desempenhos, não que nos importemos uns com os outros. E, acrescenta: “[...] que ofereçamos nossa contribuição para a construção de espetáculos e ‘produtos’ institucionais convincentes.” (BALL, 2005, p. 557).

Por fim, a própria relação pedagógica fundamental é pervertida, a relação entre professores e alunos. O trabalho pedagógico não é mais “para” as crianças, por exemplo, mas é aplicado “nas” crianças, para que estas produzam os resultados esperados nos exames de larga escala. Ball (2005) traduz estas como “relações inautênticas”, que desvirtua o caráter formativo da educação escolar.

Resulta inclusive que o próprio “ser professor” passa pelo processo de inautenticidade, já que sua ação cotidiana se guia por mandatos externos (“faço o que me mandam fazer”), que prescindem da crença no que se faz (“não acredito nisso, mas faço”). Ademais, perde-se neste processo muito mais que isso, não sem custo, como nos diz Ball (2001, p.156): “Não se costuma levar em conta o custo para o trabalhador da realização de maior eficácia (intensificação, perda de autonomia, supervisão e avaliação mais diretas, falta de participação na tomada de decisões, carência de desenvolvimento pessoal através do trabalho). ”

Assim, o ambiente performático, que é a materialização da dominação burocrática em contextos de crise do capital, desanima, desilude e adoece o professorado. E, ainda, introduz um elemento diferente do controle clássico, o panóptico de Bentham, que é a instabilidade e a incerteza sobre os parâmetros avaliativos. O limite sempre pode ser mudado, ampliado sem um controle daqueles que estão na berlinda. Os resultados dependem da performance de outros, e as comparações publicizadas geram resultados que não se poderia antecipar, o que gera ansiedades e temores. A escala é dada no próprio momento da publicização, e esta gera nos sujeitos e instituições determinadas reações nem sempre contornáveis.

AS COMPETÊNCIAS NA BNCC

Nesta parte do artigo vamos discutir a categoria competência tal como ela aparece na Resolução n. 2, aprovada pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação e publicada no Diário Oficial da União em 22 de dezembro de 2017, que “Institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da educação básica” (BRASIL, 2017).4

No entanto, antes de adentrar especificamente o texto da BNCC, na primeira parte vamos trazer as principais características da categoria competência segundo a literatura da área trabalho e educação (RAMOS, 2001; SILVA, 2008).

AS COMPETÊNCIAS COMO CATEGORIA DA PEDAGOGIA BURGUESA

A esta altura da análise podemos entrar na categoria de competência, entendendo-a como derivação das categorias anteriormente delineadas, cosmopolitismo e performatividade, compondo com elas as formas sociais de produção das subjetividades adaptadas e adaptáveis à sociedade capitalista em crise, ou, se quisermos, ao período neoliberal. Isso porque não se compreende a categoria competência sem levar em conta as determinações sociais para os indivíduos neste período de crise, no qual as histórias de salvação particular passam a ser as formas predominantes e naturalizadas; período em que o emprego precário ou o desemprego são uma fronteira cada vez mais próxima para a classe trabalhadora; um período de instabilidade laboral, que coloca em extinção as antigas relações profissionais, validadas social e coletivamente pela identidade profissional e, em seu lugar, colocam relações laborais pautadas pelas relações individuais capital e trabalho, ou por percursos flexíveis e construídos individualmente, enfraquecendo as formas de resistência do trabalho frente ao capital, mediado, inclusive, pela desvalorização social das antigas profissões; um período onde todas as relações educativas perecem como valor em si e passam a ser subordinadas à racionalidade instrumental do capital, que transforma toda formação humana em unilateral formação do capital humano para as empresas e para a produtividade (RAMOS, 2001; SILVA, 2008).

A categoria competência possui, por assim dizer, várias camadas para serem desnudadas. A sua primeira, externa, é aquela que a coloca como mediadora das relações sociais. Como já foi dito, a ascensão das competências no campo laboral se deve ao deslocamento ideológico, bem ao gosto neoliberal, das qualificações profissionais, típicas do período fordista, para o conceito de competências, que é a forma assumida pelo trabalho precarizado flexível no toyotismo (RAMOS, 2001).

As profissões eram regidas por relações sociais definidas, com corpo de conhecimentos e práticas profissionais delimitadas, reconhecidas socialmente e protegidas por representações sindicais e por legislações trabalhistas. Claro está que sempre houve as profissões não regulamentadas, não reconhecidas como tais e, portanto, socialmente desvalorizadas. No entanto, sob a época fordista pode-se dizer que a organização trabalhista ainda possuía uma posição de enfrentamento ao capital, que gerou conquistas importantes no Brasil e no mundo ocidental.5

O que ocorre na atualidade é que a condição de precariedade avança para todas as ocupações, o que implica, entre outras, a fragmentação das identidades profissionais e, logo, da unidade nas lutas do trabalho contra o capital, que se dá em meio à precariedade das condições da vida material em geral, que leva ao isolamento dos indivíduos em suas vidas particulares, reguladas pela cotidianidade (HELLER, 2008; SCHVARZ, 2016). Ao esvaziamento das profissões e suas qualificações deu-se o avanço de um mundo do trabalho precarizado e pautado pelas competências.

As competências, a partir de procedimentos de avaliação e de validação, passam a ser consideradas como elementos estruturantes da organização do trabalho que outrora era determinada pela profissão. Enquanto o domínio de uma profissão, uma vez adquirido, não pode ser questionado (no máximo, pode ser desenvolvido), as competências são apresentadas como propriedades instáveis dentro e fora do exercício do trabalho. Isso quer dizer que uma gestão fundada nas competências encerra a ideia de que um assalariado deve se submeter a uma validação permanente, dando constantemente provas de sua adequação ao posto de trabalho e de seu direito a uma promoção. (RAMOS, 2008).

Portanto, o elemento da instabilidade e da individualização, tal como aparecem nas categorias matrizes, cosmopolitismo e performatividade, são também os fundamentos da passagem das qualificações para as competências. Daí a identidade das competências com as reformas educativas neoliberais, que, justamente, fazem concretizar projetos de salvação particular, concatenadas ideologicamente com processos de enfraquecimento das ações coletivas da classe trabalhadora.

Um segundo marco das competências, ainda em relação às qualificações profissionais, é o esvaziamento dos conteúdos formativos em nome de uma série de competências tácitas e comportamentais, que se tornam o objetivo da educação escolar e das reformas educativas neoliberais. Os anos 90 viram a ascensão das competências no centro das reformas educativas brasileiras, após a inserção do país ao acordo internacional denominado Declaração Mundial de Educação para Todos, conhecida como Conferência de Jontiem - Tailândia, 1990, no qual se estabeleceram as chamadas “Necessidades Básicas de Aprendizagem”. É neste documento que se inspiraram as nossas reformas educativas daquele período e é a estes pressupostos que a atual BNCC retorna.

Observa-se neste documento seminal a lógica das competências (e, logo, do cosmopolitismo e performatividade) em ação, pela centralidade na “aprendizagem” tal como ali delineada no Artigo 4:

1. A tradução das oportunidades ampliadas de educação em desenvolvimento efetivo - para o indivíduo ou para a sociedade - dependerá, em última instância, de, em razão dessas mesmas oportunidades, as pessoas aprenderem de fato, ou seja, apreenderem conhecimentos úteis, habilidades de raciocínio, aptidões e valores. Em consequência, a educação básica deve estar centrada na aquisição e nos resultados efetivos da aprendizagem, e não mais exclusivamente na matrícula, frequência aos programas estabelecidos e preenchimento dos requisitos para a obtenção do diploma. Abordagens ativas e participativas são particularmente valiosas no que diz respeito a garantir a aprendizagem e possibilitar aos educandos esgotar plenamente suas potencialidades. Daí a necessidade de definir, nos programas educacionais, os níveis desejáveis de aquisição de conhecimentos e implementar sistemas de avaliação de desempenho. (CONFERÊNCIA, 1990).

Aqui está, em síntese, toda a gama de características desta forma de educação adaptada aos tempos de crise do capital e sintetizada no conceito de “educação para todos” e nas “necessidades básicas de aprendizagem”. Em primeiro lugar, vemos as características do cosmopolitismo na ideia de que o aprendizado deve seguir a racionalidade pragmática, de utilidade para a vida social naturalizada e descontextualizada do seu caráter de classe, bem como a possibilidade de mobilizar estes conhecimentos, habilidades em situações práticas da vida, que significa, neste contexto, a “efetividade” das aprendizagens. Por outro lado, a forma de fazer isso é centralizar o aprendizado na própria ação dos indivíduos, papel que cabe às pedagogias ativas, capturadas pelo ideário neoliberal e que esvaziam, com isso, o papel do profissional professor, ou seja, esvazia o papel do ensino, central para a profissão de professor (esvaziamento este que gera, atualmente, a crise desta profissão). E, por fim, o texto traz a característica da performatividade, com a centralidade da avaliação de desempenho dos estudantes e sistemas, segundo os critérios anteriormente adotados.

Silva (2008, p.16) resume bem este cenário das competências na educação:

Uma primeira hipótese decorrente do quadro conceitual da noção de competências foi definida com base na ideia de que ela é portadora de uma concepção instrumental da formação humana e esta se faz presente nos dispositivos normativos da reforma curricular. Essa hipótese é explorada tomando por referência o pressuposto de Bernstein, segundo o qual as teorias da competência levam a uma compreensão de que a formação humana dá-se pelo simples contato entre o indivíduo e o meio, independentemente das práticas culturais que diferenciam indivíduos e grupos e independentemente também, dos significados que derivam dessas práticas.

Novamente temos aqui a crítica às competências por serem estas uma expressão das histórias de salvação particular, bem como pelas suas racionalidades instrumentais, de resolver problemas pertinentes à naturalização das relações sociais capitalistas. No âmbito de uma avaliação social, tratam-se as competências de expressão funcionalista de adaptação dos indivíduos às suas funções sociais em tempos de crise.

Para ratificar o que se disse acima sobre a centralidade das competências nas reformas educacionais nos anos 90, trazemos a seguir um trecho de um importante documento empresarial, denominado “Educação básica e formação profissional”, formulado pela CNI em 1993, mesmo período em que as ideias da Conferência de Jontiem estavam penetrando nosso país. Neste documento, que para qualquer observador mais atento se transformou na base das reformas educacionais do Estado brasileiro naquele período, os empresários indicam as competências básicas requeridas para os trabalhadores:

Além da modernização quantitativa, é necessário que a escola desempenhe o papel pedagógico de aguçar no estudante a elaboração crítica, a independência e a capacidade de organização do próprio trabalho. Seriam, estas, em síntese, as competências básicas a serem priorizadas nos currículos de educação geral e formação profissional. A necessidade aponta para um sistema educacional que dê conta de uma formação de novo tipo, para um homem criador da sua própria história, capaz de agir sob determinadas condições, escolhendo, livremente, as alternativas que lhe forem apresentadas pelo mundo do trabalho, seja na empresa em particular, seja no setor produtivo como um todo. (CNI, 1993, p. 14-15).

Em primeiro lugar, e retomando sinteticamente tudo o que já foi dito, é preciso compreender que a competência não é uma categoria neutra, mas em disputa social, e, portanto, mediadora das lutas hegemônicas na sociedade sobre os projetos de formação humana. Neste contexto, os empresários desde os anos 40, pelo menos, vêm disputando socialmente o projeto educativo brasileiro (RODRIGUES, 1998), e, no caso em tela, percebe-se que existe uma adaptação do projeto empresarial para os tempos do capitalismo em crise, no qual as histórias de salvação particular, aí expressas em forma cristalina, são a forma de adaptação funcional dos indivíduos ao sistema.

Por aí percebemos que as competências básicas não se relacionam ao domínio de conteúdos (a “elaboração crítica” aparece como algo etéreo, sem significado real), mas a comportamentos (independência) e ações cotidianas (organização do próprio trabalho), o que está em perfeita sintonia com a ideia já apresentada do esvaziamento das profissões e da instabilidade no campo laboral.

Na segunda parte da citação acima os empresários determinam um projeto de educação escolar claramente vinculada ao cosmopolitismo, ao tratar da formação de um novo ser humano, que constrói sua própria história, buscando soluções individuais, o que também está em perfeita consonância com o já dito sobre a fragmentação do mundo do trabalho e a individualização dos trabalhadores em suas relações com o capital.

Apesar de este ser um tema extremamente instigante e complexo, pensamos ter dado as pistas para a compreensão das competências como eixo ideológico das reformas educacionais no atual período.

A seguir, pautado por tudo isso, vamos analisar brevemente como as competências aparecem na atual reforma educativa, a BNCC.

COMPETÊNCIAS COMO FUNDAMENTO FORMATIVO DA BNCC: FORMAÇÃO UNILATERAL PARA UMA SOCIABILIDADE COSMOPOLITA E PERFORMÁTICA

Nesta última parte do artigo vamos descrever e analisar brevemente como as competências aparecem no texto da Resolução n. 2, de 22 de dezembro de 2017, que “Institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular”. Não será possível avaliar a BNCC em sua integralidade, no entanto, para sintetizar as críticas mais gerais a esta reforma curricular neoliberal, expressamos aqui os principais tópicos a serem aprofundados em outros estudos: a BNCC significa um rompimento no pacto federativo, no sentido de centralizar toda a política educacional de currículos e avaliação (o que pode ser evidenciado nos Art. 5; 7; 16 e 18); regressão em temas da diversidade, como a inclusão da Religião como área do conhecimento e o adiamento da introdução da questão de gênero e diversidade sexual na BNCC (o que está presente nos Art.14; 22 e 23); a formação de professores deve se atrelar à BNCC (Art.17); todos os programas e projetos do MEC devem se referenciar à BNCC (Art.19), incluindo o PNLD (Art.20).

A questão específica das competências aparece assim definida no Art. 3:

No âmbito da BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores, para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.

Parágrafo Único: Para os efeitos desta Resolução, com fundamento no caput do art. 35-A e no §1º do art. 36 da LDB, a expressão “competências e habilidades” deve ser considerada como equivalente à expressão “direitos e objetivos de aprendizagem” presente na Lei do Plano Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, 2017, p.04).

Em primeiro lugar nos remetemos aqui às considerações trazidas à baila anteriormente por Silva (2008), para a qual as competências reduzem a formação humana a uma mera relação entre o indivíduo e o meio, no sentido de resolver problemas, encontrar soluções para a complexidade da vida cotidiana e do trabalho, de forma individual, trazendo muito pouco da formação como apropriação da cultura, socialmente considerada, esvaziando a escola do ensino. É justamente isso que encontramos na caracterização oficial de competências neste artigo da BNCC, e que remete imediatamente para a formação cosmopolita já largamente tratada neste texto.

A redução de direitos de aprendizagem às competências e habilidades6 significa, nada menos, que a faceta pragmatista, cosmopolita e performática desta reforma, cuja centralidade, ao uniformizar os direitos de aprendizagem em nível nacional pelas avaliações em larga escala, nada mais querem do que implementar um sistema performático. Isso fica claro no Parecer n. 15 de/2017, que aprovou a BNCC no Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação.7

a organização da Educação Básica em etapas e modalidades diferenciadas, com a indicação das competências gerais e habilidades específicas em cada área de conhecimento, permitirá, de um lado, o ajuste das matrizes das avaliações em larga escala e, de outro, que cada instituição ou rede de ensino possa elaborar suas próprias matrizes de avaliação processual formativa para apoiar o trabalho dos professores. (BRASIL, 2017a, p. 30).

Ou seja, no fim das contas, as competências uniformizadas têm o interesse de melhorar a eficácia das avaliações em larga escala, que de fato constituem a centralidade das reformas neoliberais. E não é sem razão que a vertente mais importante das críticas aos sistemas educacionais em geral, que levou Ross e Gibson (2007) a falarem da “fabricação” da crise educacional como falácia ideológica no processo de transferência de responsabilidades do Estado para os indivíduos. Portanto, competências na BNCC é uma categoria imersa na complexa teia de relações categoriais da sociabilidade neoliberal, que reduz a educação a uma formação unilateral para a vida em uma sociedade “naturalmente” competitiva e individualista.

Por fim, o Art. 4 da Resolução n. 2, de 22 de dezembro de 2017, explicita as 10 competências ou direitos de aprendizagem. Para os objetivos que aqui nos propusemos analisar, podemos dizer que pelo menos oito destes objetivos se relacionam direta ou indiretamente ao cosmopolitismo, sendo eles os objetivos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, e destes os objetivos 2, 5 e 9 se relacionam diretamente à resolução de problemas e conflitos. Vamos destacar quatro destas competências ou direitos de aprendizagem.

  • 1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva;

  • 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.

  • 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

  • 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões, com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. (BRASIL, 2017, p. 4-5).

Com relação ao primeiro item, a competência cosmopolita se averigua na formação cidadã, racional e portadora de projeto de futuro, ou seja, o “cidadão do mundo”, numa concepção claramente voltada para a geração de consenso social sobre o projeto burguês de educação, afinal, ao trazer a ideia de participação, sociedade justa, democrática e inclusiva, o texto oficial se aproxima de um discurso sedutor para o senso comum social, agregando com isso a simpatia. No entanto, esta característica não pode ser lida isoladamente das demais.

O segundo objetivo de aprendizagem já recua desta generalização e traz para a educação o objetivo de formar cidadãos capazes de utilizar conhecimentos, investigação, curiosidade e criatividade para resolver problemas, que é a típica formação cosmopolita, que inserida no ideário neoliberal coloca os sujeitos, individualmente, para serem os gerenciadores de suas próprias vidas. No sexto objetivo isso se incorpora com as apropriações pragmaticamente dirigidas para as escolhas pessoais, para a consecução de projetos de vida individuais, responsabilizando-se por eles. E, por fim, no último objetivo de aprendizagem o que se vê é a consolidação deste ideário cosmopolita da racionalidade do indivíduo responsável pela tomada de decisões, resiliente para o enfrentamento de dificuldades e para superá-las.8

Chegados a este ponto da análise, podemos sintetizar afirmando que a BNCC, ao contemplar as competências como “direitos de aprendizagem”, e, portanto, como parte das reformas neoliberais brasileiras do tempo atual, é mais um capítulo da subordinação do projeto educacional estatal aos ditames mercantis de formação unilateral, para uma vida social naturalizada como instável, competitiva, cujas portas devem ser acessadas pelos esforços individuais, pela resiliência e pelo esforço, constantemente comparáveis, esvaziando de sentido próprio a educação e instrumentalizando a formação escolar para o desenvolvimento de competências úteis para resolver problemas e sobreviver na selva cosmopolita e performática típica da sociabilidade neoliberal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de análise que trouxemos foi a consideração de duas categorias, cosmopolitismo e performatividade, como eixos das reformas educativas neoliberais do tempo presente, em especial do Brasil. Este par categorial remete à crítica das relações sociais capitalistas e da construção de subjetividades adaptadas e adaptáveis ao contexto de crise do capital, período no qual o deslocamento das responsabilidades coletivas para os indivíduos se torna mais contundente. Daí a necessidade de naturalizar a competitividade (a performatividade) como elemento da sociabilidade e, logo, o mérito, corolário deste, como objetivo individual, que então move o cidadão cosmopolita a escolher entre possibilidades os caminhos para a sua melhor adaptação a esta realidade.

Assim, temos uma sociedade altamente performática, ou seja, que coloca os indivíduos em constante competição e, com isso, a formação de subjetividades que se adaptem a esta situação, formulando racionalmente saídas para uma melhor colocação social. O cosmopolita, o cidadão racional, que age individualmente para se integrar, é aquele que aceita a performatividade como princípio e se coloca na arena social, na selva competitiva junto a outros cosmopolitas.

A educação no projeto burguês e na BNCC, em particular, como parte deste projeto, tem o papel de proporcionar as competências para o cosmopolita poder escolher e se responsabilizar tanto pelos caminhos percorridos quanto pelos resultados alcançados. Também seu papel é o de legitimar este sistema de competição individual e de deslocamento das responsabilidades, bem como naturalizar esta situação. Para isso a escola, principal agente cosmopolita e performático, é esvaziada dos conteúdos historicamente produzidos e foca, por meio das reformas neoliberais, nas competências úteis e transferíveis para a vida, de modo a proporcionar aos indivíduos ferramentas para a vida social nestes termos já referidos.

Fazendo isso, as reformas neoliberais e a BNCC reduzem a formação humana à unilateralidade da adaptação ao sistema capitalista, ao trabalho cada vez mais precarizado e à obediência social, inculcando mecanismos de autocontrole e de discriminação (o “eu”, cosmopolita e performático, e os “outros” que estão fora desta definição).

Para a resistência contra este processo, é necessária a consciência dos mecanismos utilizados nas reformas educativas neoliberais e formulação de projetos educativos emancipadores, que levem em conta a volta aos valores comunitários/sociais, de integração social, da valorização de princípios de solidariedade que se contraponham à exacerbação do individualismo na sociedade e na educação.

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3Mészáros (2011) cita o caso da nacionalização das dívidas das companhias Fannie Mae e Freddie Mac, que somavam 5,4 trilhões de dólares, pelo governo George W. Bush.

4Embora não seja nossa intenção explícita deste trabalho em particular, não podemos deixar de mencionar que a trajetória da BNCC é resultado das pressões de grupos empresariais, até de caráter monopolista, que ganharam força a partir da organização do Movimento Todos pela Educação, e, especialmente, do Movimento Pela Base. Remetendo às reflexões iniciais deste artigo, essa faceta da BNCC a coloca como projeto formativo unilateral, nos moldes aqui tratados. Sobre este tema nos referenciamos aos trabalhos de Neves e Piccinini (2018) e Rabelo, Jimenez e Segundo (2015) entre outros.

5O cinema ilustra muito bem esta questão no filme Revolução em Dagenham (2011. Direção de Nigel Cole. 1h53min.). O filme conta um fato real, a greve das mulheres trabalhadoras na planta da fábrica Ford na cidade de Dagenham, Inglaterra, que lutava por igualdade salarial e melhores condições de trabalho, no ano de 1968. A força da greve levou o sindicato a grandes negociações (e contradições no processo de negociação pelas burocracias sindicais) chegando até às altas cúpulas do Ministério do Trabalho. Ao final, as mulheres conquistaram, em 1970, a igualdade salarial pretendida. Pela época em que se passa o filme, ou seja, no período pré-crise do petróleo, pode-se dizer que o filme demonstra a força do sindicalismo na época fordista clássica, bem como nos mostra o período do welfare state inglês, justamente o lócus da experiência neoliberal que se iniciaria uma década depois, com Margareth Tatcher.

6“As habilidades podem ser entendidas como esquemas rotinizados - os hábitos ou o saber-fazer - e fazem parte da competência. Nas palavras de Perrenoud (1999), as habilidades são esquemas com uma certa complexidade que existem no estado prático procedente, em geral, de um treinamento intensivo, cujos gestos tornaram-se uma segunda natureza e fundiram-se no habitus. Como tal, o saber-fazer existe no estado prático, sem estar sempre ou imediatamente associado a um conhecimento procedimental.” (RAMOS, 2001, p. 236).

7Registra-se, como fez Luiz Carlos de Freitas em seu Blog (FREITAS, 2017), os votos contrários das seguintes Conselheiras: Aurina de Oliveira Santana, Malvina Tania Tuttman e Marcia Ângela da Silva Aguiar.

8É, mais uma vez, Freitas (2018)que traz a discussão da relação entre a BNCC e a resiliência, apontando os fundamentos ideológicos desta concepção, sem utilizar, no entanto, as categorias aqui propostas, mas se aproximando ao que aqui vimos discutindo sobre a relação da BNCC com o cosmopolitismo e a performatividade. Ele faz a análise de uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo, de 4 de março de 2018, cujo título é o seguinte: “Apenas 2,1% dos alunos pobres do país têm bom desempenho escolar”. A reportagem pauta-se no estudo da OCDE, cujo resultado demonstra que a média dos países participantes da pesquisa foi de 25,2% de estudantes resilientes, o que demonstraria a crise de nosso sistema, que coloca o Brasil na 62ª colocação entre 71 países investigados. A concepção de resiliente se dá para os estudantes dos países pobres que conseguem chegar ao nível 3 do exame PISA, que significa, no score desta avaliação, o mínimo para que se tenha “oportunidades de aprendizagem”. Melo (2016) demonstra, para o caso espanhol, como a OCDE e seus pressupostos que instalam artificialmente uma crise dos sistemas educacionais, foi adotada para argumentar a favor da reforma de 2013. Como contraponto ao uso neoliberal da resiliência, Marochi (2017) faz uma análise da categoria resiliência de um ponto de vista crítico, colocando-a como ferramenta de resistência na vida das mulheres trabalhadoras/estudantes do EJA.

Recebido: 14 de Junho de 2018; Aceito: 09 de Junho de 2019

Contato: Universidade Estadual do Centro-Oeste, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campus Santa Cruz, Rua Salvatore Renna, 875 - Santa Cruz, Guarapuava|PR|Brasil, CEP 85.015-430

Alessandro de Melo - Doutor em Educação. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste - PPGE/UNICENTRO. Líder do Grupo de Pesquisa em Trabalho, Educação e História - UNICENTRO. E-mail:<alessandrodemelo2006@hotmail.com>.

Ana Claudia Marochi - Mestra em Educação - PPGE/UNICENTRO. Doutoranda em Educação - PPGE/ UFSC. Professora de Biologia da Rede Estadual de Educação do Paraná. Pedagoga do Instituto Federal de Educação do Paraná, campus Irati. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Trabalho, Educação e História - UNICENTRO e do Grupo de Estudos sobre Trabalho, Educação e Infância - GETEI/UFSC. E-mail:<anacmarochi@hotmail.com>.

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