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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.35  Belo Horizonte jan./dez 2019  Epub 21-Ago-2019

https://doi.org/10.1590/0102-4698218029 

DOSSIÊ EDUCAÇÃO, SAÚDE E RECREAÇÃO

ARTIGO - GEORGES HÉBERT E A EDUCAÇÃO DO CORPO FEMININO NO BRASIL1

I Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil.


RESUMO:

No livro dedicado às jovens francesas, “Muscle et beauté plastique” (1919), Georges Hébert, consagrou os conceitos de saúde, beleza e força voltados para a emancipação feminina por meio do seu Método Natural. No Brasil, essa obra foi lida por autores da educação física, como Rangel Sobrinho (1930) e Lotte Kretzschmar (1932) que propuseram métodos nacionais para uma “Educação Física feminina”. O objetivo deste artigo é analisar os princípios de educação para as mulheres na obra de Hébert e discutir acerca de sua recepção no Brasil na década de 1930. As fontes constituídas foram livros de Rangel Sobrinho e Kretzschmar e periódicos nacionais publicados nesse período e o livro de Hébert, “Muscle et beauté plastique”. Foi possível constatar que a obra francesa foi inovadora quanto à educação feminina ao propor a emancipação física e moral, ao combater o uso do espartilho e salto alto e ao propor treinamento idêntico para homens e mulheres. Contudo, as produções brasileiras apresentaram limitações quanto ao treinamento dedicados as mulheres, pois a equiparação aparecia no discurso, mas não efetivamente no treinamento.

Palavras-Chave: Georges Hébert; Educação do corpo; Mulheres; Brasil

ABSTRACT:

In the book Muscle et beauté plastique (1909), dedicated to young French women, Georges Hébert established the concepts of health, beauty and strength oriented to women’s emancipation by means of his Natural Method. This book was read in Brazil by authors from the field of physical education such as Rangel Sobrinho (1930) and Lotte Kretzschmar (1932), who proposed national methods for “women’s physical education”. This article analyzes the principles of women’s education in Hébert’s work and discusses its reception in Brazil in the 1930s. The sources used comprise Rangel Sobrinho’s and Kretzschmar’s books, Brazilian publications of the period and Hébert’s book Muscle et beauté plastique. We were able to determine that this French work was innovative regarding women’s education for proposing physical and moral emancipation, opposing the wearing of corsets and high heels and advocating equal exercise for men and women. However, the Brazilian works presented limitations regarding women’s training, since the idea of equality was proposed but not actually applied to the training program.

Keywords: Georges Hébert; Physical education; Women; Brazil.

O MÉTODO NATURAL E A EDUCAÇÃO DO CORPO FEMININO

Georges Hébert (1875-1957) foi oficial da Marinha francesa e o criador do Método Natural. Em sua trajetória assumiu vários cargos importantes, os mais notáveis deles foram o de Diretor Técnico da Escola de Fuzileiros Navais de Lorient e do Colégio de Atletas em Reims, França. Na Marinha fez sua formação inicial, e pôde viajar pelas Colônias Francesas e Américas, incluindo o Brasil. Na Marinha alcançou apoio de Generais e Ministros da Guerra da época e teve notória visibilidade. Em sua empreitada civil, no Colégio, além de um dos idealizadores ele assumiu a posição de Diretor daquele que foi um premiado Centro de Educação Física francês, e que fora considerado o berço do hebertismo. Criado originalmente pelo Marquês de Polignac, o estabelecimento estava localizado no parque de Pommery.2 Contava com uma estrutura inovadora para a época, já em 1913 possuía um Anexo Feminino, comandado pela senhora Melle Yvonne Moreau, futura esposa de Hébert, que foi a monitora-chefe da instituição (Revue L’Éducation Physique, 1955, p.5).

Figura 1 Madame Yvonne Hébert. Modelo de atleta moderna ( HÉBERT,1919, p. 5)3  

L’éducation physique féminine: Muscle et beauté plastique”, foi o livro dedicado às jovens francesas, foi escrito por Georges Hébert em 1919 e consagrou os conceitos de saúde, beleza e força voltados à emancipação feminina por meio do seu Método Natural. No Brasil, essa obra foi nos anos 1930, lida por autores da educação física, como Orlando Rangel Sobrinho e Lotte Kretzschmar, que propuseram métodos nacionais para uma “Educação Física feminina”. Desse modo, objetivo principal deste artigo é entrelaçar a fonte francesa e as nacionais, em outras palavras, pretende-se analisar os princípios de educação para as mulheres na obra de Hébert e discutir acerca de sua recepção no Brasil na década de 1930. Portanto, as fontes constituídas foram, a obra de Hébert, “Muscle et beauté plastique” (1919), os livros de Rangel Sobrinho “Educação Physica Feminina” de 1930 e Kretzschmar “Cultura physica feminina” de 1932; e os periódicos nacionais que trouxeram para o Brasil referências sobre o livro de Hébert, como: “O Imparcial” (1920); revista “Careta”, (1928); “Revista Educação Física Exército” (1937); “Revista Educação Physica”, (1938; 1942).

No cenário francês do início do século XX, o entusiasmo de Hébert alcançava a educação feminina uma vez que promovia diversas iniciativas dedicadas a elas. Defendeu, em suas publicações, que homens e mulheres tinham a mesma capacidade de adquirir um desenvolvimento físico integral, podendo oferecer a mesma quantidade de trabalho, e que suas diferenças orgânicas se restringiriam apenas às funções reprodutivas. O autor defendia que ambos os sexos tinham as mesmas capacidades físicas e condições semelhantes para realizar o mesmo treinamento e assim, atingir um desenvolvimento muscular idêntico. Sustentou seu ponto de vista quando, por exemplo, comparou a Estátua do Imperador Augusto à uma de suas alunas, e declarou: “Aluna do autor, cujo desenvolvimento muscular de braços, do abdômen e das pernas é comparável àquele do atleta ao lado” (HÉBERT, 1919, p. 13-14). Hébert, almejava a “emancipação” feminina, podendo ser inserido inclusive na dinâmica dos discursos feministas Pós-Primeira Guerra. E ao contrário dos comentadores da época ele não fez quaisquer referências à maternidade em seus escritos (BOHOUN; QUIN, 2014, p. 209-210).

Figura 2 Identidade do desenvolvimento muscular do homem e da mulher. Estátua de Augusto. Aluna do autor, cujo desenvolvimento muscular de braços, do abdômen e das pernas é comparável àquele do atleta ao lado (HÉBERT, 1919, p. 13-14) 

Tendo em vista suas preocupações em relação ao exercício físico para mulheres, em 1918 fundou La Palestra: Colégio Ginástico Feminino e Infantil, em Deauville, situada no noroeste da França, na região da Normandia. Como o Colégio funcionava apenas seis meses ao ano, no verão, Hébert criou como alternativa, na região da Cotê d’Azur, ao sul do país, uma “palestra”4 de inverno, em 1923 (PHILIPPE-MEDEN, 2017, p. 193-194). Dez anos mais tarde, em 1929, o oficial francês criou, também em Deauville, a Escola Náutica Feminina, ou palestra marinha. Funcionando como uma escola naval dentro da embarcação Alcyon, foi destinada aos meninos menores de 14 anos e, para as meninas, não havia limite de idade.5

Essas iniciativas reafirmam a discordância de Hébert quanto ao tipo de educação que recebiam as jovens francesas, que as condenaria à imobilidade física. Nas escolas, em sua perspectiva, eram orientadas a não participarem de brincadeiras de corrida, e em casa eram coibidas pelas mães, que diziam: “Você quer ficar quieta?.6 Na adolescência viviam enclausuradas, e já levando uma vida pouco ativa, o fim de sua atividade física era decretado com o uso do que ele chamou de “ridículo instrumento de tortura, o espartilho”.. E então, as meninas seguiam doentes e imóveis até a vida adulta (HÉBERT,1919, p. 13-14). Nesse cenário, o autor demostrava seu descontentamento com o modo como as jovens estavam sendo educadas em seu país. Afirmou que lhes eram destinados os artefatos de beleza que as faziam permanecer estáticas, e eram orientadas a permanecerem recolhidas em seus ateliês ou escritórios. Às meninas foram cerceados os direitos de brincar em movimento e praticar qualquer tipo de exercícios, ou até mesmo esportes, em nome da moda e da etiqueta.

Figura 3 Um modelo de elegância e higiene!. Tomado de um catálogo publicado há alguns anos. (HÉBERT, 1919, p. 47). 

Figura 4 As loucuras da moda. Um desafio ao bom senso (HÉBERT, 1919, p. 53) 

O autor propôs a discussão de uma temática delicada, pois, à época as meninas não deveriam se exercitar e eram orientadas a seguirem rigorosamente os padrões ditados pela moda. Hébert despertou os olhares para uma mulher que deveria ser resistente, desprovida de preconceitos tolos, cheia de saúde, bela, forte e livre. Dessa maneira, criou uma série de princípios físicos e morais para norteá-las acerca dos perigos que suscitariam a falta de exercícios, dentre eles destacaram-se: o desenvolvimento físico integral; a beleza feminina; a proporção das formas e a emancipação. Seu método seria então, o mais indicado para as jovens mulheres francesas.

No Colégio de Atletas ou nas Palestras criadas por ele, elas usavam túnicas leves e soltas na cor laranja, bordadas com um símbolo grego na cor violeta, e os cabelos eram trançados (PHILIPPE-MEDEN, 2017). Em fotos de demonstração nas palestras, apareciam em poses de lançamento, posturas clássicas, saltando, lutando, dançando e fazendo trabalhos manuais. No livro “Muscle et beauté plastique”, exibiam todo seu desenvolvimento muscular com o torso nu e os seios à mostra, porém nessas imagens, em alguma das vezes elas encobriam o rosto e o ventre, sempre. Nesses ambientes as jovens alunas de Hébert praticavam os ensinamentos provenientes do Método Natural no mesmo local e da mesma maneira que eram executados pelos agrupamentos masculinos. Mesmo não existindo o treinamento misto, ele proporcionou às mulheres a possibilidade de uma determinada “equiparação” com os homens, que ia do treinamento às vestimentas.

Figura 5 O detalhe das formas da mulher (HÉBERT, 1919, p. 39-40) 

Diante dessas iniciativas, Hébert introduziu às mulheres o Método Natural de Ginástica. Elas, como os homens, obteriam o desenvolvimento físico por meio dos mesmos fundamentos criados por ele, sobretudo, a prática metódica dos exercícios utilitários; a resistência pelo confronto com os elementos naturais (sol, frio, etc.); as qualidades de ação ou princípios viris - a energia, a vontade, a coragem. Esse movimento de inclusão das mulheres no treinamento físico nas primeiras décadas do século XX, pode ser entendido segundo Vigarello, pois

O corpo feminino faz parte pela primeira vez da manifestação ‘fisiológica’ da ‘atividade’: músculo visível, ‘elástico’, ‘exercitado’, propriedade até então exclusiva dos homens. A imagem retorna insistente, nos tratados de beleza dos anos de 1930: ‘A silhueta esbelta e esportiva, os membros finos e musculosos sem gordura parasitária e o porte enérgico e aberto: aí está hoje o ideal da beleza feminina’. (VIGARELLO, 2006, p.150).

Nesse sentido, Hébert evocou o desenvolvimento de qualidades como a resistência, a destreza, a velocidade e a força também para as mulheres. Com isso, pretendia pôr um fim aos prejulgamentos sofridos por elas, traria de volta o amor próprio que outrora elas haviam perdido e, atingiria seu ideal de emancipação física e moral para as meninas e jovens mulheres francesas.

As iniciativas de norte a sul da França consolidaram o interesse de Hébert pela educação do corpo feminino. No início do século passado, além do Anexo Feminino do Colégio de Atletas e das Palestras de inverno e de verão, o autor publicou o livro “Muscle et beauté plastique” em 1919, que fora dedicado integralmente a elas. Esta foi a primeira publicação do autor francês dedicada especificamente às meninas e às jovens mães de seu país, ganhando destaque no conjunto de sua obra. É, possivelmente, também um dos primeiros a trazer de forma acabada uma crítica à educação do corpo das jovens francesas do início do século XX, na área de educação física.

[...] L’éducation physique féminine de Georges Hébert marca uma dupla evolução nas história das práticas de exercícios corporais e das história das mulheres. [...] L’éducation physique féminine se insere numa mudança social profunda, que oferece às mulheres mais autonomia (BOHOUN; QUIN, 2014, p.212, grifos dos autores).7

Nessa obra foram encontrados os princípios que acompanharam Hébert na totalidade de seu Método, como a educação moral e viril alcançada por meio das práticas corporais realizadas junto à natureza; destacam-se a importância de características como a destreza, a força e o caráter na formação das mulheres.

É então, indubitável o interesse de Hébert e sua preocupação com a educação das meninas francesas dos idos do século XX como podemos perceber no excerto onde ele afirma que a “ ‘mulher-boneca’, delicada e frágil, da cabeça aos pés, vestida, adornada, maquiada e invariavelmente empoleirada nos saltos altos, com bijuterias luxuosas, que ninguém ousaria tocar por medo de quebrá-la (HÉBERT, 1919, p. 46)”.8 Nesse excerto Hébert descreve o modelo de mulher que se predominava naquele momento. Uma “boneca” era como ela deveria ser, frágil e doce, sempre cheia de adornos e maquiagens, como seria o esperado. Desse modo, as preocupações com a educação física feminina e os estudos sobre a educação do corpo da mulher ganharam destaque na obra e nas propostas de trabalho de Georges Hébert. O método criado por ele fora indicado para afastar as mulheres das moléstias como a diabetes, o reumatismo e as alterações do coração, que seriam causadas pelo sedentarismo e pela inanição e, que conduziriam à uma velhice extemporânea. Tanto nas palestras, quanto no Colégio de Atletas e em tantos outros Centros Hebertistas que surgiram no período, elas trepavam em árvores, cordas, subiam em muros, nadavam no mar, corriam na praia, carregavam pesos, transpunham obstáculos, realizavam exercícios de salvamento e de lutas com as companheiras. O contato com o sol, com a água do mar, e todos os tipos de adversidade, faziam parte da rotina das jovens garotas, que eram ensinadas a atuar em situações difíceis e com as intempéries do clima.

Figura 6 Meninas carregam uma camarada na nuca (HÉBERT, 1941, pl.146) 

Figura 7 Jovens garotas se exercitam desferindo e aparando um soco (HÉBERT, 1941, pl. 57) 

Na proposta hebertista eram destinados a elas espaços semelhantes e treinamentos idênticos aos masculinos. Ademais, a obra de Hébert levantou questões como a “felicidade moral” da mulher que, ao oferecer à suas alunas experiências corporais, as colocava em pé de igualdade com os homens, e assim teriam mais elementos para superar os preconceitos e as limitações sociais a elas impostas. Indicava-se exatamente o mesmo treinamento para ambos os sexos, as qualidades físicas e morais e o desenvolvimento orgânico poderiam ser atingidos tanto por homens quando por mulheres. Os princípios de robustecimento por meio dos banhos, do contato da pele desnuda com o sol e com o frio, e a execução metódica dos exercícios utilitários formavam a base do Método Natural. Sua aplicabilidade era universal, ou seja, as mulheres estavam incluídas nesse treinamento.

“MUSCLE ET BEAUTÉ PLASTIQUE”: A SAÚDE, A BELEZA E A FORÇA

A saúde, a beleza e a força são os princípios norteadores do livro “L’éducation physique féminine: Muscle et beauté plastique”, no qual Hébert defendeu a tese de que a saúde, a beleza e a força poderiam ser adquiridas e conservadas por meio da prática de exercícios físicos. Como modelos de uma “bela mulher” ele se inspirou nas trabalhadoras manuais da “Companha Geral Transatlântica do Forte da França”, como a carvoeira, as mulheres do circo de Ernest Molier e aquelas da estatuária clássica.

Figura 8 Tipo de carvoeira da Campanha Transatlântica Geral (PHILIPPE-MEDEN, 2017, p. 51) 

Em sua argumentação, o autor denunciou o fato de que as mulheres francesas da época eram constantemente vítimas de prejulgamentos e seriam, assim, escravas das convenções sociais, que lhes causavam deformações e atrofias corporais. O desenvolvimento físico seria também comprometido, pois, por não estarem habituadas aos exercícios, suas formas se tornariam imperfeitas. Vigarello e Holt (2009)detalham o panorama histórico que contextualiza os argumentos de Hébert sobre as mulheres da época:

A medicina vitoriana da época liberou o corpo masculino, mas espartilhou o das mulheres da classe média. Ela sublinhava as diferenças entre os sexos e considerava que os exercícios que exigiam vigor apresentavam perigo para as mulheres. A mulher burguesa era apresentada como fraca e hipersensível. Considerava-se que os esportes, que exigiam força física e a agressividade eram impróprios para a nova classe rica que era representada pelas donas-de-casa suficientemente ricas e disponíveis para fazer exercícios. A maioria das outras estavam demasiado ocupadas em cuidar da casa, educar os filhos e/ou trabalhar num emprego para ainda ter energia para se dedicar ao esporte. (VIGARELLO; HOLT, 2009, p. 453)

Hébert assegurava, contudo, que exista uma a nova geração de mulheres que estaria ávida para mudar essa realidade e aspiravam por liberdade, e que seria capaz de alcançar sua emancipação física e moral por meio da prática sistemática dos exercícios físicos utilitários. A prática física faria com que certos males inerentes ao sexo feminino desaparecessem e promoveria uma completa transformação na mentalidade das mulheres, ao dar-lhes consciência de sua força e de seu valor. Acerca desse novo grupo, Vigarello e Holt (2009) trazem elementos que complementam a compreensão sobre quem seriam elas

Mudanças significativas apareceram, todavia no final do século XIX. As mulheres da classe média, em particular as professoras, rejeitaram cada vez mais firmemente a noção de um corpo feminino fraco e passivo (HOLT, 1991). As diretoras das escolas destinadas às moças, escolas que tinham sido criadas durante a segunda metade do século, começaram a elaborar sua própria versão dos esportes escolares, adaptando certas atividades masculinas às mulheres. [...] As mulheres das classes populares estavam, entretanto, excluídas, pelo casamento precoce e pelas maternidades, dessas atividades, que elas não tiveram ocasião de praticar na escola. (VIGARELLO; HOLT, 2009, p.453-454)

Nos dois trechos acima, Vigarello e Holt defendem a ideia de que às mulheres ricas o exercício seria inapropriado, e para aquelas de classe média ou pobres não haveria tempo suficiente para dedicar-se à cultura física. Para todas elas Hébert escreveu, de 1910 a 1912, na Revue L’Éducation Physique, uma série de artigos intitulados “Conselhos às damas”, nos quais questionava o porquê de as mulheres não serem incluídas no movimento a favor do exercício físico, e apontava que, além dos preconceitos e convenções sociais, o trabalho nos escritórios, ou seus afazeres domésticos as faziam negligenciar a cultura do corpo. É digna de nota a percepção vanguardista do autor sobre a educação feminina, pois as ginásticas rítmicas no início do século XX enfatizavam a graça das linhas, mas não a força muscular ou a resistência do corpo feminino (BOHOUN; QUIN, 2014). Os criadores de métodos femininos, de maneira geral, viam a mulher como um objeto de luxo ou um ornamento de salão, e sustentavam a ideia de que ela não precisava cultivar seus músculos. Hébert foi elogiado pela crítica feminista da época (PHILIPPE-MEDEN, 2017), por assegurar a elas um método integral que visava seu desenvolvimento completo em termos de força, resistência, agilidade e beleza.

Hébert, então, em “Muscle et beauté plastique” constrói sua argumentação destacando a necessidade de a mulher apropriar-se novamente de sua plenitude física por meio de exercícios regrados, graduados e dosados. O trabalho seria, sem dúvida, aquele realizado à imagem da vida natural. Ele repete, aqui, a fórmula de seu Método Natural, apresentada em outros livros (1909; 1911), reafirmando que os exercícios executados racional e metodicamente, com inspiração na vida e nas ações dos seres “primitivos”, levariam à força e à produção de uma quantidade de trabalho proporcional à idade, à constituição física e ao grau de treinamento do indivíduo (HÉBERT, 1919, p. 40).

Figura 9 Estudo comparado de uma beleza antiga e de uma beleza primitiva moderna. Vênus Vitoriosa (Museu Nacional, Nápoles). Jovem negra africana, cujo magnífico desenvolvimento do torso pode ser comparado com a Vênus ao lado (HÉBERT, 1919, p. 8). 

O livro conduz a uma questão cara ao autor: a beleza feminina. A mulher deveria vencer os prejulgamentos da sociedade, e dos homens, em particular, para alcançar a beleza plena. A superação não se limitaria aos cuidados com o rosto, mas significaria um desabrochar de todo o corpo, refletido na harmonia das proporções, na finura e na firmeza das formas, assim como no brilho do olhar (HÉBERT, 1919, p. 2). A observação da estatuária antiga, grega e romana, o ajudou a exemplificar a “personificação do belo”. O modelo muscular dos membros inferiores e superiores e do abdômen refletem um desenvolvimento atlético admirável e, consequentemente, elucidam a beleza.

A exemplo, a Vênus de Milo, publicada na “Revista Educação Physica”, representava esse ideário, um modelo de beleza clássica para o corpo feminino.9 Com medidas perfeitas e músculos abdominais completamente desenvolvidos, a Vênus distanciava-se do corpo das mulheres que usavam espartilho e que não praticavam nenhum tipo de exercício.

Figura 10 Vênus de Milo (Museu do Louvre, Paris) (REVISTA EDUCAÇÃO PHYSICA 1938, n.14, p.15). 

Entres os anos de 1910 e 1920 - período em que o livro de Hébert foram escrito - em consonância com o ideário de beleza do autor e em defesa das “mulheres helênicas”, médicos e higienistas brasileiros de inspiração eugênica, como o caso de Renato Kehl10 criticavam

[...] o gosto por corpos frágeis, pelas mulheres-bonecas avessas à prática do esporte e da educação física. Muitas mulheres, mesmo sendo brancas, eram vistas como artifícios em forma de gente, seres franzinos e fracos. Kehl não escondia o desejo de ver senhoritas “helênicas” nas praias brasileiras, que segundo ele, eram mulheres com seios e pernas firmes, pele lisa, sem marcas de doenças. Escritores e médicos afinados com essa maneira de pensar criticavam os corpos dos brasileiros e brasileiras de maneira dura “a recente moda das saias curtas revelou o que muita gente ignorava, isto é a que ponto chegou a deformação dos pés entre as mulheres. [...] Ao ler os textos de eugenistas e higienistas inspirados nesses pressupostos, percebe-se o quanto a “raça” dependia da estética. (SANT’ANNA, 2014, p. 63-64)

Nesse sentido, tanto no Brasil com Kehl como na França com Hébert, a moda e as consequências nefastas do espartilho para a beleza feminina foram alvo de críticas contundentes. O autor francês afirmou que medidas corporais muito pequenas e o uso dessas peças acarretariam desvios de coluna e um abdômen caído e/ou deformado; como consequência da falta de exercícios físicos, a musculatura ficaria frágil, as articulações rígidas e os movimentos desordenados e sem graça; e o uso do salto alto privaria os pés de seus movimentos naturais e os deformaria. Considerando o posicionamento firme sobre o assunto, Hébert se dedicou à criação de um padrão de “corpo belo” por meio de dois elementos diferentes, porém complementares: a proporção de diversas partes do corpo e suas formas:

A beleza das proporções se deve ao tamanho e à conformação da ossatura que se reporta, assim, às partes do esqueleto, e a beleza das formas ou a beleza muscular, está relacionada ao desenvolvimento muscular. Esses dois elementos de beleza independentes, raramente existem em um mesmo indivíduo.11 (HÉBERT, 1919, p. 78, grifos do autor)

Hébert pensava na beleza de um corpo feminino que, em decorrência da prática de exercícios, passava por transformações expressivas em seu século. Afirmava que a perfeição da beleza muscular, das proporções e das formas se encontrava na harmonia de dez medidas, por exemplo: altura; altura comparada entre tronco e membros; larguras do busto, do quadril e do pescoço; envergadura do tronco, etc. Estas fórmulas estavam intrinsecamente relacionadas ao seu modelo de educação do corpo e a seus exercícios físicos, além de servirem para mensurar o desenvolvimento muscular da mulher.

Em “Muscle et beauté plastique”, mais que um padrão de beleza, Hébert propôs um novo olhar sobre as mulheres e seu corpo que, desde o século XIX, passava por mudanças importantes. A beleza física da mulher francesa começava a se modificar, pois ela passara a se dedicar a novas práticas como “o tiro, a esgrima, as caminhadas no campo, o nado na escola de natação, a leitura assídua dos jornais. Ela pretende agir além do círculo geralmente reservado ao feminino, esperando de seus exercícios ‘um passatempo favorável à graça de movimentos e à beleza’ ” (VIGARELLO, 2006, p. 113).

Hébert previu um corpo forte e desenvolvido para as mulheres, que experimentavam uma nova realidade, na qual, por meio da prática de exercícios físicos, a graça e o vigor se associavam à delicadeza e à força. Na hierarquia estabelecida para os exercícios para mulheres, ele propôs o desenvolvimento completo de seus corpos, indo desde o peitoral, ombros, braços, passando pelo abdômen e finalizando nos membros inferiores. A elas eram indicados, por exemplo, exercícios de suspensão para os membros superiores, flexões laterais do tronco para o abdômen, elevação das pontas dos pés para os membros inferiores, e também a prática dos exercícios naturais, como a corrida, a caminhada e os saltos (HÉBERT, 1919).

Ademais, Hébert provocou o mundo da moda e a maneira como as meninas eram educadas, naquela sociedade, para ficarem “protegidas” e “conservadas” dentro de suas casas e de seus escritórios. Sua percepção entrava em consonância com novas narrativas que pensavam a mulher do “lado de fora” e liberta de seus espartilhos. Vigarello (2006) afirma que, já na década de 1930, evocava-se o sentimento da “independência que embeleza” e a necessidade da mulher de ocupar os espaços abertos; aponta, ainda, a prática do campismo, que era indicada como a “principal receita para a juventude e beleza” (VIGARELLO, 2006, p. 148). Hébert, mesmo tomando atitudes e ampliando ideias bastante avançadas para a época, mantinha outras próprias ao seu tempo em que a mulher ainda era majoritariamente percebida como mãe e cuidadora, como central para o avanço da nação francesa.

A seguir, será possível entender mais a fundo como essas ideias chegaram ao Brasil e repercutiram na produção de professores de Educação Física da década de 1930.

GEORGES HÉBERT E AS PRIMEIRAS PUBLICAÇÕES SOBRE AS MULHERES NO BRASIL: OS MÉTODOS DE GINÁSTICA E OS PERIÓDICOS NACIONAIS.

A educação física feminina é o primeiro capítulo de toda a regeneração física. É o alicerce sobre o qual se assenta o revigoramento físico de uma raça. Desta nada se pode esperar, quando a mulher não é preparada fisicamente para o cumprimento de sua elevada missão ― a maternidade. Entretanto, tendo a mulher retirado dos exercícios físicos os melhores proventos, encontrar-se-á, na ocasião da procriação, em ótimas condições fisiológicas, indispensáveis para a obtenção de filhos sadios e fortes. Por isso a educação física da mulher se impõe em todos os países, como coadjuvante poderoso da eugenia, não devendo ser relegada a um plano inferior, ao contrário, deverá ser bem cuidada, e mantida pelo menos no mesmo nível em que a do homem. (REVISTA EDUCAÇÃO FÍSICA EX.,1937, n. 37. p. 35)

A “guardiã do lar” deveria cumprir o papel de mãe de família, esposa e dona de casa, e seria responsável pela preservação da infância, vista como futura riqueza das nações. À “vigilante do lar” caberia regular o cotidiano da casa, atentar-se aos horários, prevenir doenças e desvios, ou seja, atuar como uma aliada dos médicos, levando os preceitos higiênicos para o interior dos lares. Ela precisaria transmitir ao filho regras morais e hábitos sadios, sendo diretamente culpabilizada sempre que a criança apresentasse algum problema de saúde. Os médicos, ao estenderem seus conselhos de higiene, saúde e limpeza à vida privada das famílias, indicavam “às esposas, para que mantivessem a casa sempre muito limpa e para que impedissem os maridos, trabalhadores braçais que se esgotavam em pesadas atividades físicas, de ingerirem bebidas alcoólicas, de fumarem demasiadamente, de frequentarem botequins e bordéis, etc.” (RAGO, 2014). Nesse sentido, nas primeiras décadas do século XX, a educação do corpo feminino passou a ser uma preocupação nacional, pois deveria estar preparado para essas tarefas que lhe cabiam.

Um novo modelo normativo de feminilidade alcançava a década de 1930, e estabelecia a “esposa-dona-de-casa-mãe-de-família”, devotada ao lar, destinada à carreia doméstica e ocupada com o marido e a criação dos filhos. De natureza frágil, sua feminilidade era amparada por um corpo débil (RAGO, 2014). Os exercícios recomendados a elas deveriam fortalecer quadris e membros inferiores, para que pudesse cumprir adequadamente sua função de procriação. A graça, a beleza e a harmonia do corpo eram recomendadas para melhorar sua lânguida condição física. O excerto que inicia esta sessão foi publicado na “Revista Educação Física - Exército” em 1937, ou seja, em uma década que, conforme Soares,

[...] apresenta-se fortemente marcada por um incentivo às práticas corporais, por políticas do Estado que estimulam e incrementam uma cultura do corpo, do vigor físico, das aparências atléticas. É também nessa década que surgem, no Brasil, algumas publicações específicas do campo da educação física e esporte de maneira mais sistemática, contribuindo na divulgação e afirmação de uma cultura corporal em diferentes setores da sociedade e em diferentes classes sociais (SOARES, 2011, p. 4)

É nessa perspectiva de incentivo nacional às práticas físicas que autores da Educação Física propuseram métodos específicos para as mulheres e distinguiram suas capacidades físicas e seus objetivos de treinamento. Mesmo que Hébert não identificasse diferenças entre as condições físicas de homens e mulheres, e não fizesse distinção entre os treinamentos, suas ideias repercutiram na Educação Física feminina brasileira da década de 1930 com tais distinções.

Na bibliografia produzida no Brasil, identificamos Orlando Rangel Sobrinho e Lotte Kretzschmar como os primeiros autores da Educação Física a citar Hébert quando tratam sobre os temas da cultura física, beleza e proporção das formas femininas. Ambos trilharam caminhos semelhantes e sistematizaram no país programas de exercícios físicos específicos para mulheres na década de 1930. Rangel Sobrinho publicou o livro “Educação physica feminina” (1930), em que traduziu trechos dos livros de Hébert, e Kretzschmar foi autora de a “Cultura physica feminina” (1932), em que reproduziu as fotografias utilizadas por Hébert em sua obra “Muscle et beauté plastique” (1919). Nota-se, no entanto, que por vezes a referência a Hébert é simplesmente omitida pelos autores brasileiros. O livro de Hébert em questão foi sua primeira publicação dedicada especificamente às meninas e às jovens mães de seu país, ganhando, assim, destaque no conjunto de sua obra. É, possivelmente, um dos primeiros a trazer de forma acabada uma crítica à educação do corpo das jovens francesas do início do século XX, na Educação Física. Em “Muscle et beauté plastique”, Hébert não propôs um método específico para as mulheres, pois compreendia que o Método Natural era universal e, portanto, os princípios que o acompanhavam, como a educação moral e viril alcançada por meio dos exercícios físicos e dos esportes realizados junto à natureza, a importância da destreza, da força, do sangue-frio e do caráter também se aplicavam às mulheres.

CULTURA PHYSICA: A MULHER EM DESTAQUE E OS MÉTODOS BRASILEIROS

O primeiro livro brasileiro que será aqui tratado é o “Educação physica feminina”, de Rangel Sobrinho (1930), que, além de sua formação militar, cursou também a Faculdade de Direito e a Escola Polytechnica no Rio de Janeiro. A obra foi fruto do trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Militar de Educação Physica (RJ). O autor propôs nesse trabalho um método de Educação Física para a “mulher moderna”; levantou questões importantes para a época, como o melhoramento da raça, que só seria atingido por meio da formação de corpos fortes a partir do método francês. Por ter frequentado uma escola militar e seguido carreira no Exército, apresentou os avanços no campo da Educação Física moderna por meio de autores francófonos, que possuíam forte influência militar e inspiravam as propostas brasileiras. A introdução desse método no país foi explicada por Soares:

No Brasil, a ginástica francesa foi oficialmente implantada em 12 de abril de 1921, através do decreto n. 14.784. Sua chegada, porém, deu-se no ano de 1907, com a Missão Militar Francesa que veio ao país com a finalidade de ministrar instrução militar às Forças Públicas do Estado de São Paulo. (SOARES, 2012, p. 55)

As missões francesas se estenderam também para o Rio de Janeiro, como aquela de 1928 destinada à Escola Militar do Realengo (CASTRO, 1997). Sob a influência do método de ginástica de bases fisiológicas, Rangel Sobrinho baseou sua proposta em autores como Francisco Amoros (1770-1848), Georges Demenÿ (1850-1917), Etienne Jules-Marey (1830-1904) e, também, Georges Hébert. Conduziu a temática feminina, especialmente relativa aos temas de higiene, construção do caráter, beleza e ao vigor físico.

Rangel Sobrinho, assim como Hébert, trouxe um panorama histórico da Educação Física tomando primordialmente a Grécia clássica como modelo de educação e cultura. A mulher era, para este autor brasileiro, um elemento importante que desfrutaria de um protagonismo na sociedade, e por isso ganhara destaque em seu livro. Porém, seu papel se restringiria às condições feminina e maternal que, de acordo com ele, propiciariam a conservação da espécie por meio da reprodução. Goellner (2003, p. 24) afirma que, nesse período, a mulher era criticada pelo seu excesso de roupas, sua indolência e seu confinamento ao lar. Pretendia-se forjar uma mulher moderna capaz de enfrentar os novos tempos, ágil, responsável e companheira; entretanto, em torno dessa ideia de “emancipação”, ela não poderia esquecer-se de preservar suas virtudes, sua graça e sua feminilidade, além dos seus deveres para com o lar e a criação dos filhos. A respeito disso, Rangel Sobrinho declarou que:

A educação feminina deve moldar-se no papel social e sexual da mulher, tendo em vista o seu modo de viver e principalmente a sua sublime função de mãe. [...] Além da educação necessaria ao desenvolvimento physico da mulher, é imprescindível a sua orientação no sentido de cuidar do filho. (RANGEL SOBRINHO, 1930, p. 34-35, grifos meus)

Esta passagem evidencia a ênfase atribuída às funções maternais das mulheres, que deveriam dedicar-se à procriação e ao fornecimento dos devidos cuidados educacionais e higiênicos aos “filhos da pátria”. A partir dessa perspectiva, tendo o método francês como alicerce de toda sua proposta, o resultado da Educação Física feminina seria inspirado nas orientações dadas por Hébert em “Muscle et beauté plastique”. Nesse conjunto de referências, a mulher, para Rangel Sobrinho - reafirmando as considerações de Goellner (2003) - deveria ser fruto do equilíbrio funcional, da beleza e da proporção das formas; a saúde, a inteligência, a adaptação física e intelectual ao meio e o desenvolvimento harmônico dos músculos proporcionariam a elas beleza e graça.

No momento em que a temática feminina se sobressaía, foi possível identificar as referências mais literais a Hébert, tido como uma autoridade sobre a Educação Física científica. A propósito dele, Rangel Sobrinho realizou uma breve introdução sobre seus feitos na Marinha Francesa, especialmente no período pós-Primeira Guerra, e sobre suas viagens pela África e América. De acordo com o ele, Hébert teria sido marcante para os métodos ginásticos na França. Em sua obra, o brasileiro citou seis livros, precisamente: “Guide Pratique d’Education Physique” (1909), “Le code de la force” (1911), “Leçon-type de Natation”(1913), “La palestra ― camp d’etrainement pour jeunes filles” (1922) e “Le sport contre l’Educaction Physique” (1925). No entanto, constata-se uma predileção pelo livro “Muscle et beauté plastique” e pelos conteúdos referentes à beleza, à saúde e à força. É contundente a influência exercida por Hébert na obra de Rangel Sobrinho, ainda que se limitasse a reconhecer apenas os fundamentos e conteúdos convenientes aos princípios de nossa sociedade à sua época.

O autor defendeu a mesma tese de Hébert, a de que “o desenvolvimento physico integral da mulher é adquirido da mesma maneira que do homem” (RANGEL SOBRINHO, 1930, p. 60), pois Hébert acreditava que ambos os sexos tinham as mesmas capacidades físicas e condições para realizar o mesmo treinamento e, assim, atingir um desenvolvimento muscular idêntico, como na imagem em que compara a Estátua do Imperador Augusto a uma de suas alunas (cf. Fig. 2); entretanto, ignorou em seu livro, por exemplo, a proposta de paridade com o treinamento dos homens. Parafraseando Hébert, ele previu da mesma forma uma “emancipação” feminina, contudo, sem perder de vista os deveres maternais com os quais elas deveriam se preocupar e que eram próprios ao seu tempo.

No Brasil, todavia, a ideia de uma “emancipação” das mulheres não fora uma unanimidade. Sant’Anna, ao analisar as diferenças entre os gêneros quanto à prática esportiva nas primeiras décadas do século XX, afirma que

[...] não foi fácil nem rápido aceitar a imagem de mulheres praticando esporte. Mesmo quando a propaganda mostrava desenhos e fotografias de jovens em plena atividade, havia a tendência em associar suas posturas ao balé clássico. Também permanecia uma divisão clara entre gêneros e modalidades esportivas. Por isso, a corrida, a natação e os saltos pertenciam muito mais à esfera masculina. Preferia-se vincular o suor e o esforço corporal aos homens. E, mesmo para eles, a propaganda recorria à valorização da força de levantar pesos, muito mais do que a qualidade de flexibilidade corporal. Como se nenhum traço de leveza fosse bem-vindo em sua robustez (SANT’ANNA, 2014, p. 39).

Em consonância com mentalidade da elite nacional apresentada pela autora, os métodos ginásticos brasileiros de Rangel Sobrinho e Kretzschmar resguardavam as mulheres do que consideravam um “esforço excessivo”, como também da força, do impacto e tudo que mais poderia afetar sua fragilidade e pôr em risco sua graciosidade natural.

Essa mesma elite, que tinha acesso às práticas de ginástica em Institutos, ou a prática esportiva em Clubes, reforçava o contraponto entre a fragilidade feminina e força masculina. Elas deveriam primar pela “robustez do espírito e a graça corporal”, passiva, e obediente, pois a mulher deveria ser, acima de tudo, virtuosa (SANT’ANNA, 2014).

Outro assunto particularmente relevante foi a proporcionali-dade das formas femininas. O tema já mereceria algum destaque, na década de 1930, em revistas e tratados de beleza franceses. Naquele momento - com os avanços tecnológicos da época - as mulheres começavam a se preocupar com índices e números que definiriam se elas seriam “belas ou feias”. Passaram a se medir e a se pesar mais frequentemente, o que acarretou na evolução, por exemplo, de um instrumento até então pouco popular: a balança (VIGARELLO, 2006, p. 151).

Em conformidade com essa tendência, Rangel Sobrinho estabeleceu sua própria “tabela de medidas”, que, em números, traria à tona o conceito de um “corpo belo”. Ele definiu um padrão de proporções que o corpo da mulher deveria atender para ser considerado bonito. Publicou em seu livro duas tabelas de medidas inspiradas em Hébert, particularmente do capítulo três de “Muscle et beauté plastique”:

Figura 11 Indicação de proporções e medidas principais para servir ao estudo dos capítulos II e IV (HÉBERT, 1919, p.77). 

Figura 12 Verifique, leitora, se a sua beleza é moderna (REVISTA EDUCAÇÃO PHYSICA, 1942, n. 67, p. 33). 

Esses estudos das proporções e formas do corpo feminino tornaram-se corriqueiros nas revistas de Educação Física. A tabela de Rangel Sobrinho foi publicada em 1942, mesmo ano em que foi vinculada a nota “Verifique, leitora, se a sua beleza é moderna”, ambas na “Revista Educação Physica” (1942). Ou seja, o estudo das medidas estava presente nos periódicos que propunham a vulgarização do conhecimento científico, divulgando uma combinação de números que serviria como parâmetro para qualificar a beleza da mulher. Rangel Sobrinho afirmou que Hébert elaborou seus padrões de medidas por meio de seus estudos sobre a estatuaria antiga.

Rangel Sobrinho concluiu, após examinar as diversas fotografias presentes em “Muscle et beauté plastique”, a “influência nefasta da civilisação sobre as formas da mulher” e que esta mesma cultura moderna promoveu a “degenerescencia physica e systematica da mulher” (RANGEL SOBRINHO, 1930, p. 33-34). Enumerando as causas principais das más posturas advindas com a modernidade, apresentou as três primordiais: inicialmente, uma atrofia muscular generalizada; a preguiça e a apatia ao executar os movimentos; e, por fim, os exercícios provenientes de uma ginástica mal executada, que ocasionavam deformações no corpo da mulher. Recomendou, através dos fundamentos proclamados por Hébert, a execução de exercícios naturais e úteis ao ar livre. Assim como seu predecessor, condenou o uso do espartilho e do salto alto por entender que a mulher deveria vestir-se apenas com o “collete muscular” (RANGEL SOBRINHO, 1930, p.71), condizente com a beleza física natural proporcionada pelos exercícios físicos.

Associado à publicação de Rangel Sobrinho, encontramos o livro “Cultura physica feminina”, escrito por Lotte Kretzschmar, em 1932. Lançados com apenas dois anos de diferença, a obra da autora se assemelha ao trabalho de Rangel Sobrinho, pois, como já mencionado, ambos propuseram um método de ginástica feminina baseado na obra de Hébert. Os dois trataram dos exercícios físicos, da beleza e das formas do corpo feminino. Por ter sido publicado posteriormente, o livro de Kretzschmar trouxe citações do livro de Rangel Sobrinho, além de enfatizar princípios análogos aos dele e aos de Hébert. Como exemplo, a importância da cultura física; a relação entre beleza e as proporções das partes do corpo; o “collete muscular natural”, que ofereceria às moças uma atitude correta e dócil; a necessidade de prepará-las fisicamente, para que pudessem ser as mães que alicerçariam as gerações futuras.

As abordagens com relação a esses princípios, quando analisadas com mais rigor, tornam-se bastante distintas. No livro de Kretzschmar, as questões políticas, por exemplo, se limitam ao prefácio escrito por Augusto de Lima.12 Em seu texto, o político exaltou o papel da mãe como “cuidadora” da família. Ademais, levantou brevemente questões referentes ao fortalecimento e à resistência da raça brasileira, apontando-as como o maior e o mais atual problema do Estado brasileiro:

A insufficiencia desses cuidados, que só civilisação propicía, faz dos selvagens sêres humanos imperfeitos. Não ha formosura na selva primitiva. Se não falta vigor physico ao indigena, minguam-lhe por completo a dextreza esthetica, a agilidade e a elegancia, que distinguem o homem de aprimorada educação corporal. (LIMA, 1932, p. v)

Tem-se aqui uma amostra importante da resistência que a teoria de Hébert enfrentaria no Brasil do início do século XX. Um político de carreira expressiva que apontava suas percepções acerca das condições físicas dos “selvagens”, nos oferece indícios para compreender a rejeição no Brasil da imagem do “selvagem”, que fora amplamente difundia nos estudos de Hébert. Logo, a citação anterior se opõe de forma veemente ao pensamento de autor, que tanto exaltou a forma física e as habilidades dos “nativos” das colônias francesas, em especial a já apresentada, Carvoeira da Campanha Transatlântica (cf. Fig.1).

Kretzschmar ao tratar do tema cultura física feminina trabalhou em três linhas temáticas, todas elas apoiadas no método de ginástica francês. A primeira vertente era histórica e moral, a segunda anatomo-fisiológica, e a terceira versava sobre a prescrição de exercícios. As duas primeiras são as que mais nos interessam, pois nelas a autora abordou de forma exaustiva a estatuária grega, por meio das vinte e nove imagens retiradas na íntegra do livro “Muscle et beauté plastique”, que incluem também as fotografias das alunas de Hébert.

Figura 13 Formas de abdômen (KRETZSCHMAR, 1932, p.88). 

Figura 14 Estudo das formas do abdômen. Forma normal da linha do ventre, vista de perfil, de dois sujeitos (alunas do autor) completamente desenvolvidos (HÉBERT, 1919, pl. 48). 

A autora só ofereceu os créditos a Hébert em nove das vinte e nove fotografias. Essas imagens foram amplamente utilizadas a fim de ilustrar as perfeições e as imperfeições das formas, assim como as suas proporções e o desenvolvimento muscular ideal; elucidava os tipos físicos existentes e apresentavam as deformidades do corpo (coluna, membros, abdômen, etc.) causadas pelo uso do espartilho entre as mulheres da época.

Kretzschmar e Rangel Sobrinho exaltaram as sólidas bases científicas do método francês de ginástica quando propuseram seus métodos para a cultura física feminina. Os trabalhos de Demenÿ e Marey foram relevantes, mas aquele que mais se destacou em ambos os casos analisados foi Hébert. Percebeu-se que este autor foi mais comentado no Brasil em virtude da sua publicação “Muscle et beauté plastique”. A despeito desta forte influência, foram encontrados frágeis indícios sobre a necessidade do contato com a natureza, como proposto por ele. Em contrapartida, a temática da beleza, da saúde e das formas femininas foram as que mais se destacaram nesse cenário. Todavia, os autores ignoravam alguns princípios hebertistas para o treinamento das mulheres, como a força física, a destreza, a resistência e o desenvolvimento muscular, apropriando-se daqueles que mais lhes interessavam, como o cuidado com a educação do corpo da mulher a fim de prepará-la para a maternidade.

Pôde-se ainda observar a repercussão do livro de Hébert (1919), por meio de duas publicações em jornais de grande circulação. Assim, confirma-se a hipótese de que o livro “Muscle et beauté plastique” teria sido uma de suas obras mais noticiadas e, possivelmente, mais lidas no Brasil. Um dos artigos selecionados é assinado por Plácido Barbosa, no jornal “O Imparcial”,13 de 1920 e aborda o tema “belleza physica da mulher”, fazendo referência ao então recém-lançado livro “Muscle et beauté plastique”:

Figura 15 Trechos da nota “Epilogos: Belleza physica da mulher” (O IMPARCIAL, 22 de junho de 1920, p.2). 

Essa matéria é relevante, pois recomenda o livro de Hébert como uma leitura útil, que deveria ser apreciada e praticada pelas mulheres brasileiras. O jornal detalha cada um dos princípios enaltecidos por Hébert - saúde, beleza e força - e incentiva a mulher a buscar a harmonia das formas, a delicadeza, assim como o bom funcionamento dos órgãos, a resistência e a agilidade por meio da prática da “cultura physica”. Ao final, Plácido Barbosa questiona “Por que a nós brazileiros parece que nos apraz a mulher doente?” (O IMPARCIAL, 1920), crítica ao culto à palidez poética e à graça mórbida das “melindrosas”. Desse modo, levantava a já conhecida bandeira da regeneração da raça ao garantir que “[...] não se faz uma raça forte com taes mães e a nossa raça precisa ser refeita”.

Em contrapartida a esse artigo que exaltava o livro de Hébert, foi encontrada uma matéria da revista “Careta”14 que defendia a elegância feminina e apontava o século XX como o “século das mulheres magras”, finas e longilíneas. No entanto, não negava por completo alguns dos problemas orgânicos que a moda poderia acarretar às mulheres, como os desvios de coluna e o raquitismo. Nesse momento, iniciava-se uma transformação na moda que ia ao encontro da perspectiva hebertista. De acordo com Soares (2011, p. 30), a partir de 1910 as saias ficaram mais curtas, em 1920 surgiram as calças pantalonas de Coco Chanel, e os tecidos ficaram mais leves; também caíram em desuso as anáguas e os espartilhos, surgindo as transparências e as cinturas ficaram menos marcadas.

Hébert, ainda segundo a matéria brasileira, criticava o esporte moderno e sua especialização que, igualmente, acarretaria prejuízos ao equilíbrio e à beleza plástica da mulher; condenava fortemente as permanências da moda, como os saltos altos e os espartilhos, que interferiam negativamente na manutenção da beleza física feminina.

Figura 16 Trechos da nota “Um sorriso para todas” (CARETA, 25 de agosto de 1928, p.26). 

Por meio desses dois últimos exemplos, pode-se constatar que o modelo de beleza daquele tempo ainda era o de uma mulher melindrosa, magra, de aspecto mórbido e frágil que, defendido pela moda internacional, causaria o deleite dos homens brasileiros. A moda, como um instrumento de distinção de classes e individualidade nas sociedades industriais (SOARES, 2011), estava inspirada em grandes revistas internacionais que propagavam um modelo de silhueta e um perfil de feminilidade. Entretanto, a obra de Hébert sempre aparecia como contraponto a esse padrão. Os ideais de saúde, beleza e força que levariam à almejada emancipação feminina influenciaram a Educação Física em nosso país de forma objetiva e permearam os métodos dedicados exclusivamente às mulheres até a década de 1930.

No Brasil, com efeito, estas ideias de Hébert apareceram sempre vinculadas ao papel ideal de mulher na regeneração e no fortalecimento da raça, assim como à necessidade de desenvolver uma cultura física feminina. Já no cenário francês, Hébert demonstrou sua insatisfação com o modo como as jovens estavam sendo educadas. Elas tinham cerceados os direitos de participar de jogos ativos e praticar qualquer tipo de exercício, ou até mesmo esportes, em nome da moda e da etiqueta. É, pois, indubitável o interesse de Hébert e sua preocupação com as mulheres no início do século XX; ao introduzir oficialmente as mulheres francesas ao Método Natural de ginástica, elas alcançariam a resistência pelo confronto com os elementos naturais (sol, frio, etc.) e as qualidades de ação ou princípios viris ― a energia, a vontade, a coragem. Conforme analisa Vigarello,

O corpo feminino faz parte pela primeira vez da manifestação ‘fisiológica’ da ‘atividade’: músculo visível, ‘elástico’, ‘exercitado’, propriedade até então exclusiva dos homens. A imagem retorna insistente, nos tratados de beleza dos anos de 1930: ‘A silhueta esbelta e esportiva, os membros finos e musculosos sem gordura parasitária e o porte enérgico e aberto: aí está hoje o ideal da beleza feminina’. (VIGARELLO, 2006, p.150, grifo meu)

No contexto nacional dos anos de 1930, as matérias de jornais, livros e as revistas promoveram discussões e críticas sobre corpo, beleza, moda e raça, como também originaram programas de exercícios físicos destinado às brasileiras, que naquele momento, estariam habilitadas a assumirem suas “silhuetas esbeltas” e seu porte esportivo.

CONCLUSÃO

A Educação Física feminina é tema importante para compreensão da recepção da obra de Hébert no Brasil. Os ideais de saúde, beleza e força previstos no Método Natural caracterizam uma mudança na representação da silhueta feminina e na inauguração de uma nova preocupação com a conservação da forma física das mulheres. A modernidade trouxe novos sentidos e novas perspectivas para o corpo feminino e seu embelezamento, e, consequentemente surgiam as condenações pertinentes ao assunto, tais como:

[...] a crítica do uso das cintas, pois o constrangimento corporal tinha “desvantagens de sufocar os poros” e “modificar a forma das nádegas”. Era preciso depositar maior confiança na capacidade de cada indivíduo erguer-se diante de sua suposta preguiça. A educação física não tardaria a apoiar essa pretensão. [...] crítica às roupas pesadas e volumosas. Diligência e agilidade exigiam leveza da indumentária. Modernidade física não rimava mais com trajes que mantinham uma distância cheia de panos entre a pele e o mundo externo. A moda dos anos 1920 pressupunha a pele colada aos tecidos que deslizavam friamente sobre as silhuetas, sem compressões nem vagar. Moda feita de superfícies lisas, avessa aos obstáculos e constrangimentos (SANT’ANNA, 2014, p. 54-55)

A beleza da mulher estava em constante atenção e, para a sociedade da época, tornava-se difícil admitir que seu corpo a ela pertencia, o que fez com que, ao longo da história, as liberdades femininas fossem difíceis aquisições (SANT’ANNA, 2014). Nesse sentido, inserem-se as discussões sobre a vigilância do peso e o controle de suas medidas. Os defeitos físicos causados pelos excessos ou pela falta de exercícios constituíam temas que também compunham esse panorama. Conforme analisou Vigarello,

o desenho anatômico converte o tempo em figura, detalhando os momentos decisivos da queda: não mais somente as diferenças graduais entre as espécies animais, mas as diferenças graduais entre o aumento de peso das carnes, a queda insensível das peles, o desmoronamento insensível dos traços. A linha caída suscita, em outras palavras, o investimento numérico. As curvas pesadas, até aqui negligenciadas pela ciência, tona-se objeto de suas prospecções. (VIGARELLO, 2011, p. 219)

Em Georges Hébert, esses excessos foram detalhadamente analisados e condenados nos desenhos anatômicos que ilustravam seu livro. As deformações do abdômen, das medidas do corpo, da cintura, dos seios, das panturrilhas, causados pelo uso de saltos ou espartilhos ou pela insuficiência de exercícios revelavam a nova vigilância apontada por Vigarello: “Os tipos aumentados de volume do ventre, por exemplo: o ‘ventre inflado em toda a volta’, o ‘ventre em forma de balão e arredondado em baixo’, o ‘ventre pendente ou caído’. As áreas de ‘depósito gorduroso’ e também: ‘cintura gorda superior’ [...]” (VIGARELLO, 2011, p. 220), foram amplamente divulgados na literatura atlética na França, e no Brasil elas também apareceram como preocupações nas revistas esportivas e de saúde.

Figura 17 As deformações do abdômen pela insuficiência de desenvolvimento muscular (HÉBERT, 1919, p. 140)15  

Ao analisar o cenário nacional, Silvana Goellner em seu estudo das imagens das mulheres nos anos 1930, afirma:

Responsabilizada pela sua aparência física, a mulher é instigada a participar do universo das práticas corporais empenhando esforços não só para beneficiar seu estado de saúde como também para ser reconhecida e aprovada pelo olhar masculino, um olhar que a submete ao imperativo da sedução, isto é, um discurso cuja sustentação fundamenta-se na associação da aparência feminina como sinônimo de beleza física e jovialidade. Ser formosa é um direito de toda mulher e se a beleza é observada como um empreendimento pessoal, centrado na aparência do corpo, há que desenvolver nas mulheres um hábito de exercitação física sistemática, apurando seu olhar e sus conhecimentos sobre aspectos estéticos e higiênicos, de forma a que incorpore determinados padrões, enxergue-se neles, e assim, administre seu corpo moldando-o consoante sua força de vontade e energia (GOELLNER, 2003, p. 34-35).

Além dos periódicos, princípios dos exercícios físicos destinados às mulheres também influenciaram as publicações sobre Educação Física feminina em nosso país. Os métodos de Rangel Sobrinho e Kretzschmar, da década de 1930, foram influenciados diretamente pela proposta do “Muscle et beauté plastique”. Ao promoverem seus programas de exercícios físicos destinado às brasileiras, os autores extraíram do livro de Hébert apenas os fundamentos que refletiam as virtudes morais, pois, à época, o embelezamento feminino estava vinculado às qualidades morais e espirituais (SANT’ANNA, 2014). Por isso, mesmo que apresentassem um discurso voltado para o pleno vigor físico das mulheres ― a fim de serem capazes de cumprir com suas tarefas de procriação e cuidados com o lar e os filhos ―, na prática esses exercícios primavam pela graça, leveza, e suavidade dos gestos em movimentos doces e distantes de qualquer força ou o impacto, desnecessários e excessivos às fragilidades femininas.

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1Este artigo contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo — FAPESP/CAPES.

2O parque Pommery foi inaugurado em 28 de novembro de 1911, na cidade de Reims, localizada à 145 quilômetros de Paris. O arquiteto e paisagista responsável foi Édouard Redont. O parque ganhou esse nome em homenagem à mãe do Marquês, a senhora Jeanne Alexandrine Pommery. Em 2004 se tornou o parque de Campagne.

3No original: Type d’athlétesse moderne. Muscle et beauté plastique (HËBERT, 1919, pl.5). Esta imagem de Madame Yvonne Hébert, monitora-chef do Collège d’Athlètes de Reims e da Palestra de Dauville foi também capa da Revista Les Modes, com o seguinte título: Type d’athlétesse moderne entraînée par la pratique de la Méthode Naturelle. (PHILIPPE-MEDEN, 2012, p.507).

4Termo latino (feminino) palaestra derivado do grego palaistra, significando um local para os exercícios físicos (especialmente, mas não apenas, de luta livre), com salas para a troca de roupas etc. Pode significar também as atividades da palestra. Referência: Oxford Latin Dictionary. Oxford: The University Press, 1968.

5Com o advento da Primeira Guerra, que se estendeu de 1914 a 1918, Hébert se viu obrigado a retornar temporariamente às suas atividades nas Forças Armadas. Durante os combates o Collège d’Athlètes fora destruído pelos bombardeios.

6No original: Veux-tu rester tranquille.

7No original: [...] L’éducation physique féminine de Georges Hébert marque un double évolution dans l’histoire des pratiques d’exercice corporel et dans l’histoire des femmes. [...] L’éducation physique féminine s’insère dans un changement sociétal profond, qui voit les femmes prendre plus d’autonomie.

8No original : [...] la “femme-poupée”, délicate et fragile, toute en tête et en jambés, parée, fardée, invariablement juchée sur ses talons hauts, bibelots de luxe auquel il semble qu’on n’oserait toucher de peur de la casser.

9A Vênus de Milo, apesar dessa percepção de beleza do corpo feminino, também pode ser interpretada como uma representação da limitação deste corpo, por apresentar os braços amputados.

10Renato Kehl, em “A cura da Fealdade” de 1923, cita o livro de Georges Hébert “Muscle et beauté plastique” e usa seus modelos e desenhos nos capítulos intitulados: “A perfeição plástica feminina” KEHL, 1923, p. 76) e “Das pelas e feias conformações” (KEHL, 1923, p. 97)

11No original: la beauté des proportions, qui tient à la grandeur et à la conformation de l’ossature, ainsi qu’au rapport des pièces du squelette entre elles, et la beauté des formes ou beauté musculaire, qui est liée au développement des muscle. Ces deux éléments de beauté indépendants n’existe d’ailleurs que très rarement chez le même sujet.

12Antônio Augusto de Lima foi um poeta eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 1903, e assumiu a presidência em 1928. Além disso, foi jornalista e se formou em Direito no Largo de São Francisco. Na política, foi governador de Minas Gerais, em 1891, e assumiu o cargo de deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro em 1906. Fonte: Academia Brasileira de Letras. Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/augusto-de-lima/biografia>. Acesso em: 02 abr. 2016.

13“O Imparcial: jornal politico, litterario e noticioso”. Jornal carioca de circulação diária. Período de existência: 1860-1910.

14A Careta, revista de circulação semanal, circulou no período de 1908 a 1983. Teve sua circulação suspensa de fevereiro de 1961 a outubro 1964 e de dezembro de 1964 a maio 1981.

15No original. Les deformations de l’abdomen par insuffisance de développement musculaire.

Recebido: 21 de Dezembro de 2018; Aceito: 06 de Maio de 2019

Contato: Universidade Federal de Goiás, CEPAE - Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, Departamento de Educação Física, Avenida Esperança, s/n - Campus Universitário, Goiânia|GO|Brasil CEP 74.690-900

Profa Dra. Carolina Jubé - Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e professora efetiva do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação - CEPAE da Universidade Federal de Goiás. GEPHGI - Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Ginástica - UFMG.E -mail:<caroljube@gmail.com> ou <caroljube@ufg.br>.

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