SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.36SOCIALIZACIÓN PROFESIONAL DE DOCENTES O ¿CÓMO SE NATURALIZA UNA PRÁCTICA? UM ESTUDIO SOBRE LA NATURALIZACIÓN DE LO RELIGIOSO EM LA PRÁCTICA DOCENTELA REVOLUCIÓN FRANCESA Y LA EDUCACIÓN INTEGRAL EN BRASIL: DE LA CONCEPCIÓN AL CONCEPTO índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.36  Belo Horizonte  2020  Epub 14-Dic-2020

https://doi.org/10.1590/0102-4698235398 

Artigos

A CRIAÇÃO DO MÉTODO FRANCÊS: AS DISPUTAS EM TORNO DE UM OBJETO DE ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

THE CREATION OF THE FRENCH METHOD: DISPUTES AROUND A TEACHING OBJECT IN PHYSICAL EDUCATION

LA CREACIÓN DEL MÉTODO FRANCÉS: DISPUTAS ALREDEDOR DE UN OBJETO DE ENSEÑANZA DE LA EDUCACIÓN FÍSICA

1 Universidade Federal do Espírito Santo(UFES). Vitória, ES, Brasil. mbruschi.cefd@gmail.com

2 Prefeitura Municipal de Castelo. Castelo, ES, Brasil. profeller@gmail.com

3 Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vitória, ES, Brasil. omarvix@gmail.com


RESUMO:

Este estudo objetiva investigar o modo como o Règlement Général d’Éducation Physique, designado nacionalmente como Método Francês, foi elaborado na França. Caminha em busca de novas representações para compreender esse objeto que, na sua historicidade, foi marcado por uma filosofia eclética. Dialoga com os pressupostos da História Cultural (CERTEAU, 1994; CHARTIER, 2002) e da Micro-história (GINZBURG, 1991; REVEL, 1998) para perceber as peculiaridades que marcaram a sua constituição e as concorrências entre indivíduos e instituições. No processo de elaboração do Método Francês, destaca-se o ecletismo, um jogo articulado de forças da École de Joinville-le-Pont, para não perder sua representatividade historicamente construída na área. A instituição apropriou-se do que considerou como as melhores teses e elementos em circulação sobre a Educação Física - Método Sueco, Método Natural, Método de Demeny e os esportes ingleses -, conciliando-os com vistas à obtenção de um sistema vasto. A sua gênese permite perceber as disputas intestinas ocorridas na França para a sua circulação e sua autoridade sobre a dimensão formativa do cidadão francês relacionadas com os usos do corpo, bem como em países estrangeiros, como o Brasil.

Palavras-chave: Método Francês; guerra dos métodos; ecletismo

ABSTRACT:

This study aims to investigate how the Règlement Général d’Éducation Physique, nationally known as the French Method, was developed in France. It goes through in search of new representations to understand this object, which, in its historicity, was marked by an eclectic philosophy. It dialogues with the assumptions of Cultural History (CERTEAU, 1994; CHARTIER, 2002) and Micro-history (GINZBURG, 1991; REVEL, 1998) to understand the peculiarities that have marked its constitution and the competition between individuals and institutions. In the process of developing the French Method, we can highlight eclecticism, an articulated power struggle of École de Joinville-le-Pont in order not to lose its representativeness historically built in the area. The institution has appropriated what they considered to be the best theses and elements in circulation about Physical Education - Swedish Method, Natural Method, Demeny Method, and English sports - reconciling them to obtain a vast system. Its genesis allows us to understand the disputes that occurred in France for its circulation and authority over the formative dimension of the French citizen related to the uses of the body, as well as in foreign countries, such as Brazil.

Keywords: French Method; war of methods; eclecticism

RESÚMEN:

Este estudio tiene como objetivo investigar cómo se desarrolló en Francia el Règlement Général d’Éducation Physique, conocido a nivel nacional como el Método Francés. Sigue en busca de nuevas representaciones para comprender este objeto, que, en su historicidad, estuvo marcado por una filosofía ecléctica. Establece un diálogo con los presupuestos de Historia Cultural (CERTEAU, 1994; CHARTIER, 2002) y Microhistoria (GINZBURG, 1991; REVEL, 1998) para comprender las peculiaridades que marcaron su constitución y las competencias entre individuos e instituciones. En el proceso de elaboración del Método Francés, se destaca el eclecticismo, un juego articulado de fuerzas de la École de Joinville-le-Pont para no perder su representatividad históricamente construida en el área. La institución se apropió de lo que consideraba las mejores tesis y elementos en circulación sobre Educación Física - Método Sueco, Método Natural, Método de Demeny y Deportes Ingleses -, conciliándolos con el objetivo de obtener un vasto sistema. Su génesis nos permite comprender las disputas internas que ocurrieron en Francia para su circulación y autoridad sobre la dimensión formativa del ciudadano francés relacionada con los usos del cuerpo, así como en países extranjeros, como Brasil.

Palabras clave: Método Francés; guerra de métodos; eclecticismo

INTRODUÇÃO

A participação do Exército francês na Educação Física foi importante no período nacionalista, na França, a partir da segunda metade do século XIX até seus anos finais, quando a corrente Republicana foi enfrentada pelo movimento socialista. Nesse momento, a Educação Física começou a tomar distância da formação militar e se aproximar do ensino escolar e das concepções pedagógicas que estavam surgindo na Europa, com o movimento da Escola Nova, processo que tem sido abordado pelos historiadores franceses da Educação Física (ARNAUD, 1991; LOUDCHER; VIVIER, 1993).

No entanto, o método elaborado nos anos de 1920 pela École de Joinville-le-Pont,4 instituição de cunho militar, adquire grande centralidade ao direcionar o seu ensino a todos os públicos, tanto civis quanto militares. Reconhecido sob o nome de Método Francês, ele foi explicitamente designado como método nacional e rapidamente aprovado pelo Ministério da Instrução Pública e pelo Ministério da Guerra.

O Método Francês alcançou uma enorme extensão, que ultrapassou as fronteiras francesas, servindo de modelo de formação para diversos países estrangeiros, constituindo-se objeto do imperialismo cultural francês (SAINT-MARTIN, 2003; TERRET; SAINT-MARTIN, 2015). Esse modelo de Educação Física chegou ao Brasil ainda em 1919, juntamente com a Missão Militar Francesa, contratada para dar instrução militar ao Exército Brasileiro, quando ainda estava sendo sistematizada. Na historiografia da Educação Física brasileira, o Método Francês, a partir da década de 1980, tem-se tornado objeto de estudo das pesquisas científicas desenvolvidas pelos programas de Pós-Graduação em Educação e Educação Física (GOELLNER, 1992; TERRET; TESCHE, 2009; QUEIROZ; CANCELLA, 2018; BRUSCHI, 2019).

Esse fato tem possibilitado um profícuo debate na busca por uma compreensão sobre a forma como se constituíram, no Brasil, uma teoria e uma metodologia de ensino para a escolarização da Educação Física no início do século XX. Podemos perceber o interesse pelos usos e pela contribuição do Método Francês nos estudos desenvolvidos por Lima (1980), Cantarino Filho (1982), Bercito (1991), Soares (1994),5 Castro (1997), Bermond e Ferreira Neto (2005), Bermond (2007), Berto (2008), Freitas (2011), Góis Júnior (2015) e Cassani (2018).

A partir desses estudos, diversos olhares têm sido lançados, pela historiografia brasileira, ao Método Francês, possibilitando observar a criação de compreensões sobre esse modelo. Podemos perceber representações que tendem a reiterar uma análise seguindo esses pontos: “método com espírito e tendências militares”, “reducionismo biologicista do ser humano”, “procura da tecnização e especialização” e, mais atualmente, “uma relação entre os saberes da Pedagogia e da Psicologia”, “valorização das peculiaridades infantis”, “uma tendência eclética em seu ensino”, como exemplos.

Compreender a gênese e as apropriações realizadas para a constituição do Método Francês na França é uma primeira iniciativa para se entenderem as suas transformações e a sua circulação naquele país, mas, principalmente, nos demais países em que foi divulgado. Por isso, realizamos um diálogo com a literatura francesa que, já há algum tempo, tem produzido análises sobre esse objeto histórico, assim como nos aproximamos da perspectiva historiográfica que utiliza a metodologia da redução da escala de análise histórica. De acordo com Ginzburg (1991, p. 178), “[...] uma escala reduzida permite em muitos casos uma reconstituição do vivido [...] [procurando] indagar as estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula”.

Essa forma de olhar para o Método Francês possibilita deixar de observá-lo em uma macroanálise para olhá-lo a partir de dentro (RAVEL, 1998). Utilizar essa metodologia revela-nos outras possibilidades de descortinar as camadas de documentos e uma outra forma de escrever a história, em contraponto com as narrativas que comandaram a construção da História da Educação Física e que, ainda hoje, permanecem no imaginário social.

A redução da escala microscópica, usada juntamente com a perspectiva da História Cultural, é utilizada para se perceberem as peculiaridades que marcaram a construção do Método Francês, atentando para as experiências dos indivíduos e instituições captadas nas relações que eles mantiveram uns com os outros, que não foram pacíficas, mas que, frequentemente, estiveram em concorrência e em competição (CHARTIER, 2002). Isso nos possibilita “[...] modificar sua forma e a sua trama” (REVEL, 1998, p. 20), propondo novas possibilidades de compreensão sobre esse objeto histórico.

Para isso, o estudo centra as suas análises nas lutas de representações entre indivíduos e instituições, compreendendo como as relações foram permeadas por táticas empregadas pela École de Joinville-le-Pont na escrita do Règlement Général d’Éducation Physique (RGEP),6 designado nacionalmente como Método Francês, para se constituir como produto de estratégias de difusão e conformação de saberes pedagógicos na França. Tomamos como referência os entendimentos de Chartier (2002), pois o autor reconhece que os manuais são vistos como instrumento privilegiado para a construção do conhecimento. Carvalho (1998), ao utilizar os pressupostos desse autor, considera que o manual de destinação pedagógica permite ao pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um determinado grupo social, a partir da ressonância dos temas debatidos.

Na análise, consideramos as fontes históricas produzidas pelos intelectuais que formulavam teorias e metodologias de ensino para a Educação Física francesa, as fontes institucionais da École de Joinville-le-Pont7 e as versões finais do RGEP. Esse percurso histórico precisa ser compreendido com cautela, uma vez que os documentos analisados são produzidos pelos autores que tomaram parte dos acontecimentos possíveis de revelar as relações de forças (GINZBURG, 2002) em que determinados sujeitos e instituições se envolveram para a constituição de uma identidade para a Educação Física. Dessa forma, as representações estão em jogo, matizando todo o discurso que foi produzido para a área.

Na análise das fontes, principalmente para entender como o denominado Método Francês foi projetado, utilizamos os conceitos de lutas de representações usados por Chartier (2002) e de estratégia e de tática empregados por Certeau (1994). Estratégica/taticamente, procuraremos demonstrar qual opção foi realizada pelo grupo responsável pela elaboração do regulamento para: a) tentar encerrar a multiplicidade de proposições de ensino para a Educação Física; e b) legitimar-se como o grupo responsável por criar um método nacional de Educação Física, ganhando prestígio e voz autorizada entre os pares.

O MÉTODO FRANCÊS SOB A PERSPECTIVA DA HISTORIOGRAFIA FRANCESA

Na história da Educação Física francesa, durante a primeira metade do século XX, o Método Francês elaborado pela École de Joinville-le-Pont foi reconhecido pelas autoridades políticas. Iniciados os debates para sua sistematização a partir de 1918, transcorrendo os anos da década de 1920, ele foi publicado, inicialmente, em forma de fascículos;8 depois, foi editado em suas versões finais, entre 1925 e 1928, e reeditado várias vezes, o que atesta a sua difusão e seu uso no território francês até os anos de 1950 (ASSAF, 2010).

O Método Francês representa um objeto histórico importante na primeira metade do século XX. Na busca por pesquisas que tomassem o método como objeto de estudo na França,9 destaca-se o artigo de Terret (2011), que explora como o método auxiliou na redefinição das relações de gênero, apresentando modelos ideais de masculinidade e feminilidade na França após a Primeira Guerra Mundial, e o de Terret e Saint-Martin (2015),ao proporem uma primeira síntese sobre os olhares lançados pela historiografia ao Método Francês.

Os estudos de Ulmann (1965), Spivak (1983), Andrieu (1990, 1998), Arnaud (1991), Thibault (1991), Loudcher e Vivier (1993, 1996), Simonet (1998), Pociello (1998), Defrance (1998), Bui-Xuãn e Gleyse (2001), Delaplace (2003) e Sarrejame (2007) não elegeram o Método Francês como objeto central de estudo; no entanto, dão pistas profícuas dos acontecimentos que marcaram a sua criação, a escrita do RGEP e a sua formação filosófica. Com exceção de Spivak (1983), que analisa as ações militares na orientação da Educação Física e dos esportes militares; Loudcher e Vivier (1996), que, pelos manuais militares, compreendem a evolução dos exercícios físicos; e Delaplace (2003) e Sarremejame (2007), que voltam os olhares para os conflitos entre os métodos no seio da École de Joinville-le-Pont, os estudos apresentam aspectos semelhantes entre si. Acabam por enfatizar que o Método Francês pretendia fins militares, por ser sistematizado por uma instituição militar, e também higiênicos, para cumprir finalidades consideradas essenciais no contexto do pós-guerra.

Para Terret e Saint-Martin (2015), isso se deve ao fato de eles terem sido, em sua maioria, influenciados pela história do pensamento e pela história da pedagogia. Esses trabalhos têm como finalidade perceber as identidades, as justificativas, as práticas e as tentativas de introdução da Educação Física no contexto escolar. Em virtude da periodização assumida por esses autores, abordam rapidamente como o Método Francês teria sido elaborado. As intencionalidades voltam-se na tentativa de compreender como ocorreu o processo de desmilitarização da Educação Física escolar na França - por esse motivo, o interesse em analisar as iniciativas “civis” consideradas mais escolares do que o Método Francês, visto como mais “militar”.

Entretanto, Terret e Saint-Martin (2015) destacam que, nos últimos anos, uma nova geração de historiadores tem permitido liberar o Método Francês de uma história puramente pedagógica, vinculando as novas tendências desse levantamento historiográfico às inflexões mais recentes da História da Educação e da História Cultural. Ao realizarem esse movimento, os estudos têm demonstrado que o método serviu como veículo para o nacionalismo (SPIVAK, 1983; TERRET, 2000, 2003; SAINT-MARTIN, 2005), o imperialismo (DUMONT, 2003; SAINT-MARTIN, 2003) e as normas de gênero (TERRET, 2011), possibilitando fornecer uma visão mais ampla sobre a importância desse método para a França e os demais países que o adotaram como modelo de ensino na Educação Física.

A elaboração e publicação do RGEP pela École de Joinville-le-Pont foi apresentada como uma solução final para se pensar a Educação Física no país, pois instaurou “[...] novas relações entre objetivos e meios, incluindo todas as formas de exercícios físicos” (LOUDCHER; VIVIER, 1993, p. 328, tradução nossa), permanecendo em uso até os anos de 1950. Encerrava-se a produção de manuais e regulamentos que abarcavam um rol de saberes na tentativa de orientar o ensino da Educação Física. Há, no entanto, a necessidade de um maior tensionamento nas análises para melhor se compreenderem as lutas de representações envolvidas na sua criação, a escrita do RGEP, as intencionalidades e os usos nos quais se operou com esse método.

A GUERRA DOS MÉTODOS DE GINÁSTICA NA FRANÇA

Consideramos ser necessário estudar com mais afinco o Método Francês como objeto histórico, não para pontuar apenas as qualidades metodológicas e práticas que esse modelo fez circular: nosso interesse é destacar o papel histórico que o Método Francês alcançou nos anos subsequentes à sua elaboração na França e nos países estrangeiros em que circulou. Algumas perguntas podem nos auxiliar a compreender esse objeto histórico: quem o elaborou? Por que produzir um método julgado eclético?

O início do século XX vivenciou uma proficuidade de surgimento de métodos ginásticos, que, na Françca, concorriam entre si. Destacam-se, dentre os principais, o Método Sueco, que ganhou grande admiração de Phillipe Tissié; o Movimento Completo, Contínuo e Arredondado, de Georges Demeny; e o Método Natural de Georges Hébert, além da presença do modelo de iniciação esportiva inglesa que, desde o fim do século XIX, já despertava grande interesse dos franceses.10 Certas diferenças entre esses métodos concernem ao princípio organizador segundo o qual é ofertado o exercício físico. Os modelos formulavam teorias, explicando, detalhadamente, os motivos da execução de cada movimento.

Esse era o clima vivenciado pela França, na tentativa de definir uma identidade para a Educação Física, ocasionando o que foi chamado de a “guerra dos métodos” no início do século XX (SAINT-MARTIN, 2005). Se fora da escola a coexistência de vários métodos era permitida, em seu interior o enfrentamento entre os métodos e sistemas era inevitável. No ano de 1904, uma comissão interministerial foi constituída na tentativa de definir um método comum ao ensino da Educação Física na escola, na universidade e no Exército, regulando o caos de doutrinas e de interesses.11 Contudo, como resultado, o Manuel d’exercices physiques et de jeux scolaires,12 publicado em 1908 pela comissão, já apontava uma tendência para o ecletismo no ensino da Educação Física:

Se, com efeito, os métodos de Educação Física devem, evidentemente, repousar sobre os princípios únicos, em uma mesma nação, não se pode, no entanto, fundir no mesmo molde, nem submeter as regras ou meios de execução absolutamente idênticos do ponto de vista do ensino da ginástica, de elementos tão variados - para a organização e a constituição dos meios aos quais pertencem - que são os soldados de diversas armas, os alunos de diversos estabelecimentos de instrução pública e as crianças (MINISTÈRE..., 1908, p. 4, tradução nossa).

Georges Demeny, homem com espírito estritamente científico - com suas pesquisas desenvolvidas no século XIX - e que influenciou decisivamente a evolução da ginástica francesa (SOARES, 1996), manifesta em seus estudos, a partir do século XX, entretanto, uma tendência para o empirismo. Passa a advertir para a impossibilidade de indicar programas e conteúdos predeterminados para orientar a Educação Física escolar, sinalizando uma orientação para o eclestismo: “[...] a escola será e permanecerá eclética” (DEMENY, 1909, p. 71, tradução nossa). Demeny explicou melhor as razões pelas quais se direcionou para um método julgado eclético:

O método será experimental e procederá de todos os dados previamente adquiridos; ele levará em conta as complexidades dos indivíduos, até mesmo as complexidades das raças; ele será flexível, para permitir que seus meios se adaptem ao objetivo desejado; ele será eclético e evolutivo; seus detalhes serão previstos, mas ele poderá, no entanto, ser modificado, em razão do progresso da ciência e da experiência adquirida (DEMENY, 1909, p. 74, tradução nossa).

Destaca-se, no início do século XX, uma tendência filosófica para o ecletismo na Educação Física francesa. De igual modo, de acordo com o médico Maurice Boigey, para a elaboração de um método julgado nacional, pouco importava qual era a doutrina hegemônica, mesmo se ela fosse estrangeira. O que importava era que o método a ser adotado cumprisse a função de oferecer uma higiene escolar e social para a população francesa. A tendência para o ecletismo também foi indicada em seus escritos: “Na Educação Física, o princípio fundamental deve ser o ecletismo e, nesse caso, o exclusivismo é contrário às leis e às tendências da vida” (BOIGEY, 1917, p. 91, tradução nossa).

Nesse clima de conflitos entre os métodos e uma efervescência filosófica eclética, os franceses também desejavam renovar as formas de ensino, promovendo uma educação mais pacifista. Com o desenvolvimento profícuo do movimento da Escola Nova na Europa, os pedagogos questionavam os motivos que levaram à catástrofe ocasionada pela Primeira Guerra Mundial (GUTIERREZ, 2006). Anseios mais sociais e humanistas eram sentidos por todo o país. Isso fez com que a Educação Física, que já vinha passando por um processo constante de reformas, fosse mais ampla e mais diversificada. Entretanto, a Educação Física sempre aparecia, em virtude do seu papel solidamente implantado no século anterior, como um preâmbulo útil à guerra (SPIVAK, 1983).

No entanto, a tutela militar sobre os exercícios físicos de toda natureza não estava mais em sintonia com o estado de espírito da época. O deputado Hippolyte Ducos fez-se intérprete da opinião pública e afirmou, diante do Senado, “[...] que é inadmissível submeter à autorização e ao controle da autoridade militar toda a Educação Física da juventude francesa” (DUCOS, p. 3, 1921, tradução nossa). A afirmação relembra as tentativas de integrar a Educação Física militar juntamente com a Educação Física escolar; destaca-se como mais polêmico o manual militar publicado em 1902, que “[...] se propôs realizar uma união tímida entre a ginástica escolar e a ginástica militar” (DEFRANCE, 1998, p. 114, tradução nossa). Assim, as posições eram que:

Estamos misturando duas questões bem diferentes, Educação Física e Preparação Militar... as associações esportivas e as associações de Educação Física que, sozinhas, nos permitem assegurar a Educação Física da juventude francesa, não tolerariam que a autoridade militar lhes impusesse uma maneira absolutamente insuportável (DUCOS, 1921, p. 5, tradução nossa).

A instituição militar havia enfraquecido o seu reconhecimento em tratar de assuntos educacionais no pós-guerra, mais do que aquele vivenciado antes de 1914 (TERRET; SAINT-MARTIN, 2015), em virtude da forte competição da área médica e higiênica, apoiada por um contexto de reconstrução do corpo e da saúde dos franceses. No entanto, a Primeira Guerra Mundial redistribuiria temporariamente as cartas, dando à École de Joinville-le-Pont novamente a oportunidade de reafirmar a sua posição na área da Educação Física.

A École de Joinville-le-Pont estava ciente da inexistência de um engajamento das universidades em tornar a Educação Física um conhecimento científico e debatido nos círculos acadêmicos (DORVILLE, 1993) e também estava a par das reivindicações contra uma Educação Física com características militares. Por isso interrogou, principalmente, as obras sobre a ginástica sueca, a metodologia de ensino prática de Georges Hébert em construir e difundir o Método Natural, os estudos científicos de Georges Demeny e as iniciativas dos primeiros promotores de iniciação esportiva, influenciados pelos esportes ingleses, para sistematizar o Método Francês.

Assim, o ecletismo de Joinville organizou-se para encerrar as denúncias sobre os aspectos militares e a ausência de referências científicas. Dessa forma, a instituição agiu taticamente ao propor um consenso pedagógico que ocultava ambições políticas com o objetivo de consolidar a legitimidade enfraquecida.

A CRIAÇÃO DO MÉTODO FRANCÊS

Em qual ano o Método Francês foi elaborado? É difícil encontrar uma resposta precisa. Um indício pode ser localizado em uma brochura escrita pelo comandante Eugène Labrosse sobre a École de Joinville-le-Pont, publicada em 1929. Em 1918, quando a Primeira Grande Guerra ainda não havia terminado, o comissário do Ministério da Guerra teria encarregado a École de Joinville-le-Pont da tarefa de escrever um novo programa de Educação Física. Esse programa não deveria ser direcionado somente para a instrução física do militar:

A Educação Física é um todo que começa com os rudimentos elementares, necessários às crianças, e que culmina nos exercícios mais aperfeiçoados, necessários aos atletas. Não há a necessidade de deixar de lado, por um sistema, uma parcela deste conjunto (LABROSSE, 1929, p. 41, tradução nossa).

O RGEP, cuja primeira versão foi lançada em 1925, reforça o argumento tão solicitado pela opinião pública: a Educação Física escolar não deveria ser confundida com a instrução física militar. Com a perda gradativa da influência da instituição militar em direcionar a Educação Física escolar, a École de Joinville-le-Pont assumiu uma ação calculada para manter seu prestígio na área e, taticamente, acatou o desejo da opinião pública de que todo e qualquer tipo de exercício militar fosse excluído do programa. A Educação Física escolar e a instrução física militar foram, então, assumidas como assuntos distintos e que careciam de investimentos próprios para tratar de cada especificidade. O conhecimento da Medicina e as novas discussões educacionais ancoradas no movimento escolanovista substituíram as influências militares.

As versões finais do RGEP incluem três volumes. A primeira versão apresenta os fundamentos científicos e educacionais. Juntamente, integra as características do método para os indivíduos até 18 anos. A segunda versão concentra-se em apresentar o modelo esportivo direcionado para os maiores de 18 anos. A sua última versão focaliza a Educação Física militar e inclui uma série de apêndices sobre o papel dos médicos e dos instrutores.

Assim, os militares buscaram reafirmar, a todo o momento, que o RGEP não pretendia uma militarização, mas suscitava um vasto desenvolvimento da Educação Física para reforçar a condição física da população, de crianças, jovens, mulheres, homens e idosos e, ao mesmo tempo, desenvolver a higiene social. Por essa razão, rebatiam as críticas sofridas:

Obra militar, dizia-se, obra de militarização da Nação: Não. Obra ampla, conclusão dos trabalhos de Amoros, de Lagrange, de Marey, de Demeny, de fisiologistas, de psicólogos os mais estimados, obra prática também de uma escola que sempre forneceu à França os melhores pedagogos da Educação Física e que não se congelou em fórmulas rígidas. Obra de militares, certos, mas de militares que ampliaram o horizonte [...], mais em estreito acordo com os dados científicos mais recentes (LABROSSE, 1929, p. 12-13, tradução nossa).

Entretanto, nenhuma menção foi deixada sobre a comissão que trabalhou na sistematização do projeto que deu origem ao RGEP. Mesmo sendo divulgada pela Charles-Lavauzelle et Cie., uma das principais editoras que publicavam livros e manuais de Educação Física no período, nenhuma ficha redacional acompanhou a obra. Com a ausência dos redatores, os créditos pela elaboração seriam atribuídos à École de Joinville-le-Pont, em uma representação por aqueles que desejavam novamente seu reconhecimento. A atenção a essas estratégias permite-nos determinar “[...] posições e relações e que atribuem a cada classe, grupo, ou meio um ‘ser-apreendido’ constitutivo da sua identidade” (CHARTIER, 2002, p. 23).

Porém, identificamos rastros dos prováveis colaboradores desse novo projeto. Foi Henry Paté, deputado e presidente do Comité National d’Éducation Physique,13 quem deu indícios dos possíveis colaboradores na elaboração do RGEP. Em prefácio para o livro de Bellefon e Marul ([19--]), ele sinaliza que o Ministério da Guerra e os dirigentes da École de Joinville-le-Pont convidaram, em 1918, representantes mais qualificados da área da Medicina, da Educação e dos Esportes para colaborar em um projeto desenvolvido pela instituição, encarregado pelo comandante Labrosse.

Em um artigo publicado na revista L’Auto, em janeiro de 1919, são indicados os possíveis nomes dos colaboradores desse projeto: o general Cottez, o professor de Medicina Jean-Paul Langlois, o médico Savornin, a inspetora das escolas maternais Couirault, o inspetor-pedagógico Alfred Leune, o inspetor Colette e os professores de Educação Física Racine e Fischer (DESGRANGE, 1919), ambos alunos e discípulos de Georges Demeny (SIMONET, 1998). Labrosse (1929) acrescenta, ainda, a participação dos médicos Charbonnier e Moreau. Terret e Saint-Martin (2015) também destacam a inclusão dos estudos do médico Maurice Boigey desenvolvidos na École de Joinville-le-Pont entre 1919 e 1926, na redação do RGEP.

A filosofia eclética do método francês

Saint-Martin (2005) informa que, após a guerra, todos os países da Europa se engajaram em uma reforma de seus sistemas de Educação Física. A França não foi exceção. Mas, como reformar seu sistema, se a Educação Física francesa possuía uma característica peculiar: apresentava-se pela sua heterogeneidade, pelo caos de doutrinas e de interesses?

Após vários anos de esforços, de embates e de disputas, a École de Joinville-le-Pont propôs uma síntese com o objetivo de estruturar a reconstrução rápida da Nação após a Primeira Guerra Mundial, graças a um ensino racional da Educação Física. A instituição utiliza-se da estratégia eclética que já circulava na Educação Física francesa. Realiza, para tanto, a justaposição de modelos, sem, contudo, confrontar as diferentes concepções francesas e estrangeiras. A instituição realizou, dessa forma, a apropriação das melhores teses ou elementos em circulação sobre a Educação Física, conciliando-as, com vistas à obtenção de um sistema mais vasto, em vez de edificar um novo sistema (COUSIN, 1854).

Lentamente, o ecletismo foi sendo incorporado e, em uma ação calculada, veio a ser interrogado e incorporado na produção de um Plano Nacional de Educação Física. Para Soares (1996) e Andrieu (1998), o pensamento eclético teria sido influência de Demeny, a partir de seu legado deixado para a Educação Física e para a École de Joinville-le-Pont, quando fisiologista dessa instituição (1902-1907).

A École de Joinville-le-Pont, reaberta após o conflito mundial, foi concebida como um organismo central de estudos, de instrução e de difusão de métodos (SIMONET, 1998). Dessa forma, destacou-se como a instituição onde foram experimentados, testados, conservados e enriquecidos todos os métodos que surgiam no meio militar e no meio civil. Nesse projeto, o sincretismo de pensamento não foi negado, mas ressaltado como uma solução precisa para abranger o ensino da Educação Física em todos os ambientes, sujeitos e necessidades e como uma tentativa de encerrar as disputas existentes na França, mesmo que essa ação representasse uma própria luta pelo domínio da área:

A história resumida da École de Joinville, que precede essas páginas, é suficiente para mostrar a trama sólida que une, no século XIX, as obras de Amoros às de Joinville, de Demeny e de Lagrangre; de outra parte, Joinville conseguiu, não sem peneirá-los, utilizar os dados de Ling e de seus sucessores, cientificamente, rejuvenescidos e desenvolvidos por Demeny, para depois incorporar o seu ensino a maior parte dos esportes em vigor. Essa soldagem de elementos, intimamente relacionados, mas que tentavam se opor, por falta de um melhor conhecimento e, acima de tudo, para ser julgado imparcialmente antes da guerra, foi praticamente realizada em Joinville. O RGEP é a aplicação dessas ideias (LABROSSE, 1929, p. 48, tradução nossa).

Para que o trabalho da École de Joinville-le-Pont fosse reconhecido sobre o plano nacional e mesmo internacional, os militares situaram-se no jogo de forças que se exercia em torno da Educação Física francesa: cientistas, médicos, higienistas, esportistas, pedagogos... Se o Método Natural foi integrado a esse projeto, a École de Joinville-le-Pont deveria reconhecer que ele era obra de Georges Hébert, mesmo que assim resistisse para fazê-lo, possibilitando-nos perceber a oposição que havia entre os próprios militares. O trabalho intelectual exercido pelos militares em conciliar práticas de cada método, sem, contudo, confrontá-los, permitiu que o Método Francês assumisse um conhecimento moderno ao reagrupar o melhor de cada sistema. Esse movimento foi considerado o apogeu do ecletismo, “[...] assimilado por alguns como uma correta síntese das diferentes doutrinas [...] e, para outros, um vasto sincretismo de processos pedagógicos e didáticos” (SAINT-MARTIN, 2005, p. 25-26, tradução nossa).

Diante da concorrência da área médica e da higiênica no pós-guerra, que militavam por uma Educação Física colocada a serviço da saúde e da regeneração da raça, os responsáveis pela sistematização do Método Francês buscaram um consenso e, estrategicamente, “[...] afirmam as questões de saúde e educação da população em termos de ‘raça’” (DEFRANCE, 1998, p. 114, tradução nossa). Conhecimentos sobre higiene social e princípios médicos foram incluídos na formação pedagógica dos monitores de Educação Física formados por Joinville-le-Pont.14

A afirmação desses objetivos favorece a entrada dos médicos na Educação Física que, até então, haviam participado apenas lateralmente na sistematização da Educação Física e na difusão dos esportes. A autoridade científica e social dos médicos acaba se constituindo, de acordo com Defrance e El Boujjoufi (2013), um contrapeso à autoridade militar. Contra os excessos de exercícios físicos, um ensino moderado passa a orientar a pedagogia do Método Francês. Assim, os exercícios eram escolhidos de acordo com a contribuição que eles dariam à melhoria da saúde do sujeito, assim como de seus descendentes, e ao desenvolvimento físico, recuperando e conservando a raça francesa.

O Método Francês integrava não apenas a preparação militar de referências tradicionais, baseada no legado de Francisco Amoros (TERRET; SAINT-MARTIN, 2015), mas também trazia referências à ginástica sueca, ao Método Natural, aos esportes ingleses e aos conhecimentos racionais de Demeny, que, segundo Bui-Xuãn e Gleyse (2001), foram utilizados pelos seus sistematizadores sem qualquer moderação. A incorporação de elementos desses métodos e sistemas permitiu uma diversidade de finalidades proposta pelo novo método que nascia: fins higiênicos, correção de atitudes defeituosas, educação nervosa, desenvolvimento das funções respiratórias, circulares e articulares, desenvolvimento das faculdades cerebrais, aquisição de uma estética corporal, força, resistência, rendimento, harmonia das formas, formação de atletas, preparação para o combate etc.

No momento de apresentar os conteúdos de ensino para atingir as finalidades determinadas, percebemos, em detalhes mais precisos, a multiplicidade de concepções presente, assim como uma fresta para visualizar a pluralidade de apropriações das representações (CHARTIER, 2002). As apropriações não se manifestaram desprovidas de qualquer relação de poder, mas como uma ação estratégica em que a École de Joinville-le-Pont assimilou as representações que circulavam, os saberes de diferentes áreas de conhecimento, de autores, inclusive, deles próprios.

Em uma Lição de Educação Física pelo Método Francês, a parte reservada à sessão preparatória foi consagrada exclusivamente a uma ginástica de formação de inspiração francesa e estrangeira, principalmente ancorada pelos saberes da ginástica sueca, propondo flexionamentos combinados e assimétricos. Contudo, deveriam ser realizados de maneira completa e arredondada, seguindo o estilo definido por Demeny. Para Demeny (1911), a não interrupção do exercício daria ao movimento uma continuidade harmoniosa para se aproximar de atos naturais da vida, excluindo os esforços apoiados na imobilidade e nas paradas bruscas, evitando mudanças repentinas de direções e choques. Se, por muitas vezes, essas práticas foram aconselhadas como parte integrante de toda a lição no século XIX, no RGEP, elas ganharam um novo sentido, recomendadas na sessão preparatória para aquecer progressivamente o organismo e prepará-lo para o trabalho mais intenso da lição propriamente dita.

Na lição propriamente dita, conhecida como ginástica de aplicação, incorporou-se a maior parte dos exercícios hebertistas, ancorados na categoria do que foi denominado como as sete famílias - marchar, trepar e escalar, saltar, levantar e transportar, correr, lançar, atacar e defender-se. Apresentados inicialmente por Demeny (1911), foram alargados por Hébert (1909), que os considerava naturais e utilitários. Trabalhados pelos exercícios educativos e pelos exercícios preparatórios, tinham a finalidade de desenvolver as habilidades motoras, que também estiveram na base do método apresentado por Demeny (1911). Ao inserir progressivamente os esportes nessa parte da lição, segundo Saint-Martin (2005) e Terret e Saint-Martin (2015), formou-se uma transição mal definida entre o método hebertista e os esportes.

Uma ginástica de jogos e brincadeiras sucede à ginástica de aplicação na qual a noção de jogo é progressivamente introduzida, utilizando a cultura popular francesa. Era o momento de aplicar as habilidades aprendidas, adequando-se essas atividades, contudo, aos movimentos das sete famílias de Hébert, como podemos visualizar na Figura 1, em que o jogo selecionado contempla a categoria do correr.

Fonte: Baissac (1928).

Figura 1 Pequeno jogo “o gato e o rato”, utilizando-se da categoria do correr 

Demeny (1917) também era defensor do uso dos jogos, pois eles tornavam o movimento atraente e recreativo e auxiliavam no desenvolvimento dos efeitos higiênicos e das funções respiratórias, circulatórias e articulares. Para Loudcher e Vivier (1993), o uso dos jogos na Educação Física, introduzido nos manuais desde 1891, respeitava as capacidades físicas e psíquicas das crianças, aproximando-se das novas concepções educacionais.

Por fim, em volta à calma, os exercícios que compunham essa parte eram os de fraca intensidade, como a marcha lenta acompanhada de exercícios respiratórios, o canto, o assobio e alguns exercícios de ordem, também recomendados por Hébert. No RGEP, os conteúdos provenientes dos demais sistemas e métodos foram apropriados, agora com novas funções na lição de Educação Física. Assim, a ginástica de inspiração francesa, a sueca e as sete famílias de Hébert ganhavam uma nova função, na medida em que eram reformuladas com práticas diferenciadas, com utilizações contrastadas (CHARTIER, 2002).

Diante de um nacionalismo crescente após 1918, os esportes, incluídos na sociedade francesa a partir da influência inglesa (HOLT, 2011), são apresentados no segundo volume do RGEP sob uma concepção utilitária. Eles tinham o objetivo de formar o atleta, ou eram recomendados com a finalidade de aumentar o rendimento do indivíduo em seu trabalho. No entanto, foram reservados aos maiores de 18 anos, momento em que o sujeito se encontraria com o desenvolvimento físico e moral completo, conforme recomendações de Demeny (1914) e Hébert (1925). As práticas esportivas também eram indicadas aos militares, no entanto eram intercaladas com os exercícios de ginástica tradicional, com o objetivo de preparar o futuro soldado combatente.

A preparação das elites esportivas no país, que era reservada às iniciativas privadas, assume uma nova importância no pós-guerra. Ao descobrir o potencial dos esportes na preparação física e moral dos militares, a exemplo dos Estados Unidos da América, expressão de poder e de liderança (SIMONET, 1998), novas perspectivas foram atribuídas à École de Joinville-le-Pont.

Com a realização dos Jogos Interaliados entre junho e julho de 1919 em Paris, somente algumas semanas após o armistício, a instituição foi escolhida como local de treinamento e de preparação dos atletas franceses para o evento (TERRET, 2003), permanecendo como um centro de formação de atletas. “A vocação esportiva de Joinville é uma vocação tardia” (SIMONET, 1998, p. 66, tradução nossa), pois, por muito tempo, permaneceu como uma instituição pouco sensível à racionalização científica. Entretanto, no momento em que o Método Francês se encontrava em processo de gênese, os esportes foram implantados, oficializados (LOUDCHER; VIVIER, 1996) e submetidos às análises de eficácia pela biomecânica de Demeny.15 Reservou-se um volume do RGEP unicamente a apresentá-los, permitindo ao esporte alcançar, segundo Thibault (1991), um caráter popular por toda a França.

A fisiologia servia de embasamento para toda aplicação dos exercícios físicos. Amplamente estudada por Demeny, foi proposta uma pedagogia que intervinha no movimento humano, compreendendo os seus efeitos e tendo como finalidade o aperfeiçoamento físico que se traduziria em uma performance e uma melhor utilização da energia (SOARES, 1996). Somado a esse conhecimento, o princípio essencial da moderação na aplicação dos exercícios físicos proposto pelo médico Maurice Boigey (POCIELLO, 1998) demonstrava o perigo de impor exercícios idênticos a indivíduos com constituição fisiológica diferente.

Para isso, o RGEP destacava a necessidade de classificar e seriar os sujeitos. Para propor um ensino da Educação Física coerente, organizou em sete ciclos a aplicação do método, determinando finalidades e conteúdos distintos - Educação Física Elementar, Educação Física Secundária, Educação Física Superior, Educação Física Feminina, Adaptações Profissionais, Ginástica de Conservação e Educação Física Militar. Passou-se, então, a reconhecer o que vinha sendo contestado por todos os criadores de sistemas nacionais e estrangeiros: o erro biológico e pedagógico de impor exercícios idênticos a indivíduos de constituição física e psicológica diferentes, prática que era recorrente na Educação Física francesa do século XIX e que foi intensamente contestada ainda no final desse século (ARNAUD, 1991).

Assim, a ideia da graduação, que já era proposta por Demeny (1903) e Hébert (1909) em suas pesquisas, é contemplada no RGEP a partir das contribuições também apresentadas por Boigey. A graduação previa uma série de exercícios aparentemente complicados, mas incluía também elementos simples, conhecidos e estudados. Quando executados, deveriam ter as qualidades do movimento completo, contínuo e arredondado. Esse entendimento estabeleceu uma ruptura com a ginástica do século XIX, permitindo reconciliar a sociedade do século XX com a do movimento, não concebendo mais o aluno como uma pessoa estática. A Educação Física encontrou um novo caminho a partir das pesquisas que se expandiam na virada do século e não previa “[...] desenvolver num indivíduo normal, certos órgãos em prejuízo de outros” (MINISTÈRE DE LA GUERRE, 1928, p. 9, tradução nossa), mas deveria visar, antes de tudo, à harmonia das funções.

O RGEP, diferentemente dos outros manuais lançados anteriormente,16 avançou no sentido de oferecer uma teoria científica ao professor de Educação Física. A primeira versão publicada em 1925 apresentou os fundamentos científicos e educacionais do novo método que nascia. Se os manuais editados anteriormente trouxeram como marca a pedagogia como arte de ensinar, a primeira parte do RGEP apresentou discussões teóricas, deixando de fornecer apenas roteiros de lições para serem imitados, para oferecer fundamentos, subsidiando a prática docente com um repertório de saberes autorizados.

Porém, no momento de sua publicação, a França passava por um processo de transição da Pedagogia Moderna para o modelo da Escola Nova, além de a Educação Física buscar se legitimar como conhecimento científico. O RGEP, por se encontrar nesse período transitório, continuou a fornecer roteiros de lições, exemplificando diversos conteúdos que poderiam ser utilizados pelo professor em sua prática docente. De posse de conhecimentos, o professor seria capaz de organizar um programa de ensino de Educação Física para todos os ciclos, selecionando os conteúdos a partir das seis formas de exercícios: 1) os jogos; 2) os flexionamentos; 3) os exercícios educativos; 4) as aplicações; 5) os esportes individuais; e 6) os esportes coletivos.

Com essa mistura original, nasceu o RGEP, abrangendo os saberes necessários para a sistematização de um método nacional, sob o nome de Método Francês. Ele foi o reflexo desse ecletismo e colocou em evidência o esforço de síntese e de conciliação dos militares. Neste trabalho, observamos o cálculo ou a manipulação das relações de forças do grupo, “[...] uma racionalização ‘estratégica’ [que] procura em primeiro lugar distinguir de um ‘ambiente’ um ‘próprio’, isto é, o lugar do poder e do querer próprios” (CERTEAU, 1994, p. 99).

Utilizando-nos das observações de Chartier (2002), podemos perceber como os militares lidaram com a percepção do real, produzida a partir de categorias compartilhadas por esse grupo, permitindo compreender, classificar e atuar sobre o real. Tais categorias configuram a instituição social na qual se busca atender a interesses específicos. Constrói-se, dessa forma, uma nova representação que tende a justificar e a legitimar determinado lugar e, ao mesmo tempo, a própria representação que está em jogo. Essa representação pretendida pelos militares aspirava à hegemonia, buscava impor-se aos demais grupos sociais, submetendo-os aos seus valores e conceitos.

Destacamos os esquemas de operações. Os atores sociais responsáveis em pensar metodologias de ensino voltam a jogar com a estratégia e, dessa forma, manipulam e alteram as representações de teorias e conteúdos. Eles subvertem o ecletismo a partir de dentro: não rejeitam as metodologias individuais de cada sistema. Sugerem maneiras de empregá-las, tornando-se objetos de manipulações por outros praticantes que não são seus fabricantes.

Do ponto de vista político, a Educação Física proposta pelo Método Francês inscreve-se na realidade cultural do momento, emprestando diversas doutrinas alinhadas ao espírito de modernidade da época: os flexionamentos, os exercícios educativos e os exercícios de aplicação constituíam um conjunto de exercícios completos, julgados suficientes para favorecer o aluno a alcançar o seu desenvolvimento físico e motor; os flexionamentos propiciavam ganho do vigor, flexibilidade e beleza; os exercícios educativos desenvolviam as funções orgânicas principais e as habilidades motoras; os exercícios de aplicação aperfeiçoavam as qualidades já adquiridas e contribuíam para desenvolver a aptidão física.

Juntamente aos conteúdos apresentados, a prática da Educação Física pelo Método Francês buscou associar-se a elementos como a natureza, o prazer, a energia e a raça, princípios tão caros a uma sociedade francesa do pós-guerra. Esses fatores estiveram na base do pensamento dos métodos apropriados, a exemplo de Georges Demeny e de Georges Hébert. Para Bui-Xuãn e Gleyse (2001) e Jubé (2017), que se debruçaram em analisar suas contribuições para a Educação Física, o problema da degenerescência da raça francesa, física e moral, era a falta de contatos regulares do homem com os elementos naturais e as práticas educativas em contato com a natureza. Preconizando a utilização de exercícios naturais e utilitários, eram favoráveis à substituição de uma Educação Física que procurava uma forma de movimento ou a técnica de execução, ao compreenderem que cada indivíduo possuía um estilo de execução único e natural.

Em suma, os movimentos completos e contínuos, movimentos largamente experimentados na França em razão dos trabalhos desenvolvidos por Demeny, constituem um progresso considerável para uma Educação Física educativa, tanto do ponto de vista da adaptação profissional e pedagógica, quanto das especializações esportivas e militares. Para a infância até a adolescência, toda prática esportiva foi proibida, e os jogos e as brincadeiras, sob diversas formas - mímicos, historiados, pequenos e grandes jogos culturais -, constituíram o principal meio pedagógico de aplicação sem ocupar, entretanto, a maior parte da lição. O consumo cultural dos diversos sistemas de Educação Física mobilizados pelo RGEP buscava alinhar-se ao movimento da Escola Nova e, com ele, uma nova representação entre a criança e seu processo de escolarização, ganhando os jogos e as brincadeiras reconhecimento legítimo nesse movimento.

EM BUSCA DA AUTORIDADE: AUTORES, ATORES E ESTRATÉGIAS NA GUERRA DOS MÉTODOS

O consumo e a assimilação dos métodos em circulação pela École de Joinville-le-Pont não ocorreram, contudo, após a sua reabertura em 1918. As disputas mais marcantes que enfrentou o monopólio da École de Joinville-le-Pont na Educação Física podem ser encontradas nos estudos de Simonet (1998), Delaplace (2003) e Sarremejane (2007). Os autores discorrem sobre os embates entre os três principais atores que se envolveram nesse conflito, Demeny, Hébert e o comandante Coste, que apoiava “religiosamente” o Método Sueco defendido por Tissié, chegando a declarar que “Nós seremos mais suecos que os próprios suecos” (COSTE, 1906, p. 7, tradução nossa). Em face a essa história, revelam-se o jogo de poder sobre a Educação Física francesa, as estratégias e as táticas adotadas pelos protagonistas diante das conjunturas do tempo que originaram o Método Francês.

Nessa concorrência, os protagonistas usavam argumentos focados na racionalidade do Método Sueco, que havia alcançado grande reconhecimento entre os anos finais do século XIX e início do século XX na França, para legitimá-lo ou criticá-lo. No clima positivista da época, os protagonistas deveriam encontrar evidências empíricas para estabelecer a superioridade de um método em detrimento de outro. Para tentar falar em nome de uma superioridade de seus respectivos métodos, os protagonistas utilizaram muitas estratégias, dentre elas, rompimentos e novas alianças: Demeny pediu demissão da École de Joinville-le-Pont; Hébert abdicou de sua patente de oficial; Tissié alinhou-se aos militares e depois os criticou; ocorreram acusações de plágio, em que o comandante Coste acusou Demeny de copiar o Método Sueco. Essas relações movimentaram-se no interior da École de Joinville-le-Pont, mas eram anuladas pelas representações que os militares, como uma instituição, ocupavam na sociedade francesa.

Nos primeiros anos do século XX, a École de Joinville-le-Pont declara-se simpatizante da ginástica sueca, adotando-a oficialmente (SIMONET, 1998; SARREMEJANE, 2007). Com as suas características de movimentos decompostos, entretanto realizados simultaneamente exprimindo a força coletiva e disciplinada, parecia ser o método que melhor conciliaria as suas bases científicas, advindas da anatomia, com a disciplina de Joinville. Com a adoção de um método ginástico considerado formalista, era uma oportunidade de demonstrar, mais uma vez, a força representativa da École de Joinville-le-Pont (SIMONET, 1998).

Demeny, ao assumir o laboratório de Fisiologia aplicada em 1902 na École de Joinville-le-Pont, declara-se contrário aos princípios anatômicos da ginástica sueca adotada pela instituição. No entanto, encontrou um ambiente físico favorável, continuando a desenvolver as suas pesquisas nas áreas da fisiologia e da biomecânica. No entanto, um enfrentamento ocorreu entre Demeny e o comandante Coste, em 1906, após este último assumir a direção da École de Joinville-le-Pont (SARREMEJANE, 2007).

Defensor árduo do Método Sueco, Coste pressiona Demeny para que ele reconhecesse a superioridade desse método. Demeny havia estabelecido um distanciamento definitivo com o Método Sueco a partir do século XX: “Sempre evitei as disputas entre as escolas [de ginástica], elas são estéreis e cheias de hostilidades, dividem os trabalhos e azedam os espíritos, no entanto não posso deixar passar, sem os examinar, os argumentos tendenciosos que nos opõem [...]” (DEMENY, [19--], p. 2, tradução nossa).17 Nesse jogo de poder sobre a Educação Física, Coste (1906) atacou pessoalmente Demeny, alegando que várias características que compunham o seu pensamento estavam presentes no seu método eclético, acarretando o pedido de demissão de Demeny da École de Joinville-le-Pont.

Hébert iniciou as primeiras experimentações do que se tornaria o Método Natural após a sua entrada na École de Gymnastique de la Marine à Lorient,18 em 1903. Mesmo possuindo formação militar, ele se opôs aos regulamentos de instrução física utilizados pela École de Joinville-le-Pont, ao criar um método naturalista em que se exaltava o contato com a natureza, colocando em cena exercícios utilitários, morais e atléticos, sob uma forma contínua e arredondada (JUBÉ, 2017). Hébert, no entanto, parecia não representar um perigo para a instituição, pelo menos até 1913, quando seu modelo foi aplaudido na ocasião do Congrès International d’Éducation Physique.19 O perigo não podia surgir de dentro, tanto que o comandante Coste (1906) não o citou em seus escritos, reservando as críticas somente a Demeny.

Entretanto, a divisão entre os Exércitos, manifestada entre a Infantaria e a Marinha, entre a École de Joinville-le-Pont e a École de Gymnastique de la Marine à Lorient,20 manteve esta última em certo isolamento,21 favorecendo o surgimento de um método independente. Diante de uma violência simbólica exercida pela École de Joinville-le-Pont para tentar neutralizar as ações de Hébert, este abdicou da sua patente de oficial para se dedicar integralmente à criação de seu novo método. Porém, qualquer subversão continuava sendo neutralizada, como destacou Delaplace (2003) ao relatar o episódio da produção, por Hébert, em 1918, de um novo guia destinado aos instrutores do IV Exército, anulado pelo Ministério da Guerra.

Apesar de rejeitar Hébert e contestar o seu método, em 1916, a École de Joinville-le-Pont publicou um novo manual militar, denominado Guide pratique d’éducation physique22 que, de acordo com Labrosse (1929, p. 45, tradução nossa), refletiu o desejo de não “[...] ser inferior a qualquer fórmula aceita e lidar racionalmente com os problemas impostos a ela”. De acordo com Delaplace (2003), o guia pareceu incorporar as proposições de ensino de Hébert e de sua obra também intitulada Guide pratique d’éducation physique, publicada em 1909, ao apresentar os exercícios de aplicação (as sete famílias de exercícios naturais) e uma Educação Física esportiva e atlética. Dessa forma, assim se manifestou Hébert (1941, p. 158, tradução nossa) sobre a divulgação do novo regulamento militar: “Infelizmente, é doloroso de constatar que este documento elaborado por oficiais cheios de boa vontade, mas incompetentes no assunto, é apenas um amálgama ou uma cópia simples sem links de trabalhos já existentes sobre o sujeito a tratar”.

Diferentes propostas que surgiam no início do século XX se opuseram àquela defendida pela École de Joinville-le-Pont, colocando-a em questionamento e ameaçando seu prestígio na área. No entanto, observamos que as diferentes propostas que se contrapuseram à instituição não foram suprimidas e anuladas integralmente, mas foram guardadas, estudadas e reformuladas, posteriormente, com vistas à obtenção de um sistema mais vasto, como apontamos, com a criação do RGEP. Por isso, não podemos entender a sua divulgação como algo pacífico, mas devemos situá-la como estratégia simbólica que determinou posições e relações produzidas no jogo das representações múltiplas, compósitas, contraditórias e concorrentes entre si.

Se o objetivo da École de Joinville-le-Pont era sanar as disputas dos métodos existentes no país e demonstrar a sua força representativa nas tomadas de decisões para a Educação Física, essa instituição, na verdade, acabou por relançar as “guerras dos métodos”. Saint-Martin (2005) salienta que, após a publicação das versões do RGEP, a solução proposta pelo ecletismo, ao contrário, acentuou essa disputa. Os entusiastas não esconderam seus descontentamentos e suas críticas ao sincretismo de ideias e à distorção no uso dos seus respectivos métodos.

Se, anteriormente, Hébert acusava a École de Joinville-le-Pont de roubar as suas ideias, mas era constantemente subvertido em suas atitudes, ele passou, então, a exigir reconhecimento como um dos inspiradores do Método Francês, “[...] quer dizer, uma simples menção de nomes! - a Amoros, a Demeny e a Hébert - obras nas quais a École se inspirou para codificar o seu método” (ARCHIVE HISTORIQUE..., 1930, s. p., tradução nossa). Até 1930, a École de Joinville-le-Pont rejeitava publicamente as contribuições de Hébert, acusando-o de tratar essa questão como uma futilidade pessoal, acima dos interesses da Nação; mas, com o reconhecimento que cada vez mais seu método suscitava, outros países o teriam, até mesmo, apoiado nessa luta: “[...] é lamentável que os franceses não queiram concordar que o seu método oficial é emprestado em grande parte do trabalho de um homem de autoridade” (EXTRAIT..., 1930, s. p., tradução nossa).

Um possível acordo teria sido realizado em 1930, após Heny Paté reconhecer o valor do novo método criado por Hébert. Timidamente, seu nome teria sido incluído como inspirador do Método Francês. Essa disputa estava ancorada no plano do reconhecimento cultural, social, simbólico e político de legitimar finalidades, conteúdos e problemas pedagógicos novos. Resistia-se a dar credibilidade a um oficial que havia “insurgido” com a criação de um método que não se enquadrava nas prerrogativas da École de Joinville-le-Pont. Tanto que não localizamos, nos arquivos históricos do Insep, menção ao nome de Hébert, principalmente à brochura escrita pelo coronel Labrosse (1929) sobre a história da instituição de 1852 a 1930.23

Por sua vez, Tissié direcionou a sua crítica diretamente ao ecletismo. Após ver o Método Sueco ser arduamente defendido pelo comandante Coste, aos poucos perdeu reconhecimento com o desenvolvimento de novos sistemas, como o de Demeny e Hébert, e a ampla utilização dos esportes. Por isso, direcionou a sua crítica à união dos métodos e aos seus sistematizadores.

Utilizou, para isso, o impresso do qual era editor, a Revue des Jeux Scolaire et d’Hygiène Sociale,24 para publicar suas opiniões a respeito da justaposição de modelos do Método Francês. De acordo com ele, “[...] o ecletismo não pode constituir um sistema de Educação Física. Ele não é mais que a manifestação da preguiça e da ignorância de conciliar pelo menos esforço” (TISSIÉ, 1922, p. 45, tradução nossa). Afirmava haver, no projeto da École de Joinville-le-Pont, uma “mediocridade” na união dos métodos, sem nenhuma coerência.

Nessa disputa, Tissié ambicionava ter seu método novamente reconhecido e amplamente utilizado na França, em um momento em que perdia terreno para as demais concepções favoráveis a movimentos menos rígidos. De acordo com as suas próprias palavras, “[...] não há métodos na Educação Física racional, existe apenas um método” (TISSIÉ, 1922, p. 37, tradução nossa). Deixando de estabelecer alianças com a École de Joinville-le-Pont, Tissié também passou a defender que a Educação Física deveria ser estritamente escolar e universitária e não mais carregar o peso da instituição militar.25

Esse período ilustrou bem o clima de lutas e disputas que obrigou Demeny, Hébert, Tissié e a École de Joinville-le-Pont a resistir e a desenvolver seus respectivos métodos, a difundir suas concepções e, ao mesmo tempo, denunciar os ataques e as críticas dos quais eles se tornaram objetos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a perda progressiva do seu monopólio político e pedagógico em olhar para a Educação Física escolar, a École de Joinville-le-Pont agiu tática e estrategicamente na tentativa de manter o seu prestígio nessa área. A opção pelo uso e pelo consumo (CERTEAU, 1994) que a École de Joinville-le-Pont fez das propostas que estavam circulando não foi ao acaso. Foi um cálculo bem planejado na constituição de um discurso pedagógico que poderia acabar com as críticas que eram direcionadas à sua intervenção na Educação Física escolar e, ao mesmo tempo, pôr fim à “guerra dos métodos”, em um contexto que refletia a necessidade de paz e consenso que caracterizava o pós-guerra (TERRET; SAINT-MARTIN, 2015). Nesse projeto, que foi idealizado estrategicamente, Demeny e Hébert viveram, com alguns anos de diferença, os mesmos dilemas, como um estranho destino que aproximou os dois homens.

Enfrentado pelo comandante Coste, acarretando o episódio de seu desligamento com a École de Joinville-le-Pont, Demeny escreveu um prefácio para o livro de Hébert (1906), que o considerava precursor de seu próprio método. Homem essencialmente científico, ele reconheceu o valor do naturalismo de Hébert, desprovido de uma firme base científica, parecendo enfatizar o empirismo contra o pensamento positivista da época ao qual parecia aderir, afirmando Demeny (apud HÉBERT, 1906, p. 5, tradução nossa): “[...] não há ciência que substitua as lições da experiência”, sempre havendo “[...] um lugar para o sábio ecletismo, [pois] é o empirismo com seus erros, mas também com seus progressos; tudo o que sabemos vem daí” (p. 6). Ele parecia encontrar, nas aplicações de Hébert, o reconhecimento prático que reivindicava em seu método.

A opção menos científica e mais empírica que pareceu se desenvolver em Demeny foi, possivelmente, o ressentimento em relação ao comandante Coste e o seu argumento inquestionável do valor racional do Método Sueco. As ambições pessoais cruzaram-se e nos deram pistas das fervorosas lutas que marcaram o início do século XX de movimentos complexos, de nuanças e de não linearidade na constituição de uma disciplina de ensino na França. Na impossibilidade de dizer, cientificamente, qual era o melhor método, se é que se podia afirmar que existia um método superior a outro, a École de Joinville-le-Pont realizou esse trabalho de síntese.

Contudo, essa ação estratégica deixou indícios para considerar qual era a predileção da instituição no momento da elaboração do Método Francês: os conhecimentos científicos de Demeny, recorrentemente citados como contribuidor e, nas entrelinhas dos documentos, as aplicações de Hébert, mesmo que a este último nenhum reconhecimento tenha sido dado pelos ressentimentos e orgulho que pareceram abranger os envolvidos nessa história. Juntamente a eles, a poderosa influência sueca nunca deixou de ser considerada, e os esportes alcançaram grande reconhecimento em uma sociedade que pretendeu se modernizar.

Estranho percurso que envolveu personagens e instituição. O olhar para as fendas contidas nos textos, conforme aconselha Ginzburg (2002), mostra Demeny, anos depois de seu afastamento da École de Joinville-le-Pont, ganhando novamente destaque e admiração pela instituição. Seria uma nova ação estratégica para evitar dar reconhecimento a Hébert, citando Demeny e o valor de seu método em um momento em que ele não mais podia se posicionar em função de seu falecimento? Os militares afirmaram ser Demeny “[...] o criador da Educação Física na França” (ARCHIVE HISTORIQUE..., [19--], p. 7, tradução nossa) e, não raras vezes, passou-se a confundir o Método Francês com o método particular elaborado por esse ator.

Mesmo rejeitados e, posteriormente, assimilados pela École de Joinville-le-Pont na elaboração do Método Francês, isso não impediu que os seus respectivos métodos resistissem no cotidiano das práticas e permanecessem em disputa e em concorrência, como destacam Assaf (2010) e Bruschi (2019), ao analisarem as instruções oficiais francesas para o ensino público, que foram publicadas após a elaboração do RGEP. As contribuições de Demeny permaneceram no próprio Exército e persistiram dentro do sistema educacional, paralelamente com o Método Sueco. Hébert viu seu método expandir-se na França, chegando até mesmo a ser proclamado como método nacional (BIBLIOTHEQUE NATIONAL..., 1941). Consideravelmente, foi utilizado no Exército, assim como na Educação Física escolar, até os anos 1950. A ginástica sueca nunca foi desconsiderada, afinal era reconhecida pelo seu poder higiênico. Os esportes, influenciados por uma perspectiva inglesa, tiveram desenvolvimento pleno e alcançaram seu apogeu em 1960, realizando apropriações das famílias de exercícios de Hébert, que foram gradualmente integradas ao movimento esportivo.

REFERÊNCIAS

ANDRIEU, G. L’éducation physique au XXe siècle: une histoire des pratiques. Paris: Librarie du sport, 1990. [ Links ]

ANDRIEU, G. L’esprit de Joinville. In: SIMONET, P. (org.). L’insep: de la gymnastique joinvillaise aux sports contemporains. Woippy: G. Klopp, 1998, p. 98-107. [ Links ]

ARCHIVE HISTORIQUE DE L’INSEP. Dossier Demeny. Joinville-le-Pont, ([19--]). [ Links ]

ARCHIVE HISTORIQUES DE L’INSEP. Extrait du journal l’Auto. Joinville-le-Pont, 1930. [ Links ]

ARNAUD, P. Le militaire, l’écolier, le gymnaste: naissance de l’éducation physique en France (1869-1889). Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1991. [ Links ]

ASSAF, T. La place des jeux traditionnels dans l’EPS: analyse socio-historique de 1891 à nos jours: le cas de la Gironde. 2010. 322 f. Tese (Doutorado em Ciências e Técnicas das Atividades físicas e Esportivas) - Université Victor Segalen Bordeaux 2, Bordeaux, 2010. [ Links ]

BAISSAC, E. Les jeux dans l’éducation physique: description de 166 jeux. Paris: Charles-Lavauzele & Cie., 1928. [ Links ]

BELLEFON, H.; MARUL, G. La Méthode française d’éducation physique: manuel pratique établi conformément aux règlements en vigueur. Paris: Etienne Chiron, [1918]. [ Links ]

BERCITO, S. D. R. Ser forte para fazer a nação forte: a educação física no Brasil (1932-1945). 1991. 244 f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. [ Links ]

BERMOND, M. T. A educação física na Revista de Educação Física (1932-1952): apropriações de Rousseau, Claparède e Dewey. 2007. 155 f.Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. [ Links ]

BERMOND, M. T.; FERREIRA NETO, A. Um olhar sobre as propostas dos militares para a educação física escolar na Revista de Educação Física (1932-1957). In: SEMINÁRIO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE E LAZER, 2., 2005, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte, 2005. p. 1-14. [ Links ]

BERTO, R. C. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e a infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 183 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008. [ Links ]

BIBLIOTHEQUE NATIONAL DE FRANCE. Instructions Officielles du 1er juin 1941. Paris, 1941. [ Links ]

BOIGEY, M. L’élevage humain. Paris: Payot, 1917. [ Links ]

BRUSCHI, M. Entre a França e o Brasil: criação, circulação e apropriações do Método Francês de Educação Física (1931-1960). 2019. 328 f. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2019. [ Links ]

BUI-XUÃN, G.; GLEYSE, J. De l’émergence de l’éducation physique: Georges Demeny et Georges Hébert, un modèle conatif appliqué au passé. Paris: Hatier, 2001. [ Links ]

CANTARINO FILHO, M. R. A educação física no Estado Novo: história e doutrina. 1982. 217 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de Brasília, Brasília, 1982. [ Links ]

CARVALHO, M. M. C. Por uma história cultural dos saberes pedagógicos. In: CARVALHO, M. M. C. Práticas educativas, culturas escolares, profissão docente: atas [do] 2. Congresso..., São Paulo: Escrituras, 1998. p. 31-40. [ Links ]

CASSANI, J. M. Da imprensa periódica de ensino e de técnicas aos livros didáticos da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas. 2018. 430 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2018. [ Links ]

CASTRO, C. In corpore sano: os militares e a introdução da educação física no Brasil. Antropolítica, Niterói, Rio de Janeiro, n. 2, p. 61-78, 1997. [ Links ]

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. [ Links ]

CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 2002. [ Links ]

COSTE, E. L’éducation physique en France: ce qu’elle est, ce qu’elle devrait être. Paris: Charles-Lavauzelle, 1906. [ Links ]

COUSIN, V. Du vrai, du beau et du bien. Paris: Didier, 1854. [ Links ]

DEFRANCE, J. Le pouvoir de Joinville sur l’école publique. In: SIMONET, P. (org.). L’insep: de la gymnastique joinvillaise aux sports contemporains. Woippy: G. Klopp , 1998. p. 108-119. [ Links ]

DEFRANCE, J.; EL BOUJJOUFI, T. Qui a peur du pouvoir médicale? À propos du mythe de la médicalisation de l’éducation physique, et de la mission d’éducation pour la santé. Mouvement & Sport Sciences, v. 2, n. 80, p. 5-13, 2013. [ Links ]

DELAPLACE, J. M. Georges Hébert et l’École de Joinville (1905-1939). In: SIMONET, P.; VERAY, L. (org.). L’empreinte de Joinville: 150 ans de sport (1852-2002). Paris: Insep Publications, 2003. p. 83-103. [ Links ]

DEMENY, G. Cours supérieur d’éducation physique: pédagogie générale et mécanisme des mouvements - anatomie et physiologie appliquées - exercices pratiques. Paris: Félix Alcan, 1903. [ Links ]

DEMENY, G. Éducation et harmonie des mouvements. Paris: F. Alcan, 1911. [ Links ]

DEMENY, G. L’école française. Paris: F. Alcan, 1909. [ Links ]

DEMENY, G. L’éducation de l’effort: psychologie et physiologie. Paris: 1914. [ Links ]

DEMENY, G. Sur l’évolution de l’éducation physique en France. Paris: Félix Alcan , ([1945]). [ Links ]

DEMENY, Georges. Éducation physique des adolescents: préparation sportive par la méthode synthétique avec l’art de travailler. Paris: Félix Alcan , 1917. [ Links ]

DESGRANGE, H. Vers la méthode unique. L’Auto, ano 20, n. 6.572, p. 2, jan. 1919. [ Links ]

DORVILLE, C. Les concours de recrutement comme révélateurs de l’identité de l’éducation physique. In: CLEMENT, JP.; HERR, M. (org.). L’identité de l’éducation physique scolaire au XXe siècle: entre l’école et le sport. Clermont-Ferrand: Editions Afraps, 1993. p. 311-326. [ Links ]

DUCOS, H. Séance du 22 mars 1921. Paris: Bibliotèque National de France, 1921. [ Links ]

DUMONT, J. Joinville aux Antilles, d’une guerre à l’autre: les enjeux d’une formation coloniale. In: SIMONET, P.; VÉRAY, L. (org). L’empreinte de Joinville: 150 ans de sport (1852-2002). Paris: Insep Publicações, 2003, p. 67-82. [ Links ]

EXTRAIT du journal l’Auto. Archives Historiques de l’Insep. Joinville-le-Pont, 1930. [ Links ]

FREITAS, L. L. Holanda Loyola, educação e educação física: reflexões pedagógicas e prescrições educacionais (1934-1944). 2011. 174 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2011. [ Links ]

GINZBURG, C. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel , 1991. [ Links ]

GINZBURG, C. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. [ Links ]

GOELLNER, S. V. O método francês e a educação física no Brasil: da caserna à escola. 1992. 223 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1992. [ Links ]

GÓIS JÚNIOR, E. Goerges Demeny e Fernando de Azevedo: uma ginástica científica e sem excessos (Brasil, França, 1900-1930). Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 37, n. 2, p. 144-150, abr./jun. 2015. [ Links ]

GUTIERREZ, L. Les limites de la visibilité pédagogique des premières écoles nouvelles (1889-1932). Les Sciences de l’Éducation: pour l’ère nouvelle, v. 39, n. 4, p. 31-45, 2006. [ Links ]

HÉBERT, G. Guide pratique d’éducation physique. Paris: Librairie Vuibert, 1909. [ Links ]

HÉBERT, G. L’éducation physique ou l'entraînement complet par la méthode naturelle, historique documentaire, exposé original et résultats initiaux, rapports, comptes rendus, articles de presse, critiques... concernant l'application de la méthode naturelle dans les milieux les plus divers. Paris: Vuibert, 1941. [ Links ]

HÉBERT, G. L’éducation physique raisonnée. Paris: Librairie Vuibert , 1906. [ Links ]

HÉBERT, Georges. Le sport contre l’éducation physique. Paris: Librairie Vuibert , 1925. [ Links ]

HOLT, R. Le destin des “sports anglais” en France de 1870 à 1914: imitation, opposition, séparation. Ethnologie Française, v. 41, n. 4, p. 615-624, 2011. [ Links ]

JUBÉ, C. N. Educação, educação física e natureza na obra de Georges Hébert e sua recepção no Brasil (1915-1945). 2017. 284 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Campinas, Campinas, 2017. [ Links ]

LABROSSE. Notice sur l’école supérieur d’éducation physique de Joinville-le-Pont: historique: rôle et fonctionnement 1852-1929. Joinville-le-Pont: Imprimèerie de l’École, 1929. [ Links ]

LIMA, M. A. O corpo no espaço e no tempo: educação física no Estado Novo (1937-1945). 1980. 155 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1980. [ Links ]

LOUDCHER, F.; VIVIER, C. Gymnastique, éducation physique et sports dans les manuels militaires (XIXe-XXe siècles). In: MINISTÈRE de la Défense(org.). De Joinville à l’Olympisme: rôle des Armées dans le mouvement sportif français. Paris: Éditions Revue EPS, 1996, p. 21-33. [ Links ]

LOUDCHER, F.; VIVIER, C. Les manuels de gymnastique et d’Éducation Physique officiels et officialisés (1869-1931). In: CLEMENT, J. P.; HERR, M. (org.). L’identité de l’éducation physique scolaire au XXe siècle: entre l’école et le sport. Clermont-Ferrand: Editions Afraps , 1993. p. 327-348. [ Links ]

MINISTÈRE de l’instruction publique et des beaux-arts. Manuel d’exercices physiques et de jeux scolaires. Paris, 1908. [ Links ]

MINISTÈRE DE LA GUERRE. Règlement Général d’Éducation Physique: première partie. Paris: Imprimerie Nationale, 1928. [ Links ]

POCIELLO, C. Un désir ambigu de science. In: SIMONET, P. (org). L’insep: de la gymnastique joinvillaise aux sports contemporains. Woippy: G. Klopp , 1998, p. 76-97. [ Links ]

QUEIROZ, K. F. S.; CANCELLA, K. A implementação do regulamento nº 7 de educação física no Brasil. Revista Brasileira de Educação Física e Esportes, v. 32, n. 3, p. 379-389, jul./set. 2018. [ Links ]

REVEL, J. Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. [ Links ]

SAINT-MARTIN, J. L’École de Joinville: une pièce maîtresse dans le rayonnement géopolitique de l’EP française entre les deux guerres mondiales? In: SIMONET, P.; VERAY, L. (org.). L’empreinte de Joinville: 150 ans de sport (1852-2002). Paris: Insep Publications , 2003. p. 47-66. [ Links ]

SAINT-MARTIN, J. L’éducation physique à l’épreuve de la nation (1918-1939). Paris: Vuibert , 2005. [ Links ]

SARREMEJANE, P. L’héritage de la méthode suédoise d’éducation physique en France: les conflits de méthode au sein de l’École Normale de Gymnastique et d’Escrime de Joinville au début du XXème siècle. Paedagogica Historica, v. 42, n. 6, p. 817-837, jan. 2007. [ Links ]

SIMONET, P. L’insep: de la gymnastique joinvillaise aux sports contemporains. Woippy: G. Klopp , 1998 [ Links ]

SOARES, C. L. Educação Física: raízes europeias e Brasil. Campinas: Autores Associados, 1994. [ Links ]

SOARES, C. L. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. 1996. 198 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996. [ Links ]

SPIVAK, M. Éducation physique, sport et nationalisme en France du Second Empire au front populaire: un aspect original de la Défense National.. 1983 1538 f. Tese (Doutorado de Estado, Letras e Ciências Humanas) - Université de Paris I - Soborne, Paris, 1983. [ Links ]

TERRET, T. Gendering physical education: the role of the French State in the aftermath of the First World War. European Journal of Sport Sciences, v. 12, n. 2, p. 179-184, 2011. [ Links ]

TERRET, T. Les modèles d’entraînement en France dans les années vingt: diversité, références scientifiques et pressions internationales. In: SAINT-MARTIN, JP.; TERRET, T. (org.). Le sport français dans l’entre-deux-guerres: regards croisés sur les influences étrangères. Paris: l’Harmattan, 2000. p. 146-150. [ Links ]

TERRET, T. Les quatre enjeux de Jeux interalliés de 1919. In: SIMONET, P.; VÉRAY, L. (org.). L’empreinte de Joinville: 150 ans de sport (1852-2002). Paris: Insep Publications , 2003. p. 121-137. [ Links ]

TERRET, T.; SAINT-MARTIN, J. Journey in the historiography of the French Method of Physical Education: a matter of nationalism, imperialism and gender. In: FREEMAN, M. (org.). Sport, health and the body in the History of Education. Londres e Nova York: Taylor & Francis, 2015. p. 17-50. [ Links ]

TERRET, T.; TESCHE, L. French gymnastics in Brazil: dissemination, diffusion and relocalization. The International Journal of the History of 0,Sport, v. 26, p. 1983-1998, Oct. 2009. [ Links ]

THIBAULT, J. L’influence de mouvement sportif sur l’éducation physique dans l’enseignement secondaire français: étude historique et critique (1870-1970). Paris: J. Vrin, 1991. [ Links ]

TISSIÉ, P. L’éducation physique rationnelle: méthode, les maîtres, les programmes. In: Revue des Jeux Scolaires et d’Hygiène Sociale, ano 32, n. 4-5-6, p. 36-37, Avril/Mai./Juin. 1922. [ Links ]

ULMANN, J. De la gymnastique aux sports modernes: histoire des doctrines de l’éducation physique. Paris: Press Universitaire de France, 1965. [ Links ]

4Escola de Joinville-le-Pont (tradução nossa).

5O estudo de Soares (1996) é entendido como referência na historiografia da Educação Física brasileira quando se trata do Método Francês. Consideramos que a autora analisa o surgimento da ginástica francesa, demarcando o século XIX como periodização do seu estudo. A terminologia Método Francês passou a ser utilizada a partir de 1918 (LOUDCHER; VIVIER, 1993). Por essa razão, não consideramos o trabalho em nosso levantamento bibliográfico para não corrermos o risco de produzir um anacronismo histórico.

6Regulamento Geral de Educação Física (tradução nossa).

7A École de Joinville-le-Pont atualmente funciona como Institut National du Sport, de l’Expertise et de la Performance (Instituto Nacional do Esporte, da Especialização e da Performance - Insep). Oferece condições ideais de treinamento aos melhores atletas franceses e à administração de alto nível. Em virtude de sua condição de estabelecimento público superior, científico, cultural e profissional, a instituição contribui com programas de pesquisa científica, médica e tecnológica no campo das atividades físicas e esportivas. Também produz e divulga conhecimentos relacionados com o esporte de alto nível.

8O denominado Método Francês, inicialmente, foi publicado em forma de Projet de Règlement Général d’Éducation Physique (Projeto de Regulamento Geral de Educação Física), compreendendo quatro fascículos e um anexo: 1ª parte - Educação Física Elementar (crianças entre 4 e 13 anos); 2ª parte - Educação Física Secundária (adolescentes e jovens de 13 a 18 anos); 3ª parte - Educação Física Superior (esportiva e atlética, abrangendo os homens de 18 e 30 anos); 4ª parte - Título I: Adaptações profissionais, Título II: Reeducação física militar; e um anexo - Instrução sobre o papel do médico na educação e na reeducação Física.

9A revisão bibliográfica para localizar os estudos franceses foi realizada nas plataformas internacionais Scopus e Web of Sciences e no site Cairn, que reúne as revistas científicas mais bem conceituadas da área de Ciências Humanas e Sociais da França.

10Destacamos os principais métodos; entretanto, Tissié (1922) distinguiu ao menos 12 métodos existentes na França. São eles: a ginástica alemã, a ginástica inglesa, a ginástica sueca de Ling, a ginástica especulativa de laboratório, a ginástica natural, a ginástica sexlateral, a ginástica eclética, a ginástica de musculação, a ginástica de quarto, a ginástica estética, a ginástica rítmica e a ginástica dita francesa.

11A comissão foi composta por representantes do Ministério da Guerra, do Ministério do Interior e do Ministério da Instrução Pública, contando, dentre eles, com Georges Demeny, na época, professor de Fisiologia aplicada da École de Joinville-le-Pont.

12Manual de exercícios físicos e de jogos escolares (tradução nossa).

13Criado em 1918, o Comité National d’Éducation Physique (Comité Internacional de Educação Física) foi uma rede que agiu como apoiadora das ações do ministro da Guerra Georges Clemenceau, no período de 1917 a 1920.

14A École de Joinville-le-Pont adquiriu um reconhecimento nacional a partir de 1920. Em 1925, ela se torna École Supérieure d’Éducation Physique (Escola Superior de Educação Física) e passa a acolher estagiários civis, além de se tornar um centro de preparação de atletas. A instituição acaba por perder, em parte, sua conotação militar e abre espaço para a diversidade de concepções de ensino (SIMONET, 1998).

15A biomecânica foi inventada por Georges Demeny, juntamente com o fisiologista Étienne Jules-Marey, quando preparador na Station Physiologique du Parc des Princes (Estação Fisiológica do Parc des Princes) no século XIX.

16Sobre os manuais de ginásticas publicados entre 1869 e 1931, para regular o ensino da Educação Física nas escolas francesas, consultar Loudcher e Vivier (1993).

17Demeny e Tissié haviam trabalhado conjuntamente nos anos da década de 1880 e 1890 para uma reforma da Educação Física. Segundo as próprias palavras de Demeny: “Não posso deixar de esquecer que, 20 anos antes, juntamente com o sr. Tissié, em 1878, nós lutamos contra o empirismo e procuramos introduzir o método experimental na educação” (DEMENY, ([19--], p. 2, tradução nossa).

18Escola de Ginástica da Marinha em Lorient (tradução nossa).

19Congresso Internacional de Educação Física (tradução nossa).

20A École de Joinville-le-Pont e a École de Gymnastique de la Marine à Loirentt adotaram práticas de ginásticas diferentes para a formação dos seus militares. O argumento, segundo Delaplace (2003), era que o regulamento militar em vigência era ideal para a Infantaria, mas não adaptável aos marinheiros. Publicado em 1902, um novo regulamento militar pretendia essa uniformização para todo o Exército; contudo, a Marinha passou a adotar as práticas do Método Natural, que era desenvolvido pelo oficial de Marinha Georges Hébert.

21Em 1913, Hébert assumiu a direção do Collège Athètes de Reims (Colégio de Atletas de Reims), que preparou os atletas para os Jogos Olímpicos de Berlim.

22Guia prático de Educação Física (tradução nossa).

23Apesar da tentativa de silenciamento da École de Joinville-le-Pont em dar reconhecimento à Georges Hébert e ao seu método, os estudos históricos franceses têm demonstrado a apropriação de seu pensamento no ecletismo do Método Francês, assim como as pesquisas internacionais, a exemplo das desenvolvidas no Brasil (JUBÉ, 2017; CASSANI, 2018; BRUSCHI, 2019).

24Revista de Jogos Escolares e de Higiene Social (tradução nossa).

25Com o falecimento de Demeny em 1917, não encontramos registros de sua opinião a respeito da estratégia empregada pela École de Joinville-le-Pont.

FINANCIAMENTO: Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES).

Recebido: 21 de Março de 2020; Aceito: 09 de Outubro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons