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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.36  Belo Horizonte  2020  Epub 12-Mar-2020

https://doi.org/10.1590/0102-4698205692 

ARTIGO

UM ESTUDO SOBRE LICENCIATURAS EM CIÊNCIAS DA NATUREZA NO BRASIL

UN ESTUDIO SOBRE LICENCIATURAS EN CIENCIAS DE LA NATURALEZA EN BRASIL

RITA DE CÁSSIA REIS1  *
http://orcid.org/0000-0003-4839-9826

EDUARDO FLEURY MORTIMER2  **
http://orcid.org/0000-0002-3025-121X

1Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Educação, Juiz de Fora, MG, Brasil.

2Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte, MG, Brasil.


RESUMO:

Neste artigo, discutimos a formação acadêmico-profissional de professores de ciências para atuar no ensino fundamental. Consideramos que o docente que leciona nesse nível deveria contar com uma formação exclusiva, que atendesse às necessidades pedagógicas do ensino fundamental e que subsidiasse a concretização, em sala de aula, de um currículo de Ciências da Natureza baseado no diálogo entre os conhecimentos disciplinares estruturadores das áreas de Química, Física, Biologia, Geologia e Astronomia. Nesse sentido, analisamos as matrizes curriculares de cursos de Licenciaturas Plenas em Ciências da Natureza. Consideramos as áreas disciplinares contempladas, os eixos formativos e os diversos contextos de criação dos cursos. A investigação sobre a formação proporcionada por esses cursos possibilitou que traçássemos pontos que diferenciam e caracterizam esse tipo de formação.

Palavras-chave: formação de professores; licenciaturas; Ciências da Natureza

RESÚMEN

En este artículo, discutimos la formación académico-profesional de maestros de ciencias para trabajar en educación primaria. Creemos que el maestro que enseña a este nivel debe tener una capacitación exclusiva que satisfaga las necesidades pedagógicas de la educación primaria y que apoye la realización, en el aula, de un plan de estudios de Ciencias Naturales basado en el diálogo entre el conocimiento disciplinario estructurante de Química, Física, Biología, Geología y Astronomía. En este sentido, analizamos las matrices curriculares de los cursos de Licenciatura en Ciencias Naturales. Consideramos las áreas temáticas cubiertas, los ejes de capacitación y los diferentes contextos para crear los cursos. La investigación sobre la capacitación brindada por estos cursos nos permitió extraer puntos que diferencian y caracterizan este tipo de formación.

Palabras clave: formación del profesorado; cursos de pregrado; Ciencias Naturales

ABSTRACT:

In this article, we discuss the academic training of science teachers intending to work in middle school. We believe that the teacher who teaches at this level should have an exclusive training, as students from the 6th to the 9th grades have specific pedagogical needs and the curriculum of Natural Sciences practiced in schools is far from the reality experienced in high schools, because it is based on the dialogues between disciplinary knowledge structuring the areas of Chemistry, Physics, Biology, Geology, and Astronomy. From this perspective, we analyze curricular matrices of Full Degree courses in Natural Sciences. We take into account the disciplinary areas contemplated, the formative axes and the diverse contexts of creation of these courses. The research on the training provided by these courses allowed us to draw points that differentiate and characterize this type of professional development.

Keywords: professional development of teachers; natural sciences

INTRODUÇÃO

No Brasil, os primeiros cursos voltados para a formação de professores tiveram início na década de 30, período em que foram criadas as Faculdades de Filosofia com o objetivo de ampliar os estudos em nível superior, não somente com o enfoque profissional, mas também com o objetivo de substituir a prática do autodidatismo, comum naquela época.

No que diz respeito à formação do professor de ciências para o atual ensino fundamental II, esta se dava por meio dos Cursos de História Natural; no entanto, aqueles licenciados em Química e Física também podiam atuar nesse segmento, uma vez que havia escassez de professores de ciências. Os cursos de História Natural estavam alocados nas Faculdades de Filosofia e tinham em seu currículo disciplinas dos ramos das Ciências Biológicas e das Geociências, dentre outras.

Entretanto, o Parecer n.º107/70, do Conselho Federal de Educação (CFE), apontou que o currículo da Licenciatura em História Natural não continha disciplinas que preparavam seu egresso para atuar nas disciplinas de ciências do então ginásio (atualmente, corresponde aos anos finais do ensino fundamental). Segundo Tavares (2006), com esse posicionamento o CFE acatou um pedido da USP e estabeleceu o currículo mínimo para a Licenciatura em Ciências Biológicas visando atender às exigências das disciplinas de ciências.

Diante desse quadro, os cursos de História Natural deram lugar aos cursos de Ciências Biológicas, no que diz respeito à formação do professor para atuar no ensino fundamental. De igual modo, os cursos de Geologia, Química e Física também não apresentavam um conjunto de disciplinas que preparavam seus egressos para lecionar ciências no ginásio.

Ressaltamos que os cursos de Ciências Biológicas foram os primeiros a serem regulamentados por Diretrizes Curriculares Nacionais pelo fato de o currículo de ciências do então ginásio ser, majoritariamente, composto por conteúdos de biologia. Contudo, para Ayres e Selles (2012, p.101), “mesmo as mudanças que originaram a licenciatura em Ciências Biológicas, em 1963, não davam conta plenamente da especificidade do ensino de Ciências”.

Aos poucos se constituíram argumentos favoráveis à criação de uma licenciatura mais voltada para o ensino do ginásio, que abordasse determinados conteúdos de geociências e biológicos. Para o CFE, essa licenciatura atenderia aos estudantes que precisavam de um docente que dominasse os conteúdos estabelecidos para o ensino de ciências e supriria a escassez de docentes para o ginásio. Nesse contexto, instaurou-se a Licenciatura Curta em Ciências, que tinha como meta a formação de um profissional que não fosse especialista, mas que tivesse um olhar mais global (TAVARES, 2006).

Dentre os três cursos de licenciaturas curtas aprovados pelo Parecer nº 81/65, a Licenciatura em Ciências era a que tinha maior carência de professores (TAVARES, 2006). Entretanto, o aligeiramento da formação docente somado à inexistência de cursos interdisciplinares de Ciências, em contraposição aos cursos disciplinares de Física, Química e Biologia então existentes, fez com que a licenciatura curta enfrentasse alguns problemas em sua implantação em relação à polivalência do professor e à integração das ciências, uma vez que as universidades públicas não aderiram ao projeto.

Além desses argumentos, outros foram tecidos contra a licenciatura curta no meio acadêmico, principalmente durante a década de 80, em que o sentimento que rejeitava esses cursos se misturou à oposição ao regime militar. Após a queda do regime militar e o estabelecimento de uma nova Constituição Federal em 1988, uma nova Lei de Diretrizes e Bases foi elaborada em 1996. Por meio do artigo 62, ela instituiu a obrigatoriedade da Licenciatura Plena para os profissionais que lecionavam na Educação Básica.

A partir dessa nova determinação, as instituições superiores que optaram por ofertar a Licenciatura Curta em Ciências com as habilitações tiveram de adaptar seus currículos para os cursos de graduação plena. Nesse cenário, algumas instituições optaram por oferecer as licenciaturas plenas nas áreas de Química, de Física, de Matemática e de Biologia, que possuíam diretrizes curriculares nacionais já estabelecidas. Destacamos que durante esse período ainda não estavam estabelecidas as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Licenciatura Plena em Ciências da Natureza (LCN)3, fato que se perpetua até os dias atuais.

Há que se ressaltar, ainda, que cursos de LCN encontram pouco eco nas universidades públicas, caracterizadas por fortes departamentos ou institutos nas áreas de Física, Química e Biologia. Há um sentimento prevalente nesses departamentos de que as disciplinas Física, Química e Biologia do ensino médio devem ter um caráter propedêutico, ou seja, preparar os alunos que vão fazer universidade nessas áreas. Não encontra repercussão, nesses departamentos, toda uma série de investigações que mostram que as disciplinas científicas do ensino médio são bem diferentes daquelas praticadas nessas instituições profissionais, pois incorporam temas e movimentos importantes como o construtivismo, o CTS, o ensino por investigação etc.

Atualmente, a formação de professores para os anos finais do ensino fundamental ocorre predominantemente em cursos de licenciatura em Ciências Biológicas. Entretanto, ao longo dos anos 1990 e 2000 surgiram novas LCN, sendo que algumas instituições ainda oferecem a possibilidade de o licenciado ter ainda habilitação em Química, Física e Biologia (para o ensino médio) e Matemática (para o ensino fundamental).

AS LICENCIATURAS EM CIÊNCIAS DA NATUREZA

Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), levantados por meio do sistema e-MEC no segundo semestre de 2017, existiam, em atividade no País, 692 cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, 48 cursos denominados Licenciatura em Ciências Naturais e 14 cursos denominados Licenciatura em Ciências da Natureza. Somando-se os dois últimos dados, temos 62 cursos que se propõem a formar o professor de ciências para atuar no ensino fundamental. Essas licenciaturas são ofertadas por 18 instituições públicas estaduais e federais ao longo do território nacional em diversas localidades.

Quando observamos o número de cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, em relação ao número de cursos de LCN, notamos que a formação dos professores de ciências para lecionar exclusivamente no ensino fundamental perde em expressividade. Mesmo assim, a LCN está presente em todas as regiões do País, com o predomínio de cursos nas regiões Nordeste e Norte, conforme as informações contidas no sistema e-MEC. Juntas, nessas regiões, há 11 instituições que ofertam seus cursos em campus das universidades, em institutos federais e em polos de educação à distância.

Quando avançamos para a Região Sudeste, observamos um decréscimo (quatro instituições) na oferta de LCN, mesmo sendo uma região que detém as universidades mais desenvolvidas do País. Isso nos leva a pensar que as universidades com Institutos de Física, Química e Biologia, muito desenvolvidos, não se interessam em oferecer esse tipo de licenciatura, pois isso exige um esforço interdisciplinar e integrador. Nesses casos, a ênfase é dada aos cursos de bacharelado, e as licenciaturas são oferecidas como um apêndice. Contudo, como em geral não existe um bacharelado em Ciências da Natureza e essa disciplina não é oferecida no ensino médio, observa-se o desinteresse pela implantação desse curso em grandes centros.

Acreditamos ser necessário investigarmos a formação para o profissional que leciona ciências no ensino fundamental, pois, segundo Razuck e Rotta (2014), os estudantes da educação básica, nesse nível, apresentam necessidades educativas diferentes daquelas dos estudantes do ensino médio. Nessa etapa, o professor lida com aspectos relacionados à juventude, que são característicos de um período de transição entre a infância e a adolescência, que influenciam, ou deveriam influenciar, no modo como planeja suas aulas. Além disso, nessa etapa da escolarização, diferentemente do que ocorre no Ensino Médio, a formação não é propedêutica, pois não visa simplesmente preparar o estudante para um nível mais avançado, mas inseri-lo na cultura científica. Da mesma forma, nesse nível não há uma preocupação em estabelecer relações com o mundo do trabalho, como ocorre no Ensino Médio.

Durante os anos finais do ensino fundamental, o estudante tem acesso a diferentes formas de pensar e comunicar originadas nos diferentes campos do saber, e com isso a sua capacidade de comunicar se expande. No entanto, no caso das Ciências da Natureza, ainda não há uma especialização disciplinar, o que exige um grande esforço dos professores em integrar os diferentes saberes disciplinares que compõem essa área a fim de configurar um objeto e um olhar interdisciplinar para os fenômenos estudados. Assim, o professor deveria abordar os fenômenos de forma não estanque, permitindo que todas as questões oriundas das várias disciplinas (Química, Física, Biologia, Astronomia e Geologia) iluminassem a sua abordagem sem permitir que uma área sobressaia sobre as outras, como acontece atualmente.

Para satisfazer a todas essas necessidades formativas, o professor deveria contar com uma formação exclusiva que subsidiasse a concretização, em sala de aula, de um currículo de Ciências da Natureza baseado no diálogo entre os conhecimentos disciplinares estruturadores das áreas de Química, Física, Biologia, Geologia e Astronomia.

Por isso, assumimos como hipótese que as LCN (que não conferem habilitações nas áreas de Química, Física, Biologia e Matemática por não estarem atreladas à modalidade de bacharelado) podem possibilitar o estudo e a integração entre as áreas disciplinares que compõem o currículo de ciências no ensino fundamental e dessas áreas com o conhecimento pedagógico.

Desse modo, apresentamos uma análise das matrizes curriculares e ementas das disciplinas de cursos de LCN que habilitam seu egresso para atuar exclusivamente no ensino fundamental. Neste artigo, levamos em consideração as áreas disciplinares contempladas e os diversos contextos de criação desses cursos. Nosso objetivo foi evidenciar quais as áreas disciplinares contempladas e como eram ofertadas nos diversos percursos formativos analisados, traçando pontos de convergência e divergência entre eles. Não objetivamos, com isso, estabelecer comparações que visem apontar qual seria o melhor modelo de formação analisado, mas elencar elementos que nos permitam refletir sobre a formação de professores de ciências para atuar no ensino fundamental.

O PERCURSO METODOLÓGICO

Para realizarmos a análise das matrizes curriculares dos cursos de LCN e das ementas das disciplinas ofertadas, partimos dos dados levantados pelo sistema e-MEC. De todos os cursos vigentes no ano de 2014, em instituições públicas de ensino superior, selecionamos os 20 cursos de licenciaturas que tinham como objetivo formar o professor de ciências para o ensino fundamental. Logo após, procuramos nos sites das instituições e, em alguns casos, nos projetos pedagógicos, as matrizes e ementas dos cursos selecionados e chegamos a um total de 14 cursos de licenciatura.

Para a análise das matrizes curriculares, realizamos uma leitura preliminar dos nomes das disciplinas ministradas e a criação de categorias temáticas, que foram definidas a posteriori. Em seguida, agrupamos cada disciplina em uma categoria temática e, quando o nome da disciplina deixava dúvida sobre a categoria na qual se enquadrava, procedíamos à leitura da ementa. No total, estabelecemos 15 categorias de análise descritas a seguir:

  1. Biologia (BIO): reúne disciplinas que abordam o conhecimento biológico, como Zoologia, Evolução e Genética, por exemplo.

  2. Física (FIS): reúne disciplinas que abordam o conhecimento físico, como Física I, Física II, Mecânica, Eletromagnetismo etc.

  3. Química (QUI): reúne disciplinas que abordam o conhecimento químico, como Química Inorgânica, Química Orgânica etc.

  4. Matemática (MAT): reúne disciplinas que abordam o conhecimento matemático veiculado nos cursos, como Cálculo I e Cálculo II, por exemplo.

  5. Geociências (GEO): reúne disciplinas que estudam a Terra, sua constituição e origem, como Geologia, Mineralogia e Astronomia, por exemplo.

  6. Português (POR): reúne disciplinas de introdução ao português, ou português básico, como Leitura e Produção Textual, por exemplo.

  7. Informática (INF): reúne disciplinas de introdução aos recursos computacionais, como Introdução à Informática, Microinformática Básica, por exemplo.

  8. Estatística (EA): compreende as disciplinas que abordam o conhecimento estatístico aplicado às Ciências da Natureza.

  9. Pedagógica de Conteúdo (PEC): são as disciplinas que promovem a integração entre o conhecimento do conteúdo disciplinar a ser ensinado e o conhecimento pedagógico. Como exemplo, podemos citar Didática Específica, Metodologia do Ensino de Ciências, Instrumentação para o Ensino de Ciências, Docência no Ensino de Ciências, Cultura Escolar e Cultura Científica, Educação em Ciências em Espaços Formais e Não Formais etc.

  10. Metacientífica (MET): congrega as disciplinas que promovem uma reflexão crítica da ciência, por meio de discussões que levam em consideração o seu caráter histórico e filosófico, sua divulgação, inserção e presença no contexto social atual. Como exemplo, temos as disciplinas de História da Ciência, Filosofia da Ciência, Divulgação Científica, Ciência, Tecnologia e Sociedade etc.

  11. Pedagógica (PED): reúne disciplinas que abordam o conhecimento pedagógico fundante para a docência, como Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, Avaliação e Currículo, Políticas Públicas, por exemplo.

  12. Estágio (EO): congrega as disciplinas de estágio supervisionado, presentes no curso.

  13. Libras (LIB): compreende as disciplinas que estudam a linguagem brasileira de sinais aplicada ao ensino.

  14. Optativas (OPT): correspondem às disciplinas optativas obrigatórias que os licenciandos devem fazer para se formarem.

  15. TCC/monografia/projeto final (TCC): reúne disciplinas que compreendem orientações sobre o trabalho de conclusão de curso na forma de uma monografia ou de um projeto a ser aplicado.

Com essas categorias, contabilizamos a carga horária destinada a cada disciplina que as compunha e estabelecemos a proporção, em horas, para cada categoria. Em um segundo momento, agrupamos essas categorias em dois eixos de formação: (i) conteúdo disciplinar, que envolve a abordagem das diferentes disciplinas que constituem a área de Ciências da Natureza e que conferem a atribuição para lecionar. Assim, nesse eixo situamos disciplinas pertencentes às categorias temáticas de 1 a 5, descritas anteriormente; (ii) Conteúdo pedagógico, pedagógico do conteúdo e estágios supervisionados, que dizem respeito à formação específica do professor, pois promovem a abordagem dos diferentes saberes docentes, que são necessários para constituir a formação do professor. Nesse eixo situamos as disciplinas pertencentes às categorias temáticas 9, 11 e 12, descritas anteriormente.

O nosso objetivo é propiciar uma discussão sobre a articulação entre esses dois eixos da formação docente, que tem por base a discussão presente na literatura de formação de professores, relativa à formula conhecida como 3 + 1. Assim, interessa-nos saber se os cursos analisados superam as características dessa fórmula. Estarão ausentes dessa discussão, portanto, as disciplinas pertencentes às categorias temáticas 6, 7, 8, 13, 14 e 15.

A COMPOSIÇÃO DAS MATRIZES CURRICULARES DAS LCN

Em nossa pesquisa, observamos que os cursos eram ofertados por instituições fundadas a partir dos anos 2000 e/ou que passaram por um processo de expansão com a criação de novos campi em áreas menos desenvolvidas das regiões metropolitanas ou do interior dos estados brasileiros. Essas regiões, na maioria dos casos, foram escolhidas com o intuito de promover o desenvolvimento social das comunidades locais onde não havia a presença de uma IES pública. Muitas dessas instituições aderiram ao Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que teve início em 2003. Em outros casos, o curso de LCN foi ofertado em adequação ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR).

Conforme veremos a seguir, a análise das matrizes revela-nos uma diversidade de composições possíveis. Encontramos cursos que ofertam disciplinas em todas as categorias elencadas anteriormente e cursos que privilegiam algumas áreas do conhecimento em detrimento de outras. Acreditamos que essa diversidade aconteça principalmente pela falta de uma Diretriz Curricular para essa modalidade de formação docente.

Optamos por apresentar a análise das 14 matrizes curriculares conforme a distribuição das licenciaturas pelas cinco regiões brasileiras, seguindo a mesma lógica de apresentação de dados por região, utilizada nos relatórios e estudos do Ministério da Educação, bem como em estudos sobre a formação de professores no Brasil (GATTI e NUNES, 2009). Acreditamos que, dessa maneira, estamos dialogando com os estudos desenvolvidos pelo MEC e outras pesquisas que apresentam a realidade da Educação Básica e da formação de professores.

Os percursos formativos propostos por região.

Neste tópico apresentamos a análise das matrizes curriculares e ementas disponíveis nos sites das instituições. Compreendemos que o currículo é “[...] ele mesmo, uma prática discursiva. Isso significa que ele é uma prática de poder, mas também uma prática de significação, de atribuição de sentidos” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 41). Logo, perpassamos pela leitura do histórico de criação dos cursos descritos nos projetos pedagógicos e nos sites institucionais, pois queríamos compreender o funcionamento e o contexto institucional no qual as disciplinas consultadas foram gestadas. Desse modo, retratamos em cada região um breve histórico de criação dos cursos analisados e o agrupamento de todas as disciplinas ofertadas nas categorias já elencadas. Por último, informamos que todas as matrizes curriculares analisadas foram consultadas no ano de 2014.

Região Sul

De acordo com o levantamento, essa região possuía cursos que habilitavam para lecionar ciências somente no ensino fundamental e cursos com habilitações nas áreas de Ciências, Química, Biologia e Física. Das instituições cadastradas no sistema e-MEC, analisamos as matrizes curriculares de quatro - Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)4, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) e Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Os cursos ofertados por essas instituições eram predominantemente no período noturno e se localizavam em campi de cidades afastadas das capitais dos estados e em regiões de fronteira. Com exceção do curso da UEM que foi instituído em 1991, os demais foram implementados a partir dos anos 2000. A licenciatura da UNESPAR é ofertada desde 2000, já a licenciatura da UFFS foi criada junto com a fundação da universidade em 2009, e o mesmo ocorreu com o curso da UNIPAMPA, que foi fundada em 2008.

Nos cursos analisados da Região Sul (tabela 1), é relevante a elevada carga horária de disciplinas que abordam o conhecimento biológico em relação às categorias de Física e Química. Geralmente, essas últimas possuem a mesma carga horária, com exceção da UNIPAMPA.

Tabela 1: Distribuição das horas de curso pelas categorias analisadas para cada instituição consultada da Região Sul. 

Carga Horária das categorias analisadas para as instituições da Região Sul consultadas (dados em horas)
Instituições (sigla) Categorias
Bio Fis Qui Mat Geo Por Inf Ea Pec Met Ped Eo Lib Opt Tcc
UEM 408 272 272 272 136 - 68 - 238 272 408 510 68 - 272
UFFS 450 300 300 120 105 120 60 60 285 180 345 420 60 120 90
UNESPAR 680 408 408 544 68 - 34 - 68 68 136 408 - - -
UNIPAMPA 630 360 570 60 60 60 - 30 180 60 660 420 60 - 60

Fonte: dados retirados e adaptados de REIS (2016).

Notamos que todos os cursos oferecem disciplinas na categoria Matemática. Em alguns casos, como nas instituições UEM e UNESPAR, a carga horária dessa categoria é igual ou maior que as de Química e Física. Na maioria das instituições, a categoria Matemática tem carga horária consideravelmente maior que a categoria Geociências, que abrange conhecimentos que compõem o currículo de ciências no ensino fundamental. Se compararmos essa presença do conhecimento matemático com a oferta de Trabalho de Conclusão do Curso, veremos que o primeiro é mais valorizado que o segundo, pois o TCC não está presente em todos os cursos analisados.

No que diz respeito à categoria Geociências, percebemos que, à medida que avançamos pelas instituições, a carga horária decresce. Em comparação com as demais categorias de Física, Química e Biologia, ela apresenta uma carga horária reduzida. Em grande parte dos cursos analisados, há apenas uma disciplina que discute Geociências com os licenciandos. Esse mesmo decréscimo na proporção de carga horária ocorre com disciplinas da categoria Metacientífica.

Em relação aos conhecimentos necessários para o exercício da docência, notamos que a categoria Pedagógica de Conteúdo apresenta uma fração de carga horária menor que a categoria Pedagógica.

Região Centro-Oeste

Nessa região, a maioria dos cursos confere somente habilitação para Ciências da Natureza. Após a consulta aos sites institucionais, conseguimos as matrizes curriculares de duas instituições: do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Mato Grosso (IFET-MT) e da Universidade de Brasília (UnB) (tabela 2).

O curso ofertado pelo IFET-MT, desde 2010, funciona no período noturno na cidade de Jaciara, no interior do estado, em um núcleo avançado do Campus São Vicente. O núcleo foi criado para atender a uma demanda por professores de ciências da região.

A Universidade de Brasília, por sua vez, foi criada há mais de 50 anos e é considerada uma instituição tradicional de ensino superior no País. Por volta do ano de 2005, elaborou um plano de expansão com a criação de novos campi e posteriormente aderiu ao REUNI. O curso de LCN é ofertado desde 2006 no campus de Planaltina-DF e, atualmente, conta com turmas no período diurno e no noturno.

Tabela 2: Distribuição das horas de curso pelas categorias analisadas para cada instituição consultada da Região Centro-Oeste. 

Carga Horária das categorias analisadas para cada instituição consultada (dados em horas)
Instituições(sigla) Categorias
Bio Fis Qui Mat Geo Por Inf Ea Pec Met Ped Eo Lib Opt Tcc
IFET-MT 640 400 360 280 40 80 - 80 280 160 320 400 40 160 80
UNB 300 240 270 60 270 - - 60 180 60 240 405 60 660 60

Fonte: dados retirados e adaptados de REIS (2016).

De acordo com os dados da tabela 2, os cursos analisados apresentam matrizes curriculares bem distintas. No IFET-MT, a carga horária da categoria Biologia é maior do que as demais. Há uma valorização da categoria Matemática, com 280h, se comparada à categoria de Geociências (40h), do mesmo modo como foi constatado para os cursos da Região Sul.

O curso da UnB apresenta uma distribuição de carga horária mais igualitária entre as categorias que compõem o eixo disciplinar, como a Biologia (300h), a Física (240h), a Química (270h) e a Geologia (270h). Esse dado é interessante, pois mostra que na matriz curricular não há uma tendência explícita da valorização de uma categoria em detrimento da outra. Isso reafirma a importância de o futuro professor de Ciências da Natureza ter acesso ao conhecimento de todas as áreas, mas que esse contato não se restrinja a uma “exemplificação” do conhecimento de uma área para o currículo de ciências. Ao contrário, espera-se que esse contato com os conhecimentos acadêmicos possibilite ao licenciando refletir sobre os conhecimentos disciplinares presentes no ensino de ciências e se aprofundar numa visão mais integrada dessas áreas.

Outro ponto relevante é a carga horária de disciplinas optativas (660h) que, segundo o projeto pedagógico do curso, tem como objetivo dar oportunidade aos estudantes para que complementem seus estudos nas áreas nas quais tiverem maior interesse, quer seja para estudos posteriores ou porque sentem dificuldades e querem/precisam se aprimorar. Talvez seja por essa elevada carga de disciplinas optativas na licenciatura da UnB que as categorias Pedagógica de conteúdo, Metacientífica e Pedagógica possuam uma carga horária menor do que no IFET-MT.

Região Sudeste

A Região Sudeste apresenta instituições que oferecem a LCN somente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Ao contrário das demais regiões, essa apresenta apenas cursos presenciais. Desses, três não oferecem habilitações específicas em Química, Física ou Biologia. Dentre esses, dois foram utilizados para este estudo (tabela 3), pois disponibilizavam suas matrizes nos sites institucionais - um curso na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e outro na Universidade de São Paulo (USP).

De modo geral, nos cursos consultados da Região Sudeste, notamos a elevada carga horária para a categoria Geociências na USP e para a categoria Biologia na UNIRIO. Acreditamos que devemos levar em consideração o contexto no qual esses cursos de licenciatura estão inseridos, pois isso pode ter refletido na elaboração das matrizes curriculares e explicaria a concentração de disciplinas em algumas áreas.

O curso de LCN da UNIRIO, apesar de ter sido implantado em 1984, foi transformado, na década de 1990, em complementação pedagógica ao curso de bacharelado em Biologia. Entretanto, segundo o projeto pedagógico, em atendimento às novas Diretrizes Curriculares Nacionais para as Licenciaturas, em 2007 o curso foi repensado e passou a ser ofertado novamente.

O curso de LCN da USP foi implementado em 2005 com a criação de um campus da universidade na zona leste de São Paulo. Ao compararmos os valores de carga horária das categorias Química (180h), Física (195h), Biologia (480h) e Geociências (450h), notamos o destaque dado às duas últimas, em detrimento das duas primeiras. A justificativa desse fenômeno pode estar no fato de essa instituição ter abrigado o primeiro curso de História Natural do Brasil. Nesses cursos, havia o estudo de aspectos relativos à Geociências, e isso pode ter refletido na elaboração da matriz curricular proposta para o curso.

Tabela 3: Distribuição das horas de curso pelas categorias analisadas para cada instituição consultada da Região Sudeste. 

Carga Horária das categorias analisadas para as instituições consultadas da Região Sudeste (dados em horas)
Instituições(sigla) Categorias
Bio Fis Qui Mat Geo Por Inf Ea Pec Met Ped Eo Lib Opt Tcc
UNIRIO 705 165 120 120 270 - - 60 240 - 270 410 60 - 60
USP 480 195 180 180 450 - - 60 360 60 240 400 - - 300

Fonte: dados retirados e adaptados de REIS (2016).

Região Nordeste

A Região Nordeste possuía, em 2014, dez cursos de LCN, a maioria implementada a partir dos anos 2000. Desses cursos, cinco não conferiam habilitações em outras áreas, e conseguimos os dados de quatro dessas instituições. As instituições que tiveram suas matrizes curriculares consultadas foram: Universidade Federal do Vale do Rio São Francisco (UNIVASF), Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Universidade Federal do Piauí (UFPI). Uma particularidade dessa região é que nela encontramos cursos ofertados na modalidade à distância (UFPB) e no âmbito do PARFOR, na modalidade de primeira licenciatura para aqueles docentes que já atuam nas redes de ensino sem formação acadêmica na área em que lecionam, como é o caso do curso da UFRB.

Dentre as licenciaturas da Região Nordeste (tabela 4), o curso da UNIVASF apresenta a maior carga horária para a categoria Geociências (180h) e para a categoria Metacientífica (300h). Essa última corresponde à maior carga horária dessa categoria dentre todas as matrizes consultadas na pesquisa. Também destacamos que, nessa instituição, a carga horária da categoria Pedagógica de Conteúdo (360h) é três vezes maior que a Pedagógica (120h).

Já o curso com a maior carga horária na categoria Pedagógica, dentre todas as matrizes analisadas, é o da UFPB (675h). Se compararmos as instituições da Região Nordeste, a LCN da UFPB apresenta uma discrepância menor entre as categorias Biologia, Física, Química e Geociências do que os outros cursos analisados nessa região. Contudo, ainda observamos, como em outros cursos analisados em outras regiões, uma carga horária elevada na categoria Biologia (629h) na LCN da UFRB, principalmente se comparamos essa carga horária com aquela das disciplinas de Física, Química e Geociências.

O curso da UFPI é o único da Região Nordeste que não apresenta nenhuma disciplina na categoria Geociências. Em contrapartida, apresenta uma carga horária (300h) na categoria Matemática igual à da categoria Química (300h), o que nos leva a refletir sobre o grau de relevância dado ao conhecimento matemático.

Ao analisarmos os cursos da Região Nordeste (tabela 4), percebemos que, em sua maioria, valorizam as disciplinas da categoria Pedagógica de Conteúdo. Em geral, as disciplinas que discutem o conhecimento biológico se destacam em relação às categorias de Química e Física. Já a categoria de Geociências não possui tanta expressividade como as demais, tanto que, nas instituições em que está presente, compreende uma carga horária menor, sendo que na UFPI não é oferecida nenhuma disciplina nessa categoria.

Tabela 4: Distribuição das horas de curso pelas categorias analisadas para cada instituição consultada da Região Nordeste. 

Carga Horária das categorias analisadas para cada instituição consultada da Região Nordeste (dados em horas)
Instituições (sigla) Categorias
Bio Fis Qui Mat Geo Por Inf Ea Pec Met Ped Eo Lib Opt Tcc
UNIVASF 450 300 240 120 180 - - - 360 300 120 420 60 60 90
UFRB 629 204 238 85 68 - 68 51 255 - 374 408 68 - 102
UFPB 285 225 225 120 120 60 45 - 270 - 675 405 - 120 120
UFPI 480 360 300 300 - 60 60 - 360 60 360 405 - 150 60

Fonte: dados retirados e adaptados de REIS (2016).

Região Norte

Na Região Norte, metade dos cursos de LCN não conferia habilitações para outras áreas, e a outra metade conferia. Para nossa pesquisa, conseguimos os dados de duas instituições (tabela 5) - da Universidade do Estado do Amapá (UEAP) e da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Os resultados da análise dos cursos da Região Norte não diferem dos obtidos para as outras regiões, pois observamos uma elevada carga horária para a categoria Biologia em relação às de Física, Química e Geociências. Chamou-nos a atenção que os cursos analisados nessa região apresentam uma carga horária para a categoria Pedagógica de Conteúdo superior ao encontrado na análise de outras regiões. Quando destacamos a categoria Geociências, percebemos que ela apresenta pouca carga horária, sendo que a categoria Matemática é mais valorizada em termos de hora/aula.

Tabela 5: Distribuição das horas de curso pelas categorias analisadas para cada instituição consultada da Região Norte. 

Carga Horária das categorias analisadas para cada instituição consultada da Região Norte (dados em horas)
Instituições (sigla) Categorias
Bio Fis Qui Mat Geo Por Inf Ea Pec Met Ped Eo Lib Opt Tcc
UEAP 760 280 420 140 60 60 60 60 520 100 520 400 120 - 120
UFPA 544 340 408 136 136 - 68 - 408 - 68 408 34 - 68

Fonte: dados retirados e adaptados de REIS (2016).

De modo geral, não constatamos uma homogeneidade de distribuição da carga horária das diversas áreas que elegemos como categorias. Novamente reiteramos que isso pode ocorrer devido às LCN não possuírem as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas. Entretanto, podemos lançar um novo olhar para as matrizes curriculares e analisá-las agrupando essas categorias em relação à abordagem (i) do conteúdo disciplinar e (ii) do conteúdo pedagógico, pedagógico do conteúdo e da formação nos estágios supervisionados para fazermos uma discussão sobre a articulação entre esses dois eixos da formação docente.

Uma visão sobre a estruturação curricular dos cursos de LCN analisados

No que concerne à organização curricular dos cursos de formação de professores, já é sabido pela literatura acadêmica (DINIZ-PEREIRA, 1999; GATTI e NUNES, 2009; CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2011) que os primeiros cursos de licenciatura baseavam-se na fórmula 3+1, na qual os conteúdos disciplinares, de responsabilidade dos institutos básicos, eram veiculados durante três anos do curso, e os conteúdos pedagógicos eram abordados no último ano, como uma complementação à formação em bacharelado. Nessa proposta não havia uma articulação entre a formação pedagógica e o conteúdo a ser ensinado, convergindo-se para um modelo de formação baseado na racionalidade técnica. Além disso, não havia a preocupação em se discutir sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo a ser ensinado.

Uma tentativa de reverter esse quadro ocorreu com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica, por meio da resolução nº 1 do CNE/CP de 2002, que propiciou uma reforma das matrizes curriculares em vários cursos de licenciatura. Isso ocorreu porque, dentre outras metas, se almejava uma formação mais dialógica entre os eixos formativos e não somente uma mudança na distribuição de carga horária, embora isso também fosse pretendido.

A fim de percebermos se os cursos de Licenciatura em Ciências da Natureza analisados se afastam dessa fórmula 3+1, contabilizamos, na tabela 6, a porcentagem da carga horária total destinada às disciplinas que veiculam os conteúdos específicos a serem ensinados e a porcentagem das disciplinas voltadas para a preparação docente (pedagógicas, pedagógicas de conteúdo e estágio).

Observando os dados da tabela 6, percebemos que nenhuma das matrizes curriculares consultadas se enquadra na fórmula 3+1. Em geral, podemos afirmar que há um certo equilíbrio na distribuição das horas de curso entre os eixos de formação disciplinar e de preparação para a docência.

Tabela 6 Porcentagens das categorias que veiculam conhecimentos disciplinares e categorias voltadas para a preparação docente. 

Região Instituições Somatório da porcentagem das categorias em relação à carga horária total do curso
Química, Física, Geologia e Biologia Pedagógica, Pedagógica de Conteúdo e Estágio
Sul UEM 31,7% 33,6%
UFFS 37,6% 34,2%
UNESPAR 51,7% 20,2%
UNIPAMPA 47,0% 36,5%
Centro-Oeste IFET-MT 45,6% 31,7%
UnB 34,4% 26,2%
Sudeste UNIRIO 42,0% 30,7%
USP 35,5% 27,2%
Nordeste UNIVASF 37,3% 28,7%
UFRB 40,4% 36,8%
UFPB 28,2% 44,6%
UFPI 35,8% 35,3%
Norte UEAP 36,9% 34,9%
UFPA 48,3% 29,9%

Fonte: dados retirados de REIS (2016).

Na maioria dos cursos, entre 30% a 40% da carga horária total são destinados para disciplinas das categorias Química, Física, Biologia e Geociências, que são disciplinas de conteúdo, sendo a maior parte constituída por disciplinas que abordam o conhecimento biológico. No geral, as disciplinas de Química e Física apresentam carga horária próximas, mas inferiores às de Biologia; e as disciplinas da categoria Geociências compreendem uma carga horária ainda menor, conforme discutimos anteriormente.

Em relação à preparação para a docência, percebemos que, em 7 dos 14 cursos analisados, a carga horária de disciplinas da categoria Pedagógica responde por até 10% das horas totais dos cursos. Nos outros sete, elas compreendem entre 11% e 22% da carga total. No entanto, quando analisamos a carga horária de disciplinas da categoria Pedagógica de Conteúdo, percebemos que, na maioria dos cursos (10), elas não somam 10% da carga horária total.

É importante ressaltar que esperávamos uma presença considerável de disciplinas que abordassem o conhecimento pedagógico de conteúdo, uma vez que elas são um espaço propício para a integração entre as contribuições do conhecimento do conteúdo disciplinar e do conhecimento pedagógico. Conforme indicações do campo de formação de professores de ciências (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2011), as abordagens realizadas nessas disciplinas estão alinhadas à integração de conhecimentos construídos pelos licenciados ao longo da formação, por meio de reflexões sobre a transposição ou recontextualização didática sobre como aprender a aprender e sobre como ensinar ciências.

Por último, outro aspecto que não está descrito na tabela 6, mas nos chamou atenção, é a presença de disciplinas Metacientíficas em 10 dos 14 cursos analisados. Segundo Schnetzler (2012, p. 97), a literatura indica que, ao conteúdo a ser ensinado, de necessário domínio pelo professor, acrescentam-se conhecimentos relacionados à História e à Filosofia das Ciências, aos direcionamentos metodológicos empregados na construção de conhecimentos científicos, a interações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente, e a limitações e perspectivas do desenvolvimento científico. Todos esses conhecimentos podem embasar um processo de ensino no qual o conteúdo ensinado não seja abordado como pronto, verdadeiro, estático, inquestionável, neutro e descontextualizado social, histórica e culturalmente.

IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários estudos (LIMA e AGUIAR, 2000, LOPES e MACEDO, 2002, MARTINS et al., 2003, AYRES et al., 2012, LIMA e SILVA, 2012, REIS, 2016) têm evidenciado o caráter integrador da disciplina de Ciências da Natureza no ensino fundamental, por estruturar e organizar seu currículo em torno de conhecimentos de diferentes áreas disciplinares (Química, Física, Biologia, Astronomia e Geologia).

Adicionado a esse fato, ao longo deste trabalho, procuramos evidenciar como as disciplinas pedagógicas, pedagógicas de conteúdo e Metacientíficas têm sido valorizadas nos cursos analisados. Isso indica um movimento nas licenciaturas em Ciências da Natureza na direção de uma formação acadêmico-profissional que seja capaz de introduzir o professor em uma nova forma de pensar o ensino e a aprendizagem que rompa com visões reducionistas: de um ensino prioritariamente biologizado; de que ensinar é fácil; da existência de um método científico único e verdadeiro; de que o ensino fundamental, nos anos finais, é apenas um período de transição para o ensino médio; e tantas outras visões que permeiam essa etapa da escolarização.

O docente que atua nos anos finais do ensino fundamental, assim como qualquer professor de outra área, irá refletir sua visão sobre o que é ensinar e como se aprende baseado nas suas experiências prévias da educação básica e da formação acadêmico-profissional.

Contudo, não é possível afirmar que há uma articulação entre os eixos formativos e como ela ocorre nas matrizes analisadas. Acreditamos que os cursos citados neste estudo nos dão indícios de que nossa hipótese inicial - que as LCN que não conferem habilitações nas áreas de Química, Física, Biologia e Matemática, por não estarem atreladas à modalidade de bacharelado, possibilitariam uma maior integração entre os eixos formativos investigados - é confirmada parcialmente, pois o que se observa é uma tendência dessa formação diferenciada a gerar uma maior integração entre as áreas disciplinares, o conhecimento pedagógico, o pedagógico de conteúdo e os estágios supervisionados. Tais aspectos demandam um aprofundamento e novas análises em pesquisas futuras.

Todo esse movimento se constitui como território rico para estudos, pois possibilita repensar a seleção e a organização dos currículos praticados, a constituição da identidade do docente que atua, especificamente, no ensino fundamental de ciências, seus saberes e sua história.

AGRADECIMENTOS

A primeira autora é grata ao CNPq pela bolsa de doutorado.

REFERÊNCIAS

AYRES, Ana C.M.; SELLES, Sandra E. História da formação de professores: diálogos com a disciplina escolar de ciências no ensino fundamental. Ensaio, vol. 14, n. 02, p. 51-66, 2012. [ Links ]

AYRES, Ana C. M.; TAVARES, Daniele L.; FERREIRA, Marcia S.; SELLES, Sandra E. Licenciaturas de curta duração (1965-1974) e disciplina escolar ciências: aproximações sócio-históricas. In: SELLES, Sandra E.; CASSAB, Mariana (org). Currículo, docência e cultura. Niterói: Editora da UFF, p. 53-74, 2012. [ Links ]

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GATTI, Bernadete A.; NUNES, Marina M. R, (orgs). Formação de professores para o ensino fundamental: estudos de currículos das licenciaturas em pedagogia, língua portuguesa, matemática e ciências biológicas. São Paulo: FCC/DPE, n°29, 2009. [ Links ]

LIMA, Maria E. C. C.; AGUIAR JR. Orlando. Ciências: Física e Química no ensino fundamental. Presença Pedagógica, v. 6, n. 31, p. 39-49, jan./fev., 2000. [ Links ]

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3Utilizaremos a abreviação LCN todas as vezes que nos referimos aos cursos de Licenciatura em Ciências, Licenciatura em Ciências Naturais e Licenciatura em Ciências da Natureza que se propõem a formar o professor de ciências que atuará exclusivamente no ensino fundamental.

4No ano de 2015, quando terminamos a coleta de dados, o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da Universidade da Fronteira Sul encontrava-se em processo de extinção. Em seu lugar, a universidade passou a oferecer Licenciaturas em Química, Física e Biologia.

Recebido: 28 de Novembro de 2018; Aceito: 22 de Fevereiro de 2019

Contato: Rita de Cássia Reis, Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Educação - Faced, Departamento de Educação, Campus Universitário, Bairro Martelos, Juiz de Fora - MG, Brasil, CEP: 36036330

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Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Professora no Programa de Pós-graduação Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública e do Programa Lato Sensu em Ciências e Matemática nos anos iniciais, ambos da UFJF. E-mail: <rita.reis@ufjf.edu.br>

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Pós-doutor pela Université de Lyon II e pela Washington University, Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e professor no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: <efmortimer@gmail.com>

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