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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.36  Belo Horizonte  2020  Epub 15-Jun-2020

https://doi.org/10.1590/0102-4698216223 

ARTIGO

O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS ACADÊMICAS NO ENSINO SUPERIOR: A PRÁTICA DOCENTE EM FOCO

ANA DA COSTA POLONIA1  *
http://orcid.org/0000-0002-5089-0254

MARIA DE FÁTIMA SOUZA SANTOS2  **
http://orcid.org/0000-0001-5213-9491

1Centro Universitário Euro-Americano(Unieuro-DF), Brasília, DF/Brasil

2Universidade Federal de Pernambuco, (UFPE) Recife/PE/Brasil


RESUMO:

O artigo caracteriza as representações sociais sobre o desenvolvimento de competências acadêmicas, no ensino superior, e os reflexos nas práticas pedagógicas. Foram entrevistados 12 professores de uma instituição do Distrito Federal, e as análises realizadas pelo software IRaMuTeQ geraram três classes: (a) enfoque na realização da tarefa (tecnólogo); (b) papel formativo do educador (licenciatura); e (c) práticas direcionadas ao desenvolvimento do aluno (bacharelado). Os resultados apontam que os docentes desenvolvem suas práticas considerando o seu habitat profissional, retratando ações ligadas à futura atividade laboral quanto à realização e à operacionalização das tarefas (tecnólogo); na licenciatura, observa-se a articulação entre conhecimentos, valores e atuação ética em uma perspectiva humanista no processo formativo; e no bacharelado, a construção de saberes pelos estudantes, no domínio de conhecimentos e atuação profissional. As representações sociais ressaltam a diversidade de práticas alicerçadas nas áreas de atuação docente, revelando mundos próximos e em conexão com a futura atividade profissional.

Palavras-chave: competências; representações sociais; práticas pedagógicas; formação

ABSTRACT:

The article characterizes the social representations of the academic competence development in higher education and its reflection in pedagogical practices. Twelve teachers from a college of the Federal District were interviewed. Data were analyzed using IRaMuTeQ software and generated three classes: (a) focus on the task (technologist); (b) the formative role of the educator (education) and (c) practices aimed at the development of the student (baccalaureate). Results show that these professors develop their practices considering their professional habitat, respectively representing (a) actions related to student’s future work activity, focusing on tasks operationalization and accomplishment; (b) articulation between knowledge, values and ethical action in a humanized formative process; (c) and construction of knowledge by the students, involving professional performance. Social representations highlight the diversity of practices based on the professor area of teaching, revealing nearby worlds connected with the student’s future labor activity.

Keywords: competences; social representations; pedagogical practices; training

INTRODUÇÃO

A formação acadêmico-profissional no ensino superior é fonte de diversas pesquisas, em especial envolvendo professores e alunos (Muhl & Mahl, 2011; Trian, Magalhães Júnior & Novikoff, 2017). Um dos temas constantes e de diferentes posicionamentos na área acadêmica está ligado ao construto ‘competências acadêmicas’, bem como às habilidades e atitudes. Preocupações que circundam a formação superior retratam condições interligadas à qualidade - expressa na propriedade intrínseca à sua multidimensionalidade, o que envolve desde as interações sociais, perpassando pela dimensão dos conteúdos, conhecimentos e saberes -, tranversalizada pelos aspectos didáticos, metodológicos e, ainda, pela política educacional, contribuindo, assim, para a identidade profissional.

Reconhece-se que o conjunto de referências e conceitos que abrange a noção de competências (Perrenoud, 2002; Le Boterf, 2002) é discutido e permeado pelas concepções de saberes profissionais/docentes (Tardif, 2007, Tardif & Lessard, 2013), formação reflexiva (Dewey, 2010; Shön, 2000; Alarcão, 2001), profissão professor (Nóvoa, 1999), assim como trabalho e práticas educativas (Charlot, 2014). Essas investigações estão eminentemente relacionadas com a ação docente e suas crenças, englobando o desenvolvimento de estratégias e a organização do processo ensino-aprendizagem. Elas encontram-se estreitamente associadas à condição de como os docentes percebem a forma pela qual os alunos aprendem, em geral, e de que maneira as competências emergem nas atividades propostas em sala de aula e também em atividades extraclasse. Certamente, a definição de competência extrapola o âmbito acadêmico, perpassa pelo mundo do trabalho, da profissionalização, das relações interpessoais e, ainda, envolve a experiência de mundo.

Em função disso, Silva, Silva e Souza (2013), recapitulando diferentes enfoques sobre competências, postulam que estas envolvem conhecimentos, habilidades e atitudes, refletindo o conjunto de capacidades humanas, identificado como CHA: conhecimentos (saberes), habilidades (saber-fazer) e atitudes (saber-ser) (Ruas, 2005, conforme citado por Silva, Silva & Souza, 2013). Elucidam que, na Inglaterra, tal conceito se estrutura como um conjunto de habilidades e conhecimentos que são mobilizados em uma função de trabalho, isto é, demandas que emergem das atividades laborais. Por isso, os autores supracitados advertem que diferentes teorias se articulam e, também, polarizam as discussões sobre competências.

Incrementando a discussão sobre competências, Rios (2006) postula que elas são um conjunto de situações que abarcam desde o aporte técnico, o político até o ético que a docência proporciona no decorrer da trajetória laboral, em um contexto histórico e cultural, permeado pela práxis. Assim, a competência não pode ser compreendida sem trazer à baila os saberes, acomodados à capacidade de realizar algo. Sales e Machado (2016), na sua pesquisa, descrevem cinco categorias ligadas à competência imprescindível ao exercício docente caracterizado pelos licenciados, em um estudo empregando a Teoria das Representações Sociais (TRS), na qual se destacam: (a) compromisso e amor pela profissão; (b) conhecimento e boa formação; (c) saber interagir com os alunos; (d) saber tratar os conteúdos; e (e) avaliar na perspectiva formativa. Essas categorias enfocam as condições dos saberes do exercício profissional, isto é, a situação em que o docente assume a direção do processo pedagógico promovendo uma perspectiva direcionada às práticas sociais, e não somente calcadas no conteúdo e nas disciplinas.

Reconhecendo que a atividade docente apresenta um leque de condições essenciais para promover o desenvolvimento e a aprendizagem no espaço educacional, Tardif (2007) e Tardif e Lessard (2013) referem-se aos vários âmbitos de saberes: os profissionais, que são oriundos das disciplinas ligadas à docência e aos conteúdos; os curriculares; e os referentes à práxis. Neste sentido, Trian, Magalhães Júnior e Novikoff (2017), em sua pesquisa sobre representações sociais de estudantes de educação física sobre a formação de professores, enfocaram a categoria de valores proposta por Novikoff, em 2006. Foram associados os valores socioprofissionais aos conhecimentos da dimensão socioafetiva; os normativos, imbricados na formação docente; os gnosiológicos emergiram na caracterização docente; os sociorrelacionais, envolvendo as atividades docentes; e os identitários se caracterizaram como típicos do contexto de atuação. Nesse sentido, fica evidente o que Moscovici (2012) preconiza em sua teoria, segundo a qual as práticas articulam e intercambiam o universo consensual e o reificado, isto é, o conhecimento do senso comum e os do âmbito científico, construindo representações sociais.

Ao articular aprendizagem e desenvolvimento, Perrenoud (2002) reflete sobre a concepção de competência, reiterando que é uma condição que mobiliza uma ampla gama de recursos cognitivos para lidar com diversas situações de vida, tanto pessoais como profissionais. No contexto acadêmico do ensino superior, Perrenoud (2000) descreve habilidades e competências essenciais para um professor, a saber: domínio da matriz curricular do curso, sistematização de concepções, elaboração de questões conceituais e de conteúdos transversais interligados à disciplina e ao contexto atual, proposição de situações-problema para que os discentes possam mobilizar suas habilidades e competências para então solucioná-las. Empregando as situações-problema programadas, nas quais os estudantes elaboram hipóteses, sistematizam estratégias e selecionam aspectos para resolução do problema, eles assim traçam os caminhos e postulam as soluções. Esses aspectos se coadunam com a perspectiva construtivista/interacionista que apresenta fatores dinâmicos envolvendo a cognição, a afetividade, a motricidade e a leitura da experiência de mundo.

No entanto, salienta o pesquisador, as competências não podem ser empregadas como um fim em si mesmas, mas devem ser adotadas como um recurso, superando a concepção de um domínio meramente acadêmico, revelando o papel da transposição didática em sala de aula e a perspectiva transdisciplinar dos saberes. A análise e o conhecimento das práticas pedagógicas, da diversidade das aprendizagens, dos conteúdos, da realidade dos discentes e docentes, bem como uma postura crítica, reflexiva e colaborativa com o aluno e seus coetâneos são grandes imperativos. Entretanto, aponta os perigos de isso se estabelecer como uma conduta fechada e moduladora que possa inibir a pesquisa, a criatividade e o fazer pedagógico do docente.

Outro estudioso, Le Boterf (2002), afirma que a competência não está assegurada simplesmente pelo saber ou saber fazer, ressaltando inclusive que as pessoas podem até ter o conhecimento e também as capacidades, mas não conseguem, contudo, mobilizá-las oportunamente e de forma adequada em um dado momento ou situação. Assim, é essencial saber mobilizar e colocar em atividade diferentes funções ligadas ao raciocínio, ao conhecimento, à memória, às capacidades relacionais ou aos esquemas comportamentais, de maneira a acionar essas funções: enfim, como o autor enfatiza, “dar ordem ao saber mobilizar”. Dessa forma, constitui-se em um processo dinâmico que se reconstrói e se atualiza a cada situação peculiar e pode ser transferível; todavia, não é algo findo e nem a ser repetido.

Le Boterf acrescenta ainda que a competência não se restringe ao âmbito operatório, mas envolve uma construção social, uma vez que está orientada por um sistema de crenças, valores e significações que são compartilhadas e caracterizadas por um grupo. No caso, pode-se realizar uma aproximação entre a noção de competência e a TRS, na medida em que são saberes compartilhados por grupos e que se inserem em um conjunto de práticas e vivências, valores e ideias que embutem uma dupla função. A primeira função seria, assim, permitir que as pessoas “se orientem no mundo social e material e controlá-lo”; e a segunda, manter um fluxo de comunicação entre os diversos grupos, estabelecendo um código não apenas de comunicação, mas de conduta, como postulado por Moscovici (2003, p. 21).

Complementando a questão em foco, Jonnaert (2003, conforme citado por Martins, 2009), identifica que há uma diferença entre qualificação e competência. Ele destaca que a qualificação é descontextualizada e apresenta referências englobando saberes e fazeres, endossando qualidades para o desenvolvimento profissional, ao passo que, na competência, é condição sine qua non que os protagonistas do processo mobilizem recursos, conhecimentos de forma sistêmica, de maneira adequada à situação complexa apresentada, contextualizada e particularizada. A organização para a ação, consciente e interventiva, diferencia-se da anterior pela seleção e coordenação dos aspectos cognitivos, afetivos, sociais e sensoriomotores para eficazmente lidar com a situação. Não se deve, contudo, analisar apenas a eficácia, mas a adoção de uma perspectiva crítica sobre o processo e os resultados referentes à competência, de maneira sistêmica, e que devem ser socialmente aceitáveis. Martins (2009) analisa que Joannert, Le Boterf e Shön compartilham e se aproximam quando a discussão é o conceito de competência pela vertente da criticidade e reflexão.

Congregando os diversos paradigmas que englobam o conceito de competência, bem como as críticas que acompanham esses posicionamentos, a sua natureza polissêmica se evidencia, não havendo uma unidade em sua concepção. Nesse sentido, Espíndola (2013), registrando essa peculiaridade, aponta que a definição de competência pode ser percebida em duas condições diferenciadas: a primeira, como um conceito científico; e a outra, como elementos do senso comum. Tendo como referência essa perspectiva, torna-se um fenômeno passível a ser investigado pela TRS, elaborada por Moscovici (2003), que compreende que não há ruptura entre conhecimento do senso comum e científico; contudo, são de naturezas diferentes.

O conhecimento do senso comum retrata o universo consensual englobando o conhecimento cotidiano, das práticas, das identidades, do conhecimento das pessoas pelas suas crenças, experiências e perspectivas sobre um determinado fenômeno ou vivências. O segundo caso, o reificado, representado pelo saber científico, na situação em foco, abordaria as competências, oriundas das orientações, documentos e políticas públicas para o ensino superior. Certamente, esses dois universos se interpenetram e produzem as representações sociais.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS, METODOLÓGICAS E DE NATUREZA PRÁTICA

Para subsidiar as análises e discussões, recorreu-se à TRS, que, na perspectiva de Jodelet (2001), possibilita compreender, inferir e resgatar a trajetória da geração do conhecimento e dos saberes produzidos socialmente e que se transformam em função dos posicionamentos, das práticas e dos discursos revelados pelas condições do contexto e da diversidade simbólica que os constituem. Moscovici (2012) inaugurou essa teoria a partir da semente lançada no estudo La psychanalyse: son image et son public (A psicanálise sua imagem e seu público), publicada em 1961 (Marková, 2017), retomando o enfoque de como, nos meios de comunicação da época, a psicanálise fora apropriada pelos franceses.

Sobre o construto representações sociais, Moscovici (2012, p. 39) o define como “entidades quase tangíveis; circulam, se cruzam e se cristalizam continuamente através da fala, do gesto, do encontro no universo cotidiano”. Ele ainda aponta que há uma “substância simbólica” que permeia a sua construção e a prática, que é produto dessa elaboração, afirmando que não é possível realizar uma separação entre o universo exterior e o sujeito ou grupo, afinal, eles não são totalmente heterogêneos. No estudo desenvolvido sobre a psicanálise, o pesquisador encontrou, nos discursos diferentes, relações entre a psicanálise, a sexualidade, o divã, os sonhos, o contar sua vida e sua história etc.. O autor expande a concepção de representação, revelando que esta não é apenas um desdobramento, uma mera repetição ou reprodução, mas, sim, uma reconstituição, um retoque, uma modificação permitindo significações específicas em seu contexto.

Jodelet (2001) assevera que a representação social pode ser conceituada como um saber prático que pressupõe a inter-relação entre um sujeito e um objeto, e o levantamento das seguintes questões pode elucidar elementos importantes sobre esse saber: quem sabe e de onde sabe, indicando o estudo da produção e circulação; o que e como se sabe, elucidando os processos e estados; e, por fim, sobre o que se sabe e os respectivos efeitos. Para essa autora, as representações sociais se traduzem por serem fenômenos complexos, oriundos da vida social, englobando elementos informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens etc.. Uma de suas características é que estão sempre organizadas como um saber, sendo explicativas de uma dada realidade.

Segundo Moscovici (2003, 2012), as representações sociais permitem tornar o não-familiar em familiar, a partir dos dois principais processos que permitem essa transição: a objetivação e a ancoragem. Na ancoragem, predominam a classificação, a categorização e a atribuição de juízo de valor e, desta forma, mesmo em um sistema de pensamento já existente, tais parâmetros se associam ao repertório, às crenças e aos valores de um determinado grupo. Já na objetivação ocorre a concretização, por meio de uma imagem, de uma dada representação, considerada de natureza figurativa. Emerge então o caráter de concretude frente a um conceito, uma concepção. Assim, uma ideia se transforma em uma imagem, um simulacro de significados (Trindade, Santos & Almeida, 2011). Poder-se-ia afirmar que é como uma moeda: os dois lados coexistem e ainda se complementam, tal como a relação figura-fundo - uma não tem sentido sem a outra (Moscovici, 2012). Exemplificando, no caso de competência, esta poderia ser objetivada na condição de catalisadora das habilidades, das experiências, dos saberes e dos instrumentais para lidar com problemas, fenômenos e demandas do contexto imediato, o que parece ser ancorado na concepção de aprendizagem contínua.

Fazendo uma panorâmica sobre a contribuição da TRS, ela se encontra consolidada nos ambientes acadêmicos nos quais a inter-relação entre as dimensões simbólicas - alicerçadas sobre os significados socioculturais e encampadas pela busca de seletos métodos de investigação, contribuindo significativamente para a ampliação do campo e, principalmente, potencializando a práxis como um elemento de transformação educacional - tem se sobressaído no País.

Santos3, analisando o cenário de pesquisas em representações sociais no Brasil, verifica que as investigações se voltam à dimensão que explicitam as ‘lógicas psicossociais’, visualizadas nas práticas profissionais. Silva, Assis e Barros (2013) robustecem essa afirmativa, consolidando que a TRS demonstra sua efetiva contribuição nos estudos que empregam a linguística aplicada, tendo como destaque as práticas laborais que revelam os processos de ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, Silva, Dias e Pimenta (2014), em sua investigação, apontam que nas representações sociais sobre a formação de professores emergem núcleos referentes à dinâmica pedagógica, acadêmica e profissional. Melo e Oliveira (2017) reforçam tal condição quando, em seu estudo sobre representações sociais, o par docência e prática se sobressai, embora acompanhado pelas duplas ensinar e aprender, bem como pela teoria e prática, nos depoimentos dos licenciados. Os autores ainda acrescentam que as memórias e as vivências escolares são componentes que estruturam tanto as ações práticas quanto os discursos permeados pelo senso comum.

Essas condições ganham visibilidade no estudo sobre representações sociais da docência, realizado por Sales (2012) com grupos de licenciados, no qual se identificam as palavras componentes do Núcleo Central (NC), como ‘competência e conhecimento’, que a pesquisadora revela estarem vinculadas à dimensão profissional; e, também, ‘aprendizagem, respeito e ética’, ressaltando a peculiar natureza social. Acrescentam-se, ainda, os termos ‘compromisso, dedicação e responsabilidade’, creditados aos aspectos pessoais e afetivos, retratando os investimentos pessoais e socioprofissionais. As conclusões aludem à condição multifacetada do ofício de professor, permeado pelas situações de ensino, aprendizagem, desenvolvimento pessoal e profissional, além do projeto de educação humanizadora e cidadã.

Revitalizando as contribuições e discussões no âmbito educativo da TRS, o objetivo desta pesquisa foi caracterizar as representações sociais sobre o desenvolvimento de competências acadêmicas, no ensino superior, por professores de cursos de bacharelado e licenciatura e tecnólogo, bem como os reflexos em suas práticas pedagógicas.

A presente investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa em consonância com as regras estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (Resolução n. 466/12 do Ministério da Saúde) face às pesquisas envolvendo seres humanos. Foram assegurados a todos os participantes a anuência, o conhecimento dos objetivos e do seu envolvimento nas etapas da pesquisa, além dos direitos de interrupção e desistência, quando da apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

MÉTODO

A pesquisa em representações sociais comporta inúmeras combinações e também seletos instrumentos de pesquisa, desde os tradicionais questionários, transitando pelas escalas, até as entrevistas (Sá, 2002; Oliveira, 2005; Camargo, 2005; Manetta, Urdapilleta & Salès-Wuillemin, 2009; Santos, 2013). A presente investigação caracteriza-se como uma pesquisa descritiva e exploratória que combina dados quantitativos e qualitativos, compreendendo essa intersecção como produtiva para análise do fenômeno, como enfatizada por Oliveira (2005) e Santos4. Para sua consecução, foi empregada a entrevista semiestruturada direcionada aos professores de ensino superior.

PARTICIPANTES

Inicialmente foram aplicados questionários empregando a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP) em 154 docentes de três instituições privadas de ensino superior do DF: Faculdades Apogeu e Juscelino Kubitschek (JK) e Centro Universitário Euro-Americano (Unieuro), que aceitaram participar da pesquisa. Após a análise dos resultados, foram entrevistados 12 professores de uma mesma instituição de ensino superior (Unieuro), em virtude de sua disponibilidade imediata. As entrevistas foram realizadas individualmente, em uma sala privada da instituição, garantindo o sigilo sobre as informações fornecidas. Vale ressaltar que a composição dos agrupamentos corresponde a cada uma das áreas de atuação na graduação: assim, quatro docentes que ministram aulas na licenciatura; quatro no bacharelado; e mais quatro no curso de tecnólogo. Informa-se que são discutidos, aqui, apenas os resultados das entrevistas.

Fonte: Dados da pesquisa.

Quadro 1 Perfil dos professores entrevistados por área 

O Quadro 1 apresenta os perfis dos professores entrevistados. Há cinco professoras e sete professores, e o tempo de experiência docente varia de 3 a 24 anos, média de 13,67. Entre os 12 entrevistados, 4 têm experiência em nível básico e superior, e 8 somente em nível superior. Sob o parâmetro área de graduação, dois dos entrevistados têm licenciatura (Letras: Português e Inglês; e um nas áreas de Matemática e Pedagogia); os outros dez são bacharelados. Complementando as informações sobre os professores, há um doutor na área de Ciências da Saúde, três especialistas e oito mestres, com as seguintes formações: Ciência Política, com foco em Direitos Humanos, Cidadania e Violência (n=2); Ciências da Educação (n=1)5; Educação (n=1); Ciência da Motricidade (n=1); Mestrado em Planejamento e Gestão Ambiental (n=1); Mestrado Profissional em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação (n=1).

INSTRUMENTOS

Empregou-se a entrevista semiestruturada gravada, contando com as seguintes questões: (a) Apresentação do núcleo central da TALP, solicitando o posicionamento dos professores frente aos dados (acrescentando ou retirando palavras ou termos); (b) Como você define competências acadêmicas?; (c) Como você desenvolve competências em sala de aula?; (d) Como isso acontece?; (e) Dê um exemplo relatando sua experiência.

Quanto à apresentação dos resultados do núcleo central da TALP, foi solicitado que cada professor analisasse os quatro quadrantes (aspectos cognitivos, operacionais ou funcionais, valorativos e afetivo-comportamentais) e as palavras contidas em cada um. Após essa leitura, ele poderia retirar ou acrescentar palavras que, segundo sua perspectiva, fossem importantes para definir ‘desenvolvimento de competências acadêmicas no ensino superior’.

Abaixo se encontra a estrutura da zona central da TALP, apresentada aos professores.

Fonte: Dados da pesquisa.

Quadro 2 Resultados do núcleo central retirados da TALP 6  

PROCEDIMENTO PARA ANÁLISE DE DADOS

Todas as entrevistas foram gravadas em um celular LG (Modelo K10), realizadas individualmente em uma sala isolada, com o tempo variando de 20 a 30 minutos. Procedeu-se à degravação de cada uma, na íntegra; em seguida, o texto foi ajustado para ser analisado pelo software IRaMuTeQ: Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires, desenvolvido por Pierre Ratinaud, inicialmente em língua francesa e depois atualizado para a portuguesa (Carmargo, Bousfield, Giacomozzi & Koeltzer, 2014; Mendes, Zangão, Gemito & Serra, 2016).

Acrescenta-se ainda que este é um software gratuito e com fonte aberta, direcionado ao trabalho estatístico com corpus textuais e sobre tabelas de indivíduos/palavras. A versão empregada para a presente investigação foi 0.7 apha2 (Kami & cols., 2016; Sarrica, Mingo, Mazzara & Leone, 2016). O material organizado permitiu três ângulos de análise: conteúdo das representações sociais, posicionamento dos docentes frente ao objeto de análise e o habitat profissional e as práticas.

CONTEÚDOS DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A partir da análise das entrevistas, o software IRaMuTeQ (Sarrica & cols., 2016) gerou o dendrograma da classificação hierárquica descendente (CHD), no tocante às entrevistas semiestruturadas. Segundo Mendes e cols. (2016), a leitura relativa ao dendrograma (CHD) deve seguir a seguinte lógica: da esquerda para direita, considerando as classes principais, e depois as subclasses geradas. Acrescenta-se ainda que, segundo os investigadores supracitados, há possibilidade de análises do ponto de vista das palavras empregadas pelos participantes, considerando-se suas posturas e o habitat profissional.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 1 Dendrograma em classe. 

Nesse sentido, observa-se que o corpus foi dividido em dois grupos, havendo um com subdivisão (Figura 1). Nota-se que, no primeiro, se encontra a Classe 3, correspondendo a 20,5% dos textos; deve-se observar que os conteúdos da Classe 2 (36,5%) e da Classe 1 (43%) se apresentam mais próximos do que os da Classe 3. Essas duas últimas classes, reunidas, representam 79,5% do corpus da entrevista transcrita.

No tocante à Classe 3, a perspectiva de desenvolvimento de competências está vinculada ao ‘enfoque na realização da tarefa’, que pode ser associada à proposta de Delors e cols. (2010) quando aborda os quatro pilares da Educação - um deles reconhecido como aprender a fazer, no qual o foco é a prática na realização da atividade voltada ao mundo do trabalho. Assim, os professores ressaltam a importância dos procedimentos para uma boa execução da atividade, o passo a passo que os alunos devem seguir para realizar um exercício ou proposta - por exemplo, fazer uma planilha de uma instituição que retrata a demanda da atividade prática.

...a gente procura colocar esses determinados princípios e alinhar a prática e a questão da teoria porque não dá para andar separadas…(Professor, área de tecnólogo, 22 anos de experiência)

Dessa forma, a orientação para a realização de certa atividade implica, por parte do professor, escrutinar suas etapas, propor arranjos e, ao mesmo tempo, supervisionar a análise da proposta, considerando uma situação específica. Pode-se inferir que o foco está na realização da tarefa e nas competências inerentes a ela, que notadamente o professor deve investir e fomentar em seus alunos, orientado pelo plano de ensino ou de aula.

...o que fazer e quando, o que gerar e tal, que acaba ficando muito, é [...] uma organização de um plano de ensino. (Professora, área de bacharelado, 10 anos de experiência)

Para isso, o planejamento deve estar estruturado, alicerçado e consubstanciado em estratégias selecionadas para sua concretização e pela importância de se construirem situações de aprendizagem que levem à realização dessa atividade com sucesso. Essa conduta ocorre paralelamente à identificação das competências, habilidades e atitudes inerentes às atividades propostas e explicitadas no planejamento.

Em suma, nessa vertente, pode-se observar que, apesar de o foco ser na tarefa, a preparação para a realização com sucesso, por parte dos alunos, é uma condição essencial para o planejamento do professor. Portanto, os docentes propõem uma organização das tarefas e seu desenvolvimento alicerçada na realidade com a qual o estudante futuramente vai se deparar na sua vida profissional.

....o que a gente vai fazer naquele dia, começo revisando a aula anterior, todo dia e, corrigindo atividade de pesquisa, e eu sempre, eu sempre, eu tenho a praxe, também de sempre, toda aula, eu sorteio dois alunos para trazer uma reportagem para próxima aula sobre o assunto. (Professora, área de tecnólogo, 22 anos de experiência)

As práticas evidenciadas nos discursos desse grupo de professores podem se aproximar das propostas por Ruas (2005, conforme citado por Silva, Silva & Souza, 2013), que articulam o conjunto de capacidades humanas intercambiáveis, tais como conhecimentos (saberes), habilidades (saber-fazer) e atitudes (saber ser), denominadas de CHA.

A Classe 2, que comporta 36,5%, retrata o ‘papel formativo do educador’; assim, um dos princípios que norteiam essa classe é a relação professor-aluno, em um processo humanizador e de cidadania. Permeiam, então, nas falas, situações que emergem os valores profissionais, a ética (ética docente) como ação humana e também as dificuldades no processo de formação do aluno e da própria atividade docente que, enfim, mobilizam preocupações e, que, por sua vez, geram intervenções no processo de aprendizagem.

Você saber mobilizar todo o seu conhecimento quando há necessidade daquela intervenção, você vai resolver alguma coisa então, não é separar o conhecimento da prática. (Professora, área de licenciatura, 15 anos de experiência)

Nesse sentido, a formação profissional é compreendida no seu conjunto complexo, interdisciplinar e multifacetado, envolvendo a preparação para o mundo acadêmico, de trabalho, pessoal e coletivo. A noção do interjogo indivíduo-sociedade, os sentimentos, percepções e preparação para enfrentar as diversidades e a multiplicidade do universo social transversalizam o discurso docente.

...mesmo que a realidade, às vezes, mostre alguma coisa discrepante, mas eles veem algum ponto, ali surge, às vezes, uma nova categoria de análise... (Professora, área de licenciatura, 15 anos de experiência)

Outro ponto de destaque, na referida classe, ilustra a preocupação do professor no processo de aprendizagem do aluno, em especial, a articulação teórico-prática, na qual os conteúdos estejam em consonância com as demandas do exercício profissional. A capacidade reflexiva e crítica do professor é a base para desencadear sua proposta de atividade, repensando sua prática e sua influência no processo de aprendizagem do estudante e assumindo, assim, a relação professor-aluno na perspectiva bidirecional.

...eles vão a campo baseados em que a gente já leu, já pesquisou. Eles vão a campo buscar essas informações, criar o plano de aula deles. Voltam a explicar o plano de aula dele para os grupos e na sequência. (Professor, área de licenciatura, 22 anos de experiência)

É interessante ressaltar que as posturas acima identificadas se aproximam das caracterizadas por Perrenoud (2000), que evidenciam desde o conhecimento da matriz curricular dos cursos, perpassando as concepções de aprendizagem e de ensino, até os conteúdos transversais e específicos das disciplinas. Aliam-se, ainda, condições referentes a sistematizar concepções, problematizar, planejar intervenções, selecionar estratégias de ensino e de aprendizagem, e o reconhecimento de fatores como: afetividade, motricidade e experiência de mundo no processo educacional.

A Classe 1 corresponde a 43% do corpus, denominada de ‘práticas direcionadas ao desenvolvimento do aluno’; em geral, a preocupação está em incrementar atividades pedagógicas que possibilitem ao estudante acionar seus conhecimentos e saberes, direcionados à atividade a ser realizada. Nesse sentido, o discente é o foco da ação docente, e, em torno dele, gira o processo ensino-aprendizagem.

...estou falando do discente, é em termo, de resultados para ele aplicar o conhecimento que ele adquiriu no decorrer de sua formação (Professor, área de bacharelado, 8 anos de experiência)

Pode-se levantar a hipótese de que os professores coordenam suas atividades educativas para elaborarem atividades voltadas à aplicação do conhecimento; que eles, primordialmente, mobilizam os conhecimentos, experiências, conteúdos e articulam essas propostas com as necessidades e características da profissão.

...nessa reorganização que eu fiz agora, junto com o NDE (Núcleo Docente Estruturante), nós traçamos exatamente isso, temos que gerar habilidades em cascata em sala, em nível de conhecimento integral. (Professor, área de bacharelado, 15 anos de experiência)

Interessante enfatizar que, na ação direcionada à aprendizagem do discente, o docente, então, volta-se à atividade ou à tarefa que proporcione e catalise as competências, recursos, habilidades e experiências a partir das quais o aluno possa aprender e solucionar os problemas ou situações pedagógicas propostas. De maneira geral, os professores, então, mencionam períodos em que a preocupação se centra na ação do aluno sobre conteúdos, sobretudo nas atividades e conhecimentos que são instigados pela tarefa e sua organização pedagógica. Sob essas circunstâncias, há emergência de novas resoluções, caminhos e formas criativas para solucionar situações cotidianas e imprevistos relativos à profissão.

...formo grupo e dou uma atividade, vamos pesquisar sobre o assunto [...] é um tema novo, claro que dentro do tema da disciplina, apenas como um exemplo. (Professor, área de bacharelado, 8 anos de experiência)

Assim, os docentes acima apreendem a competência como catalizadora e mobilizadora dos saberes, em especial, nas funções pertinentes ao raciocínio, conhecimento, memória, capacidades relacionais ou esquemas comportamentais, como produto de um processo dinâmico que é continuamente atualizado e pode ser transferido às novas situações acadêmicas ou do mundo do trabalho, revelando o seu aspecto inovador e criativo.

Com relação às três classes encontradas nas entrevistas com os docentes, observa-se que, apesar de elas terem um grau de diferenciação quanto às posturas dos profissionais, o foco é a aprendizagem, a saber: competências mobilizadas para realização da tarefa (foco na tarefa), papel formativo do educador (foco na relação professor-aluno) e práticas direcionadas ao desenvolvimento do aluno (foco no aluno), que são dinâmicas convergindo para o mesmo processo: o desenvolvimento acadêmico-profissional, tendo como base as práticas dos docentes.

Em suma, as posturas apontadas pelos docentes envolvem uma gama diferenciada de práticas e ações pedagógicas que, como afirmam Trian, Magalhães Júnior e Novikoff (2017), são construídas por valores socioprofissionais, disciplinares, da própria formação docente, gnosiológicos, sociorrelacionais, e os identitários típicos do contexto de atuação. Conta-se ainda com a contribuição de Le Boterf (2002) para a compreensão das práticas e posturas dos profissionais, o qual defende que a competência não se restringe ao domínio operatório, mas envolve uma construção social que engloba sistema de crenças, valores, juízos e significados idiossincráticos a um grupo.

DIFERENTES POSICIONAMENTOS DOS GRUPOS

Outra forma de se explorarem as informações provenientes das entrevistas, como assevera Mendes e cols. (2016), refere-se ao emprego da Análise Fatorial de Correspondência (AFC). O plano fatorial gerado identifica as oposições resultantes da CHD, dispostas em quadrantes, cada qual revelando contextos semânticos específicos, compostos pelas classes. Ficam visíveis as raízes semânticas das palavras que abarcam a classe, e ainda é possível visualmente caracterizar os seus atributos.

Acresce-se ainda a possibilidade de identificar a interface, proximidade e distância entre as classes, já apontadas anteriormente. Aproveitando a contribuição de Kalampalikis (2003), enfatiza-se que os ‘mundos lexicais’ só podem ser compreendidos por meio das relações que são estabelecidadas com outros ‘mundos’, configurando situações de contrastes ou de complementaridade que a AFC possibilita.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 2 Análise Fatorial de Correspondência (AFC) 

A Figura 2 apresenta a análise fatorial de correspondência (AFC), reproduzindo a distribuição das três classes anteriormente discutidas no tópico que aborda os resultados do dendrograma (CHD, vide Figura 1): a Classe 3, já identificada como ‘enfoque na realização da tarefa’, com destaque para as palavras: aspecto, formação, motivação, organização e cognitivo; a Classe 2, ‘papel formativo do educador’: necessidade, intervenção, profissional, situação e educação; e a Classe 1, ‘práticas direcionadas ao desenvolvimento do aluno’: grupo, conteúdo, conseguir, trabalho e chegar.

Na Figura 2, observa-se que as classes aparecem independentes sem se misturarem nos quadrantes. Nota-se que a Classe 1, caracterizada pelas ‘práticas direcionadas ao desenvolvimento do aluno’, se configura, na verdade, quase em um só quadrante. Pode-se inferir que os dados textuais estão condicionados em seus quadrantes, demonstrando posturas e discursos distintos dos outros dois grupos, ao se explorar a questão do desenvolvimento de competências acadêmicas no ensino superior. Em virtude dessa diferenciação balizada pela AFC, torna-se imprescindível identificar o lócus de atuação do professor; no caso, o discurso analisado é típico dos professores que atuam nos cursos de bacharelado.

Assim, os docentes focalizam o processo de aprendizagem na competência para atuar na área, configurando o conteúdo e articulando a competência com o que é necessário para o aluno desenvolver na disciplina, bem como as demandas da profissão que se tornam grandes eixos da ação pedagógica.

Na Classe 2, ‘papel formativo do educador’, emergem os discursos voltados ao papel do professor (dimensão individual e coletiva) e sua influência na formação do estudante, em seus aspectos éticos, estéticos, conteúdos e conhecimentos, e também a preocupação em estruturar condições para superarem as dificuldades no processo. No caso, tanto estratégias didáticas como psicopedagógicas são fundamentais. Palavras como reflexão, formação e desenvolvimento são visíveis no quadrante e revelam a preocupação com o desenvolvimento de competências, o que é imprescindível no que tange ao ser professor. Pode-se inferir que a reflexão se torna um aspecto fundamental na medida em que o fazer pedagógico precisa retomar não somente o conteúdo, mas se relacionar com o mundo em transformação, na complexidade do ensinar e aprender.

A Classe 3, ‘enfoque na realização da tarefa’, vislumbra a operacionalização das tarefas, dependendo das orientações e da estrutura da atividade planejada pelo professor. Pode-se observar que há uma intersecção entre a tarefa direcionada a um domínio e frente a um objetivo, bem como a preocupação para a compreensão do processo de trabalho, em que a dinâmica da prática é o fator exponencial. As ações pedagógicas e a maneira como trabalham com os conteúdos e conhecimentos podem ser produto de sua atividade docente na área de tecnólogo.

Ao se resgatarem os posicionamentos dos professores, reiterados pelas alocuções que permeiam as perspectivas docentes, evidenciam-se as aparentes distinções entre as classes, em que conhecimentos e ancoragens diferentes ora se mostram circunscritos a uma classe, ora se mesclam, como na Classe 3, na qual o discurso predominante dos professores que atuam na área de formação de tecnólogo se embasa na prática pedagógica para o mundo do trabalho, isto é, ela é direcionada ao domínio da atividade laboral. As atividades e as situações pedagógicas se caracterizam por demandas aplicadas, como fazer uma planilha, propor uma intervenção ou fazer ajustes em uma empresa de contabilidade, o que seria esperado de um profissional da área.

Na Classe 2, circundada pelas ações pedagógicas fundamentadas na perspectiva formativa do professor, o projeto educacional tem como centro a relação professor-aluno para o desenvolvimento de competências. E, na Classe 1, a articulação teórico-prática está baseada no desenvolvimento acadêmico-profissional do aluno. Todavia, deve-se fazer uma leitura integrada, e não simplista dos quadrantes, na medida em que os agrupamentos das classes em polos opostos não podem ser interpretados somente em virtude de relações de contraposição, já que há uma inter-relação entre eles, revelando a alteridade, a contradição e a complementaridade (Kampalikis, 2003; Nascimento & Menandro, 2006), como se pode constatar na Figura 3 abaixo.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 3 Organização e distribuição dos discursos alocados em classe e quadrantes 

A Figura 3 caracteriza os eixos gerados nas entrevistas e as respectivas classes. No esquema acima proposto, o Eixo X no primeiro quadrante (Classe 2) destaca a questão da formação (tanto por parte do aluno quanto do professor), e no segundo (Classe 1, professores que atuam no bacharelado), destaca-se a formação direcionada ao aluno, sendo este o centro do processo de aprendizagem. Essas duas classes apresentam aproximações quanto às palavras e às práticas adotadas por seus docentes.

A Classe 2 (perfil dos professores que atuam na licenciatura) está voltada à questão da formação do professor interferindo na relação com o discente e, por sua vez, influenciando as atividades pedagógicas propostas, sobretudo atravessadas pela noção de que a postura do professor tem uma parcela de contribuição para a identidade profissional do aluno, tanto no que diz respeito ao seu desenvolvimento profissional quanto pessoal. Todavia, a perspectiva bidirecional assumida pelos professores revela que a concepção sobre o que acontece na relação afeta também a sua conduta, posturas e práticas pedagógicas. Assim, a maneira como o aluno se comporta, aprende e demonstra suas competências e habilidades interfere no papel do professor e em sua conduta educativa.

No Eixo Y, o diferencial fica por conta da função prática (Classe 3, professores que atuam nos cursos de tecnólogo), constituindo-se como o centro da atividade; no entanto, ela está voltada, também, à formação acadêmico-profissional, no polo oposto. Estrutura-se como uma mediação sistematizada com vistas ao domínio de competências para o incremento, para a criatividade no âmbito do trabalho e, por isso, direcionada à tarefa e à sua execução com sucesso. Estrutura-se, aparentemente, com vistas a um fim instrumental, não podendo ser interpretada somente como um aspecto mecânico, mas, singularmente, para a alçada ao trabalho e seu emprego com sucesso.

Quanto ao papel do professor, Amaral (2016) enriquece a discussão postulando que, na pedagogia da prática, o docente é o timoneiro do processo educacional, reconhecendo o espaço da prática social como um dos impulsionadores das metodologias, didáticas e conteúdos, e não o inverso. Por isso, a articulação teórico-prática é uma dimensão que permeia o discurso de todos os docentes da pesquisa, analisando o seu papel no desenvolvimento do conhecimento crítico, balizado e incorporado no espaço acadêmico-profissional.

Isso fica evidente quando o professor relata que “... orienta os alunos a desenvolver uma pesquisa, escolhendo uma instituição ou organização para empregar os conhecimentos e conteúdos da disciplina, e realizar, assim, um projeto de intervenção” (Professor, área de bacharelado, 15 anos de experiência). Ele estrutura a atividade em uma situação concreta e propõe formas de mediação, mudanças e aprimoramento da organização pesquisada. Percebe-se a preocupação do docente em centralizar, na prática e na execução da atividade, sua ação pedagógica, que está vinculada ao mundo do trabalho e às capacidades exigidas pelo mercado.

É importante analisar que, apesar de o núcleo se diferenciar em um primeiro momento, se direciona para a mesma construção, a formação do estudante, trazendo um diferencial no que tange à parte acadêmico-profissional. Nesse processo, abarca-se o papel das ‘lentes’ das representações sociais que permeiam o universo docente, sendo importante resgatar a diversidade como fonte da formação dos professores, em suas áreas na graduação, bem como as práticas interligadas aos cursos em que atuam, registradas pelas situações pedagógicas que fazem parte do universo de trabalho, fornecendo pistas para a ‘preparação para ação’ (Moscovici, 2012). Enfim, eles, os professores, estão articulados e cientes das demandas dos cursos que lecionam, conhecendo as diretrizes e legislações, bem como o que é esperado do egresso.

O HABITAT PROFISSIONAL

Ao se caracterizar o perfil dos professores entrevistados, consideram-se as variáveis como graduação (lócus da atividade profissional), sexo (masculino e feminino), tempo de experiência na docência e na docência do ensino básico (sim ou não), permitindo as interações com as três classes encontradas e principalmente a compreensão das inter-relações entre as classes, bem como a interdependência na constituição de seus agrupamentos.

Fonte: Dados da pesquisa. Neutro: Não há influência significativa na construção da classe. Positivo: Possui maior contribuição significativa na construção da classe. Negativo: Possui menor contribuição significativa na construção da classe. Significativo: Qui² p<0,05

Quadro 3 Interações entre as classes, perfil e o habitat profissional 

Ao se resgatarem as combinações entre as variáveis e as classes, é imprescindível fazer uma leitura diferenciada que permita entender as condições de emergência e peculiaridades dos grupos investigados (Quadro 3). No que diz respeito à Classe 1, evidencia-se que a área de atuação no bacharelado, em relação à experiência no ensino superior na docência, se encontra entre 5,1 até 10 anos e sem experiência no ensino médio ou básico.

Na Classe 2, a área abarca os docentes que lecionam na licenciatura, com a experiência no ensino superior correspondendo ao intervalo de 10,1 a 15 anos e com experiência no ensino básico, mais especificamente no ensino médio, restrito a esse grupo. E, por fim, na Classe 3, professores que ministram aulas para a área de tecnólogo, com experiência de três até dez anos no ensino superior, todavia sem experiência em outros níveis de ensino. Interessante enfatizar que a variável sexo se constitui em neutra, em todas as classes.

Em síntese, verifica-se que há um perfil que diferencia cada classe, trazendo sua peculiaridade quanto ao tempo de docência, atuação na graduação e experiência no ensino básico, o que demarca suas experiências, sua visão de educação e que indica o seu paradigma e as formas de intervenção docente. Como Abric (1994) afirma, a representação é um sistema contextualizado, na medida em que permite recuperar as significações que estão estreitamente relacionadas com o contexto discursivo ou social. Por isso, as condições reveladas pelos relatos encontram-se imbricadas pela dimensão ideológica e afetiva, sistema de crenças e valores, assim como pelo lugar e papel que a pessoa ocupa no grupo, possibilitando a compreensão e a caracterização da produção daquela representação.

Essas situações descritas permitem vislumbrar que a prática docente está sobre forte influência das características do curso em que o professor atua, bem como as demandas e expectativas ligadas ao egresso. Acima de tudo, está aliada à formação básica, tempo de experiência e, no caso, à atuação no ensino básico. Essas idiossincrasias podem ser compreendidas como elementos que permitem compreender o perfil, o habitat profissional e as formas de intervenção adotadas no âmbito pedagógico. E, como ressalta Kampalikis (2003), os discursos formam os universos lexicais que retratam condutas e, no presente caso, os posicionamentos educacionais, reconhecendo que esses universos se interpenetram nas concepções, por vezes se aproximando ou se distanciando.

DISCUSSÃO

Reconhecendo que a prática docente é multifacetada e se alinha com vários objetos que circundam a ação pedagógica (desde as diretrizes curriculares para os cursos que constroem o perfil do egresso por meio de seus conteúdos, perpassando pelas competências, habilidades e recursos biopsicológicos a serem incrementados) e os espaços de formação dentro e fora da instituição de ensino, é imprescindível realizar uma leitura com o aporte das representações sociais e as diferentes ações pedagógicas que são ratificadas pela teoria.

Tardif (2007) descreve os vários saberes que se interconectam na docência: profissionais, disciplinares, curriculares e os sedimentados na práxis; e podem-se adicionar os do senso comum, como referendados pelas representações sociais, ligados às práticas e vivências do grupo (Wachelke & Camargo, 2007; Jodelet, 2001). Por exemplo, para os docentes que atuam nos cursos de tecnólogo, a realização da atividade pode aparecer num dado momento como o fundamento da formação, já em outros, o foco é o próprio aluno. Apesar de os relatos se centrarem na formação para o mundo do trabalho, e as demandas do mercado, na modernidade, aparentemente eles entram em contradição com o desenvolvimento crítico-reflexivo tão propagado e assumido como fundamental pelos professores. É importante ressaltar, ainda, que as representações sociais convivem com as contradições; contudo, existe um núcleo estável que, por sua vez, estrutura os discursos e delineiam as práticas dos grupos. No caso dos professores supracitados, a questão da formação acadêmico-profissional supera o simples enquadramento ao mercado, adotando a dimensão crítica, reflexiva, criativa e voltada à autonomia dos estudantes.

Retomando o objetivo deste estudo, o desenvolvimento de competências acadêmicas no ensino superior indica a preocupação direcionada à formação acadêmico-profissional transpassada pelas concepções de aprendizagem, do estudante como protagonista, considerando o perfil do egresso, a mediação pedagógica e a humanização das relações. Dessa maneira, revelam-se os aspectos subjetivos (afetivos, contextuais e da vivência, por exemplo) presentes na construção das representações e geram-se concepções e ações pedagógicas fundamentadas na prática docente.

Os processos supracitados aparecem no enunciado dos professores quando de sua proposta pedagógica e dos paradigmas educacionais presentes no cotidiano educacional envolvendo conteúdos, práticas e o discente. Como corrobora Leite (2016), as crenças, valores e percepções são aspectos que consolidam as experiências docentes. E, ao representar as práticas reveladas na trajetória acadêmica, profissional e resultante das interações, estruturam-se as imagens que sedimentam as opções pedagógicas.

A análise das entrevistas permitiu diferenciar os três grupos nos níveis de ação e organização pedagógica, que, de modo especial, representam posturas oriundas do habitat profissional. O grupo de docentes com perfil ligado aos cursos de licenciatura enfatiza, em sua prática, dimensões ligadas ao ‘papel formativo do professor’, sedimentado por meio dos valores, relação professor-aluno, aspectos éticos, capacidade de se colocar no lugar do outro, posto que, agregado à sua atividade laboral de docente de ensino superior, sua passagem pelo ensino médio propicia uma perspectiva de educação para a cidadania e a coletividade. Essa experiência demarca, da mesma forma, sua atuação na graduação. Associada a essas condições, encontra-se a própria posição de professor formador voltado à licenciatura, em que as dimensões psicopedagógicas, os conteúdos e paradigmas delineiam os contornos da prática profissional de seus estudantes. Afinal, esses futuros profissionais também exercerão a função de formadores com seus alunos, em que os aspectos crítico-reflexivo, éticos e estéticos, bem como dos saberes, se completam conectados aos valores e às concepções educacionais e, por conseguinte, a um projeto maior de sociedade.

Outro elemento que ancora a prática desse grupo está identificado na situação de propostas educacionais interventivas para as turmas em que lecionam, analisando as condições de aprendizagem, as relações entre professor-aluno e aluno-aluno, e o processo de aprendizagem. Está identificado, principalmente, nos problemas encontrados no processo de ensino, bem como nas condições favoráveis e dificultadoras para a aquisição de conhecimentos, tanto no desenvolvimento pessoal quanto no profissional, assumindo-se, assim, a educação como fonte de humanização, criatividade e seu papel no incremento ao processo crítico-reflexivo.

O grupo identificado com perfil de atuação profissional ligado ao bacharelado menciona, de modo destacado, a preocupação em estruturar a aprendizagem sob os aspectos da prática, em que potencializar as condições e auxiliar os estudantes a adquirirem competências, habilidades, atitudes e empregá-las nas atividades pedagógicas torna-se o objeto de seu projeto pedagógico, que é o aluno. Nesse sentido, vale a pena caracterizar que o bacharelado engloba a formação humana e social, assentada em paradigmas e princípios voltados à formação dos alunos para a atuação profissional, sendo esta uma de suas metas.

Esses movimentos se aproximam e permitem visualizar as quatro funções essenciais das representações sociais, propaladas por Jodelet (2001), Moscovici (2012) e Sá (2002): de saber, explicativa de uma dada realidade; identitária, que singulariza os grupos e sua posição frente a outros; orientadora, assumindo um perfil prescritivo de comportamento e práticas; e justificadora, com a assunção da tomada de posição e das escolhas. Sá (1998), então, realça que, ao se pesquisarem temáticas interligadas às representações, é essencial caracterizar o sujeito ou mesmo o conjunto social que se posiciona frente ao objeto.

Talvez, por isso, as duas Classes 1 (bacharelado) e 2 (licenciatura) compartilhem um mesmo agrupamento no que se refere ao dendrograma de classes porque dialogam entre si. Se por um lado há uma prática formativa em que a relação professor-aluno é o centro da unidade pedagógica, por outro, o aluno continua sendo o potencial a ser trabalhado e investido, assumindo um pensamento pedagógico em que o professor é um mediador dos conteúdos, ao fomentar a autonomia, a autogestão do conhecimento, além de promover a articulação teórico-prática.

Na Classe 3, composta por professores que atuam em curso de tecnólogo, as práticas, em função do período de formação em dois anos, centram-se nas competências, habilidades e atitudes essenciais para a realização das tarefas, como nos projetos, estudos de caso e pesquisas direcionadas à resolução de problemas: em suma, centram-se no fazer, na execução e na realização da tarefa com sucesso. Evidente que a criticidade, a capacidade de intervenção e transformação da realidade está subjacente à perspectiva pedagógica desses professores. É um enfoque diferenciado, consonante com as diretrizes do curso e a expectativa do mercado, pela própria proposta e demandas relacionadas ao egresso.

À primeira vista, pode-se pensar na concepção de desenvolvimento de competências no ensino superior como fator isolado; contudo, ao ser fazer uma análise sistêmica, é possível compreender esses discursos como um caleidoscópio, que refletem diferentes combinações, que abarcam movimentos envolvendo a formação acadêmico-profissional e o aluno, alimentado pelas práticas dos professores como nucleares nos processos pedagógicos. Essa condição emergente possibilita compreender a ‘visão de mundo’ dos profissionais, sedimentada pela teoria das representações sociais, indicando a natureza social, os discursos e as identidades que as produzem e suas implicações nas práticas educacionais - e certamente suas transformações - e gerando novas produções de saberes (Moscovici, 2003, 2012; Jodelet, 2011), integradas aos paradigmas educacionais e às ações didático-pedagógicas.

REFLETINDO SOBRE O ESTUDO: CONTRIBUIÇÕES, DESAFIOS E PROPOSIÇÕES

É fundamental recapitular que a TRS permite analisar, compreender e provocar transformações nas concepções, percepções e práticas sociais, especialmente em um mundo globalizado e com mudanças tecnológicas, embora se deva considerar a diversidade como instrumento de inclusão educacional e social e a contradição como elemento peculiar à condição humana, considerando a complexidade pertinente aos grupos e ao âmbito educativo.

Como ressaltam Lheureux, Lo Monaco e Guimelli (2011), ao representarem um objeto e ao se posicionarem, as pessoas inseridas em diversos grupos sociais revelam suas crenças, valores, perspectivas e modelos de condutas que compartilham verbalmente e também por meio de suas práticas, diferenciando o seu grupo de pertencimento. Os pesquisadores enfatizam que as representações sociais possibilitam prever situações do grupo frente a um objeto, além de definir a priori as práticas que melhor correspondem à situação, revelando-se como guia para a ação.

Essas condições estão subjacentes ao conceito de competência, traduzido nas ações pedagógicas dos professores de cursos de licenciatura, bacharelado e também de tecnólogo - em síntese, naquilo que se centra na atividade, no potencial do aluno, evidenciando, assim, a interação docente-discente, com vistas à formação acadêmico-profissional. Tais evidências são encontradas na forma que dinamizam as atividades acadêmicas, nas propostas e seleção de metodologias, na articulação teórico-prática e na concepção que os professores partilham sobre a própria docência no curso em que atuam.

Acentuando a dinâmica presente na formação profissional, Jodelet (2011), baseada nos trabalhos do Grupo de Toulouse, qualifica três tipos de representações sociais: (1) aquelas compartilhadas socialmente, identificadas como ‘recurso mental’, quando da opção pela formação; (2) representações socioprofissionais que se estruturam no decorrer na formação; e (3) representações profissionais que estão alicerçadas e solidificadas na atividade laboral imediata e cotidiana. Interessante observar que se pode projetar o percurso profissional e, sobretudo, o balizar nos discursos e posturas profissionais relatadas pelos docentes, considerando que ficam patentes as concepções de competências advindas da formação superior, das diretrizes curriculares e da própria experiência docente, elementos que se transmutam e colorem a atividade pedagógica cotidiana.

Ao se afirmar que a representação social revela como o sujeito concebe, percebe, insere-se no mundo e é modelo de ação, aliado aos processos comunicacionais, de posicionamento e comportamento, o estudo de Jodelet contribui significativamente para os espaços educacionais porque a ação pedagógica está entrelaçada às condições interpretativas, contextuais, do senso comum, particulares e pertinentes à situação educativa.

Sobre a contribuição dos estudos em representações sociais em educação, Sales e Machado (2016) concluem que urge investir na formação continuada dos professores, porque nela estão imbricados os saberes pedagógicos e as competências essenciais à docência. E que essas condições não podem ser apenas de responsabilidade dos professores, também devem se constituir como investimento e política institucional, assegurando a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão. E quanto às pesquisas, é essencial acionar recursos combinados para análises, de forma a revelar as peculiaridades da atividade profissional docente e as influências sobre os seus alunos, com bases teóricas e metodológicas sólidas.

No presente estudo, pode-se identificar qual atuação do professor de ensino superior está balizada nas demandas e em ações pedagógicas inerentes a cada curso, em especial no que se refere ao habitat profissional e à formação direcionada ao estudante. No caso do bacharelado, percebe-se a tendência de as práticas estarem relacionadas ao desenvolvimento do discente, coordenando e assegurando que conteúdos, atividades e experiências fomentem aspectos direcionados à profissão revelados nas palavras: grupo, conteúdo, conseguir e trabalho. Tal diretriz se mostra diferente da dos professores que atuam na licenciatura, em que as práticas estão estreitamente ligadas ao papel formativo do educador, ou melhor, do futuro educador que não se restringe ao conteúdo, mas engloba questões éticas, estéticas e intervenções que permitem lidar com a complexidade do fenômeno educativo, com destaque para palavras como intervenção, profissional, situação e educação. No tocante aos professores que atuam na área de tecnólogo, é preciso retomar que é um curso de dois anos, e as ações pedagógicas descritas estão consistentes com o enfoque na realização de tarefas, refletindo a condição da práxis como um elemento importante para o futuro profissional, retratada nas escolhas ligadas à formação, motivação, organização e ao cognitivo. Essas situações ilustram a peculiaridade, os requisitos esperados para a atuação profissional e a seleção de situações pedagógicas que estão inter-relacionadas ao curso em que o professor atua.

Em síntese, os dados revelam o direcionamento da atividade docente enfocando as competências acadêmico-profissionais, tendo como referência o que é esperado do futuro profissional em seu campo de atuação. Os domínios das competências não são compreendidos como isolados, mas em face ao contexto social e de trabalho, em que as ferramentas são estimuladas e desenvolvidas de maneira a permitir a independência e os conhecimentos necessários para o desenvolvimento profissional. As ações pedagógicas estão alicerçadas com base nas demandas de atuação e qualificação de cada grupo profissional, que ao mesmo tempo se diferenciam, embora se aproximem pela preocupação direcionada à qualidade da formação acadêmico-profissional.

É inestimável a contribuição da TRS para o estudo na área educacional, em especial, associando as tramas implicadas nas concepções do senso comum, do universo reificado, das histórias de vida profissional e, ainda, das vivências originárias do contexto profissional imediato - tudo isso considerando a incorporação dos paradigmas, conceitos e práticas assumidas pelos professores e de seus significados no processo ensino-aprendizagem como aspectos que possibilitam compreender o posicionamento, as escolhas, as resistências, e também os conflitos, as transformações e as digressões sobre uma temática específica e sua elucidação por meio das abordagens e do referencial didático-metodológico profícuos da pesquisa em representações sociais.

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3SANTOS, Maria de Fátima Souza. A teoria das representações sociais no Brasil: história e evolução. Texto apresentado na 13ª. Conferência Internacional sobre Representações Sociais, Marseille, França.

4SANTOS, Maria de Fátima Souza. A teoria das representações sociais no Brasil: história e evolução. Texto apresentado na 13ª. Conferência Internacional sobre Representações Sociais, Marseille, França.

5No Brasil, o Mestrado é em Educação; contudo, fora do País, normalmente se emprega a denominação Ciências da Educação.

6Os quadrantes foram organizados pelas pesquisadoras considerando as palavras que emergiram da zona central.

Recebido: 06 de Novembro de 2018; Aceito: 18 de Maio de 2020

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Doutora em Psicologia. <ana.polonia@unieuro.com.br>

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Doutora em Psicologia. <mfsantos@ufpe.br>

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