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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.36  Belo Horizonte  2020  Epub 24-Jun-2020

https://doi.org/10.1590/0102-4698205923 

ARTIGO

EDUCAÇÃO E AGENCIAMENTOS EM PERIFERIAS URBANAS: A PRODUÇÃO DE ALTERNATIVAS LABORAIS ENTRE JOVENS1

EDUCACIÓN Y AGENCIA EN PERIFERIAS URBANAS: LA PRODUCCIÓN DE ALTERNATIVAS LABORALES ENTRE JÓVENES

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre/RS, Brasil. <leandropinheiro75@gmail.com>.


RESUMO:

O artigo parte das condições de trabalho de jovens na atualidade para discutir tomadas de posição na produção de alternativas laborais associadas à condição juvenil contemporânea, destacadamente à fruição de práticas culturais em contextos de periferia urbana. As informações consideradas resultaram da incursão a diferentes localidades socialmente vulnerabilizadas da cidade de Porto Alegre, entre 2013 e 2016, quando realizamos entrevistas narrativas e nos detivemos à observação de práticas produzidas por moradores dos bairros visitados. As contribuições de Danilo Martuccelli são os principais referentes para as análises empreendidas sobre a ‘prova social’ do trabalho e suportes relacionados. Observamos a produção de capital cultural entre pares, o que tem suportado a conquista de ocupações em espaços sociais articulados à “forma escolar”. Assim, programas de integralização da educação, inicialmente experienciados como suportes, são convertidos em campo de ação mediante agenciamentos operados pelos jovens.

Palavras-chave: Juventudes; Educação; Trabalho; Práticas culturais; Periferias urbanas

RESÚMEN:

El trabajo se acerca de las condiciones laborales de los jóvenes de hoy, a discutir la toma de posiciones en la producción de alternativas laborales asociadas a la condición juvenil contemporánea, especialmente la fruición de prácticas culturales en contextos de periferia urbana. Los datos considerados han resultado de incursiones en diferentes barrios socialmente vulnerables en la ciudad de Porto Alegre, entre 2013 y 2016, cuando se ha hecho entrevistas narrativas y se ha observado las prácticas producidas por los residentes de los sitios visitados. Las contribuciones de Danilo Martuccelli son los principales referentes para los análisis realizados sobre la 'prueba social' del trabajo y los soportes relacionados. Observamos la producción de capital cultural entre pares, lo que ha apoyado la conquista de ocupaciones en espacios sociales vinculados a la “forma escolar”. Así, los programas para la integración de la educación, inicialmente vividos como soportes, se vuelven un campo de acción a través de agencias operadas por jóvenes.

Palabras clave: Juventudes; Educación; Trabajo; Prácticas culturales; Periferias urbanas

ABSTRACT:

This paper aims to approach the working conditions of youngsters to promote a discussion regarding position taking vis-à-vis the production of working alternatives related to current juvenile conditions, especially in relation to the fruition of cultural practices in urban peripheries. The data gathered for this study comes from the incursion into different socially vulnerable places in Porto Alegre, Brazil, between 2013 and 2016, when narrative interviews were conducted, in which the focus is the scrutiny of practices produced by the dwellers of the visited neighborhoods. Martuccelli’s contributions are the main references for the analyses conducted regarding the “social trials” of labor and related supports. Production of cultural capital among peers is observed, which has also supported the accomplishment of the occupation of social spaces related to the “school format.” Therefore, programs of education integralization, initially experienced as support, are turned into an action field via agency employed by the youngsters.

Keywords: Young adults; Education; Labor; Cultural Practices; Urban Peripheries

INTRODUÇÃO

De forma geral, as condições de trabalho para jovens no Brasil tendem a apresentar indicadores mais desfavoráveis que para o conjunto da população. Nas últimas décadas, os índices de desemprego são significativamente superiores e os níveis de informalidade também sinalizam situações laborais bastante precarizadas. Se tomarmos tal conjuntura associada ao fato de que parte considerável das juventudes brasileiras não usufrui de moratória em relação ao trabalho e é conduzida ao mercado ainda na adolescência, para apoiar subsistência familiar e/ou garantir a vivência de sua condição juvenil (DAYRELL, 2012), temos um quadro de vulnerabilidade que merece abordagem.

Se a valorização da sociabilidade e da fruição de práticas culturais têm configurado a condição juvenil contemporânea (DAYRELL e CARRANO, 2014), as experiências destas, entretanto, têm sido moduladas pela conformação de aparatos institucionais que configurem estatutos e temporalidades consonantes e, além disso, condições materiais para a apropriação de bens culturais (REGUILLO, 2012). Tomando estes aspectos justamente, desenvolvemos nossa problematização com vistas a configurar um cenário para análise de articulações entre condições laborais e pertenças culturais de jovens, conforme tem nos provocado a imersão em campo.

Amparado em incursões a localidades socialmente vulnerabilizadas da cidade de Porto Alegre, realizadas entre 2013 e 2016, este artigo procura analisar as tomadas de posição de jovens que, impelidos a produzir subsistência, têm desenvolvido alternativas laborais e práticas culturais de forma associada, culminando em atividades como educadores em espaços escolares. Neste sentido, tendo as contribuições de Danilo Martuccelli (2007; 2008; 2010; 2011) como principais referentes, analisamos suportes e agenciamentos operados pelos sujeitos frente ao desafio social do trabalho, de modo a discutir o processo de individuação daí resultante.

Com tal intuito, o texto está organizado de forma a apresentar o contexto de nossas pesquisas e os referenciais apropriados em nossas reflexões. Na sequência, discutimos as condições laborais e práticas dos jovens com quem dialogamos em campo, para, depois, traçar considerações sobre a forma como passam a integrar e produzir práticas educativas.

Contexto e referentes

As pesquisas que temos conduzido se concentram em bairros socialmente vulnerabilizados de Porto Alegre, em diferentes regiões da cidade. A constituição destes ganhou vulto conforme as políticas de governo e o crescimento industrial influíram nos fluxos migratórios campo-cidade, sobretudo a partir da década de 1940, sendo o êxodo rural entre os anos 1960 e 1970 o fator mais expressivo do crescimento de tais localidades. Neste sentido, integram o processo de formação de áreas periféricas precarizadas em distintas capitais brasileiras, gestadas entre as ações do capital imobiliário, do poder público e das populações empobrecidas que as habitavam/habitam, guardando relação com a lógica de apropriação do espaço e distribuição de riqueza em sociedades capitalistas (MOURA, 1996).

Tomemos mais especificamente os territórios considerados para efeito desta escrita: Bom Jesus, Cruzeiro e Restinga. Situados em diferentes regiões da cidade, todos têm histórico de crescimento populacional expressivo nos anos 1960-70 por conta de fluxos migratórios do interior do estado ou de deslocamentos entre áreas do município. Considerando séries estatísticas publicadas pelo Observatório da Cidade de Porto Alegre, uma análise comparativa evidencia que estas localidades estavam entre as mais vulnerabilizadas econômica e culturalmente. Os índices educacionais, especificamente, demonstram acessos fragilizados à instituição escolar, com destaque ao percentual de abandono do ensino médio, que pode chegar ao dobro da média municipal (OBSERVAPOA, 2017) .

Esses contextos foram/são, de outra forma, palco de diferentes formas de ativismos. Os anos 1970 e início dos 1980 foram períodos de forte mobilização de moradores por melhorias das condições de infraestrutura, em muitos casos com apoio e assessoria de militantes de esquerda (ARMANI, 1991). Segundo narram nossos interlocutores, integrava-se às reivindicações, a formação de diversas associações representativas e/ou recreativas, que contribuíam na busca de melhorias infraestruturais, na oferta de alternativas culturais e na narrativização comunitária. Deve se ter conta, ademais, que a noção de “periferia” (assim como seus correlatos, “quebrada”, “vila”, “favela”, etc.) foi apropriada por moradores nas metrópoles como um espaço-tempo de produção social de alternativas reflexivas e estéticas de “fronteira”. As expressões artísticas a partir dos anos 1980, e especialmente nos 1990, com destaque às frentes de ação do Funk e do Hip Hop, contribuíram para a formação de signos de identificação neste sentido, com apelo especialmente entre os jovens na “conversão do estigma em emblema”, como afirma Reguillo (2012).

Então, pesquisas sobre as juventudes traziam análises consoantes, ao destacar ações coletivas na ocupação do espaço público, organizadas, sobretudo, desde práticas culturais (CARRANO, 2002; DAYRELL, 2002; SPOSITO, 2000). E, hoje, em que pese o recrudescimento da violência nas localidades pesquisadas, por conta dos conflitos relativos ao tráfico de drogas, observamos que moradores jovens dos bairros onde efetivamos nossas interlocuções seguem buscando alternativas para desenvolverem ações coletivas nos âmbitos esportivo e/ou artístico, muitas vezes associando-as às expectativas de inserção laboral e à manutenção de sua subsistência. Antes de problematizar essas questões, faremos uma breve apresentação de nossos referenciais teórico-metodológicos.

Referentes

Os diálogos em contextos de periferia têm nos instigado a considerar contribuições de Danilo Martuccelli como referências interpretativas. Sensível ao histórico processo de diferenciação social que experienciamos em sociedades capitalistas e, especialmente, às possibilidades de diversificação de itinerários individuais dos últimos decênios, o autor propõe que nos debrucemos ao estudo das formas de individuação. Entretanto, ainda que partamos de provações construídas à escala dos indivíduos, essas são tomadas com o fito de caracterizar desafios estruturais pertinentes às relações sociais que construímos. A noção heurística de “prova social” se dirige a tal esforço:

Las pruebas tienen cuatro grandes características. En primer lugar, son indisociables de un relato que les asigna a los atores, individuales o colectivos, un papel mayor en la comprensión de los fenómenos sociales. En seguida, las pruebas hacen referencia a las capacidades que tienen un actor para afrontar las prescripciones e procesos difíciles a los cuales está sometido. En tercer lugar, toda prueba aparece como un examen, en realidad, como un mecanismo de selección a través del cual, en función de sus éxitos o fracasos, los actores forjan sus existencias. Por último, las pruebas son inseparables de un conjunto de grandes desafíos estructurales a los que los individuos están obligados a responder y que difieren en función de las sociedades y de los períodos históricos. (MARTUCCELLI, 2007, p. 125)

Ao estabelecer um vetor metodológico, não está deixando de lado marcadores sociais convencionais (classe, gênero, etc.). O autor procura delinear um propósito de aproximação à experiência que fazem os indivíduos das relações sociais, de modo que possamos ampliar a compreensão dos movimentos que os sujeitos fazem e que podem desbordar categorias macro-analíticas usuais. Nessa perspectiva, a interpretação se orienta ao que provoca o “trabalho dos indivíduos” em suas existências, como configurador dos processos de individuação. Assim, por exemplo, Martuccelli (2011) observou a existência de uma “inconsistência posicional” experienciada por indivíduos de diferentes classes sociais no Chile; algo que fazia os sujeitos atuarem, ocuparem seus dias e encontrarem certa similitude na insegurança em relação à sociedade que integram.

Também por esse caminho, Martuccelli (2010) ensaia a hipótese da existência de um “hiper-ator” nas sociedades latino americanas. Segundo ele, o individualismo latino-americano não se erigiria na ficção de um contrato social entre indivíduos preconcebidos, produzido por organizações e programas institucionais, como na Europa; constituir-se-ia desde práticas e habilidades de pessoas que, para se integrarem à sociedade, precisam, antes de tudo, atuar e garantir existência e reconhecimento. Condição que se explicaria, em parte, pela forma como o poder se instaura em nossos países. Algo que se não estabelece tal como no “Norte”; algo que se indica, mas não se efetiva totalmente; como a lei que não se cumpre sempre, que varia nas circunstâncias, com uso da violência, se necessário. Dessa forma, o indivíduo que precisa atuar (frente ao incerto do não funcional das instituições, ou do arbitrário do poder), precisa do outro para sobreviver, já que os aparatos impessoais modernos não representam garantia. Então, a manutenção dos laços sociais torna-se fundamental à organização da experiência, sendo que, historicamente, redes bastante delimitadas suportariam as trajetórias dos sujeitos em seus cotidianos, e não só programas institucionais necessariamente.

Como se pode depreender do mencionado acima, outra tarefa importante se consubstancia na análise das bases que sustentam o cotidiano dos indivíduos, para chegarmos ao que o autor denomina “suportes”. Martuccelli (2007; 2008) procura designar o conjunto de recursos e apoios que configuram as experiências dos atores, não na forma de um inventário das condições e redes dispostas a eles conforme a posição social, mas como uma ecologia existencial dos elementos apropriados no processo de individuação, que se inscrevem na trama de interdependências efetivas das histórias individuais, apoiando os indivíduos a terem-se como tais. Uma vez mais, uma mirada rumo às agências operadas em campo.

E cabe assinalar ainda que, para trabalhar desde as categorias acima, acabamos por compor os referentes apropriando noções complementares. As interlocuções em campo nos levaram a recorrer às provocações de Michel De Certeau, notadamente por suas já bastante conhecidas contribuições acerca das astúcias “de quem não tem um próprio”. Tomamos a noção de “tática” então, a assinalar os movimentos daqueles que, em diferentes espaços sociais, experenciam relações fortemente assimétricas e precisam se posicionar na “captura em voo”, quando as condições de vida não possibilitam pouso e a segurança de um “mirante”. O cálculo existe, mas está restringido pela necessidade de tomar o produto do outro como matéria de consumo, sendo que “o fraco deve tirar partido de forças que lhe são estranhas” (CERTEAU, 2011, p. 46) e, no microcosmos do cotidiano, estabelecer maneiras astuciosas de empregar e de fazer. Assim, a astúcia é uma forma de designar as disposições de nossos interlocutores em campo, na relação com os recursos que poderiam articular e potencializar em seus itinerários.

O mesmo podemos dizer da apropriação do conceito de rede social de Requena Santos (2001): “la red efectiva de uma persona es el conjunto de individuos que aquélla está em condiciones de poder movilizar cuando necessita algo concreto” (p. 45). Procuramos sistematizar (sem pretensões exaustivas) os arranjos relacionais mais frequentemente citados nos depoimentos, no que tange ao foco de análise aqui, buscando observar que suportes eram construídos por nossos interlocutores, à medida que integravam grupos e agenciavam laços sociais, e embora estivessem sob condições econômicas, habitacionais e laborais inicialmente assemelhadas a outros moradores de localidades periféricas.

Dessa forma, enfim, ali onde a presença de instituições estatais é insuficiente e/ou episódica, quando não se estabelece sobremaneira pela repressão, onde os suportes socialmente produzidos se assentam na confluência de diferentes formas de desigualdade social, aventamos a hipótese heurística de que precisamos trabalhar com referentes teórico-metodológicos que atentem para os agenciamentos construídos pelos indivíduos e que, então, podem indicar redes e formas de atuação específicas frente às práticas e políticas públicas (educacionais) que lhes chegam.

As interlocuções

Temos atuado na observação de práticas e, sobretudo, na realização de entrevistas narrativas (conforme Jovchelovitch, 2002) com indivíduos identificados com distintas atividades laborais, artísticas ou esportivas (educação social, docência escolar, limpeza e cuidados domésticos, catação, costura, enfermagem, breaking, funk, capoeira, basquete, futebol, entre outras). Trabalho de pesquisa iniciado em 2010, concernente à produção identitária e aos processos de individuação em contextos de periferia, totaliza hoje aproximadamente 160 depoimentos.

O acervo é composto por entrevistas com pessoas entre 15 e 80 anos de idade, atuantes em localidades socialmente vulnerabilizadas da cidade de Porto Alegre. Cerca de 65% delas, além de atuarem, residiam em tais loci. No que tange à escolaridade, aproximadamente 45% dos sujeitos tinha ensino fundamental (incompleto ou completo) à época das entrevistas, ao passo que 18% declararam ter ensino médio (incompleto ou completo) e 37% ensino superior (completo ou incompleto)3. Se tomamos uma segmentação etária em grandes faixas, o contingente possui 36% de indivíduos jovens (15 a 29 anos de idade), 48% de adultos (30 a 59 anos) e 16% de idosos. Os registros contam com um número ligeiramente superior de consultas a mulheres (60%), em boa medida por conta da interlocução com pessoas atuantes na área de educação e assistência social.

A produção das narrativas tem incluído uma exposição livre dos itinerários biográficos, quando se discute os desafios enfrentados ao longo da experiência e, ademais, a relação com a prática social com a qual o entrevistado se identificava à época da interlocução. Na sequência, compomos questionamentos complementares quanto às redes sociais de vinculação, incluindo-se aí dinâmicas familiares, espaços de trabalho, instituições educativas, vínculos religiosos ou comunitários e práticas de lazer. Perguntamos ainda pelas atividades mais recorrentes na rotina e pelas preferências de consumo cultural.

Embora cada entrevista apresente um levantamento bastante extenso, para efeito desta escrita, dedicar-nos-emos a uma caracterização geral das atividades laborais mencionadas pelos entrevistados que, além de atuar, residem em bairros vulnerabilizados. Considerando que muitas das provas sociais em localidades empobrecidas gravitam em torno da subsistência e do trabalho, optamos por tomar este como ponto de partida para apresentação das condições de individuação experienciadas pelos sujeitos. Neste caso, faremos também uso de um contraste etário entre jovens-adultos e idosos com o fito exclusivo de realçar diferenciações no ingresso ao trabalho.

Dessarte, selecionamos dez narrativas produzidas entre 2013 e 2016, atinentes a interlocutores que, dentre suas atividades laborais, lograram ocupar a função de educadores. Estes são jovens-adultos residentes e com histórico de inserção em práticas culturais (basquete, elementos do Hip Hop e capoeira) 4nos bairros referidos acima, e cujos perfis sócio-demográficos se aproximam ao que destaca Sposito (2018) para indivíduos entre 25 e 29 anos, notadamente aqueles situados no primeiro quintil de renda. Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio (PNAD), a autora observa que nesse segmento, em 2014, a maioria já não ocupava a posição de filhos em suas residências, dedicava-se ao trabalho e já não estudava mais (tendo concluído a educação básica ou nem isso). Muitos já se concebiam adultos.

Eis que nossos interlocutores tinham chegado ao ensino médio, sendo que quatro deles o concluíram; já tinham um longo percurso de inserções laborais, culminando na educação não formal, e eram referência na subsistência das pessoas com quem residiam. Os itinerários desses jovens serão analisados com o propósito de discutir as pertenças e os agenciamentos narrados e, então, problematizar a forma como se posicionam em relação à prática educativa, tomada aqui como parte de um cenário de instauração de políticas públicas de proteção a crianças e adolescentes, que, primeiramente, estabelece-se como potencial constituinte de suportes para esses sujeitos e, depois, como um espaço de ação e de produção de alternativas laborais.

ALTERNATIVAS LABORAIS: PANORAMA E ITINERÁRIOS

Levantamentos da Organização Internacional do Trabalho indicam que há desafios históricos relativos às desigualdades de gênero e raça/etnia, à rotatividade do mercado de trabalho e à elevada margem de informalidade laboral na América Latina e no Brasil. E neste cenário, temos participação expressiva de jovens na população economicamente ativa (PEA). Desde balanço realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) para o período de 2003 a 2013, com base em dados da PNAD, a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2015) sinaliza que aproximadamente 2/3 dos jovens mantinham-se no mundo do trabalho (63% em 2013), acentuando-se dentre outros aspectos: a. índices de desemprego superiores à média da PEA, chegando ao dobro ou mais muitas vezes; b. elevada rotatividade no emprego; c. taxas de informalidade5 mais elevadas, destacadamente para autodeclarados pretos e pardos; d. remunerações comparativamente inferiores; e e. significativa existência de jornadas superiores a 44h/sem., possível dificultador da conciliação entre estudos e trabalho.

O quadro apresenta ainda oscilações segundo o nível de escolaridade. No período considerado, indivíduos mais escolarizados tendiam a sofrer menos com a informalidade dos vínculos laborais, de tal forma que aqueles com ensino médio não só apresentavam taxas inferiores de ocupação informal, mas usufruíram de maior redução relativa durante o decênio de crescimento econômico reportado entre 2003 e 2013 (18,9% contra 11,6% para aqueles com ensino fundamental incompleto). Outra nuance concernente à escolaridade observa-se quando se segmenta os dados no interior do contingente juvenil: passado o período de inserção inicial ao mercado de trabalho, entre 18 e 19 anos, a taxa de informalidade chega a valores inferiores ao da média geral do mercado de trabalho, o que poderia ser atribuído à elevação progressiva histórica do acesso à escola.

As condições de empregabilidade, com redução da taxa de informalidade entre jovens e ampliação da média salarial, ou mesmo uma diminuição da taxa de participação na PEA entre 2009 e 2013, por conta de maior dedicação aos estudos, sinalizavam para a qualificação da inserção laboral de jovens no país (PARTICIPATÓRIO/SNJ-IPEA, 2014). 6Contudo, em que pesem as melhorias constatadas, o período que se segue, configurado entre a crise econômica e as mudanças no horizonte de gestão das políticas públicas, apresenta sinais de retração, de forma que o quadro de informalidade e desemprego tem se agravado ou, de outra forma, tem-se redução da taxa média de desocupação por efeito de um avanço do número de vínculos de trabalho informal (IBGE, 2017).

A julgar pelos aspectos expostos acima, os impactos de tal cenário tendem a ser mais perversos para as populações socialmente vulnerabilizadas, com menores níveis de escolarização e que, mesmo em momentos de aquecimento da economia, já sofriam mais com o desemprego e a informalidade ou com postos de trabalho de menor reconhecimento pecuniário e simbólico7 . Contexto que reafirma o imperativo do labor para “ganhar a vida” e a percepção do trabalho como necessidade, como já o assinalava Corrochano (2016) em relação aos jovens de baixa renda.

Se tomamos o conjunto de entrevistas do acervo produzido com moradores de localidades de periferia de Porto Alegre, entre as ocupações laborais declaradas predominavam atividades na área de construção civil, vendas/serviços e serviços gerais, cuidados domésticos e vigilância/zeladoria. Conforme aumentava a escolaridade, mais os interlocutores se aproximavam de trabalhos técnicos e era menor a incidência de atividades em serviços gerais.

As alternativas laborais se constituíam, para a maioria dos casos, em diversas experiências intermitentes, oscilando por vezes entre práticas na informalidade e vínculos formais temporários, a configurar casos diversos de inclusão precarizada (MARTINS, 2002). Para os grupos mais vulnerabilizados, com reduzida escolarização (ensino fundamental incompleto) e frágeis condições de moradia, como seriam exemplos catadores de resíduos sólidos, percebia-se sequências de trabalhos precarizados a compor históricos familiares, passando de uma geração a outra, de forma que a “carteira assinada” se dispunha como um horizonte nem sempre discernível, mas ainda assim almejado como referência de estabilidade e recursos, conforme já assinalava Lisboa (2009).

Outro aspecto que merece ser destacado são os agenciamentos operados pelos sujeitos na conquista de suas alternativas de labuta. Quando consultados acerca da maneira como logravam suas ocupações, combinavam em seus depoimentos o ingresso em processos seletivos com a indicação de familiares e amigos. Os jovens sobremaneira mencionavam o apoio da família para chegar às primeiras oportunidades de trabalho (formais ou informais).

Para além disso, muitas vezes não se tratava de aceder a uma ocupação, mas sim de produzi-la por agenciamentos. De táticas individuais cotidianas a esforços coletivos de organização, poderíamos citar como alguns dos exemplos narrados: a produção de cadernos de receitas como portfólio para lograr labuta como empregada doméstica; a aprendizagem de técnicas de artesanato para sair às vendas; as táticas na catação para formar vínculos com moradores em determinadas vizinhanças; as apresentações artísticas visando mobilizar interessados e ampliar opções de trabalho; a luta política pela formação de associações ou cooperativas de serviços onde, depois, acabavam trabalhando; a prática voluntária em esportes que, esperava-se, resultasse em projeto sócio educativo duradouro e ocupação desde as disposições construídas na experiência.

Não raro, os sujeitos dispunham astuciosamente saberes produzidos no espaço doméstico, com colegas em ocupações informais e/ou precárias, ou em práticas culturais vivenciadas no espaço público. E acabavam por se amparar nos arranjos relacionais que integravam, especialmente familiares, amigos e ex-colegas de trabalho, para compor ou qualificar alternativas laborais desde suas experiências.

Sempre fui do esporte, desde pequeno [...] Aí, tenho esse projeto social aqui na Restinga; tô lutando para criar uma pista de atletismo. Aí: “como fazer uma drenagem?”. Pra fazer todo aquele espaço ali, tem que sabê, porque eu fui sabatinado assim. Fui na prefeitura e eles: “eu quero uma planta”. O que é isso? Nunca tinha ouvido falar. Aí, comecei a perguntar o que era isso. Como é que eu faço? [...] Aí, fui lá pra contratar um avião pra fazê foto aérea. Aí, eu disse: “como é que eu vou bater essa foto?” Aí o que aconteceu? Pra bater a foto, conversando com um, com outro... (Ventura, 61 anos - jan/2015)

Olha, com o meu pai, eu comecei a auxiliar ele acho que com doze anos [...] Eu trabalho unicamente pra não depender do dinheiro dos meus pais né, que eu nunca gostei de depender, sempre gostei de ter as minhas coisas. Então, eu faço um pouco de tudo, eu trabalho num canil onde eu ajudo na manutenção dos cães; eu trabalho com um casal de idosos toda sexta-feira, que eu ajudo eles nos afazeres da casa; eu trabalho um pouco com o meu pai que é jardineiro [...] E até porque a dança tira muito dinheiro né? Pra ti, passagem, pra ti ir pra algum evento que tu queira muito conhecer, às vezes pagar alguma aula. (Anderson, 25 anos - fev/2013)

Segundo observamos, o imperativo do trabalho, a premência de produzi-lo por necessidade ou para fruição do consumo, articulava-se também à convocação moral por independência (relativa) e por enfrentamento das adversidades dispostos aos sujeitos. Além de converter a necessidade em virtude (BOURDIEU, 1998), ao comentar os esforços e “superações”, as narrativas informavam um código para tomada de posição na prova social do trabalho. Aspecto este que, podemos considerar para os contextos em foco, dirigia-se a outros desafios: nas migrações e na conquista de moradia; na urgência em driblar intercorrências de violência no território; no enfrentamento das insuficiências dos atendimentos de saúde; nas tentativas de conciliar estudos e labor; etc.

Sobressaía-se nas narrativas a necessidade de se ter como indivíduo capaz de gerar subsistência para si e os seus. No entanto, a independência não parecia representar uma conquista individual simplesmente, e podia estar associada a buscas constituídas desde e para laços de reciprocidade com vizinhos, colegas, mas, sobretudo, parentes e amigos.

Quando tive minha filha, foi barra! Conseguia colocá alguma coisa dentro de casa e minha mãe e minha vó me ajudam com outras coisas, né? Meu irmão de vez em quando me dava um leite, me dava um negócio e tal.

Então, eu sempre fui muito solidário com todo o pessoal, né? Nunca cobrei nada da galera, então quando a gente ia viajar, eu tirava da continha pra completar alguma parte, sempre fui... Tu tem que fazer o grupo crescê. (Júlio, 29 anos - mar/2014)

Reportando-nos especificamente aos jovens entrevistados, tratava-se também de atividades informais muitas vezes e, quando com vínculo empregatício, eram serviços intermitentes em atribuições com intensa interpelação por rendimento e com repetição de tarefas, onde podiam permanecer meses ou pouco mais de um ano. Noutras, embora se tratasse de atividades com as quais se identificavam, a insuficiência das remunerações levava à busca de múltiplas contratações e, neste contexto, à necessidade de circulação pela urbe, indo de um bairro a outro, em regiões distantes da cidade.

Daí o que que acontece, eu trabalhava, sempre trabalhei - sempre não -, quando eu tinha idade pra trabalhar, eu trabalhei, depois dos 15. Já trabalhei… ajudei minha mãe e meu pai na padaria que eles tinha. Porque a minha mãe e meu pai sempre deram uma tarefa pra mim, né. Aí, eu me lembro até hoje: tinha que puxar uns carrinho e ela me dava dois pila ali, pra mim [...] Mas daí eu comecei a trabalhá de atendente de 0800… 0800, telemarketing e aí depois fiquei dois ano quase, e depois eu fui pra analista de crédito [...] Aí eu sai desse aí pra trabalhá em outro, pra representante da Nestlé. Ia nos bar vender chocolate, trakinas e tal né, de moto, 120km por dia eu andava. (Guilherme, 24 anos - abril/2013)

De forma geral, encontramos dados congruentes ao explicitados pela PNAD e apresentados acima. Mais além, observamos situações em que, mesmo logrando-se um contrato formal de trabalho, a precarização das condições efetivas podia se fazer presente para os jovens, “pelas intensas e extensas jornadas e pela diversificação das formas de remuneração” (CORROCHANO, 2016, p. 162). Não raro, nossos interlocutores reclamavam da sobrecarga de tarefas, dos reduzidos salários e da intensidade dos ritmos laborais. De outra parte, contavam suas táticas para compensar recursos escassos e ampliar a efetividade de suas alternativas laborais.

Aí fizeram o convite: “aqui tem um projeto assim, assim.... a gente está precisando de alguém” [...] Daí fui e quando cheguei lá, os caras só me deram um rádio: “oh toma um rádio, vai pra rua, tenta sorte aí no meio da comunidade” [...] Eu nem pensava essa questão de profissional, eu pensava em dar aula de dança, eu queria tipo... ter mais dançarinos, entendeu? Qual era minha ideia: era ir pros lugares, criar mais pessoas pra trazê pro nosso grupo, entendeu? Essa era minha ideia [...] Preferia ter vários pontos de trabalho, vários lugares do que tê um lugar fixo assim, porque fazia eu rodar, né? (Júlio, 29 anos - mar/2014)

Contudo, um contraste etário entre os depoimentos indica que o ingresso no mercado de trabalho vem sendo postergado nos itinerários biográficos nas últimas décadas, confirmando a hipóteses de Camarano (2006) e Vieira (2008). Quando consultamos idosos residentes nos bairros em estudo, sobre suas experiências de trabalho, as atividades laborais iniciavam sobremaneira na infância, em práticas da lavoura e nos cuidados domésticos (com ocorrência de trabalho escravo inclusive), impossibilitando ou adiantando em muito o ingresso e a permanência na escola, em geral restrita ao ensino fundamental.

Tinha 09 anos e trabalhava numa fazenda em Quaraí/RS. Não recebia dinheiro; era só por comida e roupa. Quando a minha mãe foi lá me visitar, eu quis embora, né. Só que eu não tinha falado nada pra patroa que eu ia embora, mas eu tava com a malinha pronta. Falaram “Luci tua mãe tá aqui”, eu já vim lá do quarto com a minha malinha. Ela [patroa] me batia porque eu não sabia cuidar de uma casa. Também nem fui pra lá pra isso. Mas daí ela começou a me empurrar serviço, serviço, que eu não sabia fazer eu aprendi na marra, né. Ela disse que lá tinha colégio perto. Não tinha nada. Aquele ano foi perdido, só trabalhei. (Eva, 64 anos - abril/2016)

Para os jovens com quem dialogávamos, registrava-se mais recorrentemente o ingresso no mundo do trabalho (fora do lar) na adolescência. Da mesma forma, observava-se a chegada a níveis mais elevados de escolaridade (ensino médio). Aqui, as repercussões de políticas públicas instauradas pós constituição de 1988 e criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) parecem constituir a ambiência de proteção dos sujeitos, conforme os dados de elevação de escolarização média da população fazem supor.

Neste ínterim, o envolvimento em atividades esportivas e/ou artísticas (na escola ou, antes, na rua) converteram-se em práticas de dedicação intensiva nos percursos biográficos de nossos interlocutores, referidos como arenas de protagonismo e reconhecimento. Então, o ingresso e permanência em grupos concernentes (em basquete, capoeira ou Hip Hop) oportunizaram a integração a arranjos relacionais e a um corpo de saberes que, ambos, vieram a compor probabilidades de atuação profissional em arenas institucionais educativas. Segundo as narrativas, os jovens chegavam a atividades como educadores, inicialmente, por indicação de pares. As primeiras experiências ocorriam em organizações não governamentais que desenvolviam projetos educativo-assistenciais em localidades vulnerabilizadas. Com o tempo, passavam a ingressar também em projetos de contraturno escolar.

Porque, no caso pra mim, o motivo que eu saí da escola por razão de trabalho. Eu tive que optar: ou eu estudo ou eu trabalho pra me manter. Ganhar o bastante, porque a minha mãe não tinha condição de se manter [...] a partir dos 16, eu comecei a trabalhá no McDonalds. Atendente, quer dizer, atendente não né? Eu fazia de tudo lá dentro!

Eu comecei a dar oficina no bairro Bom Jesus. Era um projeto que fazia parte da ACO, que é a Associação Cultural dos Oficineiros de Porto Alegre, que foi o Jukinha que me mostrou. Foi ele me ensinou a fazê projetos também. (Marcos, 27 anos - out/2013)

Se a relação com as alternativas laborais que são delegadas normalmente aos jovens de grupos populares eram palco de tensionamentos, a atividade educativa vinha sendo atividade valorada positivamente. Não isenta de precariedades combinadas, como ganhos pecuniários de pequena monta, contratos informais e/ou temporários e, por conseguinte, necessidade de vínculos simultâneos com diversos contratantes, a ocupação educativa se converteu em um espaço para exercício de serviços aderentes aos saberes produzidos nos itinerários: aportavam conhecimentos desenvolvidos em práticas informais, fruídas no espaço público, e que apreciavam protagonizar.

No entanto, cabe detalhar a articulação de nossos interlocutores aos potenciais suportes de uma rede de proteção à criança e ao adolescente, avançando também na análise de tomadas de posição e agenciamentos construídos pelos sujeitos, que também perfazem suas oportunidades no campo da educação.

EDUCAÇÃO, TRABALHO E AGENCIAMENTOS

Neste tópico, partiremos do contexto de instauração de aparatos estatais e paraestatais concernentes a direitos sociais no campo da educação e da assistência social, salientando sua articulação com a situação juvenil dos sujeitos de nossa pesquisa. Então, trataremos dos agenciamentos e tomadas de posição de jovens trabalhadores em atividades no âmbito da educação.

Como é de conhecimento corrente, a constituição “cidadã”, sancionada em 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) promulgado em 1990, e, depois, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) consubstanciavam disputas por direitos sociais intensificados nos anos 1980 e, ao criar o amparo legal, contribuíram para a formação de colegiados de deliberação entre Estado e sociedade civil nos diferentes âmbitos federativos. A formação de conselhos em nível federal, estadual e municipal fomentou e passou a regular redes municipalizadas de proteção e promoção de crianças e adolescentes (dentre outros públicos), atuando para que estes conquistassem efetivamente o estatuto legal de “sujeitos de direitos”.

Em que pesem as previsões legais, contudo, há que se destacar precariedade dos serviços prestados, dada não só pela insuficiência dos recursos destinados, mas também pelo caráter incidental e compensatório, em muitos casos. Neste sentido, no que diz respeito aos jovens, não se observava clara especificidade de foco dos programas para esse segmento até o início dos anos 2000. Ademais, os programas instaurados no curso dos anos 1990 tiveram sua constituição perpassada pelas representações sociais em disputa, no que tange à relação entre jovens e sociedade. Em polarizações gerais mas não exaustivas, é possível referir debates que ora poderiam acentuar proposições associadas à “cidadania tutelada”, ora preconizariam experiências participativas. De outro modo, designariam a juventude na forma de “problema”, realçando medidas de integração social que, ao cabo, podiam representar formas de controle social do tempo e da corporeidade juvenil; ou, então, a concepção de que os jovens expressariam politicamente “mudança” a ser reconhecida (SPOSITO e CARRANO, 2003).

Tomando dados da primeira metade dos anos 2000, Sposito (2008) assinalava que, frente ao quadro de expansão histórica da escolarização, com a chegada mais expressiva de segmentos empobrecidos ao ensino médio, os jovens pobres destinatários de programas sociais passam a se situar entre instâncias educativas paralelas. Tais estruturas raramente criariam procedimentos regulares de interlocução educacional, embora houvesse estímulo à frequência escolar por parte das iniciativas sócio assistenciais. Mencionava a autora, ainda, que a educação não-formal ou não escolar reproduzia o modelo escolar de forma precária. Mesmo não havendo um currículo formalmente delimitado e sistemáticas de avaliação, havia a perspectiva de formação mediante o estabelecimento de uma rotina, uma relação entre especialistas e aprendizes e a apropriação de práticas e materiais didáticos, o que nos remete às provocações de Vincent et al (2001) sobre a “pedagogização do social”.

Doravante, as políticas voltadas à educação integral tensionam tal paralelismo. Programas implementados a partir de meados dos anos 2000 (como o ‘Mais Educação’ em nível federal, por exemplo), introduziram no interior das escolas saberes diferentes daqueles usualmente previstos nos currículos formais. Em atividades que se propõem complementares às práticas de professores, educadores sociais passam a integrar mais intensamente a rotina da instituição.

Em Porto Alegre, antes das propostas federais, em 2006, o programa ‘Cidade Escola’ procurou reunir experiências de inclusão de práticas oriundas de diferentes agentes sociais. O programa tinha antecedentes na rede de ensino municipal e, neste sentido, procurava/procura formalizar parcerias, seja trazendo educadores sociais à programação escolar, seja oportunizando que os alunos desenvolvam atividades em organizações não governamentais conveniadas.8 Assim, no âmbito dessas iniciativas, diferentes práticas são articuladas sob propósitos educativos, cuja orientação é dada pela gestão escolar.

Silva (2017) salienta que, em meio a disputas históricas no campo, tem predominado o modelo “aluno em tempo integral”, que prevê a ocupação dos estudantes em diferentes práticas, com a associação a distintos agentes na cidade (e não a produção de escolas em tempo integral). Entendemos que a configuração assumida intensifica embates como aqueles apresentados por Vincent et al (2001). A centralidade da instituição escolar e da prática docente, inseridas numa rede de parcerias, pode ser tensionada pela abertura a iniciativas educativas extraescolares, mas a própria abertura se erige na consolidação da “forma escolar” de socialização, a saber:

a constituição de um universo separado para a infância [e, vale acrescentar, para a juventude]; a importância das regras na aprendizagem; a organização racional do tempo; a multiplicação e a repetição de exercícios, cuja única função consiste em aprender e aprender conforme as regras, tendo por fim seu próprio fim. (VINCENT et al, 2001, p. 37-38)

A composição de uma rede de proteção e promoção de crianças e adolescentes, e os programas governamentais que seguiram aos anos 1990 e 2000, com maior atenção às juventudes, em que pese a insuficiência e a precariedade com que se efetivam no atendimento a populações vulnerabilizadas (CAMPOS, 2018), têm concorrido para a produção social de tempos de infância e de juventude. Aventamos a hipótese da disseminação da ‘forma escolar’ entre aparatos escolares e extraescolares nas localidades em análise aqui, sendo que esta tem contribuído para postergar o ingresso no mundo do trabalho, incidindo na transição para a vida adulta. Há que considerar, no entanto, que a sequência transicional entre jovens de contextos vulnerabilizados nem por isso é menos suscetível ao imperativo do trabalho e/ou à responsabilização por tarefas domésticas e do cuidado, tensionadores da frequência a espaços educativos e assistenciais (CAMARANO, 2006; CORROCHANO, 2016).

Algo sobre suportes: as redes de pertença construídas

Não é nossa intenção realizar um levantamento exaustivo dos suportes presentes nos itinerários biográficos de nossos interlocutores. Intento deste porte mereceria sistematização específica e foge de nossos propósitos aqui. Adotamos como alternativa heurística determo-nos às redes sociais mais recorrentemente associadas à produção da prática educativa como espaço de ação entre os jovens com quem dialogamos. Tomando proposição de Martuccelli (2007), tivemos o cuidado de não realizarmos apenas um inventário, mas considerarmos aqueles arranjos em relação aos quais percebemos efetiva participação dos sujeitos, sustentando-os no contexto e, neste sentido, dispondo-se como efetivos apoios para uma inserção laboral específica e preferencial.

Citações recorrentes se orientam às dinâmicas familiares. Percebemos que, para a maioria dos casos, tratava-se de famílias extensas, cujas configurações eram variáveis no que tange aos membros que residiriam juntos (na casa ou no pátio) e/ou se ocupariam do cuidado das crianças, diferindo do que usualmente se reporta como núcleo familiar (pai, mãe - ou responsáveis - e filhos), conforme já assinalava (FONSECA, 2004). Primos, tias, amigos, dentre outros, poderiam constituir relações de reciprocidade, considerando-se práticas de apoio mútuo de ocorrência regular ou eventual.

Ao mesmo tempo que tais dinâmicas eram o contexto da responsabilização por tarefas na infância (em atividades domésticas) ou na juventude, estas conformavam a salvaguarda quando da necessidade de recursos econômicos, de acolhida e pouso para migrações, moradia e proteção contra a violência local, no encaminhamento aos estudos e na vivências das primeiras atividades de lazer.

Nossos interlocutores jovens experienciaram arranjos familiares que preservaram a infância e a escolarização (mesmo que parcial), embora houvesse responsabilização doméstica. Trata-se de integrantes de grupo etário que passou a usufruir do suporte da rede de proteção mencionada no tópico anterior, sendo a frequência à escola uma obrigação legal fiscalizada e viabilizada por aparatos que, embora insuficientes e precários, passaram a garantir gradualmente a ocupação de crianças e adolescentes em espaços educativos-assistenciais. A uma só vez, lugares para disputa simbólica relativa ao tempo da infância junto aos usuários, locus de permanência da prole para aqueles que precisam trabalhar e depositários morais da promessa de melhores condições de existência aos filhos9.

Nunca voltei a estudá, porque eu sou mãe de seis filhos, mas dei estudo para todas eles e todas eles estão estudando, né [...] Porque as vezes as pessoas, os meus filhos de santo, né, que eu tenho, eu tenho meus filho de santo que são enfermeiro…ahn… funcionário público, meus filho são tudo bem empregado, graças a Deus, né. (Rosa, 60 anos - maio/2016)

Quando eu era criança, minha mãe me deu pra outra pessoa. Ela era muito ruim pra mim. Me botava pra trabalhá na carroça, catando; eu tinha quatro anos quando comecei. Hoje não. Meus filhos tão indo pra escola; eu recebo bolsa do governo e eles tão indo pra escola. (Eunice, 37 anos - mar/2010)

Se nossos interlocutores jovens chegaram ao ensino médio, eram, no entanto, sujeitos com escolaridade truncada ou incompleta. E a ampliação do tempo de habitação da escola se conjugava com a apropriação desta desde diferentes motivações: dentre outras possibilidades, podia representar segurança em territórios violentos, um lugar para atestados e certificações pertinentes ao mundo do trabalho, ser a arena para sociabilidades entre colegas. O ambiente escolar podia ser relatado como espaço de tensionamento com os conteúdos escolares (pela suposta “pouca utilidade”), mas era lembrado, sobretudo, como lugar de sociabilidade, reconhecimento entre os pares e da interposição de ritmos contrastantes com a rotina escolar, na ocupação do pátio e dos corredores para fruição musical, nos apelos interativos pela conversa e pela “zoação” entre colegas (PEREIRA, 2016).

Então, quando as escolas ofereciam alternativas educativo-culturais em contraturno, no quadro dos programas de integralização da educação, criava, a uma só vez, estímulos ao cumprimento de tarefas escolares e um espaço para experiência muitas vezes consoante com as práticas culturais que os jovens apreciavam.

Lá na escola, uma professora viu que eu era muito agitado e resolveu botá eu num projeto. Era um projeto parecido com o ‘Mais Educação’. E nesse mesmo projeto entrou um outro aluno e ele já dançava break [...] toda vez que a professora saía da sala ele saía do lugar dele e ficava lá dançado, lá na frente do espelho [...] Eu disse, “Ô meu, o que que tu tá fazendo?”. “Ah eu tô dançando”. “Bah, me ensina um passo”. Daí eu aprendi e ficava praticando em casa, em casa mas ficava praticando todo desajeitado. Aí, depois ele me convidou pra treinar na casa de um amigo dele. Quando eu comecei nessa febre de dança foi onde que eu mudei, eu comecei a fazer as coisas em sala de aula, porque eu não queria que as professoras me barrassem na hora do recreio, porque o recreio era o auge! (Marcos, 25 anos - nov/2014)

Embora percebêssemos a presença de heranças culturais familiares (na fruição artística ou esportiva) e de referências de mídia e cultura espetacular de massa, a habitação da escola e a sociabilidade entre pares neste âmbito, eram majoritariamente narrados como suportes para uma experiência estendida das práticas culturais, indo do consumo à produção de práticas e artefatos. A permanência no espaço escolar oportunizara, não só pela ação de professores ou oficineiros em contraturno, mas também pela sociabilidade que ambientava, a filiação a redes e práticas que se estendiam à rua e podiam conformar grupos de interação duradouros.

Então, com as juventudes, para além da reconhecida articulação com as expectativas de efetivas melhorias das condições de trabalho e mobilidade (ZAGO, 2012), as possibilidades representadas pelo espaço escolar podem ser consideradas rumo a uma diversificação da vivência do suporte. De certa maneira então, cremos nos aproximar das análises feitas por Dayrell (2007), quando afirma a tensa relação entre jovens e escola, propondo questão quanto a se “escola faz as juventudes”. Para aqueles que chegam ao ensino médio, a instituição se acerca de atividades significativas para seus alunos, mas que, em geral, são intensamente experienciadas fora de seus muros. E, ao inclui-las residualmente, criariam alternativas pontuais que não resolvem os dilemas entre as posições de aluno e jovem e as perguntas pelo sentido da socialização escolar.

Com isso, chegamos ao terceiro tipo de arranjo relacional que gostaríamos de destacar para efeito desta escrita: as redes associadas a práticas culturais. A literatura acerca das juventudes no Brasil já consolidara resultados acerca da importância do consumo e da produção cultural e das dinâmicas de sociabilidade em relação à condição juvenil contemporânea (DAYRELL e CARRANO, 2014; SOUTO, 2016). Da mesma forma, assinalam a importância de considerarmos, em complementaridade, as situações efetivas nas quais se erigem as experiências juvenis.

Para os casos em tela aqui, se a integração a práticas culturais teve amparo em inflexões nas tomadas de posição de grupos familiares e da constituição de uma rede de proteção, a integração a grupos de pares merece análise de sua especificidade, assinalando a participação efetiva dos jovens como característica na produção deste suporte. O primeiro aspecto a realçar: a vivência entre os pares criava dinâmicas de produção de saberes e aprendizagens sem que houvesse necessariamente a interposição da figura professoral; os jovens partilhavam práticas colocando-as em operação e, eventualmente, trocando dicas ou sugestões. Uma dinâmica de tentativa e erro fruida mediante interações que podiam ser reguladas pelas regras do jogo (uma partida de basquete, um treino de dança) ou simplesmente comentada em conversações. Práticas que demandavam também observação e certo tipo de pesquisa nas mídias que acessavam.

Tal dinâmica, muitas vezes levada a cabo nos espaços públicos que conseguiam acessar, era narrada como arena de protagonismo. Ainda que restrita ao microcosmo da interação grupal, ali os jovens exerciam a produção singular de passos, movimentos, jogadas em articulação com o reconhecimento dos pares. Então, a pertença aos coletivos se constituía de uma tensão entre a valorização de individualidades com trajetórias e feitos particulares e a necessidade de manter parâmetros comuns de ação, como recorrentemente eram citadas noções de ‘humildade’, ‘atitude’, ‘coleguismo’ e ‘perseverança’.

No basquete, ali a gente aprende, a gente aprende muita coisa, assim. A galera quer se escolher: “olha o que o cara fez”, né. Tem várias formas de jogada, né [...] A gente aprendeu a jogar basquete, né, olhando, olhando… no tempo que eles passavam na Band o jogo da NBA [...] A gente não teve preparo físico, uma preparação. A gente aprendeu na raça e na coragem de jogá, tanto que hoje em dia o corpo reclama, né. (Deco, 29 anos - abril/2016)

Quando eles tiravam o dia pra pegá um pra folgá, meu, bah, assim oh… era triste! Bah, tu tinha que botá a mãozinha no bolso, baixá a cabeça e ir embora. Ah, folgação, 10apelido… Se errasse um lance, os cara folgavam um monte. (Fábio, 27 anos - abril/2016)

Nesse sentido, a participação em práticas culturais de forma prolongada, como é o caso dos sujeitos de que aqui tratamos, tem se configurado como aspecto identitário. Como experiências de reconhecimento e pertença, mas também como espaço de ação cujas agências operadas aproximavam expectativas de êxito profissional naquilo que apreciavam fazer. Assim, aquelas interações compunham projeções e organizavam a relação com o tempo nas narrativas que nos produziam os jovens. Se podemos lembrar com Ricoeur (2010) que a identidade é também uma relação com o tempo na formação da ipseidade, aqueles sujeitos levavam às suas práticas desejos de realização e o imperativo do trabalho que o contexto interpunha.

Quando eu comecei a dançar eu queria desenvolver os movimentos que eu via nas fitas cassete, entendeu? O segundo interesse porque eu queria dançar: um comecei a ficar muito conhecido e dava muito ‘pé quente’ com as gurias. Como eu era muito gordinho, eu no colégio não tinha essas coisas de ter namorada. E o terceiro momento, eu queria ganhar mais dinheiro com o que eu gostava de fazer. Esse momento foi que me levou a elaborar coreografia, procurar conhecimento, participar de campeonato. (Júlio, 29 anos - maio/2014)

Educação: um espaço para ação

O cenário de instauração da ‘forma escolar’ que esboçamos acima pode ser considerado agora como espaço de ação, como locus desde o qual os sujeitos converteram arranjos relacionais que suportavam suas experiências em arena para atuação e subsistência, acercando-a de suas tomadas de posição relativas às alternativas laborais.

A formação de redes de proteção da criança e do adolescente, assim como, depois, a ampliação da escolarização média acompanhada de políticas de integralização, oportunizou que saberes distintos dos previstos em currículos formais passassem a compor atividades de espaços educativos de forma mais intensiva (como são exemplos a capoeira, música afro, os elementos do Hip Hop). Será esse o contexto também para atuação de trabalhadores em educação cujas denominações variam: sem gozar do status de professor, são chamados de oficineiros ou mesmo de educadores sociais.

A chegada de nossos interlocutores às práticas educativas tem início em atividades assistenciais de aparatos estatais ou para-estatais atuantes em localidades de periferia, cujos históricos de articulação com saberes populares (em artesanato, costura, música, etc.) é anterior à criação das redes de proteção que mencionamos acima. Geralmente, o ingresso em atividades em ambiente escolar se deu depois de acumulada certa experiência, 11e no quadro dos programas de integralização escolar intensificados nos anos 2000.

Consideramos, então, que a integração ao conjunto de atividades escolares se dá pela conversão em capital cultural de alguns dos saberes produzidos nas práticas juvenis. Podemos considera-lo em função das frentes de ação historicamente produzidas pelos movimentos sociais populares, que, construindo alternativas de promoção de suas produções, ensaiam aproximações ao fazer educativo socialmente legitimado. 12Mas há que se considerar, de outra parte, as inflexões produzidas no espaço escolar. A efetiva conversão em capital, se dá também sob o efeito dos programas de integralização e das demandas político-educacionais por permanência na escola e avanço no curso de escolarização.

Um terceiro aspecto que poderíamos considerar concerne aos itinerários dos jovens com quem dialogamos. Eles próprios foram educandos em projetos sócio educacionais de contraturno; em muitos casos, foram considerados alunos “indisciplinados”, levados a atividades culturais que, ademais, consolidavam como prática preferencial junto aos pares. Assim, o ingresso como oficineiro em escolas se dava em terreno relativamente familiar: não só conheciam as linhas gerais da rotina escolar, mas entendiam parte dos propósitos que organizavam as atividades que passaram a realizar. Certa ‘concordância’ moral acerca da importância da educação, do papel do educador e do conhecimento se fazia presente e, ademais, tem antecedentes ou ocorrências no curso das atividades culturais que protagonizam/protagonizavam em outros espaços públicos. Não raro, os treinos, as apresentações ou os momentos de fruição na rua contavam com a inclusão de crianças que furtivamente se aproximavam e pediam para participar. Então, a integração poderia se dar desde a acolhida daqueles que mimetizavam gestos até a disposição explícita para ensinar modos de fazer.

Muitas vezes, a gente tava ali no ginásio dançando e tal e, aí, o pessoal jogando bola. Aí, os caras com os filhos né, e diziam: “vai lá, vai lá com os guri dançá. Aí, chegavam as criança ali, ficavam olhando e a gente chamava pra ficá junto e já rolava uns passinhos (Júlio, 29 anos, mar/2014)

Aqui na escola onde trabalho, eu liguei e perguntei se eles queriam uma oficina. Ela [coordenadora de projetos] aceitou. Disse: “ah, a gente quer pra um projeto assim, assim, assim, o Mais Educação”. Perguntou se eu já havia trabalhado com o projeto. E eu: “não, sim, eu tenho experiência”. Ela perguntou se eu tinha experiência com criança. E eu: “tenho, tranquilo!”. Imprimi o currículo e o projeto entreguei aqui pra ela na escola.

Às vezes, quando tem algum aluno muito assim, eles colocam na minha sala. Aí eles: “ah, vamo dançá, vamo pintá, vamo fazê isso”. Pra não trocá de escola [...] Tem aluno, assim, que não é do projeto, mas vem pro projeto e fica um, dois dias comigo ali, e depois volta pra sala mais tranquilo. (Marcos, 27 anos, out/2013)

Acreditamos que a prática como educador em escolas contribui para que os elementos construídos nas trajetórias se convertam em bases para a integração à “forma escolar”. Se as dinâmicas de aprendizagem junto às práticas produzidas pelos jovens na rua não compunham necessariamente regras coletivas estritas e organização racional do tempo, predominando expressões individualizadas ou a mimese nos exercícios, e a fruição corporal no presente, é o ingresso na ambiência escolar que configura as atividades rumo à repetição coletiva de exercícios e traz mais enfaticamente a redundância na finalidade.

Primeiro, eu começo falando sobre a história [...] Então, eu faço geralmente uma introdução da história. Depois que eles já tão habituados, eles já sabem eu passo um vídeo, um vídeo de dança pra eles aí eu divido o vídeo em várias categorias: um vídeo que mostra a história do Hip Hop, um vídeo que mostra como que tá a cena atual, um vídeo de como é que é o treino do pessoal [...] Pra eles ficarem pensativos na mente deles. E aí depois eu começo a trabalhá os passos básicos [...] Depois que eles aprenderam os passos básicos, aí eu começo a trabalhá coreografia com eles [...] e depois, no final de tudo, se a gente acha que tá bom a gente apresenta o trabalho coletivo daí.

Então como a escola já tem regras que não pode isso, não pode aquilo; é assim, assim, assim que tu tem que fazê o A, o B e o C. Pra mim, seria complicado trabalhá com as crianças livres aqui. Todo mundo padrão! Então, eu tenho que me adequá no padrão também. (Marcos, 27 anos - out/2013)

A gente tenta fazê, né, o possível, né, pra ajudá, né, ajudá quem gosta, que esporte, na realidade, é,... eu acho que é um dos melhores meios de, de, em matéria de saúde, né. Então, de alguma forma eu tô lá ensinando, também, pra ajudá eles de alguma forma boa. (Deco, 29 anos, abril/2016)

Contudo, há também tensionamentos. Embora os alunos tratem oficineiros e professores designando-os igualmente pelo nome do segundo grupo, os ganhos daqueles que realizam as oficinas em programas de integralização são bastante inferiores. Tal condição tende a acarretar a busca de diversas ocupações simultâneas, em diferentes escolas ou projetos sociais, ou em ofícios diversos (aplicação de tatuagem, serviços na construção civil, atendimento em restaurantes fastfood, etc.). No interior da escola ademais, os oficineiros reclamavam as diferenças de tratamento que indiciavam a hierarquização entre seus saberes e os conhecimentos daqueles que possuíam ensino superior.

Além disso, a atuação daqueles jovens era perpassada por motivações distintas das que formalmente compunham as tomadas de posição nos espaços educativos. O ganho pecuniário podia se sobressair como motivação ao trabalho, sendo recurso para subsistência ou para a realização de atividades em seu campo de ação preferencial, em arenas artísticas ou esportivas. As escolas podiam ser também locus de visibilização de seus coletivos e performances. A atuação em atividades assistenciais-educativas resulta e se constitui desde agenciamentos e motes táticos operados pelos sujeitos, como tentaremos explorar na sequência.

Educação e agenciamentos

Um importante aspecto a destacar no conjunto das narrativas dos jovens entrevistados diz respeito à articulação entre práticas culturais e trabalho. Embora a fruição artística e esportiva se estabelecesse inicialmente como atividade de lazer e sociabilidade entre pares, na medida em que eles mantinham suas pertenças às modalidades que praticavam, expectativas de êxito pessoal e, logo, de colocação laboral, passaram a compor suas imersões culturais. O imperativo do trabalho não era só um tensionador a medida que a idade avançava; passava a constituinte das alternativas culturais que produziam.

Já escutava, já era fã né, da produtora que eu tô [...] Aí tinha uma, sabe a festa beneficiente que eles dão espaço para novos MC. Aí, eles me chamaram pra cantá e eu cantei e eles me chamaram pra participá da produtora deles. Eu quero progredi na carreira, né. (Hiago, 25 anos - jun/2016)

Eu sempre tive vários trampos [...] Vamos supor o Mais Educação, que é um projeto que todas escolas tem hoje em dia. Se ele te paga, vamos supor, R$330,00 por mês, tu pode achá que é pouco. Mas se tu pensá que tu tem que trabalhá só um dia na semana por esses 330,00, e que tu pode consegui mais uma outra escola e mais uma outra escola... Se tu corrê atrás, tu pode fazê um montante a mais. (Lucas, 26 anos - jul/2015)

Para aqueles que ingressaram em práticas educativas, percebemos que as redes sociais que integravam foram importantes suportes. Destacadamente os arranjos relacionais familiares e dos próprios coletivos de atuação possibilitavam a indicação às primeiras atividades nesse sentido. As ocupações relatadas, além disso, contavam com a agência dos jovens para serem logradas ou mesmo desenvolvidas, tal a precariedade em muitos dos casos de primeira experiência.

Eu sempre consigo uma verba com eles, que são os antigos patrocinadores da KSULO. Como a gente tem contato com eles. A gente faz o trabalho, grava aqui e mostra pra eles, porque a gente não pode ficar parado [...] Eu, o PX e o nosso DJ, o Péa. A gente sempre viaja pra São Leopoldo pra fazê um churrasco, fazê negócio de trabalho sobre o rap. A gente vai lá e encontra os cara que são do rap, junto com a nossa firma. (JR, 25 anos, maio/2013)

Também a manutenção das atividades ou sua ampliação era gestada a partir de disposições táticas, mobilizando aprendizagens e redes construídas nas interações com pares ou as próprias oportunidades alcançadas numa dinâmica de maximização das possibilidades. Pareciam se dispor a potencializar o que lhes chegava, seja na forma de ampliação das chances de se apresentar ao público e avançar a novas alternativas laborais, seja pela diversificação das relações de reconhecimento. Tal maneira astuciosa de operar transladava práticas culturais e trabalho: um contato resultante em exposição pública poderia significar nova ocupação; esta seria fonte de recursos para seguirem com atividades coletivas voluntárias (geralmente, sem o benefício de apoios formais de aparatos públicos ou privados) ou mais um espaço para representarem seus grupos.

Vamos dizê, vamo se apresentá amanhã. Ah, quanto tempo a gente têm? “Ah vocês tem 8 minutos”. Dois minutos eu boto meus alunos e o resto fica pra nós. Entendeu? Quando não era pelo núcleo, eu levava o pessoal do núcleo com meu grupo. Quando era do pessoal do núcleo, eu levava o grupo junto. Então era uma troca, né.

Nessa coisa de envolvê todo mundo, a gente fez muita apresentação e aonde apresentava, o pessoal queria saber o porquê que tinha muita gente que participava das oficinas, sabe? E aí, então o pessoal foi descobrindo que eu tinha essa coisa de ser calmo, né? Que eu não tinha pressa com as pessoas aprendê [...] (Júlio, 29 anos - abril/2015)

Aqui, como em relação às ocupações informais, percebemos que alternativas laborais são em muito produzidas pelos sujeitos, neste caso mediante sobretudo a sensibilização de agentes no campo educacional. O suporte de dinâmicas familiares assentes a uma escolarização mais extensa e a integração duradoura a grupos de pares em prática culturais foram diferenciadores nos itinerários, mas serão os agenciamentos operados pelos sujeitos a partir daí, em contextos de vulnerabilidades, que consolidarão a articulação com atividades assistenciais-educativas, tornando-as um espaço de ação.

Nem sempre a intencionalidade educativa era o primeiro mote para a busca de trabalho no campo da educação. Muitas vezes, trata-se da necessidade de capital econômico e a expectativa de atualizar sua prática preferencial a partir dos recursos e contatos estabelecidos em arenas institucionais. Mas nem por isso se pode reduzir a ação desses sujeitos à busca pecuniária e ao atendimento de necessidades materiais. O espaço de ação que constroem entre práticas informais e atividades assistenciais e educativas está fortemente associado aos capitais social e cultural que partilham e produzem, como temos tentado assinalar, e, ademais, ao capital simbólico gerado desde suas atuações em localidades de periferia.

Se eu saí contigo, eu vô aqui na frente e tem um ponto de droga aqui. Seguinte, todo mundo me conhece: “Mestre Bolivar, Mestre Boliva…”. A maioria foram meus aluno, entendeu. Vou no Alemão, onde é a maior boca que tem aqui, os Alemão foram meus aluno. Vou no Nego, foram meus aluno. Aonde eu vô, entendeu. Eu ando nessa noite aí, na rua aí, esses cara me pega e me coloca pra dentro de um barraco e… eles falam: “oh Mestre, vem aqui, deixa eu lhe apresentá a minha mãe”, entendeu. (Bolivar, 29 anos - maio/2013)

Ao cenário que procuramos narrar até aqui concerne, enfim, à produção de uma discursividade favorável à educação presente entre moradores de diferentes faixas etárias nos bairros onde fazemos nossas incursões. Para além dos anseios por mobilidade social, mais diretamente associados à escola, em contextos vulnerabilizados, com forte intercorrência de violência e presença insuficiente de aparatos estatais (quando não se apresentam por ações repressoras), a prática do educador carrega capital simbólico associado à proteção de crianças, adolescentes, jovens. Não raro, adultos e idosos veiculam suas preocupações com a ocupação do tempo e a formação dos mais jovens. Em tais apelos por socialização e controle, há que se reconhecer que tendem a conjugar uma apreciação positiva de espaços educativos, como loci seguros e de chance para algo supostamente melhor. Vale insistir, com isso não referimos desejos de ascensão, que por certo também se manifestam, mas uma apreciação difusa que valora a educação positivamente, em contraste ao que seria desvio, ilícito, “pouco producente”. Condição essa que realça aparatos educacionais como suportes e potencializa, em articulação, a prática educativa como espaço de ação.

***

Para encaminharmo-nos ao final de nossas problematizações, gostaríamos de retornar às contribuições de Martuccelli (2010). Acreditamos possível uma aproximação à tese do autor relativa à configuração de um “hiper-ator” nos processos de individuação na América latina, com destaque aqui à importância e sustentabilidade do laço social e a interposição cotidiana de um poder indicativo.

As narrativas que abordamos aqui são delineadas desde os feitos protagonizados e as adversidades superadas, em itinerários bastante descontínuos em suas vinculações às instituições da educação e do trabalho. Pode-se depreender certo “fazer por si e pelos seus” no que é contado, posto sistematicamente em inserções laborais informais, precárias ou insuficientes, mas também nos intentos de produção das alternativas e construção de redes. As narrações não se apresentavam como uma apresentação de sujeitos cujas realizações são resultado dos êxitos individuais. Observadas com atenção, narravam individualidades que valoravam os laços de reciprocidade que suportavam sua existência, destacadamente em relações próximas.

Assim, entendemos que os agenciamentos que buscamos articular à análise da atuação de jovens na produção de suas práticas educativas como alternativas laborais nos conduzem às figuras do “jogador assimétrico” e do “oportunista vulnerável”. Especificamente pela “necessidade de possuir uma estética relacional que faça viável interações” (MARTUCCELLI, 2010, p. 227) e nos usos astuciosos das possibilidades para fazer frente à vulnerabilidade. Os indivíduos, lançados à prova de sua independência frente a um mundo que não os “continha”, constituíam-se na produção da sociabilidade e na manutenção do laço social como modus vivendi, à medida que os suportes institucionais eram insuficientes ou episódicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de nossa escrita, procuramos destacar elementos para a análise de tomadas de posição de jovens de grupos populares, especificamente no segmento entre 25 e 29 anos, em relação à prática educativa. Neste intento, desde incursões e entrevistas em três bairros de periferia da cidade de Porto Alegre, abordamos as experiências escolares e de trabalho de interlocutores que lograram ocupações no âmbito da educação não formal. Procuramos fazê-lo narrando arranjos relacionais que compunham efetivamente suportes à experiência e, depois, realçando como agenciamentos produzidos juntos deles configuraram uma arena para atuação. Assim, tentamos destacar o trabalho dos indivíduos na produção das suas condições de existência.

As situações de vulnerabilidade social das localidades aqui consideradas, destacados na informalidade dos vínculos de trabalho a que os jovens, especialmente, estão submetidos no Brasil, explicitam situações não só de acesso a ocupações precarizadas, intermitentes e/ou ritmos intensivos de labuta, mas o contexto de sujeitos que se colocam a produzir as próprias alternativas de subsistência mediante agenciamentos junto a suas redes de pertença e os laços de reciprocidade que atualizam.

A relação com a prática educativa se constitui, então, nesse cenário. Numa interação tensa e truncada com escola quando alunos, nossos interlocutores foram dispostos a projetos de integralização escolar e atividades culturais concernentes. Então, desde grupos e práticas culturais consonantes a esses, mas que extrapolavam os muros escolares, integraram circuitos de produção de interações e saberes, que acabaram convertidos em capitais culturais pertinentes ao campo educacional. Isso em função da constituição da rede de proteção e promoção de crianças e adolescentes a partir dos anos 1990 no país, seguidos, nos anos 2000, de programas de integralização escolar, os quais os jovens educadores passam a assumir como espaço de ação.

Assim, a prática educativa se configura como alternativa laboral, ora ancorada em arranjos relacionais que suportavam os itinerários dos jovens, ora produzida pelos agenciamentos dos sujeitos, integrando um espaço de possíveis erigido desde certa estética relacional voltada à viabilização de interações, bem como na maximização astuciosa das possibilidades para fazer frente à vulnerabilidade e/ou garantir a realização de práticas culturais preferenciais. Desse modo, acreditamos explicitar empiricamente a formação de ‘hiper-atores’ nos processos de individuação, tal como proposto por Martuccelli (2010) em relação à realidade latino-americana.

Ademais, em que pese os tensionamentos na relação com a instituição escolar, dadas as diferentes interpelações a compor a relação com a educação nas localidades em estudo, a chegada de nossos interlocutores à prática educativa como oficineiros ou educadores se produz desde certa ‘concordância’ com os preceitos escolares. Para além disso, aventamos que essa se dá na consolidação de agentes (estatais e paraestatais) que concorrem para a disseminação da “forma escolar”. Em tal caso, se a escola não “fez as juventudes” (DAYRELL, 2007) para o segmento etário em questão, os elementos de sua “forma” podem compor a transição para a vida adulta mediante dinâmicas de apropriação agêntica.

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1O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

3Cabe registrar que, se tomamos dados somente de pessoas residentes em localidades socialmente vulnerabilizadas, o percentual de pessoas com ensino superior cai drasticamente, concentrando-se, ademais, no ensino fundamental. Tratando-se de um acerco de entrevistas realizadas em investigação qualitativa, não almejamos uma amostra representativa das populações de contextos de periferia da cidade. Tomamos as segmentações assinaladas a título de contraste entre grupos de itinerários biográficos.

4Entre nossos interlocutores, dois praticavam capoeira, dois basquete, três breaking e três grafite (estes últimos, elementos do Hip Hop). Embora a maioria transitasse de uma prática cultural a outra, consideramos aquelas de maior dedicação de cada um e que resultaram em atividades como educadores.

5Por trabalho informal, designam-se ocupações em uma destas situações: i) emprego sem carteira assinada; ii) conta-própria que não contribui com a Previdência; e iii) emprego não remunerado. Entre os jovens, destaca-se a primeira (CORSEUIL, 2016).

6Tomando-se dados dos anos 1990, observa-se que a queda de taxa de ocupação entre jovens era acompanhada de elevação da taxa de desemprego, ao passo que entre 2009 e 2013 era coetânea de uma redução da taxa de participação no mercado de trabalho (PARTICIPATÓRIO/SNJ-IPEA, 2014).

7Análise específica e complementar pode ser encontrada em Silva (2013), que analisa dados PNAD sobre as estratificações de renda e pobreza entre mulheres e homens, negros e brancos.

8Ver mais informações a respeito em: portal.aprendiz.uol.com.br/2017/01/09/cidade-escola-projeto-aproxima-educacao-e-territorio-na-rede-municipal-de-porto-alegre/.

9Parte dos tensionamentos na relação com a educação, observamos que, para os casos em análise, a responsabilidade pela escolarização tendia a ser delegada aos próprios jovens a medida que se aproximavam da adolescência, como assinala Zago (2012) acerca dos filhos mais velhos em famílias de meios populares.

10Segundo entendemos a partir de nossa observação em campo, a “folgação” se apresentava como uma das formas de delimitação de critérios coletivos (incluindo-se parâmetros de qualidade), ao mesmo tempo que sinalizava para a necessidade de determinação e perseverança frente às situações, o que denotavam com a expressão “atitude”. De outra forma, os apelidos podiam ser uma forma singularizar o sujeito no grupo.

11Em geral, os jovens com quem dialogávamos acumulavam cerca de dez anos de experiências nas práticas que passaram a ensinar, incluindo exercícios e apresentações regulares, a organização de eventos temáticos e a integração a redes de circulação de saberes relativos ao que praticavam.

12Poderíamos destacar, por exemplo, as estratégias de Mestre Bimba em meados do século XX, visando valorizar a capoeira como atividade esportiva e educativa (ASSUNÇÃO, 2013; LUCENA, 2018); ou, então, mais recentemente em Porto Alegre, as ações anuais de ativistas do Hip Hop para a valorização da “cultura”, que incluem o acesso ao espaço escolar para realizar oficinas e, neste ínterim, enfatizar a importância da educação (PINHEIRO, 2015).

Recebido: 29 de Junho de 2018; Aceito: 25 de Setembro de 2019

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