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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.36  Belo Horizonte  2020  Epub 04-Jul-2020

https://doi.org/10.1590/0102-4698218303 

ARTIGO

A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO EM UMA PERSPECTIVA INCLUSIVA: ANÁLISE DOCUMENTAL

LA FORMACIÓN DEL PEDAGOGO EN UNA PERSPECTIVA INCLUSIVA: ANÁLISIS DOCUMENTAL

JONAS DA SILVA MELO1 
http://orcid.org/0000-0002-8836-1841

EDVONETE SOUZA DE ALENCAR2 
http://orcid.org/0000-0002-5813-8702

1 Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados, MS, Brasil. <jnsmelo12@gmail.com.br>

2 Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados, MS, Brasil. <edvonetealencar@ufgd.edu.br>


RESUMO:

Diante da construção de um sistema educacional baseado na pirâmide da macropolítica, os documentos normativos educacionais assumiram a posição de influenciar culturas escolares. Neste contexto, se insere uma cultura escolar que configura uma prática homogeneizadora das diferenças humanas. A Educação Inclusiva é uma área educacional que visa, antes de tudo, reconhecer a multiplicidade existente na sala de aula e, assim, proporcionar um processo educacional condizente com a singularidade de cada estudante. Perante essa problemática, este artigo visa analisar os documentos normativos que regem a Educação e a formação do profissional habilitado a atender as singularidades das pessoas que enfrentam as maiores dificuldades de aprendizagem: o pedagogo. A análise de conteúdo a que esses documentos foram submetidos se fundamenta na Teoria Crítica de Adorno e na Filosofia da Diferença de Deleuze. Por meio do estudo deleuziano, foi possível identificar um movimento de fortalecimento das práticas inclusivas conforme os documentos assumiam um caráter micropolítico.

Palavras-chave: Educação Inclusiva; formação de pedagogos; análise documental

RESÚMEN:

Frente a la construcción de un sistema educativo basado en la pirámide de macropolíticas, los documentos educativos normativos tomaron la posición de influir en las culturas escolares. En este contexto, se inserta una cultura escolar que constituye una práctica homogeneizadora de las diferencias humanas. La educación inclusiva es un área educativa que tiene como objetivo, sobre todo, reconocer la multiplicidad existente en las clases y, por lo tanto, proporcionar un proceso educativo coherente con la singularidad de cada alumno. Frente a este problema, este artículo pretende analizar los documentos normativos de la Educación y la formación del profesional calificado a dar la atención especializada a las personas que enfrentan las mayores dificultades de aprendizaje: el pedagogo. El análisis de contenido a que fueron sometidos estos documentos se basa en la Teoría Crítica de Adorno y la Filosofía de la Diferencia de Deleuze. A través del estudio Deleuzian, fue posible identificar un movimiento para fortalecer las prácticas inclusivas ya que los documentos asumieron un carácter micropolítico.

Palabras clave: Educación Inclusiva; formación de pedagogos; análisis documental

ABSTRACT:

Normative educational documents took the position of influencing school cultures in consequence of an educational system arrangement based on the pyramid of macropolitics. In such condition, a school culture consisted of a homogenizing practice towards the human differences was inserted. Inclusive Education is an area that aims to, above all, recognize the multiplicity in the classroom, and then, provide an educational process befitting with each student’s singularity. Therefore, this article sought to analyze the normative documents of Education and the formation of the professional qualified to care upon the singularities of the people that face the greatest difficulties in teaching: the pedagogue. The content analysis to which these documents were subjected is based on the Critical Theory of Adorno and the Deleuze’s Philosophy of Difference. Through the Deleuzian study, it was possible to identify a movement that strengthen the inclusive practices as the documents assumed a micropolitical feature.

Keywords: Inclusive Education; pedagogue education; documentary analysis

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo identificar como os textos normativos relacionados à formação de pedagogos abordam a perspectiva inclusiva. O projeto de pesquisa a partir do qual originou este artigo se baseia nos trabalhos feitos pelo Observatório Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação Pedagógica (OIIIIPe).

A discussão sobre inclusão no atual contexto e, consequentemente, a formação de professores, se deve a uma evolução histórica resultante da incompatibilidade das perspectivas conservadoras, e progressistas, de certa forma, com a diversidade cultural existente em sala de aula. Perrenoud (2000) introduz o assunto quando trata sobre o movimento de homogeneização presente nas correntes tradicionais de inclusão: “O sistema escolar tenta homogeneizar cada turma nela agrupando alunos com a mesma idade. Disso resulta uma homogeneidade muito relativa, devido às disparidades, na mesma idade, dos níveis de desenvolvimento e dos tipos de socialização familiar” (PERRENOUD, 2000, p. 57).

Porém, a diversidade humana não é inerente à sala da aula, diz respeito a qualquer meio social e faz parte da própria natureza humana. Do ponto de vista filosófico, assumir a diversidade humana, que não apenas é um fato biológico, mas também sociológico, nos remete à filosofia da diferença. A concepção do conceito de diferença nos possibilita pensar, de diferentes formas, o que seria inclusão. No entanto, a história da filosofia traz diversas maneiras de pensar a diferença, assim como é possível perceber as várias formas de regular a diferença, por meio da atuação estatal.

A Educação, sendo de âmbito público e direito fundamental humano, portanto, com alta interferência do Estado, é, ao mesmo nível, regulada por ele. Nesse contexto normativo do Estado sobre a Educação acaba-se por revelar variadas visões sobre como trabalhar a diferença humana. Perceber esses detalhes nos documentos normativos nos permite, além de descrever como o Estado tem respondido a essa temática, também avaliar o desenvolvimento da Educação Inclusiva nesse espaço.

A análise documental proposta neste artigo tem como enfoque a formação do pedagogo, tendo em vista que é no curso de Pedagogia que se formam os profissionais habilitados a trabalharem com as diferenças, que implicam as maiores barreiras ao aprendizado: os alunos com necessidades de atendimento educacional especializado. O curso de Pedagogia é onde, dentre as licenciaturas, se abarca a maior carga teórica sobre o processo de ensino-aprendizagem, preparando o pedagogo para se adaptar a qualquer contexto formativo.

No entanto, antes de analisar os documentos normativos é necessário que se fundamente as variadas percepções do que seria a diferença e como lidar com ela. A história da filosofia é um campo científico que permite traçar como o conceito de diferença tem se definido através dos séculos, e como isso tem influenciado a forma de se pensar o ser humano e até mesmo o papel da Educação na sociedade. De tal modo, faremos, inicialmente, um delineamento sobre as filosofias da diferença que percorreram a história da filosofia.

FILOSOFIA DA DIFERENÇA

Rocha (2006) nos traz, de forma muito elucidada, a constituição de duas vertentes de pensamento na cultura grega que iniciam a discussão sobre o conceito de diferença na história da filosofia:

As duas grandes linhas de pensamento que se estruturam na cultura grega nos séculos V e IV a.C. apresentam-se polarizadas e constituem as vertentes da razão sedentária e do pensamento nômade. ENT#091;...ENT#093;. A ideia de um pensamento fruto de um corpo vivo e ativo e de uma ação advindo do pensamento afirmativo ENT#091;pensamento nômadeENT#093; choca-se diretamente com a perspectiva socrática, segundo a qual, para bem julgar a vida e encontrar a verdade, deve o pensamento distanciar-se do mundo sensível e do próprio corpo. (ROCHA, 2006, p. 63)

O racionalismo fundado por Sócrates, Platão e Aristóteles é a base hegemônica do pensamento filosófico. “As leis, a moral e a razão constituídas a partir de Sócrates e Platão trazem o mundo religioso do novo Estado” (ROCHA, 2006, p. 61). Deste pensamento herda-se, portanto, uma concepção de diferença em que se funda muitas das políticas públicas de inclusão do Estado moderno. O Mito da Caverna de Platão, em que a diversidade das sombras se afasta da real forma do ser, explana muito bem essa concepção de diferença. De tal modo, “a hierarquia institui-se a partir do valor dos seres, definido pelo grau de semelhança entre a matéria efêmera e a ideia eterna” (ROCHA, 2006, p. 61).

Pensar a partir de Platão nos levaria a imaginar a diversidade humana como uma falha, e a inclusão seria uma forma de aproximar o diferente do ideal.

Em Platão, a cópia está ligada por semelhança à ideia de algo. O modelo é a ideia, e a cópia se funda a partir de uma semelhança interna com a identidade da ideia vinculada ao mundo das alturas. Segundo Deleuze (1974), a motivação existente no processo platônico que cria a representação é a exclusão das cópias sem semelhança. (ROCHA, 2006, p. 62)

Essa forma de pensamento é revigorada no Iluminismo através da filosofia positiva. O Iluminismo, como movimento de resgate do classicismo grego, tem como missão levar toda a humanidade para fora da caverna. A partir da filosofia positiva de Augusto Comte, cria-se um sistema filosófico e sociológico extremamente complexo e contraditório em que se fundamenta o Estado moderno. Porém, com o intuito de definir uma filosofia da diferença, o que nos interessa é que a dialética platônica persiste na filosofia positiva. O que acontece é que ela é estruturada na defesa do desenvolvimento humano a partir do desenvolvimento econômico.

A contradição entre o estágio moderno de domínio técnico sobre a natureza, que teoricamente deveria significar uma promessa de liberdade, e a ampliação das mais diversas formas de barbárie no interior da civilização técnica, testemunharam antes o fracasso da razão esclarecida como meio de ampliação da autonomia humana sobre a natureza, do que sua plena realização. (BUENO, 2015, p. 151)

Cronologicamente, o próximo a constituir um sistema filosófico consistente o suficiente para repercutir uma nova forma de pensar a diferença é Hegel. Apesar do pensamento hegeliano se constituir como uma crítica à dialética platônica, duas correntes em si opostas, estas encontram-se quando o ilusionismo da dialética de Hegel é desmascarado. Adorno e Horkheimer instituem o conceito de Halbbildung (pseudoformação), que é uma crítica à formação do espírito esclarecido, segundo Hegel: “A formação do espírito é completa. Mas ao final, descobre-se que o espírito jamais seria, ao se completar, exclusivamente o que prometeu. Dá-se uma formação, mas é uma pseudoformação” (GHIRALDELLI JR., 2010, p. 25). Deleuze, constituindo uma crítica muito mais radical que a de Adorno e Horkheimer, afirma que “a audácia hegeliana é a última e a mais poderosa homenagem prestada ao velho princípio” (BUENO, 2015, p. 153). A afirmação da diferença passando pela negação da identidade é, para Deleuze, nada mais que “trair e desnaturar a diferença em seu estado puro” (BUENO, 2015, p. 154).

Em termos práticos, essa filosofia se traduz nas políticas assistencialistas de inclusão que instituíram uma formação educacional especial, porém, separada da Educação regular. Política baseada principalmente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971, que foi definida a partir do pensamento prático de que os alunos que se diferenciam em necessidades educacionais precisam ser separados daqueles que têm potencial para prosseguirem com seus estudos de forma simultânea aos demais. No entanto, a tentativa de homogeneização da sala de aula é uma prática positivista voltada à produtividade da formação educacional. Nega-se, portanto, as diferenças daqueles que mais se assemelham à forma ideal de estudante. Desta forma, não acontece apenas a exclusão do aluno com necessidades especiais, mas reprime-se as mais sutis diferenças daqueles que cursam o ensino regular.

Finalmente, a filosofia da diferença baseada no idealismo platônico se desfaz no “pesadelo kafkiano”. Após as duas grandes tragédias do século XX, percebe-se o fracasso do sistema em reconhecer e respeitar a diversidade humana. Surgem como resposta diversos documentos internacionais e nacionais que reafirmam o respeito à diversidade sob a ótica de um ser humano idealizado, igual, em que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos” (UNITED NATIONS, 1948, tradução nossa).

No mesmo prisma de resposta ao pesadelo kafkiano, surgem os movimentos filosóficos da Escola de Frankfurt e do pós-estruturalismo, que têm como mais notáveis pensadores da diferença Adorno e Horkheimer de um lado e Deleuze do outro. Os trabalhos de ambos movimentos se distanciam e se encontram, porém, nos encontros damos notoriedade à visão de diferença partindo do real.

ADORNO E DELEUZE PARA SE PENSAR UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

O principal encontro acontece na crítica ao totalitarismo da razão cartesiana e positivista. Bueno (2015), buscando confrontar as teorias de Adorno e Deleuze, aponta duas consequências graves do pensamento totalitarista:

Em primeiro lugar, sob o imperativo da eliminação do incomensurável, não somente as qualidades e diferenças são dissolvidas pelo pensamento identificante, como também os próprios homens forçados à equivalência ditada pelo valor de troca no mercado. ENT#091;...ENT#093;. Em segundo lugar, diante do progresso técnico e científico, presidido pela epistemologia cartesiana e positivista, todas as diferenças, tudo “o que não se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para o esclarecimento”. (BUENO, 2015, p. 155)

Em entrevista ao canal televisivo GloboNews, para o programa Milênio, no ano de 2015, Edgar Morin nos alerta sobre a barbárie do conhecimento baseado no cálculo:

Antes de mais nada, é preciso entender bem que estamos ameaçados, cada vez mais, por duas barbáries. A primeira barbárie a gente conhece, vem desde os primórdios da história, que é a crueldade, a dominação, a subserviência, a tortura, tudo isso. A segunda barbárie, ao contrário, é uma barbárie fria e gelada, a do cálculo econômico. Porque quando existe um pensamento fundado exclusivamente em contas, não se vê mais os seres humanos. O que se vê são estatísticas, produtos burros. No fundo, o cálculo, que é útil, mas como instrumento, se torna um meio de conhecimento, mas de falso conhecimento, que mascara a realidade humana.

No fundo, assim que entra o cálculo, os humanos são tratados como objetos. E hoje, com o domínio justamente do poder e do dinheiro, com o domínio do mundo burocrático, tudo isso, é o reino da barbárie gelada. Se preferir, é preciso repensar a política e nós estamos na pré-história desse momento. É preciso saber se as forças negativas, a corrente negativa vai ser mais forte do que as forças positivas que tentam se levantar hoje no mundo e são ainda muito dispersas. (MORIN, 2015)

Tendo em vista todas as críticas que evidenciam o pensamento totalitário como excludente, referenciamos nosso trabalho nas perspectivas que compreendem a realidade múltipla existente na diversidade humana, sem realizar um processo demasiadamente identitário que implica, consequentemente, a exclusão.

Deleuze se distancia de Adorno quando este acredita no potencial da dialética de provocar a diferenciação do ser através da negatividade, sem, no entanto, apontar para uma síntese. É o intenso conflito entre a universalidade e a singularidade do corpo que preserva a diferença.

O pensamento de Deleuze recusou incisivamente qualquer possibilidade de pensar a diferença com integridade no interior dos quadros da mediação negativa do objeto ENT#091;...ENT#093;, enquanto o pensamento de Adorno permaneceu fiel à consistência do método dialético como recurso capaz de preservar as possíveis afinidades entre o objeto e seu conceito. (BUENO, 2015, p. 156)

A partir do pensamento de Adorno, podemos pensar uma Educação Inclusiva emancipatória, onde existe a identidade do sujeito, porém ele não se assujeita ao seu conceito, apenas se utiliza dele para descobrir-se verdadeiramente. A prática de diferenciação do sujeito é um processo autorreflexivo.

Para Deleuze, no entanto, utilizar-se da universalidade para constituir uma diferença pode aprisionar o corpo em uma realidade falsa. A partir da crítica de Deleuze, podemos analisar, por exemplo, o desenvolvimento de uma sociedade doente que se baseia em um padrão estético e social que promete uma falsa realização enquanto ser humano. Discriminam-se as diferenças, que são puras e reais, em busca de uma representação falsa e imaginária. A crítica de Deleuze, assim sendo, é para qualquer forma de dialética.

Alain Badiou caracterizou o método deleuziano como uma antidialética e uma “forma singular de intuição”. Uma antidialética porque há uma recusa em se pensar por categorias e por mediações. Deleuze criticou a filosofia que se produz por divisões no ser, procedendo por analogias, que foi dominante em toda a história. (GALLO, 2017, p. 32)

Pensar uma Educação Inclusiva a partir de Deleuze nos leva a uma transformação radical de como encaramos a diferença, e até mesmo a própria Educação. No entanto, é essa mudança de atitude que é requerida na Educação Inclusiva. “A escola inclusiva implica mudanças relativamente à atitude com que a perspectivamos, que pode determinar o sucesso ou o insucesso dos alunos” (SILVA, 2012, p. 121). A mudança de pensamento dos envolvidos na formação das crianças reflete em práticas de luta contra a exclusão, que está entranhada na formação do nosso sistema social.

A inclusão, portanto, aconteceria a partir da mudança de pensamento dos indivíduos que reconheceriam a diferença pura existente em si mesmo. A própria formação identitária do indivíduo estaria comprometida, porque o movimento em Deleuze é tão intenso que não permite que o indivíduo se identifique a partir das constantes diferenças que existem no seu próprio ser.

Partindo da ideia de que aquilo que constitui a essência da força é a relação com outras forças ou que é na relação que a força adquire sua essência ou qualidade, Deleuze define um corpo como um fenômeno múltiplo, um composto de uma pluralidade de forças irredutíveis em luta, em que algumas forças são dominantes e outras dominadas. (ROCHA, 2006, p. 65)

A identidade do sujeito é frágil porque se vive em constante mudança. “Podemos definir o conceito, na visão dos filósofos franceses, como sendo uma aventura do pensamento que institui um acontecimento, que permita um ponto de ENT#091;vistaENT#093; sobre o mundo, sobre o vivido” (GALLO, 2017, p. 38). A formação de um autoconceito é algo circunstancial, pessoal e histórico. Pensar de tal forma nos ajuda a compreender a diversidade humana, respeitando a diferença no outro e combatendo a formulação de uma hierarquia entre as diferenças que resulta em uma discriminação inconsciente ou até mesmo consciente.

Compreendendo que o processo de inclusão requer uma mudança de pensamento de todos os envolvidos, a Educação Inclusiva só acontece se for direcionada a todos os alunos, não apenas àqueles que são julgados como diferentes ou propensos a uma situação de exclusão. Sendo assim, o professor precisa ser capaz de lidar com qualquer tipo de diferença, sabendo superar os desafios de aprendizagem que ela impõe.

Não se nega que algumas diferenças resultam em maiores desafios, mas a singularidade de cada indivíduo nos faz pensar que a aprendizagem também é singular e pode levar a lugares inusitados que fogem do suposto controle do professor. O papel do professor é ajudar os alunos a superarem suas barreiras de desenvolvimento e aprendizagem, sejam elas maiores ou menores, e proporcionar um ambiente estimulante para que a aprendizagem aconteça.

A PERSPECTIVA OMNILÉTICA PARA A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A perspectiva omnilética, criada por Santos (2013), tem por objetivo trazer um novo olhar para a análise de fenômenos sociais que circunscrevem o meio educacional. Reconhecendo tanto a multiplicidade quanto a contrariedade desses fenômenos, Santos (2013, p. 16) propõe que os métodos dialéticos e complexos sejam integrados na busca de uma análise que “ENT#091;compreendaENT#093; os fenômenos sociais em sua integralidade visível e em sua potencialidade”.

Por omnilética quero dizer, então, uma percepção relacional da diversidade, do que é variado, variação esta que pode encontrar-se tanto presente quanto oculta, ao mesmo e um só tempo ou em tempos-espaços diferenciados. Trata-se de um modo totalizante de se perceber os fenômenos sociais, os quais compõem, em si mesmos, possibilidades de variações dialeticamente infinitas e nem sempre imediatamente perceptíveis, visíveis ou imagináveis, mas nem por isso ausentes ou impossíveis, pois seu caráter relacional, referencial e participativo (no sentido de ser parte) torna aquilo que se percebe do fenômeno tanto sua parte instituída quanto é, esta mesma, sua instituinte. (SANTOS, 2013, p. 15)

Essa perspectiva entra em um conflito metodológico que é reconhecido pela própria autora. Como foi discutido anteriormente, a dialética e a multiplicidade se constituem como formas diferentes de ver a realidade. Apesar da oposição intrínseca, a dialética começou a ganhar uma nova forma a partir do pensamento marxista, que permitiu a ela visualizar a realidade considerando-a como um fenômeno complexo (JUSTINO, 2014). No momento em que a complexidade adentra o pensamento dialético, a análise do fenômeno social se torna contextual e singular, não se busca mais uma síntese. “Afinal, a dialética ‒ maneira de pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na realidade humana ‒ negar-se-ia a si mesma, caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses, recusando-se a revê-las, mesmo em face de situações modificadas” (KONDER, 1981, p. 39 apud SANTOS, 2013, p. 16).

Para que seja possível, portanto, um encontro entre a dialética materialista e a complexidade, Santos (2013) relaciona o conceito de totalidade aqui apresentado à ideia moriniana de complexidade. “No pensamento complexo ‘um sistema é um todo que toma forma ao mesmo tempo que seus elementos se transformam’” (MORIN, 1987, p. 111 apud SANTOS, 2013, p. 2). Assim sendo, a totalidade na perspectiva omnilética é flexível, porque considera o contexto do fenômeno, os indivíduos envolvidos, a evolução histórica e até mesmo a geografia política3.

A perspectiva omnilética também incorpora as dimensões de análise dos fenômenos escolares desenvolvidas por Booth e Ainscow (SANTOS, 2013). Cria-se, deste modo, uma preocupação por campos específicos que se interconectam na análise de um fenômeno social de inclusão: as culturas, as políticas e as práticas.

No entanto, a dimensão “criando culturas inclusivas” é posta, deliberativamente, junto a base do triângulo. Às vezes, muita pouca atenção tem sido dada ao potencial das culturas escolares para dar suporte ou abrir o caminho para o desenvolvimento no ensino e na aprendizagem. Todavia, elas estão no coração do desenvolvimento escolar. O desenvolvimento de valores inclusivos compartilhados e relações colaborativas pode levar a mudanças em outras dimensões. É através de culturas escolares inclusivas que mudanças em políticas e práticas podem ser continuadas por novos funcionários e estudantes. (BOOTH; AINSCOW, 2002, p. 8)4

A perspectiva omnilética, tendo como dimensões a análise dialética e complexa em conjunto com a análise de culturas, políticas e práticas educacionais, nos orienta não apenas a um olhar crítico sobre a realidade excludente do sistema educacional, mas também nos propõe o desenvolvimento de culturas, políticas e práticas inclusivas através de um processo contextualizado, participativo e jamais estático. “Uma escola inclusiva é uma que está em movimento” (BOOTH; AINSCOW, 2002, p. 3)5.

A PESQUISA DOCUMENTAL

Considerando os avanços na conceituação de diferença e seu potencial em perspectivar uma Educação Inclusiva, partimos, portanto, para a análise dos documentos, buscando avaliar os avanços e retrocessos na legislação da Educação, desde a Constituição até o Projeto Político Pedagógico do curso de Pedagogia.

Uma pesquisa documental, embasada nos estudos de Ludke e Andre (1986, p. 37), “pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. Assim, os documentos analisados serão as legislações, diretrizes, projetos e planos nacionais.

Reiteramos que nosso objetivo foi identificar como os textos normativos relacionados à formação de pedagogos abordam a perspectiva inclusiva. Observando, para isso, os indícios que os documentos apresentam sobre Educação Inclusiva tendo como base teórica Adorno, Deleuze e a perspectiva omnilética de Santos (2013). Assim, para a realização deste estudo selecionamos os seguintes documentos:

  1. Constituição Federal (1988);

  2. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996);

  3. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia (2006);

  4. Plano Nacional de Educação (2014);

  5. Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores (2015);

  6. Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia da UFGD (2017).

Realizamos a leitura na íntegra de todos os documentos e realçamos unidades temáticas que se relacionam com o tema da diferença em sala de aula, seja no caráter de atendimento especializado ou simplesmente do processo singular de aprendizagem.

Sobre a análise de conteúdo dos documentos, é importante ressaltar que ela:

não deve ser extremamente vinculada ao texto ou a técnica, num formalismo excessivo, que prejudique a criatividade e a capacidade intuitiva do pesquisador, por conseguinte, nem tão subjetiva, levando-se a impor as suas próprias ideias ou valores, no qual o texto passe a funcionar meramente como confirmador dessas. (CAMPOS, 2004, p. 613)

Como ferramenta para a pesquisa documental, a perspectiva omnilética, em especial em sua dimensão política, nos ajuda a pensar as normatizações como resultado de influências culturais que repercutem em práticas conscientes ou inconscientes de exclusão ou inclusão. Neste quesito, utilizaremos para análise as filosofias da diferença aqui discutidas, utilizando-as como categorias apriorísticas para a análise de conteúdo.

RESULTADOS

Ao realizarmos as leituras dos documentos, identificamos os principais aspectos abordados sobre a inclusão. Aqui apresentaremos as unidades temáticas que contribuirão para uma discussão sobre o tema em conjunto com a própria análise.

A Constituição Federal de 1988 foi para a Educação brasileira um marco histórico no que diz respeito à garantia de acesso como um direito público subjetivo. O capítulo que se refere à Educação se encontra no oitavo título da Carta Magna, intitulado Ordem Social. Todo o título é regido pela disposição geral, artigo 193, que institui o trabalho como primado da ordem social, visando sempre o bem-estar e a justiça (BRASIL, 1988).

Quando a Constituição institui a cidadania como princípio da República Federativa do Brasil, está ordenando que o Estado, na sua atuação normativa e fática, promova a inclusão social e, portanto, combata a exclusão e marginalização sociais. Evidentemente, o trabalho é um fator decisivo de inclusão social. A falta de trabalho, a desocupação voluntária, promove a exclusão e marginalização sociais. (STEINMETZ; SCHUCH, 2006 apud PINHO, 2011, n.p.)

A Constituição, enquanto valoriza o trabalho, se utiliza da Educação para a efetivação da inclusão social. “O direito fundamental ao trabalho significa o direito a uma Educação que qualifique a pessoa para o trabalho ENT#091;...ENT#093;” (STEINMETZ; SCHUCH, 2006, apud PINHO, 2011, n.p.). A inclusão, portanto, acontece através do trabalho, onde o trabalhador pode “ascender culturalmente e economicamente” em vista de uma qualidade de vida imaginada. Quanto maior a efetivação do processo educacional de capacitar pessoas para se destacarem no mercado de trabalho, maior a concretização dos objetivos de bem-estar e justiça social.

A política de inserir a Educação para o trabalho como meio para se atingir a justiça social enfrenta os problemas já descritos anteriormente. A lógica do mercado é antagônica em relação ao processo inclusivo, pois, como já explicitado por Morin (2015), se fundamenta no cálculo econômico, que por si visa a produtividade.

A diferença institui um processo de produção que varia temporalmente em cada indivíduo. A produtividade visa suprimir essa variação temporal humana em função de um padrão produtivo. Dessa incongruência, podemos concluir que o processo educacional como meio para a capacitação profissional resulta em uma metodologia de ensino que fortalece o movimento de homogeneização dos estudantes.

Para concretizar o projeto de Educação para todos, a Constituição estipula, em alguns dos seus artigos, mecanismos inclusivos para aqueles que encontram barreiras de acesso e desenvolvimento educacional. Para os portadores de deficiência, a Constituição estabelece, no inciso terceiro, do artigo 208, que é dever do Estado garantir o atendimento especializado, e que, para “adequar as condições do educando”, no inciso sexto do mesmo artigo, é dever do Estado oferecer o ensino noturno. Já quanto ao currículo mínimo, no segundo parágrafo do artigo 210, é assegurado o direito aos indígenas de terem o ensino ministrado em sua língua materna.

Esses mecanismos, primeiramente, são um marco histórico no reconhecimento das diferenças no espaço educacional. Por exemplo, o inciso terceiro do artigo 208 foi o primeiro a permitir que o aluno com necessidades especiais adentrasse a sala de aula do ensino regular, algo que desde as Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB) de 1971 não era permitido.

Em complemento aos dados obtidos na Constituição Federal brasileira, buscamos maiores informações em outra legislação que atualmente rege as normas educacionais. Na Lei n. 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB), a Educação passa a ter princípios mais humanísticos, como a liberdade e a solidariedade. Como prática inclusiva, para atender às especificidades de certos grupos, a LDB regula diferentes modalidades de ensino que suprem ou complementam o ensino regular. Considerando princípio de “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1996, n.p.), diversas partes do texto tratam sobre a adequação do sistema de ensino para potencializar ou recuperar aqueles que se distanciam do ensino regular. Os incisos III ao VII do quarto artigo exemplificam a tentativa de prover o acesso e a qualidade para todos:

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: ENT#091;...ENT#093;;

III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;

ENT#091;...ENT#093;. (BRASIL, 1996, n.p.)

A LDB, de maneira geral, apresenta discrepâncias de abordagens conforme as diversas revisões que aconteceram nas últimas duas décadas. Analisando a separação do ensino em diversas modalidades, é possível concluir que há uma tentativa de simplificar as diferenças através da categorização das necessidades semelhantes de certos grupos. A tentativa persiste na Educação brasileira pois é a única forma encontrada até então de atender às necessidades de uma sociedade desigual.

A separação da Educação em modalidades de ensino possibilita a especialização do atendimento educacional e viabiliza o trabalho pedagógico do professor, que de outra forma teria que repensar a metodologia de ensino homogeneizadora.

Quanto à formação de professores para a Educação Básica, é evidente que a concessão de cursos de nível médio para capacitação docente teve caráter transitório no contexto da LDB, em 1996. No entanto, já na segunda década do século XXI, é possível que o professor tenha que lidar com necessidades especiais em sala de aula tendo como formação apenas um curso de nível médio na modalidade normal.

O Plano Nacional de Educação (PNE) do decênio 2014-2024 é o último documento de ordem político-administrativa que analisamos. O PNE é uma política de Estado que define metas e estratégias para o desenvolvimento da Educação Nacional. Seguindo o mesmo esquema da Constituição e da LDB, o PNE parte do desenvolvimento das modalidades de ensino para que todos tenham acesso a uma Educação de qualidade. São metas, portanto, que buscam reduzir a desigualdade através de mecanismos de inclusão social para grupos propensos à exclusão.

Na meta 2, que se refere ao progresso do Ensino Fundamental, a terceira estratégia define a “ENT#091;criação deENT#093; mecanismos para o acompanhamento individualizado dos(as) alunos(as) do ensino fundamental” (BRASIL, 2014). A estratégia condiz com a filosofia da multiplicidade de Deleuze discutida anteriormente, quando reconhece que, apesar de alguns encontrarem mais dificuldades que outros, somente a percepção de que todos são exclusivamente diferentes permite que a exclusão não seja institucionalizada em classificações de alunos em modalidades de ensino. O acompanhamento individualizado é um mecanismo de prevenção da exclusão, adaptando o ensino aos diferentes tipos de aprendizagem. A própria estratégia condiz com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores, quando define que é aptidão do egresso do curso de licenciatura “realizar pesquisas que proporcionem conhecimento sobre os estudantes e sua realidade sociocultural ENT#091;...ENT#093;” (BRASIL, 2015).

Os documentos do Conselho Nacional de Educação, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), representam normativas de ordem diferente as até aqui apresentadas. Esses documentos apresentam um caráter pedagógico, não apenas administrativo. A inclusão, portanto, também assume novas facetas, principalmente baseadas pelos princípios diferenciados desses documentos. A Educação nesse contexto deixa de ter como primado o trabalho e pensa a complexidade da área, valorizando especialmente a cidadania. Ela deixa de ser um meio para a qualificação do trabalhador, que através dele teria oportunidade de inclusão na sociedade, e passa a ser um meio para “a emancipação dos indivíduos e grupos sociais” (BRASIL, 2015).

A partir do princípio de emancipação, a formação de professores conduz o egresso a “uma visão ampla do processo formativo”, que reconheça “seus diferentes ritmos, tempos e espaços, em face das dimensões psicossociais, histórico-culturais, afetivas, relacionais e interativas que permeiam a ação pedagógica” (BRASIL, 2015, p. 6). Percebe-se a partir desse momento uma atitude complexa em relação à ação pedagógica que possibilita perceber as diferenças existentes em cada processo de ensino-aprendizagem. Essa visão nos guia à única unidade normativa dos documentos aqui analisados que se utiliza do termo Educação Inclusiva. No mesmo sentido, a formação de professores conduz o egresso “à consolidação da educação inclusiva através do respeito às diferenças, reconhecendo e valorizando a diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, entre outras” (BRASIL, 2015, p. 6).

Quando a DCN de cursos de licenciatura institui a emancipação como finalidade educacional, ela se baseia na perspectiva da Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer. No entanto, mais uma vez, diante da discussão filosófica feita anteriormente, nos deparamos com alguns problemas.

ENT#091;...ENT#093; é problemático, também para Kohan, a ideia de conhecimento como emancipação, pois ninguém emancipa ninguém. A própria pessoa se emancipa. E, assim, a ideia de uma educação emancipadora, que advém do conhecimento repassado pelo professor, aprendido pelo aluno e responsável pela elevação de sua racionalidade é totalmente arbitrária. A educação não emancipa, pois a emancipação é um ato individual. A educação que visa à emancipação do outro, na verdade, embrutece o outro. Assim, então, o que a educação pode fazer é possibilitar que o outro se emancipe. (MARINHO, 2014, p. 136)

Quando Marinho centraliza a problemática da intransferência do conhecimento na discussão sobre a Educação emancipadora da Teoria Crítica, nos situamos em um ambiente onde o conhecimento deve ser gerido através do próprio indivíduo, e a funcionalidade do professor se dá na manutenção do espaço onde esse desenvolvimento acontece.

É nessa perspectiva que se insere o pensamento deleuziano. “A proposta pós-moderna desconstrói a ideia de emancipação como algo que possa ser ensinado ou repassado e afirma a noção de criatividade e de universo micro” (MARINHO, 2014, p. 126). É impossível pensar uma Educação Inclusiva que não se inicie no universo microestudantil.

A formação de pedagogos, diferente dos outros cursos de licenciatura, tem um contato muito mais intenso com o processo de aprendizagem e, por isso, apresenta uma propensão ao pensamento deleuziano. É inerente ao curso de Pedagogia o estudo dos processos formativos individualizados aos diferentes contextos. O pedagogo, portanto, por meio da sua formação, deve ser capaz de desenvolver processos adaptativos de ensino que sejam capazes de concretizar o direito à Educação de qualidade a qualquer indivíduo, independente da sua condição médica, social ou psicológica, da sua origem étnica e cultural, ou da sua opção religiosa, política ou de gênero.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia, o Conselho Nacional de Educação (CNE) define que o pedagogo está apto a “identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras” (BRASIL, 2006, p. 2).

O curso de Pedagogia da Universidade Federal da Grande Dourados, situada na cidade de Dourados, no estado do Mato Grosso do Sul, foi o objeto de análise do nosso trabalho, sendo seu Projeto Pedagógico de curso o documento que mais se aproxima da realidade prática da formação de pedagogos. No Parecer n. 05/2005/CNE/CP, que orienta as DCNs do curso, a formação de pedagogos é compreendida da seguinte forma:

Entende-se que a formação do licenciado em Pedagogia fundamenta-se no trabalho pedagógico realizado em espaços escolares e não-escolares, que tem a docência como base. Nesta perspectiva, a docência é compreendida como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia. Desta forma, a docência, tanto em processos educativos escolares como não-escolares, não se confunde com a utilização de métodos e técnicas pretensamente pedagógicos, descolados de realidades históricas específicas. Constitui-se na confluência de conhecimentos oriundos de diferentes tradições culturais e das ciências, bem como de valores, posturas e atitudes éticas, de manifestações estéticas, lúdicas, laborais. (BRASIL, 2016 apud UFGD, 2017)

O curso de Pedagogia na UFGD, portanto, é baseado nos estudos fundamentais da Educação para orientar os estudos metodológicos da prática docente (UFGD, 2017, p. 13-14). Para esses estudos, o curso conta com uma série de disciplinas que têm como objetivo “despertar a consciência da diversidade” (BRASIL, 2006, p. 2), para assim promover estudos sobre os processos de ensino-aprendizagem que estejam contextualizados com a realidade do indivíduo, tendo como objetivo “assegurar a capacitação do pedagogo para identificar as necessidades educacionais especiais de todos os educandos” (UFGD, 2017, p. 14).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Durante a pesquisa documental, no processo de categorização a posteriori, a análise de conteúdo dos documentos normativos possibilitou, para evitar o termo categoria, a percepção de um movimento. Dentre os selecionados, situam-se documentos da mais alta jurisdição normativa, como a Constituição Federal, até documentos pedagógicos, como o Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso de Pedagogia da UFGD. O movimento percebido, nesse afunilamento normativo, mostrou a incapacidade dos documentos do âmbito administrativo (a CF, a LDB e o PNE) de regularem algo que acontecesse no âmbito pedagógico, e foram tratados com mais afinidade teórica com a Educação Inclusiva pelos DCNs e pelo PPP analisado.

Esse movimento reforça a tese de Gallo (2017) sobre Educação menor, que descreve também um movimento de resistência.

A oficialidade, o planejamento, as políticas públicas, máquina de controle e de subjetivação etc., que caracterizam a educação maior, devem ser combatidos pela educação menor, em um movimento de uma máquina de guerra, de resistência, de produção de singularidades, de possibilidade do surgimento do inusitado na aprendizagem. (MARINHO, 2014, p. 137)

O pedagogo, portanto, situado em uma micropolítica, constrói coletivamente a orientação normativa educacional, em movimento de inversão da pirâmide da macropolítica. A alta contextualização da construção coletiva dos mecanismos inclusivos possibilita uma maior adaptação às diferenças locais.

É possível construir, da mesma forma, o processo de aprendizagem do estudante, removendo-se a figura do “professor-profeta”, em que se privilegia a transmissibilidade do conhecimento, e passa a se valorizar a criatividade do aluno na construção do seu próprio conhecimento.

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3A história pela sua vertente marxista e a geografia pela sua vertente deleuzeana.

4Tradução livre dos autores. No original: “However, the dimension ‘creating inclusive cultures’ is placed, deliberately, along the base of the triangle. At times, too little attention has been given to the potential for school cultures to support or undermine developments in teaching and learning. Yet they are at the heart of school improvement. The development of shared inclusive values and collaborative relationships may lead to changes in the other dimensions. It is though inclusive school cultures, that changes in policies and practices can be sustained by new staff and students.”

5Tradução livre dos autores. No original: “An inclusive school is one that is on the move.”

Recebido: 04 de Janeiro de 2019; Aceito: 19 de Agosto de 2019

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