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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.36  Belo Horizonte  2020  Epub 21-Set-2020

https://doi.org/10.1590/0102-4698214699 

ARTIGO

PLANOS DE AULA DE UMA PROFESSORA PRIMÁRIA: IDEIAS, MÉTODOS E MATERIAIS DIDÁTICOS NOS IDOS DE 1922

CLASS PLANS OF A ELEMENTARY SCHOOL TEACHER: IDEAS, METHODS AND EDUCATION MATERIALS IN 1922

PLANES DE CLASE DE UNA MAESTRA DE PRIMARIA: IDEIAS, MÉTODOS Y MATERIALES DIDÁCTICOS EN EL AÑO 1922.

FÁTIMA MARIA LEITÃO ARAÚJO1  *
http://orcid.org/0000-0001-9118-3778

BERENICE ABREU DE CASTRO NEVES1  **
http://orcid.org/0000-0003-4305-9726

1Universidade Estadual do Ceará- UECE, Fortaleza, CE, Brasil


RESUMO:

A Reforma Lourenço Filho inseriu o estado do Ceará no contexto nacional de mudanças e pioneirismos. Nesse mister, algumas questões se tornam imperativas: até que ponto os anseios modernizantes e novidadeiros atingiram de forma efetiva o chão da escola primária cearense? De que modo, na escola, o ideal oficial de Nação foi ensaiado, ou, em outros termos, como se deu a tentativa de “convencimento” do pertencimento a essa “construção identitária” chamada Nação? Este artigo enfrenta essas questões a partir de indícios fornecidos por planejamentos de aulas de uma professora primária. A escrita de Isabel Pereira, professora do Grupo Escolar Capistrano de Abreu, de Maranguape, Ceará, em seu manuscrito “Planos de aula - 1922”, pelo que nos sugere, lançou-se na tarefa de fazer viva a chama do ideário escolanovista, em uma prática pedagógica que produzisse, supomos, o “homem novo” e, com ele, uma nova sociedade.

Palavras-chave: Escolanovismo; Nacionalismo; Planos de aula; Professora

ABSTRACT:

Lourenço Filho’s Reform inserted Ceará in the national context of changes and pioneering. Due to that, some questions become imperative: to what extent have the modern and new anxieties affected, in an effective way, the basis for the primary school in Ceará? In what way, was the official ideary for the nation rehearsed in the school, or, in other words, how the attempt to convince of the belonging to this construction of identity called Nation came about? This article faces (deals with) those questions based on the indications given by the lesson plans of a primary school teacher. The writings of Isabel Pereira, a teacher at the Educational Group Capistrano de Abreu, in Maranguape, Ceará, in her manuscript “Class Plans - 1922”, suggests that she embraced the task of bringing into life the New School ideary, creating a pedagogical practice that would produce the so-called “new man” and, with him, a new society.

Key Words: “New School”; Movement; Nationalism; Class Plans; Teacher

RESUMEN:

La Reforma Lourenço Filho insertó la provincia de Ceará en el contexto nacional de cambios y vanguardia. En este sentido, algunas preguntas se vuelven imperativas: ¿En qué medida los anhelos de modernización y novedad llegaron efectivamente al terreno de la escuela primaria en Ceará?, ¿Cómo se ensayó el ideal oficial de la Nación en la escuela? o, en otras palabras, ¿Cómo se produjo el intento de "convencer" acerca de la pertenencia a esa "construcción de identidad" llamada Nación? Este artículo trata de estas preguntas basadas en la evidencia proporcionada por los planes de clases de una maestra de primaria. El escrito de Isabel Pereira, profesora del Grupo Escolar Capistrano de Abreu, de Maranguape, en Ceará, en su manuscrito “Planes de Clase - 1922”, como lo sugerimos, se lanzó a la tarea de hacer viva la llama de la ideología escolanovista en una práctica pedagógica que produjo, suponemos, el “hombre nuevo” y, con él, una nueva Sociedad.

Palabras clave: Escolanovismo; Nacionalismo; Planes de clase; Profesora

ABRINDO O CADERNO... EM TEMPOS DE NACIONALISMO, ENTUSIASMO PELA EDUCAÇÃO, OTIMISMO PEDAGÓGICO E REFORMAS

Nas duas primeiras décadas do século XX, em meio às festividades comemorativas do centenário da independência e da constituição do Brasil enquanto Nação, é possível identificar diferentes modos de pensar o país, dando lugar a nacionalismos, expressos por meio dos campos artístico, literário, musical, dentre outros.

Apesar de haver o predomínio da vida no campo, a maior parte das capitais brasileiras, a partir de fins do século XIX, passava por reformas urbanas3 que dotavam esses espaços de novos equipamentos, como energia elétrica, água encanada, ferrovias, interligando cidades, bondes elétricos, além da instalação de fabriquetas nas cidades menores e fábricas de maior porte no eixo Rio de Janeiro/São Paulo.

Equipamentos de lazer, como passeios públicos, teatros, cinemas, além de instituições educacionais e culturais, eram criadas para atender às necessidades dos segmentos abastados que se formavam nas urbes na Primeira República. Profissionais liberais, operários, pobres, sem ocupação definida, intelectuais, classe política, dentre outros setores, elaboravam diferentes demandas e projetos para a Nação que se fez República - e tiveram como palco, principalmente, as cidades brasileiras. Os intelectuais se imbuíram da missão de estabelecer as bases sobre as quais a Nação seria explicada, o que fez surgir várias compreensões e propostas.

As premissas dessas propostas podem ser buscadas, seguindo as pistas perseguidas por Mônica Velloso (2003), na geração de intelectuais que, em 1870, constituía aquilo que se denominou de Escola do Recife, com destaque para o pernambucano Tobias Barreto. Esse esforço, pautado na tentativa de pensar o Brasil integrado à cultura ocidental “civilizada”, procurava entender o que singularizava o Brasil, o que o definia. No mesmo contexto, em Fortaleza, instigados pela batalha deflagrada entre a Igreja Católica e a Maçonaria do Brasil,4 jovens intelectuais - Capistrano de Abreu e Rocha Lima, dentre outros - construíam, nas páginas do Jornal Fraternidade e nas conferências da Escola Popular, representações da nação almejada, laica e fundada nos preceitos civilizatórios e racionais interpretados dos pressupostos científicos da época. Também no Ceará, literatos, autoproclamados padeiros, elaboravam formas originais de pensar o Brasil, livres dos estrangeirismos e se voltando para elementos culturais locais, agrupados em torno da curiosa agremiação intitulada “Padaria Espiritual” (CARDOSO, 2006).

Da segunda metade do século XIX aos anos 1920, portanto, intelectuais afiliados a diferentes correntes e de diferentes campos se voltaram a pensar o Brasil, efetuando leituras dos problemas a serem enfrentados e solucionados, e construindo, teoricamente, elaborações sobre a “identidade nacional”. Para alguns, como o grupo dos verde-amarelos, o caminho, calcado numa perspectiva conservadora, era alimentado por uma idealização do passado, “a chave explicadora da nacionalidade”. (VELLOSO, 2003, p. 375). Para outro grupo, reunido em torno dos irmãos Mário e Oswald de Andrade, a perspectiva era de reconhecimento e valorização da diversidade cultural do Brasil, pensada positivamente e idealizada numa perspectiva de “síntese cultural” (VELLOSO, 2003, p. 377).

O que se pode depreender desses investimentos intelectuais é a ideia de que a Nação não era um dado objetivo a ser assimilado e vivenciado pelo conjunto da coletividade do país e sim o resultado de compreensões e elaborações diversas. Após analisar as reflexões de teóricos que se voltaram para a temática da Nação, nacionalismos e identidade nacional, Moema Parente Augel (2007) conclui que “Todos os teóricos que tratam do tema têm em comum a constatação de que nação e nacionalidades modernas são constructos mentais, nem por isso, contudo, menos verdadeiros, envolvendo identificação e lealdade” (AUGEL 2007, p.40).

Mas o Estado, como instância política hegemônica, precisa legitimar, através de políticas oficiais, essa “comunidade imaginada”, estabelecendo pontos convergentes que unem os cidadãos de um mesmo território. É nesse sentido que os “símbolos e as representações são os tijolos que constroem o discurso de narração da Nação”, como acentua Augel (2007, p. 40). Concordamos com Sônia Ribeiro de Souza (2011), para quem uma parte significativa dessa tarefa, no caso do Brasil da Primeira República, foi delegada à escola pública e às tentativas de universalização do ensino a todas as camadas sociais.

Tendo em vista o elevado índice de analfabetismo do período, a intelectualidade brasileira passa a reivindicar políticas públicas para solucionar o grave problema. Para muitos, trata-se uma chaga, um mal a ser extirpado da sociedade5. É sintomático o fato de que as primeiras manifestações nacionalistas apareceram no campo educacional, o que corrobora a já tão propalada ideia de que o desenvolvimento socioeconômico brasileiro estaria atrelado à elevação cultural de suas populações.

O forte apelo em favor da educação contrastava-se com a estrutura sociopolítica da Primeira República. Os ideais liberais de educação redentora refletiam uma preocupação com a adequação do discurso educacional ao discurso político, o que constituía grande desafio ante um regime político arraigado a uma estrutura de dominação oligárquica, fortemente amparado em práticas como o voto de cabresto, fraudes eleitorais e em uma rede de influências e poderes que se entrelaçavam a partir da relação poder central versus poder local, aprofundando o modelo de administração consubstanciada na chamada Política dos Governadores.

De acordo com Jorge Nagle (2001)6, a década de 1920 constituiu o período de construção de alicerces para a efetivação de um sistema educacional brasileiro, que, até então, só existira de forma fragmentária e desvinculado das necessidades e da identidade do povo. Em um contexto marcado pelas ideias modernistas, nacionalistas e cientificistas, o ensino primário e a garantia do acesso à escola são apontados como solução para os problemas nacionais.

Para explicar e interpretar o que ocorreu na educação brasileira desta época, o autor cunhou as categorias de “entusiasmo pela educação” e de “otimismo pedagógico”. Em sua perspectiva, o entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico constituem características marcantes da ambiência social e cultural no Brasil da década de 1920, mas que já vinham se estruturando no decênio anterior, a partir de “uma atitude que se desenvolveu nas correntes de ideias e movimento político-sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos” (NAGLE, 2001, p.135). Havia a pretensão de que a escola brasileira se transformasse radicalmente no âmbito de seus objetivos, conteúdos e função social.

A despeito de discussões recentes em torno da obra do autor, destacamos que sua proposição é marco importante para a compreensão da educação republicana, visto que indica a necessidade de compreender o processo histórico de constituição da escola, contestando a tendência de uma classificação que buscava enfatizar as supostas rupturas, ao invés de problematizar a complexidade dos processos históricos de mudanças. Há de se questionar, entretanto, concordando com Marta Maria Chagas de Carvalho (2003), a interpretação de “despolitização do campo educacional”7 que, segundo Nagle, seria operada pelos escolanovistas, no quadro compreendido como “otimismo pedagógico”. Na assertiva de Carvalho (2003, p. 41):

O entusiasmo pela educação caracterizar-se-ia pela importância atribuída à educação, constituída como o maior dos problemas nacionais, de cuja solução se adviria o equacionamento de todos os outros. O otimismo pedagógico manteria, do entusiasmo, a crença no poder da educação, não de qualquer tipo de educação, enfatizando a importância da nova pedagogia na formação do homem novo. Na passagem do entusiasmo para o otimismo se teria produzido no movimento uma crescente dissociação entre problemas sociais, políticos, e econômicos e problemas pedagógicos.

A existência de um “entusiasmo pela educação” antecedera as proposições que se materializaram nas tão festejadas reformas ocorridas na década de 1920, ficando visível que o esboço da política social do século XIX remete a um campo de formação de ideias que irão desembocar em análises e políticas a favor da Educação no País. A premência do desenvolvimento educacional que haveria de resultar em progresso econômico era persistente, mesmo diante do contexto permeado de contradições, tal qual se apresentara o período imediatamente posterior ao nascimento da República, marcado pelo cenário político de disputas.

No âmbito da Educação, o analfabetismo se apresenta como questão a ser urgentemente erradicada pelo Poder Público. E é em tal contexto que surgem os clamores em prol da modernização do Brasil. Novas visões emergem na tentativa de elevar o país por meio de transformações que realmente resultassem na melhoria dos níveis culturais de uma nação que se pretendia moderna e independente. Para o coroamento dessa nova nação, a educação cívica e patriótica era indispensável ao ideário pedagógico do período, proposição materializada em projetos de reforma na Primeira República, tais quais: Reforma Benjamin Constant (1890); Reforma Epitácio Pessoa (1901); Reforma Rivadávia Corrêa (1911); Reforma Carlos Maximiliano (1915) e Reforma João Luis Alves (1925).

Assim, nas proposições políticas em momento de efervescência republicana ganha força o ideário escolanovista, reiterando a crença de que a reforma da sociedade ocorreria por meio da reforma do homem e, para o cumprimento de tal desiderato, o caminho seria a multiplicação das escolas e a disseminação da educação a grandes camadas da população para, dessa forma, se alcançar o tão almejado progresso nacional. Para Jorge Nagle (2001):

A penetração das ideias da Escola Nova e a tentativa de realização dos seus princípios nas instituições escolares serão outra característica que define um novo sentido das transformações que se processam no terreno da história das ideias educacionais e no domínio da história das instituições escolares. (NAGLE, 2001, p. 308).

No Ceará, esse novo pensamento educacional se reflete significativamente no governo de Justiniano de Serpa8, eleito em 1920. No segundo ano de seu mandato, instigado pelo diretor da Escola Normal, Dr. João Hippolyto de Azevedo e Sá9, solicita ao governo de São Paulo um professor qualificado para a cátedra de Psicologia e Didática da Escola Normal. Assim, foi possível a vinda de Lourenço Filho ao Ceará. A iniciativa, do então diretor da Escola Normal de Fortaleza, em muito nos diz da preocupação com o fortalecimento e desenvolvimento da educação cearense por meio dos paradigmas escolanovistas. Em estudos sobre a atuação do educador cearense João Hippolyto, Maria Juraci M. Cavalcante ressalta que:

Como professor da Escola Normal demonstrara, em 1913, quando redigiu a Memória Histórica daquela escola, amplos conhecimentos pedagógicos relativos ao método ativo, ensino prático e o uso da psicologia na área educacional. (...) No referido documento, João Hippolyto relata a situação pedagógica da Escola Normal e propõe que a mesma adote o “ensino prático” em substituição ao ensino verbalista tradicional. Assim, desde 1914, foi indicado para o cargo de diretor da Escola Normal. (CAVALCANTE, 2000, p. 76).

A penetração do escolanovismo foi um marco significativo para a evolução da educação cearense. Não podemos entender a absorção desse novo ideário sem retrocedermos aos anos iniciais do regime republicano, notadamente quando nos detemos à letra das constituições estaduais no pós-proclamação da República. Como nos assevera Sofia Lerche Vieira (2006, p. 18), “A Constituição de 1892 retoma dois importantes temas já tratados na Constituição Estadual de 1891: a liberdade de ensinar e aprender (CE 1892, Art. 144) e a gratuidade da instrução primária (CE 1892, Art. 132)”. Porém, a pesquisadora nos alerta para a necessidade de percebermos algumas diferenças de tratamento desses conteúdos na nova Constituição, ou seja, “O texto de 1892 traz importante acréscimo no que se refere à gratuidade da instrução primária, a ela incorporando o ensino elementar das artes e ofícios". Quanto ao tratamento dispensado à liberdade de ensino, explicita:

Aqui, diferentemente do que se vê na Carta Magna anterior, não se fala apenas na liberdade de ensinar, mas também de aprender, como se vê na passagem que dispõe sobre o assunto: "É garantida a liberdade de aprender e ensinar, sem ofensas à moral e sem prejuízo da segurança e higiene pública" (CE 1892, Art. 144). Sobre o possível caráter inusitado dos termos associados à "liberdade de ensino", vale lembrar a importância de ter uma compreensão histórica da questão. Articular educação à moral, segurança e higiene não é algo estranho ao contexto da época. (VIEIRA, 2006, p. 18).

As mudanças educacionais ocorrem de forma lenta e gradual persistindo os avanços e recuos visíveis em nossa história política e social. Os primeiros anos da República no Ceará são marcados por intensa instabilidade e acirradas disputas pelo poder. Em 1896, ocorre a ascensão da oligarquia acciolina, a qual se estabelece e se impõe como uma fase política de dominação autoritária, nepótica e despótica, estendendo-se até 1912. Nesse período ocorrem várias iniciativas que visavam a elevação da educação local. Segundo Vieira (2006, p. 20), por “uma incomum combinação entre elementos de conservação e de mudança que vão nascer as propostas de educação da Primeira República”.

Em consonância com as reformas e projetos educacionais no âmbito nacional, são concebidos, no Ceará, projetos de mudança expressos em dois instrumentos legais: o Regulamento da Instrução Primária do Estado do Ceará (1905) e o Regimento Interno das Escolas Públicas do Ensino Primário (1915). Destacamos aqui o Regimento de 1915, haja vista o seu caráter extremamente inovador. Concebido no governo de Liberato Barroso (1914-1916), o documento expressa o espírito escolanovista, apontando os rumos a serem tomados pela educação cearense, no intuito de promover a sua modernização, senão vejamos:

O texto se sobressai por apresentar uma dimensão pedagógica inusitada em relação aos instrumentos legais anteriores. Até então, a legislação pareceu ater-se a oscilar entre castigos (mais ou menos rigorosos) e prêmios, sem inovações a destacar. O documento anuncia uma ruptura com os demais, ao tratar de coisas como o despertar do desejo de aprender, o caráter prático do ensino e a preparação do aluno para a vida real (Art. 55, 6). Ao professor atribui a tarefa de “desenvolver a faculdade de observação e a reflexão espontânea” em seus discípulos (Art. 38). Propõe também evitar “o sistema mecânico de ensino que consiste em fazer o menino reproduzir de cor e pelas mesmas palavras o texto de um compêndio, depressa esquecido” (Art. 40). Lembra ainda que os alunos “estão constantemente a vigiar” o comportamento do professor, podendo “vir a imitá-lo” (Art. 55, 10). Por isso mesmo, seu exemplo deveria ser modelar. (VIEIRA, 2001, p. 20).

Por conseguinte, a campanha para efetivar a Educação Nova no Ceará passa a ter ressonância nos programas e políticas oficiais, desde os anos iniciais do século XX, conferindo ao Ceará destaque em projetos com o fito de elevar os níveis educacionais da população. Diante das evidências trazidas pelas fontes documentais, podemos considerar que a penetração do ideário escolanovista no Ceará é anterior à chegada do educador Lourenço Filho. Tal constatação não retira o mérito da atuação do referido educador. Corroboramos com todos os estudos que ressaltam e reconhecem a importância de sua atuação como educador e reformador, visto que a Reforma de 1922 representou a concretização de renovações na cultura escolar cearense, idealizadas e timidamente implantadas em período anterior, como o que podemos verificar na letra do Regimento de 1915. Concordamos, pois, com a assertiva de Vieira (2006 p. 20), quando nos fala que “no Regimento de 1915 parecem estar plantadas as primeiras sementes de um solo que a Reforma de 1922 procuraria adubar”.

A Reforma promovida por Lourenço Filho, sob a chancela de Justiniano de Serpa, será motivo de exaltação e festivas manifestações por parte da sociedade cearense. O jovem professor Manuel Bergström Lourenço Filho chega à Fortaleza no mês de abril de 1922. Em sua tarefa reformista imprimirá diretriz à organização do ensino primário e normal, propiciando, ao ensino público cearense, a estrutura de sistema, até então inexistente. A renovação vai se processando ao longo do ano de 1922 e será sentida de forma mais efetiva no início do ano seguinte.

Baseando-se na reforma paulista de 1920, Lourenço Filho usa o expediente do recenseamento, técnica de natureza escolanovista. Em agosto do mesmo ano foi decretada a Lei nº 1.953, dispondo sobre a renovação da Instrução Pública no Estado. Outras importantes medidas foram implantadas, tais como: a criação da Diretoria Geral da Instrução, dividindo o Estado em regiões administrativas; o reforço da inspeção escolar; a criação de cursos de formação de professores sobre a pedagogia nova e a construção de um novo prédio para a Escola Normal de Fortaleza10.

A iniciativa mais visível rumo a uma melhoria do nível dos professores do interior foi a dos cursos de férias promovidos pelo reformador, com o objetivo de revisar os conhecimentos do professor, propiciando-lhe aquisição de novas técnicas e apreensão da concepção da Escola Nova, na qual se baseava a reforma do ensino primário.

O ano de 1922 é, portanto, um ano de muitos acontecimentos no âmbito educacional. A Reforma que se tornará conhecida como “Reforma Lourenço Filho” inscrevera o Ceará no contexto nacional de mudanças e pioneirismos. Nesse mister, uma questão se torna imperativa: até que ponto os anseios modernizantes e novidadeiros atingiram de forma efetiva o chão da escola primária cearense? De que modo, na escola, o ideal oficial de Nação foi ensaiado, ou, em outros termos, como se deu a tentativa de “convencimento” do pertencimento a essa “construção identitária” chamada Nação? Não temos respostas incisivas para essas perguntas, porém, os indícios de que os ventos sopraram e chegaram à escola nos caíram às mãos.

Trazemos aqui um caso específico, a experiência de uma professora primária que, pelo que nos diz a sua escrita, lançou-se na tarefa de fazer viva a chama do ideário escolanovista em uma prática pedagógica que produzisse, supomos, o “homem novo” e, com ele, uma nova sociedade. É o que analisaremos a partir dos escritos da Professora Isabel Pereira11, por meio de seu manuscrito Planos de aula - 1922, documento descritivo que nos presenteia com ricos relatos de aulas ministradas pela professora do Primeiro Grupo Escolar da cidade de Maranguape, no Estado do Ceará.

FOLHEANDO AS PÁGINAS... PLANOS DE AULA - 1922: POSTURAS, MÉTODOS E MATERIAIS DIDÁTICOS DE UMA PROFESSORA PRIMÁRIA DE MARANGUAPE - CEARÁ.

Vestígios históricos antes negligenciados e/ou desprezados pelos pesquisadores passaram a figurar como rico manancial para a escrita da História da Educação, ganhando o estatuto de fonte histórica, tornando-se cada vez mais frequente o debruçar-se em fontes que resultam de escritas ordinárias. Assim, arquivos pessoais, relatos orais, cartas, autobiografias, diários de classe, fichas de avaliação, cadernos de atividades, relatórios pedagógicos ou burocráticos, guardam os registros do cotidiano escolar e das práticas docentes e, por meio deles, é possível desvendar cada um dos lugares, maneiras e gestos historicamente construídos e expressos no pensar e no fazer educacional (MIGNOT; CUNHA, 2003).

O manuscrito aqui analisado resulta de uma escrita de 1922. É um caderno onde se encontram as anotações dos planos de aula de uma professora primária, Isabel Pereira, de uma escola localizada no interior do Ceará. É, pois, um documento que resistiu à passagem do tempo, como tantos outros tidos como “ordinários”. Ele traz as marcas da educação escolar, das ideias pedagógicas, dos métodos e das práticas docentes, nos permitindo pensar distintas interpretações da escola e da educação. As escritas ordinárias nos permitem (re)visitar a cultura, saberes e fazeres nos processos de formação dos sujeitos ao longo do tempo, por trazer a memória da educação escolar. Portanto, cada vez mais, os pesquisadores se detêm às escritas ordinárias, visto que nos permitem analisar as práticas e rotinas escolares. (BASTOS; CAVALCANTE, 2009). É, pois, o nosso intuito ao refletirmos sobre as anotações da professora Isabel Pereira.

Isabel Amélia Pereira12 foi professora do primeiro Grupo Escolar de Maranguape, inaugurado em 21 de julho de 1916, recebendo a denominação de Benjamim Barroso, Presidente do Estado à época, uma “feliz iniciativa dos esforçados chefes políticos locais, Manoel de Paula Cavalcante, Napoleão Leocádio de Lima e Antônio Botelho”, segundo registra a diretora Aurea de Pontes Vieira, em relatório dirigido ao Diretor do Departamento Geral de Educação do Estado, em 1941, ano em que se comemoravam as Bodas de Prata do estabelecimento13. De acordo com Juarez Leitão (2008), a primeira escola oficial de Maranguape surge no segundo decênio do século XIX, por exigência de seus habitantes. Funcionava na própria residência do professor designado, Joaquim Lopes da Cunha.

Somente no segundo decênio republicano é instalada a primeira escola, agora em prédio apropriado, de acordo com os padrões do ensino contemporâneo. Dessa forma é que as escolas urbanas de Maranguape foram todas reunidas no que se chamou de Grupo Escolar Benjamim Barroso. Nos anos de 1930, a referida escola passou a se chamar Grupo Escolar Capistrano de Abreu.

No Brasil, os grupos escolares foram concebidos no início do período republicano como um tipo de escola primária que se pretendia moderna e diferente daquela existente no período imperial. São Paulo foi o primeiro estado brasileiro a implantar esse novo modelo escolar, no ano de 1893, com a intenção de “esquecer a experiência do império e apresentar um novo tipo de educação que pretendia ser popular e universal” (BENCOSTTA, 2011, p. 69).

No Ceará, com o Regulamento da Instrução Primária de 1905, abriu-se espaço para a reorganização da escola primária cearense nos moldes dos grupos escolares da cidade de São Paulo. Seguindo esse modelo, o primeiro Grupo Escolar foi criado em 1907, na cidade de Fortaleza, e recebeu o nome do governador da época, No gueira Accioly (ANDRADE, 2011). É importante ressaltar, que a criação de grupos escolares, geralmente nas cidades mais desenvolvidas economicamente, regia-se sob o signo da modernização que se fazia presente por meio da educação (BENCOSTTA, 2011, p. 71).

É nesse contexto que vislumbramos a autora do documento que constitui objeto de nossa análise. Apesar de esforços no sentido de desvelar a biografia da professora Isabel Pereira, quase nada conseguimos coletar além do lugar social e educacional no qual se inseria. O fato de ocupar uma cadeira no quadro de professores dessa escola já nos traz a constatação de que sua formação se deu em uma Escola Normal, talvez de Fortaleza, foco irradiador da moderna pedagogia nas primeiras décadas republicanas.

Passamos a descrever a estrutura da escrita da educadora, cujo título se resume a Planos de aula - 1922. O documento traz o planejamento das aulas a serem ministradas pela professora, escrito em pequeno caderno pautado. Contém 96 páginas escritas, uma capa com o título, data e iniciais I.P. A contracapa traz o nome da autora Isabel Pereira, e o ano, 1922. Logo na primeira página, há a indicação do ano a que se destina e o título da aula: “1º anno - Uma lição na Cartilha”, a qual é descrita de forma minuciosa pela Professora Isabel:

Começaria a aula mostrando às crianças uma estampa que vem na capa da Cartilha. Perguntarei à classe: Quem é capaz de dizer o que vê na estampa? Recomendo que em silêncio, quem souber levante a mão. Dentre estas indicarei uma para responder, preferindo a que levantou a mão com mais timidez. Se Ella não souber indicarei outra mais entusiasmada que naturalmente dirá: - “Eu vejo uma menina”. Mando que todas repitam. Depois direi que o giz vai também dizer, e escrevo na lousa, com letra bem vertical a sentença pondo antes dela o nº 1 - Em seguida direi: “Vamos ver quem é capaz de ler o que o giz disse e mando a menos atenta ler. Se esta não souber ler, chamarei outra assim:” Venha fulana auxiliar sua coleguinha”. Se esta ler direito, mandarei a que errou repetir e que todas repitam[...].

Pelo relato da Professora Isabel Pereira observa-se a preocupação com o desenvolvimento individual do aprendente. Reiteradamente, ela prevê todos os comportamentos da criança, identificando as individualidades que se expressam nas dificuldades sociais e cognitivas dos seres em formação. Aqui é atendido um dos principais princípios da filosofia da Escola Nova, ou seja, “o respeito à personalidade do educando ou o reconhecimento de que deverá dispor de liberdade” (NOGUEIRA, 2001, p. 36). Ainda vigendo uma postura docente que denota muita disciplina e rigor, subjaz a escrita de Isabel Pereira o manejo cuidadoso de uma educadora que, respeitando a individualidade de seus educandos, os conduz ao convívio social sadio e cooperativo. Nesse mister, é perceptível, também, a utilização de um outro princípio escolanovista: “A compreensão funcional do processo educativo se verifica quer sob o aspecto individual, quer social” (NOGUEIRA, 2001, p. 38).

A quase totalidade dos planos se destina ao 1º ano primário, embora sejam apresentadas algumas poucas aulas destinadas ao 2º e 4º anos. Há, em outros momentos, a falta de identificação do ano escolar a que as aulas se destinam, podendo ser da 3ª classe, pois localizamos em alguns livros de ponto da referida professora menção a sua atuação nessa sala14. Não há uma sequência organizada das matérias, porém, como é de se esperar, o foco maior encontra-se na Língua Portuguesa (leitura, escrita, gramática, literatura) e Aritmética. Além das duas principais matérias inerentes aos anos iniciais da escola primária, destacam-se as descrições de aulas de Geografia, História, Instrução Moral e Cívica, Saúde e Higiene (não há menção à Biologia, embora apareçam temas inerentes a esta ciência).

O respeito ao desenvolvimento psicossocial e cognitivo da criança se observa por meio da postura da professora, bem como de seus métodos de ensino e materiais didáticos utilizados no processo de ensino-aprendizagem. Faz jus ao princípio do respeito à idade, ao tempo biológico e social do infante. Aqui se destaca a preocupação com a psicologia da criança e com as necessidades do seu corpo e de seu espírito. Assim, a chamada “segunda infância” é a clientela presente na sala de aula da professora, ou seja, a faixa etária ente 7 a 9 anos, “idade dos interesses agregados aos objetos concretos imediatos, e a idade entre 10 a 12 anos - idade dos interesses concretos especializados, ou idade das monografias” (NOGUEIRA, 2001, p. 45). Exemplificamos a seguir o plano de uma aula de História, destinado ao 1º ano e que tem por Assunto - Dar idéa do tempo. Material - Um relógio de papelão. Eis o que descreve a Professora:

Chegando à classe, perguntarei às meninas quando ellas dormem. Dirão que é noite. Perguntarei quem sabe o que é já noite. Ellas dirão que é quando está escuro, quando não há luz. Indagarei da classe si a noite as suas casas ficam escuras, ou há alguma coisa que a clareia. Explicarei então o uso da luz elétrica e que é noite quando não há luz do sol. Perguntarei a menina a que horas Ella se levanta. Depois de obtida a resposta direi: “onde foi que você viu que era hora?”. Passarei depois a utilização do relógio [...]”.

Continuando a sua descrição de como ocorrerá a aula, Isabel Pereira informa que irá fazer atividades práticas com os alunos a partir da utilização do relógio de papelão. Para a compreensão do tempo do relógio, a mestra realiza uma atividade prática que os levaria ao entendimento da passagem do tempo:

Mandarei que todas as allunas fechem os olhos durante um certo tempo que será por mim determinado. Quando mandar abrirem os olhos, direi que essa parte do tempo em que vocês permaneceram com os olhos fechados é chamado minuto. Farei isso 5 vezes seguidas e direi que se passaram 5 minutos. Mostrarei então no relógio V. E seguida, deslocando o ponteiro de 5 em 5 minutos quando chegar o VI, explicarei que é meia hora. Mandarei uma alluna escrever na lousa 1h = 60’, e as outras copiarem em seus caderninhos.

Destacamos as repetidas vezes em que a professora se direciona às meninas e, em alguns momentos, até promove um confronto entre meninos e meninas. A preocupação é em dar voz ao feminino? Ou será que a novidade da coeducação dos sexos a levaria ao cuidado em relação a uma convivência harmoniosa entre o sexo masculino e feminino? A intuição ou a formação recebida a levaria a essa prática de reforçar o potencial das meninas, ou mesmo de não as deixar em situação inferior aos meninos? A questão é que, se nos basearmos apenas na letra do texto, não poderemos emitir afirmações categóricas, porém, necessário se faz ressaltar que, pelo princípio da coeducação dos sexos, os alunos deveriam “ser deixados juntos desde sua primeira idade, e sem deixar de serem educados segundo as necessidades particulares do seu sexo, rapazes e moças vivem como camaradas” (NOGUEIRA, 2001, p.42).

Por conseguinte, é notória a presença dos métodos escolanovistas no fazer pedagógico da professora Isabel Pereira. Uma amostra desses pressupostos filosóficos é explicitada no final do plano de aula sobre as noções de tempo, quando a mesma assim se expressa: “Devo procurar despertar e manter a atenção da classe durante toda a aula, tornar o ensino concreto e activo o mais possível, procurar usar de uma Linguagem clara, falar em voz alta, chamar as menos atentas”. No que concerne aos métodos do ensino ativo e concreto, é deveras ilustrativa a descrição de um plano de aula de Aritmética, destinado ao 1º ano, senão vejamos:

Assunto: Unidade, desenas e centenas. Material: Taboinhas, lápis, réguas, bolinhas, pausinhos. Desenvolvimento. Tomo um punhado de taboinhas e digo aos alunos que formem com ellas grupos de 10. Mando depois que formem um molho com uma desena de taboinhas e coloco-o juntos a um outro grupo 10, perguntando às crianças quantas desenas há nesses dois grupos. Junto assim quatro ou cinco molhos de taboinhas e junto mais dois ou três pausinhos, perguntando quantas desenas e quantas unidades tenho na mão. Faço outros exercícios com outros objetos e com outras quantidades até dar muito bem umas noções de desena [...].

Nos planos de aula da educadora maranguapense, subjaz o espírito da escola ativa, a qual se faz por meio de atividades que levariam os escolares a aprender a fazer fazendo e a pensar pensando. A utilização de material concreto, a experimentação por meio de exercícios práticos, o espirito cooperativo na realização das tarefas, visitações e excursões para aprender a partir da observação, dentre outros aspectos teóricos e metodológicos, são fundamentais para a tarefa primordial a ser cumprida, qual seja: a de desenvolver no homem um ser individual e coletivo, o que pressupõe a compreensão da aprendizagem simbólica em situação de vida social.

As situações da vida real são exploradas nas proposições das aulas da educadora do Grupo Escolar de Maranguape. Não apresenta informação sobre aulas de campo. Porém, mesmo restrita à sala de aula, ocorre esforços no sentido de fazer com que os alunos se reportem a experiências vivenciadas no cotidiano. Pelo que surge nas entrelinhas, os alunos são incentivados a visitações e observações ao ambiente natural no qual estão inseridos. Vejamos como isso se dá em uma aula de Geografia:

Geographia. Material: Areia, gravuras e giz de cor. Objecto: Dar às crianças a ideia de ilha, ilhota e archipelago. Desenvolvimento. [...] irei ensinar hoje as crianças o que é uma ilha e o que é um archipelago e fazer com que ellas notem as diferenças entre uma e outra. Para isso procurarei encaminhar a aula fazendo com que a atenção com que a atenção das crianças se voltem para todos os factos concatenados ao assunpto e conhecidos por ellas, para que esses exemplos indusanam-nas a resolver todas as questões apresentadas e a descobrir por si mesmas o que lhes quero ensinar. Perguntarei as meninas se já fizeram um passeio ao Salto ou à Villa, o que foi preciso ultrapassar para lá chegarem, onde queriam ir, porque houve necessidade de uma ponte, etc. Prosseguirei perguntando se já passaram algum dia na ponte para contemplar o rio e si se lembram do que viram por lá, si não repararam que havia uma por porção de terra firme (explicarei o que é terra firme) e como eram ellas, si tinham plantas ou não, se eram muito grandes ou não, que acharam daquillo, si aquella terra foi posta pela vontade e pelo trabalho dos homens ou não [...]. Mostrar-lhes-ei, então, um cartaz com ilhas e destacarei uma para observação delas e perguntarei que diferença ellas acham entre a terra que ellas viram no rio e essa terra representada pela figura, se a do rio é assim cheia de morros e sem plantas como essa, etc...

Uma das aulas anotadas por Isabel se refere à “Instrucção Moral e Cívica”, focando o tema na Bandeira Nacional. Aqui, o trabalho se inicia com a estratégia de atribuir um sentido político ao objeto, afirmando que ela “simboliza” a pátria. Assim, a professora começa a usar a metodologia do apelo emocional para o convencimento e para o despertar do sentido de pertencimento. Anota a professora:

[...] Si um dia estivermos longe do Brasil e depararmos com a Bandeira Brasileira, ella nos lembraria a nossa pátria distante”. Por isso devemos deste pequenos amar e respeitar muito a nossa bandeira porque é a imagem da nossa Pátria. Assim saberemos amal-a e respeital-a e se for preciso daremos a vida para defendel-a.

Esse apelo emocional é ainda reforçado pelo compartilhamento de uma história, envolvendo a bandeira do Brasil. Como recurso maior de sensibilização aos aprendizes, de fazê-los participar do processo educativo, bem aos modos da Escola Nova, Isabel escolhe, ou cria, uma situação em que o protagonista é justamente uma criança de 9 anos, moradora de uma fazenda, que, no caminho de sua casa ao comércio na cidade, onde ia comprar “cadernos, penais e um livro”, encontra na casa de um “preto velho”, hasteada, a bandeira brasileira. Ao ver o inesperado objeto e identificando-o como “sagrado”, o garoto tira o chapéu em ato de deferência. O Preto esclareceu ao menino que não “era de São João, que por isso não precisava se descobrir quando por ela passasse. Era um trapo sem valor algum [...]”. Após esclarecer a importância do objeto, “tanto como uma cousa santa”, negocia com o velho a compra da bandeira. Voltando para casa, “contente com a Bandeira que ele soubera tão bem defendel-a”, o pai “satisfeitissimo com o bello procedimento do filho”, deu mais dinheiro para o projeto inicial de compra.

A história, além do caráter exemplar, quer reforçar o papel da escola no aprendizado da ideia de nação, através do reforço a um dos símbolos que a representa e a narra, mas porque, acentua a professora, esse aluno frequentava uma escola situada a 3 léguas da sua casa, era um dos mais “aplicados” e nunca faltava. Encerrando a descrição de sua aula e, mais uma vez, buscando o envolvimento dos alunos, reafirmando o papel da escola na transmissão do sentimento de amor à Pátria e de sua militância na escola, reflete a professora sobre o resultado, em termos de aprendizado, daquela experiência educativa.

Pergunto então às meninas onde foi que o menino aprendeu tudo isso que ele ensinou ao preto e ellas facilmente hão de descobrir que foi na escola. E então mostro a necessidade de todas as creanças frequentarem a escola onde aprenderão muita coisa boa e útil e onde as suas professoras a ensinar-lhes-á a proceder como o menino da história, que foi admirado pelo seu bello procedimento.

Em outra aula, com o título Pátria, a professora anota informações pontuais sobre o país, o Estado do Ceará, ressaltando a capital Fortaleza, e os marcos de seu desenvolvimento urbano, como: iluminação elétrica, ruas extensas e espaçosas, edificações “as mais regulares do Norte”, adverte Isabel, e os edifícios mais “notáveis” como o Majestic, a Assembleia, o Palácio do Governo, dentre outros. Lembramos ao leitor que a cidade de Maranguape, distante cerca de 25km de Fortaleza, possuía aparência pacata se comparada à capital, contando com água encanada, um cinematógrafo, poucos automóveis e ainda alguns casarões imponentes, resultantes do capital adquirido na produção e exportação de café e algodão. A cidade se projetava, ainda, pelos engenhos de cana de açúcar e os alambiques que produziam cachaça valorizada no mercado15.

Mas, se essas informações anotadas por Isabel buscavam instruir seus alunos nas coisas do Brasil, a ênfase nas marcas do desenvolvimento urbano da capital talvez quisessem despertar em seus alunos a ideia de progresso e desenvolvimento a que a cidade e seus moradores deveriam perseguir. Estando esses conteúdos inseridos no interior da discussão sobre a Pátria, a professora anotou os deveres de cada um com essa indicação: “Devemos trabalhar procurando engrandecel-a, prometendo defendel-a com lealdade, coragem e ternura sacrificando nossa própria vida”.

A cada página folhada do caderno da mestra Isabel Pereira vão se descortinando narrativas dos assuntos a serem trabalhados nas aulas, os recursos a serem utilizados e como fazer para alcançar os objetivos propostos para a efetivação da aprendizagem das crianças. Na escrita da professora, não há lugar apenas para a descrição dos objetivos, metodologias e materiais didáticos para a ministração das aulas, mas também para exposição de posicionamentos teóricos sobre o fazer pedagógico, sobre o desenvolvimento cognitivo, social e moral dos infantes escolares. Observemos um trecho que nos traz explicitamente os posicionamentos filosóficos da referida mestra:

As crianças em sua idade pre-escolar, quando entregue à atividade espontânea do seu espirito, adquire as primeiras ideias vagas de número através da necessidade innata de medir (...). Ella só é levada à concepção empírica da unidade depois que conhece e mede, reunindo e separando objetos os dois, aos três, aos quatro, aos cinco, etc. É a tendência analytica do seu espirito que a isso a conduz. Esta marcha natural da sua inlelligencia traça o caminho a seguir, na escola, para o ensino dos primeiros passos da arithmetica e mostra o erro physcologico de se ensinar o conhecimento dos números, em ordem systematica, pela adição sucessiva de UM [...].

Chegamos à última página do caderno de anotações... Não conseguimos fechá-lo.

Ao analisarmos os planos de aula da Professora Isabel Pereira, identificamos o posicionamento teórico da professora, fornecendo-nos elementos para afirmarmos o quanto ela estava imbuída do ideário escolanovista. O grupo escolar, onde lecionava Isabel, segundo anotações contidas nos livros de Actas, termos, exames e relatórios, nos dão mostras da militância em favor das inovações sopradas pela filosofia, que embasava a Escola Nova naquelas primeiras décadas do século XX, e da confiança em tornar-se escola-modelo. É isso que pode se desprender do registro de uma visita ao grupo escolar, em 18.08.1922, pela diretora Cândida Vieira16:

O Sr. Lourenço Filho visitou no dia 18.08 este grupo que acabava de ser remodelado com a reunião de algumas classes mais, deixando de ser mixto, para ter uma secção masculina e uma feminina;

[...] O professor Lourenço percorreu todas as classe, assistindo a várias aulas, notando a maneira enthusiásta e inteligente com que a diretora, professora Cândia Vieira Cavalcante e suas dedicadas auxiliares, tem sabido ir imprimindo ao ensino os novos moldes da escola modelo.

[...] O termo de visita que o diretor deixou consignado no grupo de Maranguape, muito honra a dedicação das srs professoras e da sra diretora do estabelecimento, o qual dentro de pouco será um dos modelos do estado.

Isabel era, de fato, uma militante desse otimismo pedagógico, que soprava por esses tempos, os hoje longínquos anos de 1920. Ela se nos apresenta como uma pessoa dotada de conhecimentos científicos e filosóficos sólidos, os quais são utilizados para fundamentar suas propostas de ação docente. Os planos de aula são traçados de forma embasada e denotam rigor na utilização de métodos e instrumentos didáticos adequados à faixa etária dos alunos e alunas. Percebemos a presença forte da professora quando expressa suas posturas incisivas de abordagem aos alunos, voz firme e condução da classe de forma a imprimir disciplina e austeridade, mas, ao mesmo tempo, todas as aulas relatadas se pautam no respeito à individualidade das crianças, no estimulo à boa convivência entre meninos e meninas e no incentivo à participação de todos (do mais tímido, ao mais extrovertido, ao desatento).

Destacamos, ainda, dois aspectos dignos de menção. O primeiro diz respeito à prática da professora, expressa em sua escrita, na qual se vislumbra a consecução de um ensino que coloca a criança como um ser permeado de experiências a serem aproveitadas no processo de ensino-aprendizagem. O segundo relaciona-se às técnicas utilizadas nas aulas pela professora, ou seja, as tecnologias que se faziam presentes por meio da utilização de materiais concretos, tais como: mapas, cartazes, relógio de papelão, areia, tabuinhas, bolinhas, dentre outros. Os instrumentos de trabalho eram materiais simples e que estavam ao alcance das crianças, retirados do meio em que estavam inseridas. Dessa forma, naquela realidade do ano de 1922, desvelada pelas anotações de Isabel Pereira, vislumbramos os avanços educacionais por meio dos métodos de ensino utilizados pela educadora, introduzindo na escola uma nova perspectiva do ensino-aprendizagem, por meio de métodos que exprimiam a concepção de um “novo homem”, formado para ser atuante em uma sociedade moderna e progressista.

O documento Planos de aula -1922 nos trouxe a possibilidade de conhecer a realidade da escola primária em uma cidade do interior do Ceará, hoje integrante da Região Metropolitana de Fortaleza. As ricas anotações dessa professora primária nos aguçaram a curiosidade para desvelar a sua vida de educadora, conhecer como se deu a sua formação, identificar de forma mais fundamentada o seu lugar social.

Qual a intenção de Isabel em registrar, com detalhes, suas propostas de aulas e a metodologia a ser empregada e porque, justamente esse caderno, sobreviveu ao tempo, entre os vestígios da vida e trabalho da professora? Isabel se percebia como sujeito de um movimento que marcava uma época, que buscava operar um marco divisório no fazer pedagógico do País, contrapondo-se, portanto, a um modelo tradicional de se ensinar? Como decorrência dessa crença, teria surgido na educadora uma certa consciência histórica, que a levou a preservar seus escritos, como provas de sua militância?

Chegamos à última página do caderno da professora ainda com a mente povoada de dúvidas e curiosidades. A escrita que ora concluímos não está finalizada. Muito ainda podemos explorar dessa fonte primária, muito ainda ela poderá nos falar sobre fatos, ideias, práticas e ideal de educação e sociedade em plena efervescência reformista no âmbito da história educacional do Ceará e do Brasil. Um estudo mais detalhado poderá nos fornecer elementos para entendermos a repercussão da Reforma de 1922 no contexto da educação cearense. O que a escrita de professores, cadernos de atividades, relatórios de gestores escolares, relatos de professores e estudantes da época podem ainda nos dizer desse momento tão efervescente da educação cearense? Somente a busca insistente dessas fontes poderá nos conduzir à abertura de novas possibilidades, com o intuito de desvelar a riqueza da historiografia educacional local e regional nesse período.

REFERÊNCIAS

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3Sobre esse assunto, conferir Neves (2003) e Sevcenko (1998).

4Referimo-nos a Questão Religiosa de 1870. Sobre isso, cf. Neves (2009) e Barata (1999), dentre outros.

5Nesse contexto, é criada a Liga Brasileira Contra o Analfabetismo, que moveu ações junto aos poderes constituídos e na Imprensa brasileira com o objetivo da “formação intelectual do povo”. Sobre isso, conforme Abreu (2015).

6Esta obra de Nagle, que se tornou importante referência para a historiografia educacional brasileira de início do século XX, resultou de tese defendida na USP em 1966 e foi, posteriormente, publicada pela Eusp, em 1974.

7É importante ressaltar que Marta de Carvalho trabalha com a perspectiva da cultura escolar e práticas culturais, enquanto em Jorge Nagle a análise é mais macroscópica. Nesse sentido, podemos verificar a divergência entre os dois autores. Marta vê mais a política e não a despolitização porque, para ela, a técnica se torna uma disputa.

8Intelectual, bacharel em direito e jornalista, membro fundador da Academia Cearense de Letras e entusiasta do otimismo pedagógico republicano. Em 1920, foi eleito presidente do Ceará, cargo que exerceu até a sua morte, em 1923.

9Formado em Medicina no Rio de Janeiro em 1904, passou dois anos estagiando na Europa, onde adquiriu conhecimento sobre as relações entre a Psicologia e os novos métodos educacionais. Em 1909 foi nomeado professor efetivo de Física, Química e História Natural da Escola Normal de Fortaleza, Ceará.

10Sobre este período da historiografia educacional cearense, recomendamos a obra O curso de Lourenço Filho na Escola Normal do Ceará, coletânea organizada por Maria Juraci M. Cavalcante e Maria Helena Camara Bastos. Campinas- São Paulo: Editora Alínea, 2009. A referida obra é fundamental para estudos sobre a atuação de Lourenço Filho no Ceará, nos anos de 1922 e 1923. Além de ser um trabalho que se utiliza de escritas ordinárias.

11Nossos agradecimentos ao Luiz Alberto de Andrade Júnior, economista e, atualmente, graduando do Curso de História da UECE, que nos presenteou com uma cópia desse documento, um caderno de anotações dos planos de aula da Professora Isabel Amélia Pereira, do ano de 1922.

12Seu nome encontra-se na relação das primeiras professoras do Grupo Escolar de Maranguape, inaugurado em 1916. Identificamos seu nome nos vários livros de movimentação do cotidiano da instituição, dos anos de 1916 a 1930. Esses livros se encontram em ótimo estado de conservação no Grupo Escolar Capistrano de Abreu, em Maranguape. Agradecemos a atual diretora da instituição, Elizabete Vasconcelos de Abreu Nogueira, pela permissão para o acesso a essa rica documentação. Conforme, dentre outros, Livro de ponto do pessoal docente do Grupo Escolar Benjamin Barroso, de Maranguape, 1916, p. 1, de 26 de julho de1916.

13 GRUPO ESCOLAR CAPISTRANO DE ABREU. Relatório ao Diretor do Departamento Geral de Educação do Estado, Revmo. Pe. José Bruno Teixeira, por ocasião das Bodas de Prata de sua fundação. Maranguape, Ceará. Acervo sob a guarda da instituição.

14GRUPO ESCOLAR BENJAMIN BARROSO. Livro de Ponto do Pessoal Docente. Maranguape, Ceará, 1916, p. 1, de 26 de julho de 1916.

15Sobre Maranguape, sua história, economia, vida religiosa, sociedade e educação, conferir Marques (2006) e Leitão (2009).

16GRUPO ESCOLAR CAPISTRANO DE ABREU. “Uma visita do Director da Instrucção, professor Lourenço Filho, ao Grupo escolar de Maranguape”. Livro para Atas e Termos de exames. Maranguape, Ceará, 05.11.1922 a 1928.

Recebido: 28 de Setembro de 2018; Aceito: 12 de Abril de 2019

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Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Professora Associada da Universidade Estadual do Ceará- UECE. <fatima.leitao@uece.br >

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Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Professora Associada da Universidade Estadual do Ceará- UECE. <Berenice.abreu@euce.br>

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