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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.36  Belo Horizonte  2020  Epub 27-Oct-2020

https://doi.org/10.1590/0102-4698231352 

ARTIGO

PARA RESISTIR À MONOCULTURA DA MENTE: UMA ODE AOS SABERES INDÍGENAS

RESISTING THE MONOCULTURE OF MIND: AN ODE TO INDIGENOUS KNOWLEDGE

PARA RESISTIR AL MONOCULTIVO DE LA MENTE: UNA ODA A LOS SABERES INDÍGENAS

CARLOS EDUARDO DE ARAÚJO1 
http://orcid.org/0000-0003-0269-319X

MARIA JOSÉ RIBEIRO DE SÁ2 
http://orcid.org/0000-0001-9128-1466

MARIA DA CONCEIÇÃO DE ALMEIDA3 
http://orcid.org/0000-0003-1850-5288

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, Brasil. 2019cadu@gmail.com

2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, Brasil. maria.sa@ifma.edu.br

3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, Brasil. calmeida17@hotmail.com


RESUMO:

Em diálogo com autores de diferentes áreas de conhecimento, argumentamos a necessidade de uma ode aos saberes indígenas. A instauração de uma monocultura da mente, com viés ideológico universalista, vem exterminando a possibilidade de a humanidade se beneficiar com a troca e o compartilhamento de saberes e experiências acumuladas por diferentes povos do Planeta. A hegemonia da lógica de mercado sobrepõe-se a valores imensuráveis, como cooperação, solidariedade, gratidão coletiva e sentimento de parentesco com todas as coisas do mundo. Tais valores estão presentes nas sabedorias milenares que constituem a matriz de uma “ciência primeira”. Também mantêm códigos de conhecimentos e modos de viver que podem vir a se tornar uma referência para resolver problemas enfrentados pelas sociedades modernas. Diante desse cenário, uma atitude ética a ser assumida por uma ciência aberta é a do diálogo com essas cosmologias da tradição. Uma necessária democracia cognitiva, base para a democracia política e justiça social, pode ser alcançada com uma ecologia de ideias.

Palavras-chave: Complexidade; Democracia Cognitiva; Saberes Indígenas

ABSTRACT:

Dialoguing with authors from different fields of knowledge, we argue for the necessity of an ode to indigenous knowledge. The establishment of a monoculture of mind with a universalistic ideological tendency has been exterminating the possibility of humanity to benefit from the interchange and sharing of knowledge and experiences acquired by different peoples of the Planet. The hegemony of the market logic overlaps immeasurable values such as cooperation, solidarity, collective gratitude, and kinship with everything in the world. Such values are present in the ancient wisdom that establishes the matrix of a first science. They also preserve codes of knowledge and ways of living that may become a reference to solve problems faced by modern societies. Faced by this scenario, the dialogue with those traditional cosmologies would be an ethical attitude to be taken by an open science. A necessary cognitive democracy, the base for a political democracy and social justice, can be achieved by an ecology of ideas.

Keywords: Complexity; Cognitive Democracy; Indigenous Knowledge

RESUMEN:

En diálogo con autores de diferentes áreas de conocimiento, argumentamos acerca de la necesidad de desarrollar una Oda a los Saberes Indígenas. La instauración de un monocultivo de la mente con un sesgo ideológico universalista ha venido obstaculizando la posibilidad de que la humanidad se beneficie con el intercambio y el compartir de saberes de las experiencias acumuladas por diferentes pueblos del Planeta. La hegemonía de la lógica del mercado se sobrepone a valores trascendentales como cooperación, solidaridad, gratitud colectiva y sentimiento de parentesco con todas las cosas del mundo. Tales valores están presentes en las sabidurías milenarias que constituyen la matriz de una ciencia primaria. También mantienen códigos de conocimientos y modos de vivir que podrían convertirse en una referencia para resolver los problemas enfrentados por las sociedades modernas. En ese escenario, una actitud ética a ser asumida por una ciencia abierta es el diálogo con esas cosmologías de la tradición. Una necesaria democracia cognitiva, base para la democracia política y la justicia social, podría ser alcanzada a partir de una ecología de ideas.

Palabras Clave: Complejidad; Democracia Cognitiva; Saberes Indígenas

DESCORTINANDO UM CENÁRIO

Em sua crítica aos descaminhos da ocidentalização do mundo e na imposição de um padrão cultural único para todos os homens, Claude Lévi-Strauss (1996) disse, certa vez, que poderíamos chegar um dia a ter que nos servir de um único cardápio, de um único prato. Ele denominou esse processo histórico de “civilização da beterraba”. Como se fosse um visionário, o filósofo e antropólogo belga-francês prefigurou o que vivemos hoje.

De fato, o que se chama de globalização é, na sua essência, a imposição e expansão de um ideário supostamente universal, mas lamentavelmente unitário: somos todos levados a conjugar cultura, conhecimento, ciência e história no singular, ressalta Edgar Morin (2011b). Estamos, pois, na contramão do que é a condição humana, uma vez que a unidade da espécie humana se expressa pela pluralidade dos modos de viver em culturas diversas. E, mais que isso, a nossa condição humana supõe troca e compartilhamento da diversidade de saberes e experiências acumuladas pelas gerações que nos antecederam, conforme argumenta Morin (1979) no livro O Enigma do Homem.

A física e filósofa Vandana Shiva (2003) discute a perversidade que tem sido levada a efeito pela civilização ocidental, que se pauta no que ela chama de “monocultura da mente”. A redução da diversidade das culturas de subsistência e das técnicas de plantio e, sobretudo, a biopirataria e pilhagem dos conhecimentos tradicionais fortalecem, cada vez mais, um mundo dividido entre poucos, os quais têm em excesso, ficando uma multidão à margem dos propalados benefícios do “progresso”.

Uma avaliação que não devemos julgar necessariamente pessimista dá conta de que, diante dos descaminhos da civilização atual, não há retrocesso possível - nem ecológico, nem propriamente humano e cultural. Essa é a posição da química e filósofa das ciências Isabelle Stengers (2015), no seu livro No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. Longe, entretanto, de sugerir que cruzemos os braços, Isabelle Stengers apela para argumentos que ainda podem reduzir os efeitos previsíveis de uma catástrofe final. Entre seus argumentos, de ordem predominantemente política, um deles merece destaque aqui: é crucial negar a verdade dos conceitos de progresso e desenvolvimento sustentável, uma vez que tais conceitos emergem exclusivamente de uma forma particular de narrativa das ciências, discute a autora (STENGERS, 2015).

Desdobrando a perspectiva de Isabelle Stengers, dois importantes documentos devem ser citados: o do Papa Francisco (2015), Carta encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum, e o de Edgar Morin (2011a), intitulado Para um pensamento do Sul. Nesses dois documentos, fica explícita a importância das heranças culturais de diferentes povos tradicionais e indígenas para regenerar valores fundamentais, como cooperação, solidariedade, gratuidade, gratidão coletiva e sentimento de parentesco com todas as coisas do mundo4. Sob o signo da esperança, ambos os textos advogam ser possível identificar, escolher e projetar novos caminhos, capazes de desviar o trajeto de uma catástrofe social orquestrada pelos valores da exclusão, da pressa, da substituição e do descartável.

No que se refere à educação, é necessário criar focos de resistência ao projeto capitalista, uma vez que esse projeto tem investido, de forma persistente e obstinada, na consolidação de um modelo de educação formal baseado na economia de mercado e na monocultura de saberes. Para Vandana Shiva (2003), no lugar de a floresta servir de modelo à fábrica (tempo lento de maturação dos processos vitais), é a fábrica que deve servir de modelo à floresta (produção em série, comprometimento da biodiversidade fomentado pelo desmatamento daquilo que não tem valor comercial, interferência na dinâmica biótica que apressa o ciclo dos “produtos” para o mercado etc.). Esse processo resulta numa regressão cultural, no que se refere à formação integral dos indivíduos e à diversidade de suas histórias coletivas, pois, à medida que uma cultura se sobrepõe e destrói as demais, ocorre um processo de retrocesso, já que é a diversidade que mantém a variedade biocultural. Vitor Toledo e Narciso Barrera-Bassols (2015, p. 29) falam da diversificação como processo evolutivo, argumentando que “a diversidade exalta a variedade, a heterogeneidade e a multiplicidade, sendo o oposto de uniformidade”. A uniformidade significa a destruição dessa diversidade e consequentemente “a extinção da experiência biológica e cultural, implica a erosão do ato de descobrir e a redução da criatividade” (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2015, p. 236), sendo, assim, uma regressão.

A colonização intelectual ocidental desdobra-se desde as escolas até as universidades. Nas instituições oficiais do conhecimento, o que não é científico é desacreditado, rejeitado. Logo, o “primeiro plano da violência desencadeada contra os sistemas locais de saber é não considerá-los um saber” (SHIVA, 2003, p. 22). No centro desse projeto monocultural e universalista, está uma concepção que corresponde a uma meia verdade: diz-se que vivemos hoje numa “sociedade do conhecimento”, quando, de fato, todas as sociedades foram e são sociedades do conhecimento.

PARA NÃO CUSPIR NO PRÓPRIO PRATO

Tudo o que somos hoje foi sendo construído ao longo de muitos séculos. Desde que surgiram os primeiros homens e mulheres no Planeta Terra, nossa história foi sendo tecida, ampliada. Nada de duradouro nasce de um estalar de dedos, nem da noite para o dia. Regra geral - e a depender da natureza dos fenômenos e dos seus tempos diferenciais de maturação -, todas as coisas do mundo requerem um processamento lento até se constituírem como tal. Daí reside a distinção essencial entre as sociedades que chamamos de primitivas5 e as nossas (modernas). Segundo Lévi-Strauss (1976), esses dois tipos de sociedade têm por distinção uma concepção do que seja história, uma vez que as sociedades originárias optam por fazer da história um tempo que foi feito para durar, permanecer; enquanto que as sociedades modernas optam por fazer da concepção de história aquilo que existe para mudar, inovar.

Quando cada um de nós nasceu, muita coisa já havia acontecido, muitas experiências já haviam sido consolidadas em conhecimentos. Muitos desses códigos de conhecimento e modos de viver mantêm-se úteis e eficazes até hoje, em dezenas de culturas espalhadas pelos continentes da Terra. Os modos de vida (econômico, social, imaginativo) das populações originárias, por exemplo, constituem, nas palavras de Lévi-Strauss (2012, p. 18), “formas de vida originais. São perfeitamente viáveis enquanto não forem ameaçadas do exterior”. E, longe de se constituírem em ilustração de nosso passado longínquo, tais modos de conhecer e viver “ilustram mais uma situação geral, um denominador comum da condição humana”; assim sendo, “são as altas civilizações do Ocidente e do Oriente que constituem exceções” (LÉVI-STRAUSS, 2012, p. 18).

Considerando-se essa perspectiva, grande parte dos saberes dos quais se valem as sociedades originárias e tradicionais poderiam ser revisitados como um meio de resolver parte dos problemas para os quais as culturas ocidentais não têm solução atualmente. É disso que fala Lévi-Strauss (2012) em A antropologia diante dos problemas do mundo moderno. Nesse livro, o autor expressa sua forte crítica à “supremacia da cultura ocidental” e advoga que precisamos “aprender com os outros”, expondo, com base em grupos culturais diversos, os modos próprios de resolver os problemas da diversidade sexual, da crise populacional e da imputação da paternidade não biológica - problemas que, cada dia mais, desafiam a moral burguesa, a demografia e a esfera do jurídico nas nossas sociedades modernas. Marcadas pelo desejo de permanência, mesmo que se auto-organizem, como todo fenômeno, por meio de discretas mutações, de fato, as culturas arcaicas6 são um exemplo de sociedades duradouras. Sendo assim, e ampliando a afirmação de Vandana Shiva (2003), tais culturas poderiam se tornar referências para as sociedades modernas, e não o inverso. A partir das proposições de Edgar Morin (2011a), podemos, em grande parte, reconhecer esses modos de vida como “reservas antropológicas” de civilização e de humanidade.

Para responder aos desafios da vida e garantir nossa permanência na Terra, homens e mulheres e crianças, em tempos pretéritos e em todos os lugares, construíram conhecimentos que foram se transformando e chegaram até nós como uma dádiva, um presente. No entanto, nem sempre nos lembramos disso. Nem sempre ouvimos isso na escola ou na universidade. Quase sempre esquecemos que o tempo presente é um “presente” que recebemos, como lembra o educador indígena Daniel Munduruku (2010). Esse “presente”, porém, não está pronto e acabado. Precisamos, todo dia, cuidar dele, remodelá-lo no que for necessário, mas, sobretudo, manter o que ele tem do perfume do passado, para garantir nossas lembranças e cultivar a gratidão com tudo que foi construído antes de nós.

Fortalecidos pela adequação estreita com o meio ecológico, os conhecimentos repassados de forma oral e experimental são responsáveis pela manutenção de centenas de grupos culturais espalhados por lugares ainda não cooptados pela lógica do sistema mercadológico, que tudo nivela, padroniza. O conhecimento das qualidades medicinais dos animais, pelos habitantes da Sibéria; a ciência botânica utilizada por numerosas populações brasileiras, para curar suas doenças; os métodos de medir volume e área - denominados de “cubação” -, que se distinguem da geometria euclidiana e permitem calcular extensão de terra e volume d’água; a construção de artefatos e técnicas capazes de permitir a coleta de frutos em espaços de difícil acesso - como é o caso da coleta do açaí, na Amazônia brasileira, e do corte da palha da carnaúba, no Nordeste do Brasil - são algumas das dezenas de referências que atestam a exuberância do pensamento criativo.

Categóricos quanto à relevância dos saberes indígenas para a humanidade, em seu livro A memória biocultural: a importância ecológica das sabedorias tradicionais, os professores pesquisadores Víctor M. Toledo e Narciso Barrera-Bassols (2015) chegam à conclusão de que os povos tradicionais, especialmente os indígenas, trazem consigo saberes inestimáveis a respeito da natureza, com classificações exuberantes que foram guardadas ao longo do tempo, sem as quais seria impossível a sobrevivência de grupos humanos. Tais saberes são uma memória biológica, cognitiva e cultural que foi refinada ao longo dos tempos, na mente de homens e mulheres. Na análise da agroecologia de uma coleção de diferentes sabedorias locais do Planeta, podemos encontrar a memória da espécie, ou o que ainda resta dela. É nessas sabedorias milenares, amplamente ignoradas, que encontraremos as chaves para enfrentar as atuais crises ecológica e social desencadeadas pela revolução industrial, reconhecem os autores (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2015).

As sabedorias locais demonstram a destreza de uma ciência perto da natureza, “uma ciência primeira”, conforme expressão de Claude Lévi-Strauss (1976). Daí o porquê de ser preciso revisitar o significado da palavra “tecnologia”. A tecnologia não é uma invenção das sociedades modernas, é todo meio criado pela espécie humana para potencializar o uso de seu corpo e pensamento, explica Pierre Lévy (1993), tal como a separação do polegar em relação aos outros dedos da mão, a enxada, a peçonha7 usada pelos ribeirinhos do Pará para a colheita do açaí.

Em síntese, essa ciência primeira constitui a matriz das tecnociências modernas. Tal fato traz consigo duas consequências desejáveis: a) compreender sua anterioridade, que requer reconhecer a importância inestimável desses conhecimentos para a consolidação da cultura contemporânea e, em particular, para a construção das ciências (nesse sentido, não reconhecer a importância dos saberes da tradição, ou tomá-los como um saber menor, é cuspir no próprio prato da aventura humana na Terra); b) compreender sua permanência, ou seja, está informado sobre inúmeras populações do planeta que operam a criatividade necessária para não sucumbir aos desafios vividos, para dar resposta aos problemas que lhes são postos (ALMEIDA, 2017a).

Reconhecer os saberes dos povos indígenas de ciência primeira é, assim, mais que um artifício acadêmico ou um argumento de retórica. Trata-se de afirmá-los como conhecimento pertinente, ou seja, aquele que está inserido em um contexto, conforme Edgar Morin (2011b, 2014). Trata-se, também, de uma atitude ética a ser definitivamente assumida por uma ciência aberta, capaz de dialogar com outras narrativas sobre o mundo, em direção a uma ecologia das ideias8, uma democracia cognitiva, base para a democracia política e a justiça social, segundo o autor (MORIN, 2011b, 2014).

Em um argumento desafiador, Claude Lévi-Strauss afirma a importância e a sofisticação dos conhecimentos ancestrais e indígenas que precederam as ciências modernas. Para ele, esses conhecimentos teriam

[...] como valor principal ter preservado, até nossa época, de forma residual, modos de observação e de reflexão que foram (e continuam sem dúvida) exatamente adaptados a descobertas de um tipo: as que a natureza autoriza, a partir da organização e da exploração especulativas do mundo sensível, em termos de sensível. Esta ciência do concreto deveria ser, essencialmente, limitada a outros resultados que os prometidos às ciências exatas e naturais, mas não foi menos científica e seus resultados não foram menos reais. Afirmados dez mil anos antes dos outros, eles [esses saberes] são sempre o substrato da nossa civilização. (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 37).

Todas as épocas têm seus sábios, mas nem todas as pessoas que produziram conhecimentos relevantes nas diversas culturas tiveram seus nomes divulgados, conhecidos, compartilhados. Na época de Isaac Newton, de Galileu Galilei e de Nicolau Copérnico, certamente, outros saberes estavam sendo construídos sobre os mesmos temas por eles estudados, mesmo que não saibamos onde e quem se dedicou a responder as mesmas perguntas formuladas por Newton, Galileu e Copérnico.

As ciências modernas são uma maneira de explicar o mundo, mas existem outras produções de conhecimento, outras maneiras de conhecer que se perdem no tempo e no anonimato, porque não encontram espaços e oportunidades de expressão, ou, o que é mais grave, por terem sido traduzidas ou subjugadas a um código único, ao código minimalista dos colonizadores. É isso o que acontece, em grande parte, com numerosos conjuntos de saberes construídos pelos “intelectuais da tradição”, como os xamãs e os pajés (ALMEIDA, 2017b, p. 51).

Nas sabedorias indígenas brasileiras, os sábios são homens e mulheres que se dedicam, ao longo de suas vidas, à ciência da pajelança, um modo de cura dos membros de seu povo que não separa as dimensões física, psíquica e espiritual, sendo uma prática de caráter complexo. Tornar-se um sábio-pajé, como se pode encontrar em etnografias da Amazônia indígena, sobre os povos Araweté, Yawalapití, Parakanã, Bororo, Yanomami e em outros, acontece como um chamado dos espíritos da floresta ou dos sobrenaturais, recebido geralmente por intermédio de sonhos (CASTRO, 2002; FAUSTO, 2014; LÉVI-STRAUSS, 1996). Assim, não se trata de assumir uma atividade livremente, por vontade própria, mas de assumir um dever existencial em prol de um equilíbrio cósmico, que garantirá a existência das futuras gerações, é o que pode ser entendido com as explicações do pajé Yanomami Davi Kopenawa (KOPENAWA; ALBERT, 2015).

Dito de outro modo, se a história de um modo de conhecer pautado pela lógica do sensível e pela oralidade é marcada por descontinuidades e perdas, é importante afirmar o débito que a ciência oficial ocidental contraiu com essas cosmologias da tradição. Para a matemática e teóloga portuguesa Teresa Vergani (2002, p. 118), “a oralidade precede e sustenta a racionalidade. É a partir deste laço que ciência e tradição se cruzam, se reconhecem”. A fertilidade desse diálogo requer, entretanto, que não se reduza um saber ao outro, que não se valide um por critérios estipulados pelo outro, uma vez que se tratam de estratégias distintas de pensar o mundo, mas, juntos, configuram uma só ciência. Desse modo, como a régua é feita para a reta e o compasso para o círculo - e esses dois instrumentos não se substituem -, também a ciência e a tradição constituem-se “mentefatos” singulares, que não se substituem e apontam sempre para a complementaridade (D’AMBROSIO, 2009).

Talvez tenhamos que empreender uma aposta epistemológica essencial que possa se expressar na instalação do “Parlamento das coisas”, proposto pelo filósofo e antropólogo Bruno Latour (1994). Portanto, postas as coisas, restaria exercitar um diálogo fundamental entre as duas matrizes epistemológicas que residem em nossos modos de conhecer como humanos. Duas matrizes de uma só ciência, uma mais próxima da natureza, outra mais distanciada dela; uma neolítica, outra moderna, como apreende Lévi-Strauss (1976).

O que podemos aprender com as narrativas e experimentos dos saberes sistematizados pelos intelectuais da tradição, pelas culturas indígenas? Em primeiro lugar, podemos entender que essas narrativas são a emergência de um pensamento baseado em homologias, que interconectam propriedades e atributos advindos de domínios e ordens diferentes. Em outras palavras, essas interconexões fazem dialogar as materialidades e imaterialidades, os fenômenos físicos, a imaginação radical e os sistemas de valores.

Longe, entretanto, de distanciar-se da vigilância, da cautela e do rigor do pensamento, essa estratégia de pensar afasta-se de uma pragmática da necessidade e utilidade. Ao contrário, seu apetite maior é o prazer de conhecer, conforme argumenta Lévi-Strauss (1976). Daí que, nas palavras do autor, “as plantas servem antes para pensar, do que para comer”, ou seja, “as espécies animais e vegetais não são conhecidas na medida que sejam úteis; elas são classificadas úteis e interessantes porque são primeiro conhecidas” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 29).

O PENSAMENTO ANALÓGICO

Nos sistemas de ideias e modelos mentais de correspondência consolidados por uma ciência primeira, merece destaque o pensamento analógico. As abundantes analogias caracterizam formas de pensar o mundo fora da domesticação da cultura científica, ao mesmo tempo que permitem sintetizar as semelhanças entre domínios expressamente dessemelhantes.

Como afirmam o físico David Bohm (1989), em Ciência, ordem e criatividade, e Edgar Morin (2014, 2002), em quase toda sua obra, mas especialmente em A cabeça bem-feita: pensar a reforma, reformar o pensamento e Os sete saberes necessários à educação do futuro, a operação mental de distinguir não supõe necessariamente opor e separar. Esse procedimento de religação cognitiva por meio da analogia é consagrado como prática de pensar nos redutos de uma “ciência primeira”, que, encontrando-se mais próxima de uma “lógica do sensível”, distingue, mas não separa nem opõe: relaciona, procura semelhança e observa as relações de repetição dos “sinais” que chegam. Em síntese, o uso eficaz das analogias nos saberes indígenas é consequência de uma forma de viver que se caracteriza por um estado de espírito atento a tudo que vê: “Fomos instruídos para prestar atenção a tudo que vemos”, essas são as palavras de um “pensador indígena”, confessadas a A. C. Fletcher e referidas por Lévi-Strauss (1976, p. 25).

É a partir de um estado de espírito “atento” que são alimentadas as construções dos conhecimentos originários, mas não é só isso. O uso abundante das analogias expressa também, e sobretudo, a consciência do parentesco dos indivíduos com todas as coisas do mundo - com os animais e as plantas, por exemplo. Daí o porquê, como relata Daniel Munduruku (2010), de as pessoas de sua cultura pedirem permissão (e mesmo perdão) às árvores, cada vez que precisam cortá-las para construir ou reformar suas casas, isto é, sempre que interrompem o ciclo de vida da natureza.

A originalidade das sabedorias ancestrais enraíza-se em modelos mais holísticos de pensar, não sendo esses modelos inferiores ou superiores aos das ciências modernas. Não há diferença de graus, mas de estilos ou estratégias de pensar (LÉVI-STRAUSS, 1976).

Os pensadores da tradição sistematizam conhecimentos que permitem transformar o meio natural de adverso a aliado da sobrevivência, em seus territórios. A descoberta constante da multifuncionalidade de cada elemento da natureza; a percepção da dimensão relacional de fenômenos físicos e os ciclos de vida e morte; a constatação do parasitismo e da dependência entre espécies vivas e matérias inorgânicas, servem de base para a sistematização de um saber experimental (ALMEIDA, 2017b). Os 15 tipos de cogumelos comestíveis brotados dos troncos de árvores, os quais os povos Yanomami Sanöma produzem e consomem em seu território, são um exemplo. O sistema de roça desses povos está associado à derrubada de algumas espécies de árvores, que, ao se decomporem, favorecem o desenvolvimento dos cogumelos (ENCICLOPÉDIA..., 2016apudNISHIKIDO, 2019).

No pensamento indígena, a cadeia de imputação de sentido às coisas “transversaliza” domínios, aproxima o vivo do não vivo e conecta o físico e o metafísico, o simbólico e o racional. Daí, por exemplo, a presença explícita de elementos míticos nos enunciados interpretativos dos processos ecológicos. É por isso que a maioria das previsões do tempo incluem aspectos simbólicos que selam contratos sociais mediados por elementos físicos ricos em significações. Trata-se de uma operação do pensamento mais próximo da noção de complexidade (ALMEIDA, 2017b).

O xamanismo é uma das reservas de humanismo guiado pela ciência dos antigos. Sendo um termo genérico para falar do benzedeiro, da curandeira, do pajé, do feiticeiro, o xamã expressa a multidimensionalidade humana em saberes construídos pela memória, pelos sonhos e experimentações. Os processos de aproximação e de consubstanciação entre homem e natureza são os modos de transcendência do pensar e da forma de viver do xamã. Estados alterados da consciência, como o estado poético e de criações, assim como o estado de transe, de possessão e de comunhão, emergem no xamã. A transcendência para essa condição mística do homem representa outra forma de olhar a realidade sem as dicotomias do pensamento redutor, sendo o xamanismo capaz de regenerar uma civilização focada na competição, na individualização e na acumulação.

Do ponto de vista da função social e política do conhecimento, cabem algumas perguntas. A quem serve o paralelismo entre o conhecimento científico e os saberes da tradição? A população que é destituída do saber científico estaria em atraso, em relação às questões enunciadas pela ciência moderna, num determinado momento? Seriam essas questões um empecilho à produção tida como universal e coletiva do conhecimento? Se é verdade que somente a comunidade científica sintoniza adequadamente as questões cruciais que dizem respeito às sociedades e as resolve, como explicar o fato de que as populações que não participam dessa comunidade de conhecimento elaboram suas matrizes de referências e delas se valem para responder, a contento, aos seus problemas cotidianos?

Essas questões permitem-nos repensar o processo educativo em nossos dias. A transmissão do conhecimento tem sido redutora e mutilante. De um lado, o saber científico fracionado, não comunicante; de outro, o saber tradicional, entendido como popular e de senso comum, sendo tratado como filho bastardo da aventura do conhecimento e excluído do âmbito da socialização e transmissão oficial. Tal exclusão acaba por construir linguagens e atitudes mentais que se distanciam mutuamente e que, por isso mesmo, consolidam espaços de estranheza e intolerância entre povos e culturas.

Os conteúdos hoje transmitidos pela cultura científica correspondem a uma história domesticada das descobertas de uma pequena parcela da comunidade humana. Está fora de circulação a diversidade de explicações, especulações e métodos de olhar, classificar e hierarquizar os fenômenos do mundo pelos intelectuais da tradição. Para citar um exemplo, são os métodos científicos de calcular e fazer previsão climática que são comunicados nas escolas, e nunca as formas tradicionais de leitura do ecossistema realizadas pelos peritos da tradição.

Se, nos conteúdos escolares, há alusão a outras interpretações do mundo, a elas são imputadas as qualidades de um saber sem rigor, sem método, sem função, um saber menor (ALMEIDA, 2017a).

Essa forma de interdito na circulação da cultura consolida uma sociedade de múltiplas exclusões e condena as populações não letradas a redutos cada vez mais fechados. Dotadas, entretanto, de uma criatividade, essas populações têm respondido a desafios que talvez a ciência seja incapaz de enfrentar, se não tiver a seu dispor tantas ferramentas, artifícios e próteses.

Certamente, a etnomatemática ocupa um lugar privilegiado para pensar essas questões e empreender seu investimento na configuração de uma matriz epistemológica constituída de saberes plurais. Para levar a efeito esse “novo espírito científico”, a etnomatemática tem apostado na “(re)construção da matemática produzida em diferentes contextos socioculturais e em diferentes épocas da nossa história”, conforme assevera Iran Abreu Mendes (2001, p. 58). Ubiratan D’Ambrosio e Eduardo Sebastiani são alguns dos pensadores que, do interior da matemática, souberam empreender o trânsito por entre diferentes contextos socioculturais do qual fala Iran Mendes. Da parte da matemática, a teóloga e antropóloga Teresa Vergani, uma matemática uterinamente nômade, cigana mesmo, emerge para religar linguagens, símbolos, afetos e números. Os seus livros Educação etnomatemática, Excrementos do sol: A respeito de diversidades culturais, O zero e os infinitos e, sobretudo, Matemática & Linguagem(s): olhares interactivos e transculturais representam exemplos vivos dessa etnomatemática nômade, mestiça, multicultural9.

Teresa Vergani, ao estudar a matemática em contexto educativo dos Tshokwe da Angola, observou que o recurso das estruturas geométricas era hábil e competentemente orientado para atividades visando diferentes objetivos pedagógicos. Na sua prática de escrita na areia, os Tshokwe inscreviam vários tipos de formas labirínticas, para desenvolver a consciência espacial e mental dos mais novos; os exercícios de memória verbal cantados ao ritmo das palavras eram associados a diagramas específicos (VERGANI, 2003). Em sua tese, Lucena (2005), ao estudar a complexidade matemática de conhecimentos navais desenvolvidos por mestres carpinteiros construtores de barcos do Estado do Pará, também ultrapassou as fronteiras da matemática fechada.

De igual modo, é esse o horizonte de subáreas emergentes, no interior mesmo do conhecimento científico paradigmatizado, e autodesignadas de etnobiologia, etnobotânica, etnocosmologia. Por outro lado, é necessário pensar criticamente sobre o prefixo “etno”. Bem vistas as coisas, as chamadas ciências modernas, nascidas no Século XVII, bem poderiam ser entendidas como etnociências, oriundas que são de um caleidoscópio da cultura europeia.

A cultura que recebemos hoje, por herança, funda-se na divisão de dois domínios de saberes: de um lado, a ciência; de outro, os saberes da tradição. Uma das incompreensões geradas por tal separação é subjugar a diversidade de saberes a partir de um único método e modo de pensar - o científico moderno. O prefixo “etno” popularizou-se alimentado por essa visão redutora e equivocada. Não podemos desconsiderar os limites e preconceitos epistemológicos que se escondem por trás do “etno”. Oliveira (2012), por exemplo, ao estudar a constituição de saberes botânicos pelos Waiãpi (AP), menciona a carga semântica diminuída desse prefixo, tendo em vista alimentar a cisma nós/eles, sendo que o nosso conhecimento é a ciência, o dos outros são etnoconhecimentos, ou seja, “não científicos”. Afinal, sobre a questão, não podemos perder de vista que a ciência é uma forma particular de conhecimento. O conhecimento não se reduz à ciência (ALMEIDA, 2017b).

Entre a régua e o compasso, entre a reta e o círculo, entre a ciência e a tradição: esse talvez seja o lugar, ou melhor, o não lugar (AUGÉ, 1994), a partir do qual as etnociências podem inaugurar uma atitude cognoscível e um modelo epistemológico capaz de religar estratégias distintas de compreensão do mundo, da vida e do homem.

CONCLUINDO

Quando se ousa interrogar o estabelecido; quando se está disposto a problematizar as certezas e verdades unitárias das ciências; quando se abre mão do conforto das convicções teóricas e disciplinares que agem como ansiolíticos do pensamento; quando a vontade de saber, longe da arrogância, recusa a vontade de poder; e, sobretudo, quando se concebe a incerteza, o inacabamento e a incompletude como princípios de um conhecimento que dialoga com o imponderável e os mistérios do mundo, aí estão em ação o pensamento complexo, uma ciência da complexidade e uma atitude interrogativa de natureza transdisciplinar.

Tal atitude do pensamento, já consolidada em domínios avançados das ciências desde os anos 60 do século passado, expressa sua vitalidade hoje, tanto quanto demonstra a relação fecunda de complementaridade e copulação amorosa entre ciência, saberes da tradição, arte e espiritualidade.

Longe da aceitação sem reservas por parte do velho paradigma do ocidente, essa religação ainda encontra hoje zonas de resistências, verdadeiras alfândegas de controle do pensamento livre e criativo (MORIN, 2011a). Nada mais natural e esperado nos tempos longos que marcam as metamorfoses do pensamento e as mudanças paradigmáticas. Entretanto, é necessário resistir à monocultura da mente e propugnar pela manutenção das sabedorias ancestrais, a fim de evitar um verdadeiro “memoricídio” cultural. Esse fenômeno de supressão, pelas sociedades modernas, de áreas ou setores-chaves de sua própria memória, de sua consciência histórica, com a destruição de sabedorias tradicionais, está nos conduzindo a uma perda considerável da diversidade biocultural que as sabedorias locais criaram e/ou aperfeiçoaram (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2015).

Distante da sacralização da ciência ou dos saberes indígenas, reafirmamos o argumento de que é preciso aproximar diferentes domínios de saberes e conhecimentos acumulados pelas experiências das culturas. A construção de saberes pelos povos indígenas e tradicionais não pode ser dispensada como referências cognitivas sem importância. Uma ecologia das ideias e um diálogo respeitoso entre saberes distintos (às vezes mesmo opostos, mas sempre complementares) são indispensáveis para ultrapassar a monocultura da mente.

REFERÊNCIAS

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4É importante compreender que os conflitos internos, as desordens e as disputas também fazem parte do cotidiano das diferentes culturas indígenas. No entanto, tais cosmovisões acabam por se render a metapontos de vista, que reafirmam a fortaleza de uma cultura ancestral alimentada pela relação de parentesco entre sujeitos e natureza - uma das bases existenciais fundantes da humanidade e que foram corrompidas pela sociedade capitalista, depredadora do patrimônio natural da Terra. Uma compreensão mais ampliada do argumento é defendida por pensadores indígenas, como Daniel Munduruku (2010), Ailton Krenak (2019) e Kaká Werá (2016).

5A palavra “primitiva” aparece sem aspas no texto, para se afastar do sentido pejorativo atribuído pelo Ocidente às sociedades pré-capitalistas, entendidas como culturas incipientes, inferiores. “Primitivo”, aqui, é usado na acepção original do grego, que, para Edgar Morin, corresponde a arkhé e “significa princípio, fundamento, origem” (MORIN, 1979, p. 154). Portanto, “sociedades primitivas” são sociedades originárias, arcaicas, tradicionais, não capitalistas.

6Do mesmo modo que “primitivo”, o termo “arcaico”, longe de significar resíduo ou entulho de um domínio cognoscente passado, atém-se, conforme lembra Edgar Morin, ao sentido original do vocábulo arkhè, e significa, ao mesmo tempo, o que é fundador, anterior, subterrâneo, soberano, subconsciente, persistente, permanente e comum a todos os homens (ALMEIDA, 2017a).

7É uma atadura feita de fibras de vegetal.

8Ecologia das ideias ou do conhecimento é uma operação do pensamento que leva em conta a cadeia de múltiplas correlações, determinações, aproximações e distintos padrões de auto-organização dos fenômenos, é um dos metaprincípios para a comunicação dos saberes científicos e destes com outras formas de saberes. É o coração de uma ciência da complexidade, tecida pacientemente por Edgar Morin (ALMEIDA, 2017b).

9É a matemática aberta ao diálogo com a diversidade de saberes existentes, sem fronteiras estabelecidas, transita por diferentes espaços e tempos culturais. Uma discussão a respeito está fundamentada no capítulo “Para uma ciência plural, nômade e mestiça”, em Almeida (2017b).

Recebido: 22 de Novembro de 2019; Aceito: 20 de Junho de 2020

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